segunda-feira, 21 de novembro de 2011

APONTAMENTOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO . B




INTRODUÇÃO

1. Limites à eficácia da lei no espaço
2.
As normas jurídicas, como normas de conduta que são, vêem o sem âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço: elas não podem ter a pretensão de regular factos que se passaram antes da sua entrada em vigor nem os factos que se passaram ou passam sem qualquer “contacto” com o Estado que as edita; elas não podem, por outras palavras, chamar a si a orientação daquelas condutas dos indivíduos que se passaram para além da sua possível esfera de influência.
A base do direito intemporal, constrói-se, por um lado, sobre o princípio da não retroactividade das leis, e por outro lado, sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob o império da lei antiga, assim o ponto de partida radical do Direito Internacional Privado assenta, por um lado, sobre a regra da não transactividade das leis e, por outro lado, sobre o princípio do reconhecimento das situações jurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.
O direito de conflitos de leis assume como critério básico o da “localização” dos factos: a “localização” no tempo para o direito intemporal e a “localização” no espaço para o Direito Internacional Privado. Essa a razão por que se afirma que estes dois critério são direitos “de conexão”: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui o dado determinante básico da aplicabilidade dos mesmos sistemas jurídicos. Por isso, pode-se enunciar como regra básica de todo o direito de conflitos [1] a seguinte: a quaisquer actos aplicam-se as leis – e só se aplicam as leis – que com eles se achem, em contacto.
No Direito Internacional Privado nem sequer basta o recurso a um princípio paralelo ao da teoria do facto passado e o recurso ao princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos. Pelo que respeita às situações absolutamente internacionais, importa ainda, num segundo momento fazer intervir uma regra de conflitos capaz de dirimir o concurso entre as leis em contacto com os factos.

2. Noção de Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado tem por objecto as situações da vida privada internacional, isto é, os factos susceptíveis de relevância jurídico-privada que têm contacto com mais de um sistema jurídico ou que se processam adentro do âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.
Direito Internacional Privado: internacional, porque é um direito que regula questões internacionais; privado, porque estas questões são relações entre particulares.
O Direito Internacional Privado tem como objecto as relações jurídico-privadas internacionais, os factos susceptíveis de relevância jurídico-privada. A Prof. Magalhães Collaço diz que o Direito Internacional Privado “é o direito que regula as relações jurídico-privadas atravessadas por fronteiras”.
Para se estar perante um caso de Direito Internacional Privado é necessário que haja:
• Uma pluralidade de ordenamentos;
• Uma diversidade de relações vitais que derivem das diferentes ordens públicas.
No Direito Internacional Privado tem-se normas formais, não dão a solução; são normas de remissão para outros ordenamentos, ou para o português, só indicam o ordenamento jurídico em referência que irá ser chamado para resolver a questão.
O Direito Internacional Privado tem uma justiça formal, porque de acordo ou em resultado das respectivas normas de conflito, não nos dá soluções, aponta meramente os ordenamentos jurídicos que são chamados a resolver a questão.

3. Modos possíveis de regular as relações do comércio privado internacional

O processo mais geral de solução dos problemas de Direito Internacional Privado é o processo próprio do Direito de Conflitos: em vez de resolver directamente tais problemas mediante disposições legislativas próprias (de carácter material), trata-se de designar a lei interna por aplicação da qual eles hão-de ser resolvidos. As disposições de Direito de Conflitos são, pois, constituídas por regras de carácter formal, regras de “remissão” ou “de reconhecimento”, e não por regras de regulamentação material.
O Direito Internacional Privado representa afinal uma disciplina jurídica especial dos factos e relações que o legislador entende serem estranhos ao seu ordenamento: as normas materiais estrangeiras chamadas através das regras de conflito seriam recebidas na ordem jurídica do Estado do foro, ficando a constituir aí, ao lado das normas materiais deste Estado, o direito especial das relações jurídico-privadas externas. O legislador, em vez de criar directamente todo um sistema particular de direito material, recorre a normas indirectas para chegar à mesma solução.

4. Como Solucionar casos de Direito Internacional Privado

Com direito interno material comum: o facto de solucionar problemas de Direito Internacional Privado recorrendo às normas materiais não é uma solução viável por levar a soluções antagónicas e criar incerteza jurídica. Há quem entenda que levaria a um “fórum shopping”. A aplicabilidade do direito português material interno poderia conduzir a soluções desvantajosas ou injustas embora fossem escolhidas pelas partes [2]; por essas razões não foi esta a solução escolhida pelo legislador.
Com direito uniforme adoptado por convenções internacionais: em determinadas matérias e por via da consagração de convenções internacionais alguns ordenamentos jurídicos encontram uma solução uniforme. No entanto nem todos os Estados aderem a convenções e existem algumas lacunas, além de certas matérias estarem desactualizadas.
O legislador português entendeu que a melhor maneira de solucionar casos de Direito Internacional Privado seria o método de regulamentação material através do qual procura-se encontrar a regulamentação para a questão privada internacional, ou seja, saber qual o ordenamento jurídico material com a qual ou quais esta mesma questão é conexa para dela se extraírem as normas aplicáveis ao caso concreto – normas de conflito.


5. Primeira noção de regras de conflitos

O processo normalmente adoptado pelo Direito Internacional Privado para regular as relações de comércio privado internacional é o processo próprio do direito de conflitos: em vez de regular directa ou materialmente a relação, adopta o processo indirecto consistente em determinar a lei ou leis que a hão-de reger. A determinação desta lei, decorre por vezes logo directa e indirectamente daquela regra ou princípio básico do direito de conflitos segundo o qual a quaisquer factos só deve aplicar-se uma lei que com eles esteja em contacto.

6. A “lex fori” como lei do processo

O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da causa se aplique uma lei estrangeira. Vale dizer que as leis relativas ao formalismo ou rito processual não levantam um problema de conflitos de leis, visto não afectarem os direitos substanciais das partes. São, pois, de aplicação imediata e de aplicação territorial.
Há, que distinguir duas espécies de leis relativas às provas: as leis de direito probatório formal, que se referem propriamente à actividade do juiz, dos peritos ou das partes no decurso do processo, e as leis de direito probatório material, a esta segunda categoria pertencem as leis que decidem sobre a admissibilidade deste ou daquele meio de prova, sobre o ónus da prova e sobre as presunções legais. Aos pontos ou questões do direito regulados por estes tipos de normas já não se aplica a lex fori enquanto lex fori, mas a lei ou leis competentes para regular o fundo da causa: a lei reguladora da forma dos actos, a lei reguladora da relação jurídica em litígio ou a lei que regula os actos ou factos aos quais vai ligada a presunção legal.

7. O Direito Internacional Privado e o “direito dos estrangeiros”

Entende-se por “direitos dos estrangeiros” o conjunto de regras materiais que reservam para os estrangeiros um tratamento diferente daquele que o direito local confere aos nacionais. De resto, como regra, os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (art. 14º/1 CC). Só assim não será quando exista disposição em contrário, ou quando se verifique o pressuposto a que se refere o art. 14º/2 CC.
São portanto, dois os princípios que regem a matéria de capacidade de gozo de direitos dos estrangeiros em Portugal, no domínio do direito privado: o princípio da equiparação e o princípio da reciprocidade. Por força do primeiro princípio, os estrangeiros, pelo facto de o serem, não vêem a sua capacidade de gozo de direitos restringida em Portugal. Diz o art. 14º/1 CC que eles são equiparados aos nacionais.
O princípio da reciprocidade, por seu turno, só funciona quando o estrangeiro pretende exercer em Portugal um direito que o respectivo Estado nacional reconhece aos seus súbitos, ou a estes e aos súbitos de outros Estados com os quais mantenha relações particulares, mas recusa aos portugueses em igualdade de circunstâncias, só porque estes são estrangeiros ou porque são portugueses. Tem que haver, pois, um tratamento discriminatório dos português fundado na simples circunstância de estes serem portugueses ou serem estrangeiros.





EVOLUÇÃO HISTÓRICA

8. Origem do Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado é as relações jurídicas privadas atravessadas por fronteiras.
As suas origens encontram-se no séc. III, com as glosas baseadas na pura lógica do raciocínio e no método de discussão. No entanto sofriam influências do Direito Internacional Privado romano e do universalismo cristão.
No Império Romano o Direito Internacional Privado tinha um papel secundário, após a queda do Império (séc. V), começa a ter mais relevância porque surgem inúmeros povos com a soberania própria, logo cada um tinha e gozava de leis próprias.
Cada região tribal tentava impor as suas leis, do séc. V ao séc. X vingou cada autoridade territorial gozava de leis próprias.
A partir Direito Penal séc. IX, embora existisse a monarquia, eram os senhores feudais que administravam o seu território.
Devido à diversidade de feudos, voltou-se a por a concepção do Direito Romano e do universalismo cristão, mas em determinadas matérias eram os senhores feudais que ditavam as leis sofrendo a influência dos direitos germânico e romano.
A partir do séc. XII as cidades italianas começaram a libertar-se do feudalismo, o primeiro tratado de Constança (1183), entre o Imperador Frederico e as cidades de Lombardia, este tratado é um conjunto de princípios jurídicos que visava estabelecer toda a regulamentação jurídica entre o território Italiano e a leis próprias das cidades.
A fonte primordial continuava a ser a do direito romano, mas começavam-se a esboçar e a aceitar costumes locais que iam buscar a sua origem ao Direito Romano e Germânico, daí que, chegado aos finais do séc. XII, princípios do séc. XIII, tem-se cada vez mais uma aceitação por parte dos juízes em aplicar a lei que achassem mais adequada.
No séc. XIII aparece a Glosa de Acúrcio, nos termos da qual o juiz podia aplicar qualquer tipo de lei. Abandonou-se a ideia de lex fori no tocante especialmente À matéria dos contratos e preconizou-se em relação a esta questão que se aplicaria a lei do lugar da sua conclusão, introduzindo-se assim a “lex contratus”.

9. Século XVI

O francês Charles Demulin provoca uma grande alteração no Direito Internacional Privado, constrói uma teoria sobre a escolha da lei aplicável – Teoria da vontade no âmbito do direito contratual: o juiz escolhia a lei que melhor se aplicaria ao caso, fugindo assim à doutrina dominante da lei do lugar onde se encontra a coisa. Mas no que toca a imóveis estabeleceu-se o estatuto real [3].
Bertrand d’Argenté vem contrariar esta tese e defende que a matéria do estatuto real deveria ser extensível aos bens móveis, implicando desta forma a sua aplicação a todas as relações jurídicas quer obrigacionais quer sucessórias. No entanto, em caso de conflito, aplicar-se-ia a lei onde as coisas estivessem situadas, isto é, a “lex rei sitae”, ou seja, em caso de conflito aplicar-se-ia a lei soberana do Estado.


10. Século XVIII

É criado o Código Napoleónico, criando-se em toda a Europa o movimento da codificação e no âmbito do Direito Internacional Privado defende-se a ideia de que cada ordem jurídica tinha regras próprias as quais aplicar-se-iam a cada caso.
Nos finais do séc. XVIII surge Savigny criando uma grande inovação: vai defender uma teoria no âmbito de Direito Internacional Privado que se vão cingir aos princípios fundamentais: vai partir da própria relação jurídica, deveria recorrer-se à lei mais adequada e na sua falta aos princípios gerais de direito, fosse qual fosse o ordenamento jurídico em questão. Levanta uma questão nunca antes preconizada, porque sendo aplicada a lei mais adequada, nada impedia que um Estado aplicasse direito material interno de outro ordenamento jurídico, criticava-se o princípio da territorialidade. Outra consequência do pensamento de Savigny era equiparar os estrangeiros aos nacionais, as questões deveriam ser analisadas em razão à sua sede e natureza para se determinar o elemento de conexão. Para Savigny a sede é o elemento determinante de cada relação jurídica vindo assim a preconizar os seguintes efeitos:
a) Para o estabelecimento da capacidade do sujeito é a lei do domicílio – lex domicilii;
b) Para os direitos reais, o lugar da situação da coisa – lex loci – lugar da coisa – ou lex rei sitae;
c) Para as relações obrigacionais (constituição e execução) é o lugar do respectivo cumprimento da obrigação;
d) Para as relações familiares:
i) Casamento: lei do domicílio do marido;
ii) Poder paternal: domicílio do pai;
iii) Tutela: domicílio do pupilo.
e) Para as relações sucessórias: lei do domicílio do autor da sucessão [4].
Savigny defende a submissão das relações jurídicas à ideia de sede, o ponto de partida é sempre a ideia de sede. Diz ainda que tem que se distinguir as normas de direito privado de direito público.
Dentro do direito privado, tem-se as normas necessárias e voluntárias; dentro das necessárias, estas não podem ser alteradas pela vontade das partes e dentro destas, tem-se as de família e de estatuto pessoal; nas normas voluntárias, encontra-se os negócios obrigacionais no que toca à formação do contrato.
Dentro das normas de direito público, estas têm que se reger pelo princípio da territorialidade.

11. Mancini

Contemporâneo de Savigny vem contestar a sua teoria, indo no sentido oposto deste: a aplicação da lei estrangeira as relações jurídicas plurilocalizadas apresenta o cumprimento de um dever de Estado, abandonar assim em parte o princípio da territorialidade.
As relações jurídicas deveriam ser reguladas pela lei nacional que os sujeitos tiverem escolhido, ou pela lei nacional, com um único limite à lei estrangeira que é um limite legislativo – princípio da ordem pública.
Elemento fundamental do estabelecimento das relações pessoais do sujeito é a lei da nacionalidade, porque “nós somos fruto do sítio onde nascemos”. Mancini vem preconizar o princípio da nacionalidade estrangeira.

NATUREZA DAS NORMAS DE CONFLITO

12. Desenho geral da regra de conflito

O Direito Internacional Privado enquanto direito de conflitos, não pretende regular directamente as relações privadas internacionais: limita-se a indicar as ordens jurídicas estaduais que hão-de reger essas relações. É principalmente através da regra de conflitos que ele se desempenha dessa tarefa.
As normas de conflitos têm uma estrutura baseada na previsão [5] e na estatuição [6], não existindo sanção.
A regra de conflitos destaca um elemento da situação de facto susceptível de apontar para uma, e apenas uma, das leis em concurso [7]. Este é o elemento de conexão. Mas importa notar três coisas:
1) Que a mesma situação de facto pode suscitar diferentes questões jurídicas;
2) Que um concurso ou conflito de leis ou de normas só se verifica quando pretendam aplicar-se à mesma questão de direito normas de conteúdo diferente;
3) Que a conexão mais apropriada para determinar a lei aplicável a um certo tipo de questão ou matéria jurídica pode não ser a melhor para determinar a lei competente para reger outra matéria ou questão jurídica.
Os preceitos estatuídos no Código Civil na parte reservada aos estrangeiros são normas de conflito que visam dirimir conflitos de leis. As normas de conflito do Código Civil não apresentam qualquer tipo de solução para a resolução do caso mas indicam qual o ordenamento jurídico que irá regular o caso.
As normas de conflito são normas que regulam as relações inter-individuais atravessadas por fronteiras.
O que caracteriza as normas de conflito é o facto de ser uma norma de regulamentação indirecta, isto é, uma norma que regula relações inter-individuais por designação de uma ou várias ordens jurídicas para nessa ordem jurídica encontrar a regulamentação da situação privada internacional. As normas de conflito são normas de remissão.
Quanto à natureza das normas de conflito, tem-se dois tipos consoante a sua fonte: ou provêm do direito internacional, se são formuladas por órgãos internacionais; ou provêm de normas de direito interno formuladas pelos próprios Estados com vista a regular interesses dos particulares.

13. Conceito quadro

Este conceito circunscreve a questão ou matéria jurídica específica para a qual a regra de conflitos aponta a conexão decisiva e, mediante esta, a lei competente; tal conceito aparece expresso, em regra, pela fórmula designativa de um dos grandes capítulos ou institutos do sistema do direito privado e, por isso, recebe também o nome de “conceito sistemático”.
Há várias concepções acerca do conteúdo da categoria de conexão, ou seja, sobre o objecto imediato da sua referência.
Segundo uma delas, o conceito quadro designaria a relação jurídica.

Uma segunda concepção considera que o conceito quadro se refere directamente a uma relação ou situação da vida, isto é, a puros factos ainda não juridicamente qualificados.
Segundo uma outra concepção, a norma de conflitos referia no seu conceito quadro uma questão jurídico-privada.
Uma última teoria entende que o conceito quadro designa e circunscreve um certo grupo, classe ou categoria de normas materiais. Suposta uma situação da vida coligada a determinado ordenamento através de certo elemento de conexão, a aplicabilidade das normas que nesse ordenamento regulam tal situação depende de elas terem certa natureza ou pertencerem a certa categoria – a categoria que corresponde a tal conexão ou título de chamamento.
Para nós, o conceito quadro da regra de conflitos não circunscreve pressupostos de facto, não recorta elementos ou dados de facto juridicamente relevantes; mas que é, antes; à norma aplicável, e só a ela, que compete dizer quais são os factos juridicamente relevantes. Tanto mais que a definição dos elementos de facto jurídico-materialmente relevantes depende de um juízo de valor jurídico-material que só a lei material competente cabe proferir.
O conceito quadro duma regra de conflito, serve para designar ou circunscrever o tipo de matérias ou de questões jurídicas dentro do qual é relevante ou decisivo para a fixação da lei competente, o elemento de conexão a que a mesma regra de conflitos se refere.

14. Elementos de conexão

a) Estrutura das normas de conflito

Previsão: o próprio objecto das normas de conflito. Colocação de um problema, porque para se proceder a uma aplicação rigorosa da ordem jurídica competente, é necessário proceder à “depecage” ou desmembramento da situação jurídica em causa.
A estatuição: dá-se por via do elemento de conexão, o qual pode revestir várias modalidades.

b) Modalidades de conexão

1) Conexão simples ou singular: existe quando a norma de conflito aponta para uma única ordem jurídica por via de um só elemento (ex.: arts. 30º; 33º/1; 46º/1 CC);
2) Elementos de conexão múltipla: quando as normas de conflito apresentam vários elementos de conexão:
i) Conexões sucessivas ou subsidiárias: está-se perante duas ou mais elementos da conexão os quais só se irão aplicar caso falhe os anteriores (ex.: art. 52º/1 e 2 CC);
ii) Conexão alternativa: prevê várias conexões como possíveis, mas apenas uma vai ser aplicada com vista à obtenção do resultado (ex.: art. 65º/1 CC);
iii) Conexão cumulativa: vai-se aplicar duas leis pessoais simultaneamente, ou seja, aplicam-se ambas (ex.: art. 33º/3 e 4 CC);
iv) Conexão condicional: quando o segundo elemento de conexão chamado para regular o caso vai limitar a aplicabilidade da primeira lei (ex.: art. 55º/2 CC).

15. Classificações possíveis dos elementos de conexão

1º) Classificação:
a) Elementos pessoais:
• Nacionalidade;
• Outros elementos pessoais: residência habitual ou domiciliária, paradeiro, etc.
c) Elementos de conexão do objecto de interesse ou elementos de conexão reais: lugar da situação da coisa (ex.: art. 46º/1 CC), lugar da prática do facto (art. 45º/1 CC).


2º) Classificação

a) Conexão móvel ou variável: aqueles elementos de conexão que poderão sofrer alterações (ex.: nacionalidade, residência habitual);
b) Conexão de coisas imóveis ou invariáveis: fixam um momento em concreto e de nenhum modo se pode alterar (ex.: lugar da celebração do acto).
Há casos em que se pode imobilizar um elemento de conexão móvel, art. 53º CC: elemento de conexão móvel é a lei nacional dos nubentes e este elemento é imobilizado “ao tempo da celebração do casamento”.
Há casos em que, se consegue fixar o momento da determinação de um elemento de conexão móvel, art. 55º/1 e 52º CC: elemento de conexão móvel é a lei nacional mas o indeterminismo reside no facto de não se saber quando é que se irá determinar a lei nacional dos cônjuges.
3º) Classificação
Estatuto suspenso: o elemento de conexão é fixo ou imóvel, mas em termos tais que o seu conteúdo apresenta-se temporariamente indeterminado (ex.: art. 62º CC).
Sucessão de estatuto: quando se verifica a existência de sucessões de leis aplicáveis em consequência de uma alteração do elemento de conexão utilizado quando existe duas sucessões que sucedem no tempo [8].
O problema da sucessão de estatutos verifica-se pela existência de sucessão de leis aplicáveis em consequência de uma alteração do conteúdo concreto do elemento de conexão utilizado pela norma de conflito.

NACIONALIDADE

16. Breve apresentação histórica da nacionalidade

A primeira referência histórica à nacionalidade, parece nas Ordenações Filipinas, todos os que nasciam em Portugal tinham nacionalidade portuguesa e filhos de pai português. Dois critérios de atribuição da nacionalidade: ius sanguini – direito do sangue – e ius soli – direito do solo – são havidos como naturais do reino todos os aí nascidos.
Na Constituição de 1822 nasce o conceito de nacionalidade; aparecem duas formas distintas da aquisição da nacionalidade:
• Aquisição originária: ius soli, ius sanguini;
• Aquisição derivada: crianças abandonadas, critério ius soli; escravos atribui-se a nacionalidade por via do ius soli, mas só após registo de libertação.
No critério ius sanguini só relevava a figura do pai, de maneira que só o filho de pai português é que adquirira nacionalidade portuguesa.
Na Carta Constitucional de 1826 veio acentuar o critério do ius soli; o critério do ius sanguini continuava a vigorar, mas foi deixado em segundo plano, pois em caso de dúvidas aplicava-se ou ius soli.
A Constituição de 1838 adoptou o critério do ius soli e do ius sanguini dando relevo à nacionalidade do pai como à nacionalidade da mãe.
A forma de aquisição da nacionalidade por naturalização, já existia desde a Constituição de 1822, podiam-se naturalizar português os cidadãos que tivessem atingindo a maioridade (25 anos) e tivessem fixado domicílio em Portugal ou por casamento.
Nestes três diplomas mantiveram-se constantes os casos de perda da nacionalidade:
• Naturalização em país estrangeiro;
• Aceitação, sem licença do Governo, de emprego, pensão ou condecoração de qualquer Governo estrangeiro;
• Condenação judicial, actualmente não é causa de perda da nacionalidade no nosso país, mas em França e nos países anglo-saxónicos existem situações de condenação jurídicas que levam à perda da nacionalidade.
O Código Civil de 1867, vem receber influência do Código Civil francês no qual há uma predominância do critério do ius soli, sendo como formas de aquisição derivada (requisitos cumulativos):
• Maioridade (25 anos);
• Capacidade de meios;
• Residência em Portugal há mais de 25 anos.
O Código de Seabra foi alterado em 1910, tendo sido acrescentados dois critérios de aquisição derivada da nacionalidade:
• Por via da naturalização, exigia-se o cumprimento do serviço militar;
• Por via de residência, alterou-se para três anos o tempo necessário para adquirir nacionalidade portuguesa.
Pela primeira vez surge o conflito de nacionalidade, se uma pessoa apresentava mais de uma nacionalidade aplicava-se o princípio da efectividade, isto é, aplica-se a lei do sítio onde a pessoa se encontra.
A lei 2087 de 29 de Julho vem completar o Código de Seabra, clausulando especificamente a capacidade de gozo e de exercício dos direitos políticos relacionados com órgãos de soberania. Além disso, introduz a possibilidade de adquirir nacionalidade portuguesa por casamento e no caso do casamento ser declarado nulo, a nacionalidade mantinha-se desde que a tivesse adquirido de boa fé.
A Constituição de 1911 começa a esboçar o processo de aquisição de nacionalidade por causa da naturalização, o Governo português podia atribuir a nacionalidade portuguesa por naturalização a todos aqueles que demonstrassem feitos gloriosos à República Portuguesa.
Durante o período de vigência do Estado Novo, o ius soli vigorou para todo o território português, mas havia tribos a quem não lhe era concebido o direito da nacionalidade.
Em 1981 dá-se uma grande alteração legislativa, a lei 37/81 de 3 de Dezembro, lei da nacionalidade, alterada pela lei 25/94 de 19 de Agosto.

17. Nacionalidade

A doutrina tem sido unânime em considerar o conceito de nacionalidade como o vínculo que liga o cidadão ao Estado.
A cidadania é um feixe de direitos e deveres que determinado cidadão goza num território geograficamente determinado.
Pode-se adquirir a nacionalidade portuguesa por duas formas:
1) Via originária: arts. 1º e 5º da lei da nacionalidade;
2) Via derivada: arts. 2º, 3º, 4º e 6º lei da nacionalidade.
Derivam daqui duas consequências:
- Para efeitos militares, os cidadãos que adquirem a nacionalidade por via derivada, não podem ascender ao topo da carreira;
- A Constituição no que toca à eleição a Presidente da República só se podem candidatar a tal, cidadãos portugueses com nacionalidade por via originária (art. 122º CRP).
Por naturalização entende-se o acto pelo qual o Estado reconhece ou cede a um cidadão estrangeiro a seu pedido a qualidade de ser nacional.


PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


18. Princípio da harmonia jurídica internacional

Através da aplicação deste princípio pretende-se que o sistema jurídico aplicável ao “caso”seja o mesmo para todos os Estados conexionados com a situação da vida a regular [9].
O pilar fundamental deste princípio é a necessidade de uniformizar, por via da valoração o direito em referência.
Podendo as leis interessadas no caso ser duas ou mais, impõe-se a tarefa de coordenar de modo a evitar que o mesmo aspecto ou efeito da relação jurídica em causa venha a ser apreciados segundo a óptica de legislações diferentes.

19. Princípio da harmonia jurídica interna

Por via deste princípio pretende-se evitar as contradições normativas, isto é, pretende-se adoptar uma única lei para regular os vários aspectos da situação da vida ou situações de facto [10], exs.: arts. 41º, 56, 57º CC.
Este princípio cria uma situação de confiança entre os particulares. O legislador ou aplicador do direito vai evitar contradições normativas.

20. Direito Internacional Privado e jurisprudência de interesses

Dentro deste princípio é necessário fazer uma divisão:
a) Interesses individuais: os sujeitos têm interesse em que lhes sejam aplicados os preceitos da ordem jurídica que possam considerar como sua (art. 41º/1 CC);
b) Interesses gerais do tráfego jurídico: traduz a necessidade de tutela e da segurança das relações jurídicas, há por aplicação deste princípio a tendência para escolha de factores de conexão permanentes [11].

21. Princípio da efectividade ou da maior produtividade

Princípio pelo qual aplica-se a lei como melhor competência ou de maior proximidade; tende-se a aplicar aquela lei que se ache mais próximo da questão (ex.: arts. 45º, 46º/1 CC).

22. Princípio da boa administração da justiça

Por via deste princípio leva-se à maximização da aplicação da lei material do foro (ex. art. 22º CC).
Haverá boa administração da justiça pelo juiz nacional quando por via do alargamento das normas de conflito o juiz terá de criar uma uniformização. Elas são bilaterais, os elementos de conexão remetem, quer para o ordenamento jurídico estrangeiro quer para a lei interna e são normas bivalentes porque tentam abranger todos os ordenamentos jurídicos.
23. Princípio da ordem pública internacional
Diz que da aplicação do ordenamento jurídico estrangeiro, resulta de uma ofensa aos princípios fundamentais do Estado português aplicar-se-á, numa primeira abordagem, o direito desse ordenamento e, em último caso o direito material interno português.
A ordem pública internacional do Estado português não afasta inteiramente o direito estrangeiro considerando competente, mas somente o que é ofensivo dessa ordem pública (art. 2º/2 CC).
O que interessa, para saber se houve ou não violação da ordem pública internacional, não são os princípios consagrados na lei estrangeira que servem de base à decisão, mas o resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto.
Os princípios fundamentais da ordem pública interna do Estado português são os princípios imperativos que formulam o quadro jurídico, que são os princípios constitucionais e os princípios fundamentais.

24. Princípio dos direitos adquiridos

Uma vez adquirido (o direito), adquirido está, este princípio assenta toda a sua estrutura no direito romano (ex.: arts. 29º e 63º CC), uma vez capaz sempre capaz. Aceita-se estas situações por segurança jurídica e estabilidade.
25. Princípio da autonomia da vontade
Aquele que faculta às partes a escolha da lei aplicável, só é possível nos negócios obrigacionais (ex. art. 41º e 19º/2 CC).
Só se aceita o princípio da autonomia da vontade nos negócios obrigacionais, mas mesmo nestes, há restrições.
Não temos uma expressão normativa tão ampla que abrange todas as situações, por isso, quando não existe solução vai-se aos princípio do Direito Internacional Privado, que são princípio formais porque vão ajudar a solucionar essas questões.

26. Princípio do “favor negotti” ou princípio da justiça material

Quando determinado negócio jurídico resulte por aplicação da respectiva lei material, a sua invalidade, tendo em conta o princípio do “favor negotti” há que lhe atribuir a respectiva validade porque há que tentar salvar o negócio [12] ex. art. 19º CC.
Implica que o juiz nacional tenderá a salvar o negócio para que não sejam frustradas as expectativas das partes.

INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DE CONFLITOS

27. Interpretação

As normas são interpretadas com as regras próprias de interpretação do Direito Internacional Privado. O pilar fundamental que subsiste na interpretação de tratados internacionais é o princípio geral da regra da boa fé (como primeira norma). Como segunda norma deve-se atender ao contexto geral dos tratados.
As normas de conflito interno são aquelas que se encontram sistematizadas no Código Civil, as regras gerais obedecem às regras do art. 9º CC.
1) Normas de conflito de fonte internacional
É aceite pela doutrina que o aplicador do Direito Internacional Privado terá que atender à letra da lei.
Dois princípios essenciais nesta interpretação dos tratados internacionais:
a) Princípio da boa fé;
b) Princípio segundo o qual deve-se atender ao contexto geral dos tratados: âmbito ou teor criativo consagrado no tratado; elemento teológico ou finalístico.
2) Normas de conflito de fonte interna
Nesta matéria da interpretação das normas de conflito o legislador tenderá a aplicar as regras gerais consagradas no art. 9º CC.
No entanto não se pode esquecer que o Direito Internacional Privado é um direito especial relativamente ao direito privado comum, por isso, não se pode ignorar esta especialidade na sua interpretação, assim, como não se pode ignorar o facto de as normas de conflitos serem normas abertas aos outros sistemas jurídicos.

28. Interpretação de lacunas

O sistema de normas de conflitos português é de um sistema extremamente organizado, o que não impede, no entanto, que hajam lacunas em matéria de Direito Internacional Privado.
Surge uma lacuna em Direito Internacional Privado quando relativamente a uma questão privada internacional, que não se encontre uma norma de conflito que determine qual a regulamentação própria dessa questão. Há que distinguir a lacuna do caso omisso.
A lacuna: existe quando o legislador não regulou uma questão porque não a previne, mas se a tivesse previsto, regularia por se tratar de um caso que deve cair sob a tutela da ordem jurídica.
Caso omisso: é o caso posto à margem do direito que o legislador não regulou porque entendeu que deveria ser excluída da tutela da ordem jurídica.
No direito português, o art. 10º CC diz que uma das saídas para integrar uma lacuna é a analogia ou ainda a interpretação extensiva.
Será admissível em Direito Internacional Privado a integração de lacunas?
A doutrina é unânime na admissibilidade da integração de lacunas no Direito Internacional Privado.
No entanto o Prof. Baptista machado entende que a integração de lacunas é o processo normal de funcionamento da norma de conflitos, mas verificada a analogia entre um instituto estrangeiro e outro da lex fori; então aquele instituto estrangeiro caberá no conceito quadro da lei do foro.
A Prof. Magalhães Collaço aceita esta ideia e refere em especial o art. 10º/3 CC: terá que se atender sempre ao espírito do sistema português porque conduz à necessidade de descobrir os princípios gerais de Direito Internacional Privado e a partir daí, encontram-se as soluções que permitam integrar as lacunas das normas de conflito. Quando houver uma lacuna, o juiz tenderá a criar uma norma de conflito tendo em conta os princípios gerais do Direito Internacional Privado.
Em conclusão: no que toca ao sistema de interpretação e integração de lacunas, a doutrina entende que o Direito Internacional Privado restringe-se às normas de interpretação que o intérprete português tem: art. 9º, 10º e 11º CC.

29. Aplicação no tempo

Quanto ao início e termo das normas de conflito a unanimidade da doutrina entende aplicar o sistema integrado no art. 12º e 13º CC como princípios gerais. A vacatio legis aplicar-se-á para as normas de conflito [13].
Relativamente à aplicação sucessiva de leis no tempo, quando possa existir uma sucessão de normas materiais aplicáveis em virtude de uma alteração, pode-se ter:
a) Sucessão das normas materiais da ordem jurídica competente;
b) O problema complica-se quando existe uma sucessão no tempo de ordens jurídicas aplicáveis em consequência de uma alteração no conteúdo concreto do elemento de conexão utilizado na norma de conflitos do foro.
A doutrina clássica preconiza a aplicação imediata e total da norma de conflitos. A Prof. Magalhães Collaço entende que o ordenamento jurídico do foro, como o responsável pela situação deve competir-lhe a resolução da questão pelo que por via da aplicabilidade do art. 3º/3 CC, terá que se remeter para aplicação do art. 2º/1, 1ª parte CC, assim como do art. 13º CC.
30. Aplicação das leis no espaço
As normas de conflito têm uma vocação universal, que é a sua total ambivalência. Aplicar-se-ão a todos os ordenamentos jurídicos independentemente de saber se no foro há alguma conexão ou limitação.
A tese clássica afirmava que as normas de conflito tinham vocação universalista e neste sentido o legislador das normas de conflito substituía-se ao legislador internacional.
A tese dos direitos adquiridos as normas de conflito goza do carácter da territorialidade com vocação universal.
Exemplo:
A e B, italianos casaram em Nova Iorque onde viveram, tendo A, mudado a sua residência para Lisboa e aqui resolve intentar uma acção de anulação do casamento (questão de capacidade).
A lei italiana considera este casamento inválido e a lei americana valida este mesmo casamento. Várias soluções são possíveis:
Segundo a tese clássica, aplica-se a norma de conflito portuguesa. O art. 49º CC remete para a lei pessoal dos nubentes que é a lei italiana (lei da nacionalidade, art. 31º/1 CC), a qual considera o casamento como inválido.
Segundo a tese dos direitos, não se pode aplicar o art. 49º CC porque não existia à data do casamento qualquer conexão com a nossa ordem jurídica.
A Prof. Magalhães Collaço vem dizer que o Direito Internacional Privado não pode deixar de formular critérios gerais para questões mesmo que estas se tenham constituído no estrangeiro sem contracto com a norma de conflito, logo a via resolutiva para esta questão teria de ser apontada pela norma de conflito potencialmente aplicável.
Para esta questão a norma potencialmente aplicável é o art. 49º CC, logo o ordenamento jurídico competente para regular a validade deste casamento é o ordenamento italiano.
É entendimento unânime da doutrina que é impossível a autolimitação das normas de conflito, mas não impede que não aceitando esta autolimitação se crie uma solução “ad hoc” para entender às situações constituídas no estrangeiro ao abrigo de uma norma estrangeira sendo esta diferente da lei do foro. Exemplos: arts. 31º/2, 47º, 28º/3 CC.
Conclusão: não se preconiza nem a tese clássica nem a tese dos direitos adquiridos, tem-se um carácter territorial com vocação universalista, a qual pode sofrer as limitações já referidas.
[13] No que toca ao início e termo das normas de conflito.

DEVOLUÇÃO OU REENVIO

31. O reenvio como problema da interpretação do direito de conflitos

Tem-se até aqui concebido a regra de conflitos como uma norma que essencialmente se destina a resolver concursos de leis. O pressuposto básico da norma de conflitos é, pois, tanto nas suas origens históricas como o seu significado actual, a existência de mais que uma lei que se candidata ou concorre à resolução de certa questão privada internacional – e isto directamente, através das suas normas de regulamentação directa (materiais) ou, quando muito, também através de normas doutro ordenamento recebidas através de uma norma de remissão material.
Essa diversidade das regras de conflito de leis dos diferentes sistemas nacionais veio pôr em cheque o ideal de uniformidade de soluções a que aspira pela sua própria natureza o Direito Internacional Privado – ideal que se deveria traduzir na garantia de uma dada questão viria a ser apreciada por aplicação das mesmas normas materiais, qualquer que fosse o Estado em que viesse a ser julgada.
O problema é posto na doutrina em termos de saber qual o sentido da referência feita pela regra de conflitos à lei por ela designada: trata-se de uma referência material ou duma referência global? Por outras palavras: pergunta-se se, com a designação da lei aplicável feita pela regra de conflitos, se pretende escolher directamente as normas materiais que devem regular a questão, ou se se pretende, antes, determinar essas normas indirectamente, mediante uma referência à lei que abranja também as normas de Direito Internacional Privado desta lei. Responde no primeiro sentido a teoria da referência material, e no segundo, a tese da referência global.
32. Teoria da referência global ou devolucionista
A favor desta teoria alegaram-se fundamentalmente duas razões. A primeira é a de que a norma material estrangeira não pode ser aplicada abstraindo da regra do Direito Internacional Privado que, na lei a que pertence, lhe define o âmbito de aplicação no espaço: aplicá-la noutros termos para desvirtuá-la. A regra de conflitos constitui elemento integrante da hipótese da norma material, forma com ela, um todo incidível. Aplicar esta sem atender àquela não seria aplicar a lei estrangeira seria, antes, ir contra a vontade dessa lei.
A segunda razão alegada a favor da mesma tese é a de que o entendimento por ela propugnado da referência global conduz à harmonia jurídica entre leis que têm normas de conflitos divergentes.
Esta teoria significa que a ordem jurídica tem que ser vista como um todo, logo a referência feita pela norma de conflitos portuguesa irá chamar o Direito Internacional Privado da outra ordem jurídica e esta considerar-se-á ou não competente.
A teoria do reenvio ou devolução tem sido praticada pelos tribunais europeus sob duas formas: sob a forma de devolução simples e na modalidade de devolução dupla ou integral. Fala-se em devolução simples quando o ponto de vista da referência global se aplica só no momento da partida, isto é, à designação feita pela regra de conflitos do foro à lei para que inicialmente remete; mas já não se aplica nos momentos subsequentes – designadamente, já não se aplica à regra de conflitos estrangeira que devolve a competência à lei do foro. Pelo contrário a devolução dupla acolhe plenamente a ideia que está na base da teoria da referência global: o tribunal do Estado do foro deve julgar o caso tal como este seria julgado pelo tribunal do Estado cuja lei é declarada competente pela regra de conflitos da lex fori.
A devolução pode assumir duas formas: a forma de retorno da competência à lex fori [14] e a forma de transmissão da competência a uma terceira (ou quarta) lei.


33. Teoria da referência material ou tese anti-devolucionista

A referência feita pela lei do foro (L1) ao ordenamento jurídico em causa (L2) abrangeria somente as normas materiais desse ordenamento, não se admitindo sequer existência de normas de Direito Internacional Privado. Fundamentos desta tese:
• Era necessário uma lógica na remissão da referência directa ao direito material interno: crítica, não se pode basear uma teoria num fundamento lógico porque a índole remissiva das normas de conflito terá que ser resolvida pelos princípios objectivos a prosseguir pelas principais normas de conflito; por outro lado, é também negar a principal estrutura das normas de conflito gerando assim lacunas.
• Respeitar a vontade soberana do legislador nacional: aceitar a tese da referência global, isto é, das normas de conflito noutro ordenamento, aqui valeria a prescindir dos elementos de conexão. A doutrina clássica entendia que a aceitação de um Direito Internacional Privado em L2 equivaleria a negar o nosso Direito Internacional Privado. Crítica, é uma visão que aceita uma apresentação conceitualista e o facto de aceitarmos outros Direitos Internacionais Privados não significa que devemos negar o nosso Direito Internacional Privado.
• Atende-se à vontade histórica das leis (das normas de conflito): as normas de conflito surgiram primeiramente como norma de referência material. Crítica, se o entendimento doutrinal na feitura das normas de conflito foi só o entendimento de natureza material não significa que não possa ter havido um progresso no Direito Internacional Privado com aparição das normas de conflito.
• Dificuldade de actuação prática da devolução: pode suscitar-se dificuldades gerais de conhecimento e aplicação do Direito Internacional Privado estrangeiro, por ex., L2, pode não aceitar competência para resolver a questão por existir no seu Direito Internacional Privado uma norma semelhante ao art. 22º CC (reserva da ordem pública).

34. Teoria da devolução simples

Preconizam a aceitabilidade da referência material como primeira referência, mas com um limite que é o segundo momento, que é o da referência material.
L1 remete para L2, sendo uma devolução simples esta é obrigada a aceitar.
L2 devolve para L1. L1 devolve logo para o direito material interno de L2 que é obrigado a aceitar. O art. 17º CC é o princípio geral.
35. Teoria da dupla devolução
Por via da qual as normas de conflito remetem para a ordem jurídica estrangeira mas L1 deverá regular a questão como ela seria julgada em qualquer outro ordenamento.
A teoria da referência global pode funcionar com limites, este é na segunda referência existir necessariamente uma referência material.

36. Princípios a ter em conta em matéria de reenvio: art. 16º CC

As regras de conflito, na construção do Direito Internacional Privado situam-se num segundo plano, num plano subordinado. O plano superior ou primário é constituído por dois princípios, o da estabilidade e o da uniformidade de que as regras de conflitos não apresentam a directa expressão pois estas são antes simples critérios de resolução de concursos.
Afasta-se, em tese geral, a doutrina da devolução ou do reenvio, aceitando-se como regra o princípio da simples remissão da norma de conflitos para a lei interna, em conformidade com a chamada teoria da referência material. [15]
Quando a norma de conflitos portuguesa fixar a competência de uma lei estrangeira, entende-se aplicável a lei interna estrangeira reguladora da relação jurídica, e não a lei internacional (norma de conflitos) se, porventura remeter para outro sistema legislativo. Este, em princípio, não é considerado pela regra de conflitos da lei portuguesa.
Sobre o art. 16º CC há que fazer duas observações:
A primeira é que, embora a atitude nele definida corresponda à que é própria da teoria da referência material, não se crê que tal texto possa ser interpretado como impondo uma certa concepção de fundo quanto ao sentido da referência de toda e qualquer norma de conflitos. A sua função não é doutrinal, mas prático-regulamentadora: verificada a inexequibilidade da devolução como regra geral e verificado também que a sua utilização em certos casos permite obter resultados valiosos, revela-se praticamente aconselhável partir da regra da sua não admissibilidade, estabelecendo de seguida os desvios que esta regra comporta.
A segunda observação a fazer é que, mesmo que porventura de devesse entender como princípio a regra do art. 16º CC certas soluções a que se chegaria através do reenvio poderiam ainda ser alcançadas por outros meios, como o princípio da favor negotti ou do respeito dos direitos adquiridos, pelo que aquele texto não obstaria a tais soluções, quando devidamente fundamentadas.
Os princípios mais altos do Direito Internacional Privado são princípios que exprimem uma justiça puramente formal, uma justiça unicamente atenta aos valores da certeza do direito e da segurança jurídica.
A regra, neste preceito consagrada de que a referência da norma de conflitos portuguesa à lei estrangeira determina apenas na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei, obtém duas excepções, os arts. 17º/1 e 18º/1 CC.



37. As regras do art. 17º CC

O n.º 1 deste artigo prevê que a norma de conflitos da lei competente, segundo o Direito Internacional Privado português, remete para o direito de um terceiro Estado, e este considera-se competente segundo a sua norma de conflitos. Aceita-se a devolução, aplicando nesse caso o direito interno desse terceiro Estado.
A excepção deixa porém de ter aplicação no campo da competência da lei pessoal, diz o art. 17º/2 CC se o interessado residir habitualmente em território português ou em país cuja norma de conflitos considere competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade.
Pode dizer-se, talvez, que a ideia da lei é a de que, no domínio do estatuto pessoal, em que são duas as conexões principais (nacionalidade e residência habitual), só há harmonia de decisões susceptível de justificar o reenvio quando ambas as leis designadas por aquelas conexões estejam de acordo. Ora, não é esse o caso em nenhuma das hipótese contempladas no art. 17º CC.
Note-se ainda que a segunda exclusão de reenvio, por força do art. 17º/2 CC, pressupõe que o Direito Internacional Privado da lex domicilii remeta para o direito “interno” da lex patriae. Significa isto que a referência da primeira à segunda destas leis deve ser uma referência material.
Segundo o art. 17º/2 CC o reenvio não será de admitir se o Direito Internacional Privado da lex domicilii persiste em considerar aplicável o direito material da lex patriae. Mas segundo o art. 17º/3 CC já assim não será, o reenvio já não será afastado se, tratando-se duma daquelas matérias que o texto enumera, a lex patriae remeter para a lex rei sitae e esta se considerar competente. Isto ainda que a lex domicilii seja a lex fori.
A lex rei sitae, embora ano tenha em princípio título para se aplicar em matéria de estatuto pessoal, pode querer aplicar-se às repercussões deste estatuto em matéria de direitos sobre as coisas situadas no seu território. E deve reconhecer-se que, neste ponto, ela é de todas as leis interessadas aquela que está em melhores condições para fazer vingar o seu ponto de vista, uma vez que as coisas sobre que se pretende exercer o direito se acham no seu território. Por isso se diz que ela é a lei dotada de competência mais forte ou mais próxima.
A manifesta finalidade deste conjunto de princípios é a de assegurar no maior grau possível a harmonia jurídica entre diversas legislações, dando prevalência, com um sentido bastante realista das soluções, à lei do Estado que se encontra numa situação privilegiada quando às relações jurídicas cujo o regime se trata de fixar.

38. As disposições do art. 18º CC

Este artigo ocupa-se do reenvio sob a forma de retorno de competências à lei portuguesa. Este retorno pode ser directo [16], ou indirecto [17]. Para qualquer dos casos, o art. 18º/1 CC estabelece o retorno só é de aceitar se o Direito Internacional Privado da lei designada pela regra de conflitos portuguesa devolver (directa ou indirectamente) para o direito interno português.
Dos termos da lei parece decorrer que a referência ao direito português por parte da lei estrangeira que o designa como competente há-de ser uma referência material.
A razão de ser do art. 18º/1 CC é a salvaguarda da harmonia internacional de decisões. Ora, no caso, tal harmonia será alcançada qualquer que seja a atitude que se adopte. A admissão do reenvio não é aqui um meio necessário para se alcançar a referida harmonia. Mas também a não prejudica de forma alguma. A isto acresce a vantagem de que, pela aceitação do retorno, os tribunais português aplicarão a lei portuguesa, o que facilita a administração da justiça assegurando uma aplicação mais adequada e mais rigorosa do direito.
Segundo o art. 18º/2 CC o retorno à lei portuguesa em matéria de estatuto pessoal apenas será de aceitar se o interessado tiver a sua residência habitual no nosso país ou em país cuja lei considere competente o direito interno português.
A primeira observação a fazer aqui respeita à diferencia entre os requisitos a que a lei sujeita a aceitação do reenvio na hipótese de transmissão de competência e aqueles a que ela submete a dita aceitação na hipótese de retorno. Neste segundo caso, a lei é mais exigente, pois afasta o reenvio não apenas nas hipóteses em que a lex domicilii considera competente o direito interno (material) da lex patriae, como no art. 17º/2 CC mas em todos os casos em que sendo a lex domicilii uma lei estrangeira, esta remeta também (em consonância com a lex patriae) para o direito interno português.

39. Coordenadas básicas do regime legal do reenvio em matéria de estatuto pessoal, casos omissos

Das disposições do art. 17º e 18º CC podem-se extrair conclusões bastantes significativas sobre o reenvio em matéria de estatuto pessoal. A primeira é a que respeita à relevância da conexão “residência habitual”, esta conexão é tão importante que, em princípio se deve exigir o acordo da lex domicilii para que se possa entender que há uma harmonia internacional de decisões capaz de justificar aquilo a que se chama o reenvio. Assim é, que devemos aplicar a lex fori, desistindo (digamos) da nossa regra de conflitos, quando as duas principais leis interessadas (lex patriae e lex domicilii) fazem aplicação do nosso direito material. Mas repare-se que não basta aceitar o reenvio que a lex patriae faz à lex fori: é preciso que esse reenvio seja confirmado por uma lei a que não chega a designação da nossa regra de conflitos: a lex domicilii.

40. Artigo 19º CC

c) Artigo 19º/1 CC
Segundo este preceito, do reenvio não poderá resultar a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico que seria inválido ou eficaz segundo a lei designada pela nossa regra de conflitos, nem a ilegitimidade de um Estado que de outro modo seria legítimo.
d) Artigo 19º/2 CC: a lei designada pelos interessados
O reenvio não é de admitir no caso de a lei estrangeira ter sido designada pelos interessados, quando tal designação é válida. Quer este texto referir-se às hipóteses em que vigora o princípio da autonomia da vontade em Direito Internacional Privado, ou seja, àquelas em que a lei competente é a directamente designada pela vontade das partes. Trata-se, portanto, apenas das hipóteses abrangidas no art. 41º CC: obrigações provenientes de negócios jurídicos. Só neste domínio é que o Direito Internacional Privado português permite que a lei competente seja directamente designada dentro de certos termos, pela vontade dos interessados.

41. Ordenamentos jurídicos plurilegislativos

O art. 20º/1 CC estabelece como princípio básico o princípio segundo o qual, designada a lei de um Estado plurilegislativo em razão da nacionalidade de certa pessoa é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema legislativo local aplicável. O art. 20º/2 CC esclarece sobre quais as normas do “direito interno desse Estado” que importa aplicar para determinar o sistema legislativo local competente: são as normas do direito interlocal e, na falta desta, as normas do Direito Internacional Privado unitário do mesmo Estado.
Por último, a 2ª parte do art. 20º/ CC determina que, na hipótese de nenhum dos indicados procedimentos nos fornecer a solução, deve-se considerar como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual. Esta última hipótese verifica-se portanto, quando não exista no Estado plurilegislativo um direito interlocal ou um Direito Internacional Privado unificado.
Por seu turno, o art. 20º/3 CC refere-se à hipótese de a legislação designada como competente ser territorialmente unitária, mas com sistemas de normas diferentes para os diferentes grupos de pessoas. Neste caso, manda a nossa lei observar sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas.
QUALIFICAÇÃO

42. Objecto

O objecto da qualificação são as normas materiais que tê que ser caracterizadas pelo seu conteúdo e função que têm na ordem jurídica em que se inserem.
Prof. Pamplona Côrte-real: qualifica-se o problema com vista a uma solução concreta, não adopta o método das tentativas.
Podem existir situações da vida social cuja delimitação jurídica implique que várias ordens jurídicas em referência sejam chamadas para resolução de uma mesma questão. A qualificação divide-se em:
e) Conflitos positivos de qualificação: quando há concurso de normas (de conflito) chamadas a regular uma questão;
f) Conflitos negativos de qualificação: quando existe um vácuo, quando faltam normas para regular uma questão.


43. Conflitos positivos de qualificação
Sugerem quando à face de um determinado sistema de normas de conflitos, duas ou mais normas de conflitos aparecem como que a reclamar, simultaneamente, a sua aplicação a uma certa situação da vida.
Exemplo:
A e B de nacionalidade grega, celebram na RFA, casamento civil. À face do direito grego anterior, o casamento de dois gregos ortodoxos tinha de ser celebrado segundo o rito ortodoxo. Esta exigência, perante a ordem jurídica grega, respeitava à validade substancial do casamento.
Por seu turno, o direito alemão previa um único modo de celebração do casamento, o civil, do qual fazia depender a validade formal do casamento.
A questão que se discute é a validade ou não de um casamento entre cidadãos gregos A e B, celebrado na RFA e segundo a lei alemã, na forma civil pública, prescrita por este último direito.
Perante o direito de conflitos português (a questão está a ser discutida em Portugal) o direito grego é o aplicável à validade substancial deste casamento, porque:
1) É o direito chamado pela norma de conflitos do art. 49º CC;
2) As normas de direito grego, caracterizadas perante a ordem jurídica em que se inserem respeitam à validade substancial do casamento, logo, podem ser subsumidas na norma de conflitos do art. 49º CC que se refere, precisamente, à questão da validade substancial do casamento.
Porém o direito alemão é o direito do país de celebração do casamento, assim:
1) É o direito chamado pela norma de conflitos do art. 50º CC;
2) As normas de direito alemão caracterizadas na ordem jurídica em que se inserem, referem-se à validade formal do casamento e podem ser subsumidas na norma de conflitos do art. 50º CC.
Está-se, portanto, perante um autêntico conflito positivo em matéria de qualificação uma vez que a regulamentação, resultante de ambas as ordens jurídicas em presença e dos dois grupos de normas materiais em presença é contraditória: ambos os grupos de normas materiais – por um lado, as normas de direito grego, por outro, as normas de direito alemão – reclamam a sua aplicação ao caso e são chamados por duas normas de conflitos do foro, estas mesmas normas materiais regulam a questão contraditoriamente:
1) Segundo o direito grego, regulador da questão da substância o casamento seria inválido;
2) Por aplicação do direito alemão, regulador da questão formal o casamento seria válido (art. 50º CC).
Dado que o Código Civil é omisso neste problema a doutrina apresenta solução para este conflito positivo, adaptando uma posição da Prof. Magalhães Collaço.
Por via do método das tentativas, tenta-se encontrar uma regulamentação material que se aproxime mais com a nossa, se não, tenta-se novamente até encontrar uma norma do ordenamento jurídico que possa ser encontrada para regular a questão que se aproprie em termos ou funções e conteúdo.
Subjacente a esta ordem de ideias, por este método das tentativas podia-se encontrar soluções antagónicas. Se escolher entre L2 e L3 entre artigos de obrigações ou reais, é difícil ao aplicador do direito escolher um ou outro.
Daí que a Prof. Magalhães Collaço encontrou outra solução que é o método das equivalências. Vai então assentar a sua razão de ser numa questão de oposição de prevalência.
Para a resolução dos conflitos positivos de qualificação a Prof. Magalhães Collaço aponta as seguintes soluções:
1) Definição de uma relação hierárquica entre qualificações:
• Qualificação “substância” prevalece sobre a qualificação “forma”;
• Qualificação “estatuto real” prevalece sobre o “estatuto sucessório”.
2) Instituto da adaptação;
3) Solução “ad hoc”.
No exemplo referido, a qualificação “substância” prevalecia sobre a qualificação “forma”, por isso o casamento seria inválido à luz do direito grego.

44. Conflitos negativos

Aqui é possível pelo menos à primeira vista, descobrir através das normas de conflito do foro, qualquer regra material susceptível de regular a questão privada internacional em causa. E isto, apesar de se verificar que a questão admite tutela porque, em si mesma considerada, pode ser reconduzida a uma das categorias típicas da tutela admitidas em abstracto, em cada uma das ordens jurídicas conectadas com a situação privada internacional.
A, cidadão inglês, faleceu intestado com último domicílio em Portugal e deixou bens imóveis no nosso pais. A, era solteiro e não deixou descendentes. Perante um tribunal português coloca-se a questão de saber qual o destino dos bens imóveis deixados por A.
A lei reguladora da questão sucessória, por aplicação da norma de conflitos do art. 62º CC conjugada com o art. 31º/1 CC e com o art. 20º CC é, por hipótese, a lei inglesa. No direito inglês, encontra-se uma norma que atribui à Coroa Britânica e outras entidades, um direito de apropriação relativamente a bens deixados vagos no seu território.
Este direito atribuído à Coroa Britânica tem natureza pública sendo possível aproximá-lo de um direito real. Portanto, por simplificação, dir-se-á que se trata de uma norma que, caracteriza na ordem jurídica em que se insere, respeita aos direitos reais. Todavia, esta mesma norma, correctamente interpretada na ordem jurídica em que se insere, abrangeria apenas, bens situados na Inglaterra.
Perante um tribunal português poderá esta norma ser invocada?
Impõe-se saber se ela é subsumível na norma de conflitos do art. 62º CC. Mas a resposta é negativa porque esta norma inglesa era uma competência que se restringia Às normas relativas à questão sucessória.
A Coroa Britânica não pode fazer valer o seu direito de apropriação relativamente a imóveis situados em Portugal, para além do mais, a norma referia-se apenas aos bens situados na Inglaterra.
Poderão, então o Estado, devidamente reivindicar um direito como sucessor de A, tendo em conta as normas dos arts. 2252º segs. CC?
Estas normas do direito português, devidamente caracterizadas na ordem jurídica portuguesa, são normas de carácter sucessório e que, portanto, se poderiam subsumir à norma do art. 62º CC só que esta norma de conflitos não designa como aplicável a lei portuguesa, mas a lei inglesa.
Mas serão estas normas de direito material português, subsumíveis a outra norma de conflitos? Eventualmente, o direito português poderia ser designado por outra norma de conflitos por ex., a do art. 46º CC que respeita a direito reais e designa como aplicável a lei do lugar da situação dos bens, logo, o direito português. Simplesmente, as normas dos arts. 2252º segs. CC apresentam natureza sucessória, donde não se poder subsumi-las na norma do art. 46º CC.
Surge assim, um vácuo de normas, falta de normas ou, dito de outro modo, um conflito negativo de qualificação.
Não tem nenhuma norma quanto àquela questão então não é matéria sucessória, é de direitos reais, logo falha em termos de função e conteúdo. Há uma falha de qualificação.
Também aqui a Prof. Magalhães Collaço apresenta soluções.
Também aqui nos conflitos negativos tem-se de achar um método das prevalências, uma relação hierárquica de prevalência.
Tem-se de fazer alguma opção ou ter algum conteúdo para escolher a norma de conflitos.
Vai-se escolher uma com uma determinada natureza jurídica em deterimento de outra, designadamente:
• A substância prevalece sobre a forma;
• O estatuto real prevalece sobre o estatuto sucessório, desde que não colida com o princípio da ordem pública do Estado português.
Há também uma doutrina muito recente sobre esta questão do Prof. Marques dos Santos que é o instituto da adaptação [18].
Nos conflitos negativos de qualificação pode-se proceder a uma ajustamento técnico do elemento de conexão. Ou seja, por via da adaptação tem contornos muito fluidos, é difícil esta técnica e surge a necessidade de corrigir ou ajustar os resultados de aplicação automática das normas de conflito. Por via deste instituto admite-se a possibilidade de a norma de conflitos que aponta ou remete para um determinado caminho dele se afastar para resolver um caso.
Marques dos Santos entende também que só há um artigo no Código Civil no que toca às normas de conflito, mas surge aqui um afloramento da adapta que nem sequer é adaptação, arts. 26º/2 e 68º/ CC presume-se que faleceram ao mesmo tempo. Por via desta subsunção pode-se ter o afloramento da teoria da adaptação.
A última solução é a construção por via de normas “ad hoc”, é o próprio aplicador do direito que irá criar uma norma que irá regular a questão.
• Art. 64º-c CC: admissibilidade do testamento de mão comum;
• Art. 63º CC: capacidade para modificar ou revogar uma disposição por morte.

45. Objecto/conteúdo da qualificação

A qualificação tem três momentos:
1º Momento: interpretação de conceitos
• Teleológica: interpretação absoluta ou abrangente;
• Lex fori: caracteriza-se o elemento de conexão e designa-se um ordenamento jurídico.
2º Momento: limitação do objecto [19] da qualificação.
3º Momento: qualificação propriamente dita, art. 15º CC.
O art. 15º CC:
“A competência atribuída…” é pela norma de conflito – há um controlo absoluto da lei do foro, e este controlo da lex fori é feito pela respectiva interpretação do objecto.
Preconiza-se a interpretação das normas de conflito pela lei do foro, e nesta lei do foro que há o controlo absoluto.
A competência implica a tripartição da qualificação: por via da interpretação (lei do foro) e subsunção das normas de conflito, passa-se à terceira parte do artigo.
Por via da subsunção abrange-se as normas materiais, não do Direito Internacional Privado que pelo seu conteúdo e função integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.
Podem existir situações da vida social cuja limitação jurídica implique várias ordens jurídicas em referência, isto é, para uma situação podem ser chamadas várias ordens jurídicas a regular a situação. São os chamados conflitos positivos ou negativos da qualificação, isto é, os conflitos mais da qualificação surgem quando há concurso de normas chamadas para regular a mesma questão, e à contrário sensu, tem-se os conflitos negativos de qualificação que surgem quando existe um vácuo nestas mesmas normas.

ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL

46. Critérios gerais de delimitação da ordem pública

Está fora de causa a necessidade da reserva da ordem pública. Mas também é patente a necessidade de “indicar critérios juridicamente fundamentados”, que sejam aptos a conter dentro dos limites convenientes a “corrente livre do sentimento jurídico do juiz”. Com efeito, o perigo inerente à excepção da ordem pública reside na sua indeterminação e na consequente possibilidade de se fazer nela um uso excessivo.
Existem no Código Civil duas disposições que nos vão remeter para o conceito de ordem pública internacional do Estado português: o art. 280º/2 CC (requisitos do objecto negocial); art. 22º CC.
Quando se sai de L1 para L2, não se sabe quantos ordenamentos jurídicos vão ser chamados para regular o caso, o art. 22º CC é uma excepção, salvaguarda da ordem jurídica portuguesa porque o Estado tem interesse na conservação da harmonia jurídica interna porque tem que manter as concepções éticas dos bons costumes.
Para nós, são princípios gerais ou imperativos, quando a norma da ordem jurídica estrangeira viole os nossos princípios fundamentais, tem-se que ir buscar ao ordenamento jurídico estrangeiro alguma norma que se aproxime à nossa ordem jurídica se não se encontrar uma disposição que de algum modo se possa aproximar à nossa ordem jurídica, aplica-se subsidiariamente a ordem interna do Estado português, o que implica o afastamento total da outra ordem jurídica.
A doutrina tem estabelecido alguns critérios limitativos da ordem pública, são critérios aptos a criar limites convenientes para a aplicação da ordem pública porque o conceito de ordem pública é um conceito indeterminado.
3) Critério da natureza dos interesses ofendidos: a ordem pública intervém sempre que a aplicação da norma estrangeira possa envolver ofensa dos interesses superiores do Estado ou da comunidade local;
4) Critério do grau de divergência: a aplicação do direito estrangeiro será precludida sempre que, entre as disposições aplicáveis desse direito e as disposições correspondentes da lex fori, exista divergência essencial;
5) Critério da imperatividade: serão de ordem pública as disposições rigorosamente imperativas do sistema jurídico local.


FRAUDE À LEI

47. Noção

Para o Direito Internacional Privado a fraude à lei é quando os interessados no instituto escapam à aplicação de um preceito material de certa legislação “criam” um elemento de conexão que tornará aplicável uma outra ordem jurídica mais favorável aos seus intentos, há assim uma norma instrumental de fraude.
A fraude à lei traduz-se em defraudar o imperativo de uma norma material de certo ordenamento jurídico através da utilização como instrumento de uma norma de conflitos, ou seja, fraude à lei em Direito Internacional Privado, não é fraude de uma norma, a norma é apenas um mecanismo de fraude.
As conexões das normas de conflitos são facilmente deslocáveis, logo as partes podem aproveitar estas normas de conflito de maneira a obterem soluções mais vantajosas.
O Prof. Manuel de Andrade define fraude à lei, como:
• Procedimento pelo qual o particular utiliza um tipo legal em vez de outro a fim de provocar a consequência jurídica pretendida;
• A pessoa manipula um tipo legal com vista a obter uma consequência jurídica.
No Direito Internacional Privado há situações que são consideradas de fraude à lei, surgindo quando os interessados no intuito de escapar à aplicação de um preceito material de certa legislação “criam um elemento de conexão que tornará aplicável na outra ordem jurídica mais favorável aos seus intentos”. Norma meramente instrumental de fraude à lei:
Ex.: A, português, naturaliza-se britânico com vista a privar da legitima seu filho.
A ordem jurídica inglesa é a norma instrumental com vista a obter um determinado resultado.
A maior parte da doutrina aceita a fraude à lei no campo do Direito Internacional Privado, mas há já três autores que aceitam a fraude à lei no Direito Internacional Privado, razões:
6) É o próprio legislador que indica às partes o caminho pelo qual pode escapar;
7) Muitas vezes é difícil determinar os casos de fraude à lei;
8) Qualquer norma jurídica que venha estipular o conceito de fraude à lei vem trazer muita segurança e incerteza jurídica.

48. Pressupostos

Existe na doutrina os seguintes pressupostos, para a existência de fraude:
- Elemento objectivo: consubstancia-se na utilização de uma regra jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite. Para a consumação do elemento objectivo as partes terão que utilizar ou uma fraude relevante ou uma conexão falhada.
- Elemento subjectivo: resulta da intenção das partes, é um elemento psicológico e resume-se à mera intencionalidade que as partes demonstravam.
Segundo Ferrer Correia, são os seguintes pressupostos da fraude à lei:
a) O seu objecto é constituído pela norma de conflitos (ou parte da norma) que manda aplicar o direito material a que o fraudante pretende evadir-se, contanto que seja afectado o fim da norma material a cuja aplicação o fraudante quis escapar;
b) Utilização de uma regra jurídica, como instrumento na fraude, a fim de assegurar o resultado que a norma fraudada não permite;
c) Emprego de meios eficazes para a consecução do fim visado pelas partes;
d) Intenção fraudatória.
A sanção da fraude à lei traduz-se na aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudulenta procurou iludir, isto é, os actos jurídicos realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes (ou inoperantes) no respectivo ordenamento jurídico, o que não significa que, por vezes, as situações constituídas ou os actos jurídicos praticados como meios de se fugir a uma lei e de se colocar ao abrigo de outra não devam ser apreciados autonomamente, à luz da doutrina da fraude à lei, para o efeito de eventualmente serem havidos como ineficazes com fundamento nela.

49. Fraude à lei e ordem pública

No Direito Internacional Privado há fraude à lei segundo a generalidade da doutrina, mas também entende-se que o âmbito de fraude à lei e a ordem pública por vezes confundem-se.
Embora as disposições legais defraudadas não sejam necessariamente de ordem pública, elas vêm assumir tal carácter pelo efeito fraudulento que provocam.
Estas situações violam a ordem pública interna porque violam as normas jurídicas.
Há um autor que, embora aceite a fraude à lei, equipara-a à ordem pública.



PARTE ESPECIAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

50. Direito das obrigações

Para as obrigações (provenientes de negócios jurídicos) a regra de conflitos básica é a do art. 41º CC: a lei competente é a que tiver sido designada pelas partes ou estas houverem tido em vista. Na falta de determinação da lei competente nos termos do art. 41º CC intervém o critério supletivo do art. 42º CC por força do qual serão aplicáveis:
a) Aos negócios jurídicos unilaterais, a lei da residência habitual do declarante;
b) Aos contratos, a lei da residência habitual comum das partes e, na falta de residência comum:
i) Aos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício;
ii) Aos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.
O princípio da autonomia: em matéria de obrigações procedentes de negócios jurídicos, e designadamente em matéria de contratos, prevalece os interesses das partes. Os interesses do tráfico jurídico ou da tutela de terceiros têm, neste domínio, pouca ou nenhuma expressão. É, portanto, em atenção ao interesse das partes que se deve determinar a conexão ou “localização” decisiva dos negócios jurídicos.
O Código Civil no art. 41º/2 adoptou a seguinte posição:
a) Se a escolha das partes recair sobre uma das leis com as quais o negócio, através dos seus vários elementos (sujeitos, declaração, objecto, execução, sanção), tenha uma conexão objectiva, ela será sem mais relevante;
b) Se não for esse o caso, então apenas será atendível se “recair sobre a lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes”. Admite-se portanto, que a escolha possa recair sobre uma lei não ligada ao negócio por qualquer conexão objectiva, mas neste caso haverá que examinar se tal escolha foi motivada por um interesse sério e digno de tutela – ou se foi apenas determinada por motivos caprichosos ou fraudulentos.

51. Direitos reais

a) Princípio básico da “lex rei sitae”
Segundo o art. 46º/1 CC é a lei do Estado em cujo território, as coisas se acham situadas que se aplica à posse, à propriedade e aos demais direitos reais. Pelo que respeita aos imóveis, este princípio da lex rei sitae tem atrás de si uma longa tradição. O mesmo princípio se aplica hoje aos móveis. Quanto a estes, porém, a tradição mais antiga fundava-se na máxima mobília personan sequuntur, mandando aplicar a lei pessoal (lei do domicílio) do titular do direito real. O recurso à lei pessoal ainda hoje se torna necessário pelo que respeita a coisas situadas em territórios que se não acham integrados em qualquer soberania estadual.
Depois de estabelecer no n.º 1 o estatuto básico dos direitos reais e da posse, o art. 46º/2 e 3 CC define dois estatutos especiais: um para a res in transito, isto é, para as coisas que são objecto de um transporte internacional, enquanto atravessam o território de um país com destino a outro país; e outro para os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula. As primeiras, manda-se aplicar a lei do país do destino, e aos segundos a lei do país de matrícula.
Por último, no que respeita à capacidade para constituir direitos reais sobre imóveis ou para dispor deles, o art. 47º CC faz uma remissão condicionada à lex rei sitae, mandando aplicar esta lei, desde que ela assim determine. Não sendo este o caso, vale a regra geral, isto é, aplica-se a lei pessoal.
b) Âmbito de aplicação do estatuto real
Conforme resulta do art. 46º CC é por este estatuto que se rege a constituição, a transferência e a extinção da posse, da propriedade e dos demais direitos reais. Por ele se determinam, desde logo, a classificação das coisas, na medida em que esta classificação das coisas, na medida em que esta classificação interessa ao regime de direito material das mesas, os tipos de direitos reais admissíveis, as coisas susceptíveis de apropriação, os limites de propriedade, etc.

52. Direito da família

Segundo o art. 49º CC os requisitos de validade intrínseca do casamento, ou seja, a falta e vícios do consentimento e a capacidade negocial são regulados, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal de cada nubente que se apreciará, desde logo, quais as características que deve revestir o consentimento, quais as consequências da divergência intencional entre a vontade e a declaração (casamento simulado), do erro (simples ou qualificado por dolo, quando esta qualificação revele) e da coacção. A mesma lei determina ainda a habilitas ad núpcias, ou seja, toda a matéria de impedimentos matrimoniais.
Quando ambos os nubente têm a mesma lei pessoal, nenhuma dificuldade particular se levanta, visto ser uma única lei a reger a constituição do estado de casado. Tendo os nubentes leis diferentes, importa coordenar as duas leis pessoais. Conforme resulta claramente do art. 49º o nosso legislador seguiu o princípio da aplicação distributiva (e não cumulativa) das duas leis: aplica-se em relação a cada nubente, a respectiva lei pessoal.
53. Separação de pessoas, bens e divórcio
São muito acusadas as divergências entre as várias legislações neste domínio de matérias. Por isso, e porque os problemas da separação e do divórcio contendem com a própria concepção do casamento e da família, matéria sobre maneira melindrosa, não admira que este seja o campo em que com maior frequência e intensidade intervém a excepção da ordem pública, para afastar a aplicação do direito estrangeiro. Assim, entende-se que um tribunal português não deverá decretar o divórcio, mesmo entre estrangeiros, por fundamentos que não sejam para a lei portuguesa.
O art. 55º/1 CC determina como lei aplicável à separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio a lei designada pelos critérios estabelecidos no art. 52º CC. É essa, com efeito, a lei que fornece o estatuto básico da sociedade familiar (ver também art. 57º CC). A conexão decisiva em causa é, pois, uma conexão móvel, tal como aliás é postulado pela regra da submissão do estatuto pessoal à lei nova. A conexão decisiva há-de ser aquela que se verificar à data da acção do divórcio – e, designadamente, no dia da audiência de discussão e julgamento, se houver mudança entre a data da proposição da acção e a do julgamento.

54. Direito das sucessões

Pelo que respeita à determinação do estatuto sucessório básico ou estatuto sucessório tout court, deve partir-se da consideração de que hoje prevalece toda a parte, no plano do direito material, a ideia de que a devolução de todos os elementos da herança deve ser submetida às mesas regras, de acordo com a noção romanista de que a sucessão opera a transmissão de uma universalidade jurídica.
Ao estatuto sucessório cabe em geral regular todas as questões relativas à abertura, devolução, transmissão e partilha de herança. Desde logo, compete-lhe regular a abertura da sucessão é, em toda a parte, a morte física. Mas poderá porventura ser ainda a morte civil ou a entrada cara o claustro. As presunções de morte e de sobrevivência, devem ser reguladas também pela lei pessoal. Isto mesmo que se trate de presunções relativas a pessoas reciprocamente sucessíveis e que faleceram num mesmo acontecimento (comoriência). Quanto a este ponto, porém, não falta quem considere, sobre tudo na doutrina francesa, as presunções de sobrevivência como verdadeiras regras de devolução sucessória.
Ao estatuto sucessório cabe igualmente determinar o âmbito da sucessão. E de igual forma regulada pela lei da sucessão a capacidade sucessória, ou seja, a questão de saber quem tem capacidade para adquirir mortis causa.


domingo, 20 de novembro de 2011

COMENTÁRIO SOBRE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PORTUGUÊS




DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Introdução

Tendo em vista o objectivo do nosso curso o Direito Internacional Privado, designado por DIP, irá tutelar as situações que se possam colocar para a resolução de onflitos no âmbito das relações privadas da aviação civil.
O carácter transnacional da aviação motiva transacções comerciais e relações do foro privado com fornecedores, clientes e os próprios Estados.
Estes Estados têm naturalmente, no exercício da sua soberania, sistemas jurídicos diferentes bem como uma forma diversa de aplicação da justiça.
È nestas relações que vai ser necessário resolver os conflitos que possam eventualmente vir a existir.
Podemos exemplificar mencionando três casos de estudo:
• Um passageiro francês viaja de Lisboa para Nova Iorque na TAP em classe executiva. Dentro do avião e por motivos de sobrelotação é colocado em classe turística. Chegado a Nova Iorque a mala não aparece. Após reclamação junto da TAP no sentido de pagar as indeminizações previstas esta, após análise, entende não evolver o diferencial de preços entre classes.
• Os incidentes/acidentes no campo da aviação.
• Deslocalização das sedes de algumas companhias para outros Estados por razões de ordem económica poderão criar situações de ordem comercial diversa.
Convém referir que atendendo às especificidades dos casos e à simplicidade deste trabalho não iremos aprofundar a solução dos casos citados.
Questões desta natureza criam situações que entram em contacto com várias ordens jurídicas e serão necessariamente “tuteladas” pelo DIP.
Na verdade esta não é uma tutela pura mas uma tutela indirecta por nomeação da ordem jurídica que irá verdadeiramente tutelar as diversas situações.
Como conclusão faremos a ponte entre as Leis Reguladoras dos Negócios Jurídicos e das Obrigações e as convenções de Haia e de Roma bem como os Regulamentos Roma I e Roma II.

Definição
Citando três “internacionalistas” temos:
• Segundo Batista Machado “Factos susceptíveis de relevância jurídico-privada, que têm contacto com mais de um sistema jurídico (casos absolutamente internacionais) ou que se passaram adentro do âmbito de eficácia de uma (e só uma) lei estrangeira”.
• Segundo Isabel Magalhães Collaço “é o direito que regula as relações jurídico-privadas atravessadas por fronteiras”.
• Segundo Lima Pinheiro “o DIP regula situações de carácter internacional. Por ‘internacional’ quer-se significar a existência de contactos relevantes com mais de um Estado soberano, com mais de uma sociedade politicamente organizada em Estado soberano”

Embora por palavras diferentes o conceito genérico infere-se como sendo o mesmo, ou seja, o ramo que trata das relações jurídico-privadas que tem contacto com mais de um sistema jurídico.
É também aqui que se definem os princípios, os critérios e as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações privadas de carácter internacional.
Temos assim por objecto do DIP a averiguação da lei aplicável para tutelar as relações supramencionadas.
Podemos assim afirmar o DIP como sendo um conjunto de normas formais de remissão para ordenamentos jurídicos diversos chamados para a resolução das questões postas.

Justiça e princípios gerais
As normas jurídicas, como normas de conduta que são, têm o âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço:
• Não regulam factos passados antes da sua entrada em vigor
• Não regulam factos que não tenham contacto com os Estados que as produzem
A base do direito intemporal, constrói-se sobre o princípio da não retroactividade das leis e sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob a alçada da lei antiga.
O Direito Internacional Privado assenta na:
• Regra da não transactividade das leis;
• Reconhecimento das situações jurídicas na alçada de uma lei estrangeira.
No Direito Internacional Privado o tratamento dos factos puramente internacionais envolve o recurso a um princípio paralelo ao da teoria do facto passado e ao princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos para além de fazer intervir uma regra de conflitos determinante da lei aplicável de entre as leis em contacto com os factos.
Temos assim que o Direito Internacional Privado Português tem como fontes:
• Normas de conflito de fonte Interna;
• Normas de conflito de fonte Internacional.

Normas de conflito de fonte Interna
Assente em normas jurídicas emanadas para o estabelecimento de critérios gerais aplicáveis a situações concretas.
Tais normas materializam-se em textos que definem a sua eficácia e os seus contornos.
O Código Civil Português define no seu primeiro volume entre os artigos 14º a 65º o Direito dos Estrangeiros e Conflito de Leis:
• Disposições Gerais (14º a 24º);
• Âmbito e determinação da Lei Pessoal (25º a 34º)
• Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º);
• Lei Reguladora das Obrigações (41º a 45º);
• Lei Reguladora das Coisa (46º a 48º);
• Lei Reguladora das Relações de Família (49º a 61º);
• Lei Reguladora das Sucessões (62º a 65º).

Normas de conflito de fonte Internacional
• Nacionalidade;
• Pessoas;
• Obrigações:
o Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação (Haia, 1978);
o Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (Roma, 1980);
o Convenção de Viena sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias (1980);
• Títulos de Crédito:
o Convenção Destinada a Regular Certos Conflitos de Leis em Matéria de Letras e Livranças e Protocolo (Haia, 1930);
o Convenção Destinada a Regular Certos Conflitos de Leis em Matérias de Cheques e Protocolo (Genebra, 1931);
• Trabalho:
o Convenção Internacional do Trabalho, n.º 19, Relativa à Igualdade de Tratamento dos Trabalhadores Estrangeiros e Nacionais em Matéria de Reparação de Desastres no Trabalho (Genebra, 1925);
o Convenção n.º 182 da OIT Relativa à Interdição das Piores Formas de Trabalho das Crianças e à Acção Imediata com Vista à sua Eliminação, Convenção n.º 182 da OIT (1999);
• Família;
• Sucessões;
• Legalização de Documentos;
• Informação sobre o Direito Estrangeiro;
• Processo Civil Internacional:
• Arbitragem:
o Protocolo Relativo às Cláusulas de Arbitragem (Genebra, 1923);
o Convenção para a Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Genebra, 1927);
o Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958);
• Direito dos Estrangeiros:
• Cooperação Judiciária e Jurídica

Normas de conflitos
Temos assim que o Direito Internacional Privado, enquanto ramo do direito, não regula directamente as relações privadas internacionais mas, tão-somente, indica as ordens jurídicas que as devem reger.
Para tal concorrem as chamadas regras de conflitos que se socorrem de normas instrumentais destinadas a individualizar a ordem jurídica onde deve ser procurada a regulamentação dos institutos que constituem o seu objecto.
São normas sobre normas (lex legum), normas que dizem como vigoram, interpretam, aplicam e determinam outras normas.
Chamam-se normas de 2° grau ou de aplicação.
Dentre as “normas de aplicação” destacam-se as normas destinadas a resolver conflitos de leis no tempo (artigo 12° ( ) e 13° ( )) e os conflitos de leis no espaço (artigo 15° ( ) e seguintes) do Código Civil.
As normas de conflitos têm a função de coordenar ordens jurídicas em conexão, devido ao concurso de situações plurilocalizadas, actuando por nomeação de entre os elementos integrantes da relação jurídica pluriconectada, aquele, por intermédio do qual, deverá ser determinada a lei que lhe é aplicável
Ao julgador caberá a ponderação na aplicabilidade das regras de conflitos de leis mesmo que não seja invocado o direito estrangeiro, temos assim regras de aplicação oficiosa.
Algumas matérias, sobretudo no domínio dos contratos, detêm o princípio da elegibilidade da lei aplicável, podendo assim escolher a ordem jurídica que regulará as suas relações específicas afastando assim a aplicação das regras de conflitos.
As normas de conflitos encerram em si duas características:
• Rigidez - enquanto vinculativas da posição do julgador ao determinar o elemento de conexão a partir de critérios enunciados pela própria norma;.
• Neutralidade – não compete ao DIP fornecer a norma material aplicável a um caso concreto, mas tão-somente estabelecer a conexão mais apropriada designativa da lei a que a norma aplicável deverá ser

Conceito Quadro
O conceito-quadro designa os factos, instituto jurídico ou normativos sobre os quais a regra de conflitos aponta o elemento de conexão e consequente lei competente.

• Exemplo - casamento, filiação, estado, capacidade, etc.

Temos assim um conceito técnico-jurídico que define o objecto de conexão ou a categoria normativa que operará a conexão escolhida.

Elemento de conexão
O elemento de conexão é determinado por individualização da lei aplicável e da ordem jurídica aplicável à situação jurídica em causa.
Este é determinado pela delimitação de um sector ou matéria jurídica operada pelas normas de conflito que destacam uma ou mais questões de direito a serem tuteladas pela lei a aplicar.
A escolha da conexão relevante tem em vista encontrar uma lei que seja verdadeiramente adequada à função de regular determinada matéria ou instituto jurídico.
A uma norma de conflitos não corresponde um só elemento de conexão nem uma única consequência jurídica, mas tantos quantos forem os ordenamentos jurídicos em concurso.
Consideramos assim duas modalidades de conexão:
• Conexão simples ou singular - a norma de conflito aponta para uma única ordem jurídica por via de um só elemento (exemplo - 46º/1 CC);
• Conexão múltipla - as normas de conflito apresentam vários elementos de conexão:
o Sucessivas ou subsidiárias - dois ou mais elementos de conexão aplicáveis os quais só se irão aplicar caso falhe os anteriores (ex.: art. 52º/1 e 2 CC);
o Alternativa: prevê várias conexões como possíveis, mas apenas uma vai ser aplicada com vista à obtenção do resultado (ex.: art. 65º/1 CC);
o Cumulativa: vai-se aplicar duas leis pessoais simultaneamente, ou seja, aplicam-se ambas (ex.: art. 33º/3 e 4 CC);
o Condicional: quando o segundo elemento de conexão chamado para regular o caso vai limitar a aplicabilidade da primeira lei (ex.: art. 55º/2 CC).
Temos assim a escolha da lei que melhor se posicionar para resolução do litígio tendo em atenção a localização dos factos ou da sua relação com as pessoas e os factos em concurso.
O DIP não encerra em si um problema de justiça material pelo que o papel da regra de conflitos não é o de escolher, de entre as soluções decorrentes das várias leis em concurso, a que melhor convenha à natureza e circunstâncias do caso «sub judice».
Podemos assim configurar como elementos estruturais das normas de conflito:
i. O conceito quadro - designativo da matéria, instituto ou categoria normativa sendo no seu âmbito que se estabelece a conexão, escolhida pela norma, enquanto representada por um elemento ou circunstância factualmente concreto.
ii. Elemento Conexão – Situando o facto jurídico num espaço legislativo e sistema de direito determinado funcionando como elemento referenciador da lei chamada a intervir.
iii. Consequência jurídica - atribuição de competência à lei designada pelo elemento de conexão, sendo esta a lei aplicável para resolver a questão formulada e será aquela com a qual a relação «sub judice» estiver em contacto através do elemento de conexão.
Consideremos, a título de exemplo, o artigo 45º do Código Civil ( ):
• Conceito quadro - responsabilidade extracontratual;
• Elemento de conexão – Estado onde decorreu a principal actividade causadora;

Consequência jurídica - aplicação da lei do ordenamento jurídico do Estado onde ocorreu o facto danoso.
Devolução e reenvio
No Código Civil esta questão é tratada pelos artigos 16º a 24º com particular destaque para os artigos 17º e 18º.
O reenvio é um facto que surge de as normas de conflito do foro designarem uma lei estrangeira para regular uma questão jurídica e esta não se considerar aplicável remetendo assim para outra ordem jurídica.
Exemplos:
A. Um cidadão brasileiro domiciliado em Portugal morre neste país. Em consonância com as normas de conflito (artigo 62º ( ) CC) a lei reguladora da sucessão é a lei pessoal, ou seja, a lei brasileira (“lex patriae”), no entanto, segundo a lei brasileira a sucessão desse indivíduo é regulada pela lei portuguesa (“lex domicili”).
a. O reenvio neste caso chama-se retorno ou reenvio de 1° grau e podemos figurá-lo do seguinte modo:
L1 L2 (“lex patriae”)
L2 L1 (“lex fori”)
B. O de-cujus, cidadão dinamarquês domiciliado na Itália. Como anteriormente, manda a lei portuguesa (“lex fori”) aplicar a lei dinamarquesa (“lex patriae”), no entanto, esta remete para a lei Italiana (“lex domicili”) do último domicílio.
a. O reenvio chama-se transferência de competência, ou reenvio de 2° grau
L1 (“lex fori”) L2 (“lex patriae”) L3 (lex domicili)
O reenvio deve ser tratado e enquadrado no DIP da “lex fori” enquanto problema de interpretação do direito local englobando assim o direito vigente.
Estamos perante um caso de conflito negativo de normas dado a lei estrangeira designada pelo foro remeter para o próprio ordenamento jurídico ou para outro.
A norma de conflitos pressupõe a existência de mais que uma lei a concorrer à resolução de questões privadas de ordem internacional, directamente através das suas normas do direito interno ou de normas de outro ordenamento recebidas por uma norma de remissão material.
A designação da lei aplicável pela regra de conflitos tem em vista a designação das normas materiais que devem regular a questão, teoria da referência material, ou
determinar essas normas mediante uma referência às regras de conflito desse ordenamento, teoria da referência global.
Limites à aplicação dos direitos dos estrangeiros
O direito dos estrangeiros provém de princípios e regras materiais adoptadas pelo Estado para regular esta matéria.
Concorrem para este facto os artigos 12º ( ) e 17º ( ) do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, os artigos 18º e 20º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o artigo 15º ( ) da Constituição República Portuguesa e o artigo 14º ( ) do Código Civil.
Estatui-se como regra a equiparação dos estrangeiros aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (artigo 14º/1 CC).
Tal facto diferirá da situação normal quando estatuído em contrário ou com a verificação do pressuposto a que se refere o artigo 14º/2 CC.
Temos assim dois princípios essenciais no domínio do DIP:
• Princípio da equiparação;
• Princípio da reciprocidade.
X. Análise comparativa dos artigos referentes às leis:
Como conclusão e atentos à natureza transnacional da Gestão de Transporte Aéreo iremos debruçar-nos numa análise das:
• Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º);
• Lei reguladora das Obrigações (41º a 45º).
Esta análise não poderia deixar de interligar as convenções:
• Lei aplicável às Obrigações Contratuais (Roma I);
• Lei aplicável às Obrigações Extracontratuais (Roma II).
Abordaremos esta análise baseada na interpretação jurídica dada de Pires de Lima e Antunes Varela no seu “Código Civil Anotado” e de Florbela de Almeida Pires no “Conflito de Leis”.
a) Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º)
ARTIGO 35.º (Declaração negocial)
1. A perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente aplicável à falta e vícios da vontade.
2. O valor de um comportamento como declaração negocial é determinado pela lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta, pela lei do lugar onde o comportamento de verificou.
3. O valor do silêncio como meio declaratório é igualmente determinado pela lei da residência habitual comum e, na falta desta, pela lei do lugar onde a proposta foi recebida.
No que diz respeito as obrigações contratuais este artigo encontra-se derrogado pelo artigo 8º ( ) da convenção de Roma e artigo 10º ( ) do Roma I.
No que respeita à interpretação do contrato, há ainda que considerar o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 12º ( ) do Roma I.
A lei aplicável a substância do negocio varia consoante a natureza deste, como se preceitua nos artigos seguintes. Como exemplo de preceito que atribui a certo comportamento o valor de declaração negocial (nº 2), pode ver-se o disposto no artigo 234º ( ) quanto a aceitação da proposta contratual.
O silêncio como meio declaratório está previsto, no Código Civil, no artigo 218º ( ).
ARTIGO 36.º (Forma da declaração)
1. A forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir,
sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.
2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior.
Derrogado pelo artigo 9º ( ) da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais, no que respeita a determinação da lei aplicável à forma dos contratos celebrados após 1 de Setembro de 1994.
A forma dos contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2008 passara a reger-se pelo artigo 11º ( ) do Roma I.
O artigo 36º mantem-se aplicável aos negócios unilaterais não sujeitos a norma de conflitos especial e ainda a outros contratos excluídos do âmbito de aplicação da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, desde também que não se encontrem sujeitos a legislação especial.
Admite-se a aplicação de duas leis. Em principio, deve aplicar-se a lei reguladora do próprio negócio; mas considera-se suficiente a observância da lei do lugar em que e feita a declaração, ou seja, do lugar em que e celebrado o negócio. E este também o sentido com que a legislação italiana e alemã aceitam o principio clássico “locus regit actum”. À segunda regra consagrada no número 1 do artigo 36º abre-se uma excepção, a de a lei reguladora da substância do acto exigir determinada forma, ainda que o acto seja celebrado no estrangeiro. Temos um exemplo no artigo •2223º, em relação aos testamentos feitos por portugueses no estrangeiro, segundo a lei local. Só são eficazes em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.
No número 2 admite-se a devolução para a lei dum terceiro Estado. E como esta devolução pode ser, segundo a norma de conflitos da lei local, obrigatória ou facultativa, temos, neste último caso, a competência de três leis. Todos estes princípios contidos no artigo 36º mostram a preocupação de não estabelecer em matéria de forma princípios demasiadamente rígidos, que perturbassem a legalidade e a segurança dos negócios. É este o espírito da lei
ARTIGO 37.º (Representação legal)
1. A representação legal está sujeita à lei reguladora da relação jurídica de que nasce o poder representativo.
Verificada a representação legal é fundamental a qualificação do instituto de que a mesma resulta, sendo então aplicável a lei que, em geral, regula esse instituto.
ARTIGO 38.º (Representação orgânica)
1. A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal.
A utilidade do artigo 38º é a de esclarecer, em caso de dúvida, que a representação orgânica deve ser integrada no conjunto de matérias que compõem a lei pessoal da pessoa colectiva. Aliás, não se trata aqui de um verdadeiro caso de representação. Sendo os actos praticados pelos órgãos da pessoa colectiva, não se verifica o efeito típico da representação, a repercussão dos actos praticados por uma pessoa na esfera jurídica de outra. A ser assim, não podia ser outra a solução dada neste artigo.
A lei pessoal da pessoa colectiva e, nos termos do artigo 33º ( ), a do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração. A esta lei incumbira, portanto, indicar os órgãos que agem em nome da pessoa colectiva, além dos poderes de que goza cada um deles (artigo. 33º nº 2), e ainda definir o regime dos actos por eles praticados, bem como a repercussão desses actos na esfera jurídica da pessoa colectiva.

ARTIGO 39.º (Representação voluntária)
1. A representação voluntária é regulada, quanto à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos, pela lei do Estado em que os poderes são exercidos.
2. Porém, se o representante exercer os poderes representativos em país diferente daquele que o representado indicou e o facto for conhecido do terceiro com quem contrate, é aplicável a lei do país da residência habitual do representado.
3. Se o representante exercer profissionalmente a representação e o facto for conhecido do terceiro contratante, é aplicável a lei do domicílio profissional.
4. Quando a representação se refira à disposição ou administração de bens imóveis, é aplicável a lei do país da situação desses bens.
Derrogada pela Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação. Nos termos do artigo 4º, a lei designada pela convenção aplica-se mesmo que se trate da lei de um Estado não contratante, o que tem por efeito o carácter universal das suas disposições. O âmbito material de aplicação desta Convenção e mais vasto do que o do artigo 39º. As suas normas aplicam-se sempre que um intermediário tem o poder de agir, age ou pretende agir junto de um terceiro por conta de outrem, sendo ainda extensiva a actividade do intermediário que consista em receber e em comunicar propostas ou em efectuar negociações por conta de outras pessoas e quer o intermediário actue em nome próprio ou em nome do representado, quer a sua actividade seja habitual ou ocasional. Em Portugal, esta Convenção não se aplica:
i. Representação exercida por um banco ou grupo de bancos em matéria de operações de banco
ii. Representação em matéria de seguros
iii. Actos de um funcionário público actuando no exercício das suas funções por conta de uma pessoa privada
O representante agira, em princípio, perante terceiros, repercutindo-se os seus actos na esfera jurídica do representado. Deste modo, na determinação do direito aplicável há que atender, fundamentalmente, aos interesses do representante, que apontam para a aplicação da lei onde habitualmente exerce os seus poderes, aos do representado, e aos interesses dos terceiros com os quais o representante contrata.
As questões reguladas no artigo 39º respeitam aos aspectos específicos da representação, quer na relação interna (representante e representado) quer nas relações externas (representante e terceiro; representado e terceiro). Trata-se de determinar o direito aplicável à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos. Esta fora deste âmbito, por exemplo, o contrato celebrado entre o representante e o terceiro, cuja determinação do direito aplicável será, em princípio, sujeita as disposições da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais ou sobre o Roma I.
Estabelece a competência de varias leis, consoante as diversas situações nele discriminadas:
a) Lei do Estado em que os poderes de representação voluntária são exercidos
b) Lei do país da residência habitual do representado
c) Lei do domicílio profissional do representante;
d) Lei da situação dos bens imóveis abrangidos pela representação
Quanto ao domicílio profissional, vide o artigo 83º ( ).

ARTIGO 40.º (Prescrição e caducidade)
1. A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.
Derrogado pela Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais, cujo artigo 10º, nº 1, alínea d) ( ) determina que estão sujeitas a lei aplicável ao contrato as diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo.
Com Roma I a matéria passou a ser regulada segundo o seu artigo 12º, nº I, alínea d) ( ), em termos idênticos aos actualmente estabelecidos na Convenção de Roma.
Se se trata, por exemplo, da prescrição duma obrigação negocial, é aplicável a lei que as partes tiverem escolhido, nos termos do artigo 41º, ou a que se entender aplicável nos termos do artigo 42º.
A extinção de direitos reais pelo não uso (conforme nº 3 do artigo 298º ( )) é aplicável a lei da situação da coisa (conforme artigo 46º).

b) Lei reguladora das Obrigações (41º a 45º)

ARTIGO 41.º (Obrigações provenientes de negócios jurídicos)
1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.
2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.

Derrogado pela Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais que no seu artigo 3º ( ) consagra com diferenças substanciais, a regra segundo a qual é permitida às partes a designação do direito aplicável ao contrato.

Com Roma I a matéria passou a consagrar em termos amplos a possibilidade de as partes designarem a lei aplicável às obrigações contratuais no seu artigo 3.º ( ). Devemos ainda considerar os casos particulares dos contratos de seguros, trabalho, consumidores e outros. Temos ainda que atender ao nº 2 que determina um firme interesse na lei aplicável ou esta estar em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico.

Consagra-se nesta disposição o princípio da autonomia privada, com os limites referidos no nº 2. A escolha de uma lei, ou tem de obedecer a um critério de seriedade, livremente apreciado pelo julgador, ou deve corresponder a um dos elementos de conexão atendíveis no campo do DIP, tal como a nacionalidade de um dos sujeitos, a sua residência habitual, o lugar da situação da coisa, o lugar da celebração do negócios, etc.
Para a escolha da lei não se exige uma declaração expressa: 0 nº 1 manda atender à lei que os sujeitos do vinculo obrigacional tiverem designado ou houverem tido em vista, e, portanto, aquela que os termos da convenção possam reflectir como pretendida, através de uma declaração tácita de vontade (artigo 217.º nº 1 ( )).
ARTIGO 42.º (Critério supletivo)
1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.
2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.

Derrogado, em geral, pelo artigo 4.º ( ) da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais substituído pelo Roma I sendo determinada a lei aplicável, na falta de escolha, segundo os critérios previstos no artigo 4.º ( ) deste regulamento. Tratando-se de um contrato de transporte, essa lei será determinada pelo novo artigo 5.º. Os contratos celebrados por consumidores, dentro de certas condições, estarão sujeitos ao artigo 6.º, os contratos de seguro ao artigo 7.º e os contratos de trabalho ao artigo 8.º.

Os negócios jurídicos unilaterais são, além de muitos outros, os referidos nos artigos 457.º e seguintes do Código Civil.
Quando as obrigações tenham por fonte um contrato, estabelece-se como elemento de conexão decisiva a residência habitual comum das partes. Na falta desta, nos contratos a título gratuito prevalece residência do que atribui o benefício e nos outros o lugar da celebração do contrato.
Não deve confundir-se a distinção entre contratos gratuitos e contratos onerosos, que atende essencialmente a um critério de correspectividade ou equivalência entre as atribuições patrimoniais a cargo dos• contraentes, com a classificação dos contratos em unilaterais e bilaterais que, olhando mais a estrutura do que ao lado funcional dos negócios, assenta na reciprocidade ou na relação de causalidade jurídica estabelecida: entre as obrigações das partes.
ARTIGO 43.º (Gestão de negócios)
1. À gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade do gestor.

Derrogado pela Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação com a ressalva de se considerar aplicável que esta convenção só se aplica aos contratos de mediação.
A Lei aplicável as Obrigações Extracontratuais (Roma II) contem no seu artigo 11.º ( ) uma regra especial sobre a lei aplicável a gestão de negócios. Em termos sumários, o regulamento manda aplicar a lei que for aplicável a uma relação pré-existente entre as partes (n.º 1), inexistindo esta manda atender a lei da residência habitual comum das partes (n.º 2) ou, finalmente, a lei do país onde tenha sido praticado o acto de gestão (n.º 3). Qualquer destas leis pode ser afastada no caso de resultar claramente do conjunto das circunstâncias que a obrigação tem uma conexão manifestamente mais estreita com outro país (n.º 4) ou no caso de as partes escolherem o direito aplicável (artigo 14.º ( )). Sucede, porem, que o Regulamento Roma II, embora prevaleça sobre as normas de conflitos internas em matéria de obrigações extracontratuais, não prejudica a aplicação das convenções internacionais de que um ou mais Estados-membros sejam parte na data da sua aprovação e que estabeleçam regras de conflitos de leis referentes a obrigações extracontratuais, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º ( ). Deste modo, com a entrada em vigor do Regulamento Roma II, o artigo 43.º apenas poderá aplicar-se aos actos ocorridos antes de 11 de Janeiro de 2009 que não estejam já cobertos pela supra citada Convenção da Haia. Relativamente aos actos posteriores, havendo sobreposição entre o Regulamento Roma II e a Convenção da Haia prevalecerá as disposições desta. Relativamente à gestão de facto parece ser aplicável o Regulamento Roma II.

Sobre a noção e amplitude da gestão de negócios, vide os artigos 464.º e seguintes do Código Civil.

ARTIGO 44.º (Enriquecimento sem causa)
1. O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.

Derrogado pelo Roma II consagrando o seu artigo 10.º ( ) regras especialmente destinadas a resolver o problema da lei aplicável ao enriquecimento sem causa. Em primeiro lugar, o regulamento manda aplicar a lei que for aplicável a uma relação pré-existente entre as partes (n.º 1), inexistindo esta relação, manda atender a lei da residência habitual comum das partes (n.º 2) ou se as partes não tiverem residência no mesmo país, a lei do país onde tenha ocorrido o enriquecimento (n.º 3). Qualquer destas leis pode ser afastada se resultar claramente do conjunto das circunstâncias do caso que a obrigação tem uma conexão manifestamente mais estreita com outro pais (n.º 4) ou no caso de as partes escolherem o direito aplicável (artigo 14.º).
Assim, se perante determinadas ordens jurídicas as consequências da invalidade do contrato são integradas no instituto do enriquecimento sem causa, o referido artigo da Convenção de Roma (e posteriormente do Regulamento Roma I) operou uma qualificação contratual, resolvendo, portanto, as dúvidas que se pudessem suscitar.

Sobre o enriquecimento sem causa, vide os artigos 473.º e seguintes do Código Civil.
É havido como enriquecimento• sem causa, nos termos dos artigos 476.º e seguintes, além de muitos outros, o resultante dum pagamento indevido. A lei aplicável à transferência do valor patrimonial (atribuição patrimonial, Vermögenszuwendung na terminologia dos autores alemães) como seja o pagamento, a cessão de crédito já transmitido, a disposição de direito já alienado, a doação ou a venda (para preencherem um legado nulo ou uma condição ilegal, por exemplo)- é que regula igualmente a: obrigação de restituir, a que o enriquecimento sem causa dá origem.
ARTIGO 45.º (Responsabilidade extracontratual)
1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.


Derrogado pelo Roma II excepto no tocante às matérias que, constituindo o seu objecto, são expressamente excluídas pelo artigo 1.º ( ) como e o caso da violação dos direitos de personalidade. O artigo 14.º permite em geral ao agente e ao lesado a escolha da lei aplicável às obrigações extracontratuais desde que essa escolha seja posterior ao facto que dá origem ao litígio ou as partes desenvolvam actividades económicas. Na falta de escolha artigo 4.º do regulamento adoptou, como regra geral, a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país em que tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas desse facto. O Roma II tem também várias disposições especiais em matéria de responsabilidade por produtos defeituosos (artigo 5.º), concorrência desleal e actos que restrinjam a livre concorrência (artigo 6.º), danos ambientais (artigo 7.º), violação de direitos de propriedade intelectual (artigo 8.º), enriquecimento sem causa (artigo 10.º), gestão de negócios (artigo 11.º) e culpa
in contrahendo (artigo 12.º).

A matéria da responsabilidade civil e, portanto, tudo o que como tal é qualificado nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, quer se funde num acto ilícito (acção ou omissão), quer se baseie no risco, quer decorra de uma conduta ilícita, esta sujeita à lei do lugar onde se exerceu a actividade do agente ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida.
Admitem-se duas excepções: a de, não havendo lugar a responsabilidade segundo a lei competente para a fixar, o agente dever, todavia, prever a lesão e ela se ter verificado em país que o considera responsável. E o caso do n.º 2.
A outra excepção - a prevista no n.º 3 - é esta: o agente e o lesado têm a mesma nacionalidade ou a• mesma residência habitual, e encontram-se ocasionalmente em
país estrangeiro. Neste caso, já não se aplica a lei local referida no n.º 1, mas a lei da nacionalidade ou da residência.
Assim, por exemplo, dais canadianos, ocasionalmente em Portugal, viajam de automóvel. Um é dono do veículo e o outro é transportado gratuitamente. Há um acidente. Pela lei canadiana o proprietário ou condutor não é responsável perante a pessoa transportada gratuitamente; mas já o pode ser pela lei portuguesa (Conforme artigo 504.º ( )). Ora, não se justifica, neste caso, que se aplique esta lei para •dirimir um conflito de interesses entre dois canadianos. E o que se diz quanta ao transporte gratuito, pode dizer-se quanta à extensão do dano indemnizável, quanta aos danos não patrimoniais, etc.
Na parte final do n.º 3 prevê-se, todavia, a existência de disposições que devam aplicar-se indistintamente a todas as pessoas. São as normas de aplicação rigorosamente territorial, como as que disciplinam o trânsito, as construções civis, etc. Se a lei local considera como infracção certo facto ou certa conduta, não interessa já a lei pessoal do agente ou do lesado; há um facto ilícito segundo a lei local e importa tirar dele todas as consequências. Se, por exemplo, houve excesso da velocidade fixada por esta lei, se ela foi transgredida, não importa averiguar, para determinação da culpa e da responsabilidade, se houve excesso de velocidade segundo •a lei nacional do agente e do lesado. O agente passa a ser responsável pelo seu acto, porque as leis que fixam os limites de velocidade são de aplicar indistintamente a todas as pessoas.