segunda-feira, 3 de outubro de 2011

APONTAMENTOS DIREITO DE TRABALHO



NOÇÕES GERAIS

AS FONTES
O CONTRATO DE TRABALHO
O TRABALHADOR
O EMPREGADOR


1. Objecto e âmbito do Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho não é o Direito de todo o trabalho, não toma como objecto de regulação todas as modalidades de exercício de uma actividade humana produtiva ou socialmente útil.
Como ramo de Direito, o seu domínio é o dos fenómenos de relação; excluem-se dele as actividades desenvolvidas pelos indivíduos para satisfação imediata de necessidades próprias.
Tratar-se-á apenas de formas de trabalho livre, voluntariamente prestado; afastam-se assim as actividades forçadas ou compelidas, isto é, de um modo geral, aquelas que não se fundam num compromisso livremente assumido mas numa imposição externa. Mas a “liberdade” que está em causa na definição do objecto deste ramo de Direito é uma liberdade formal: consiste na possibilidade abstracta de aceitar ou recusar um compromisso de trabalho, de escolher a profissão ou género de actividade (art. 47º CRP), e de concretizar tais escolhas mediante negócios jurídicos específicos. O Direito do Trabalho desenvolve-se em torno de um contrato – o contrato de trabalho – que é o título jurídico típico do exercício dessa liberdade.
O trabalho livre, em proveito alheio e remunerado traduz-se sempre na aplicação de aptidões pessoais, de natureza física, psíquica e técnica; para a pessoa que o realiza, trata-se de “fazer render” essas aptidões, de as concretizar de modo a obter, em contrapartida, um benefício económico.
Este objecto pode ser alcançado, desde logo, mediante a auto-organização do agente: tendo em vista a obtenção de um resultado pretendido por outra pessoa, ele programa a sua actividade no tempo e no espaço, combina-a com os meios técnicos necessários, socorre-se, eventualmente, da colaboração de outras pessoas, e fornece, enfim, esse resultado. O agente dispõe da sua aptidão profissional de acordo com o seu critério, define para si próprio as condições de tempo, de lugar e de processo técnico em que aplica esse potencial: auto-organiza-se, auto determina-se, trabalha com autonomia.
Mas o mesmo indivíduo poderá aplicar as suas aptidões numa actividade organizada e dirigida por outrem, isto é, pelo beneficiário do trabalho – deixando, com isso, de ser responsável pela obtenção do resultado desejado. Dentro de certos limites de tempo e de espaço, caberá então ao destinatário do trabalho determinar o “quando”, o “onde” e o “como” da actividade a realizar pelo trabalhador; pode dispor, assim, da força de trabalho deste, mediante uma remuneração. O que caracteriza este outro esquema é, visivelmente, o facto de o trabalho ser dependente: é dirigido por outrem, e o trabalhador integra-se numa organização alheia. Trata-se de trabalho juridicamente subordinado, porque esta relação de dependência não é, como se verá, meramente factual: o Direito reconhece-a, legitima-a e estrutura sobre ela o tratamento das situações em que ocorre.
São as relações de trabalho subordinado que delimitam o âmbito do Direito do Trabalho: as situações caracterizadas pela autonomia de quem realiza trabalho em proveito alheio estão fora desse domínio e são reguladas no âmbito de outros ramos de Direito. Em suma: o Direito do Trabalho regula as relações jurídico-privadas de trabalho livre, remunerado e subordinado.
O Direito do Trabalho não cria este modelo de relação de trabalho: limita-se a recolhê-lo da experiência social, reconhecendo-o e revestindo-o de um certo tratamento normativo. A dependência ou subordinação que caracteriza esse modelo não é imposição legal, é um dado da realidade: quando alguém transmite a outrem a disponibilidade da sua aptidão laboral, está não só a assumir o compromisso de trabalhar mas também o de se submeter à vontade alheia quanto às aplicações dessa aptidão.
O trabalho heterodeterminado ou dependente como realidade pré-jurídica, que constitui a chave do processo de aplicação do Direito do Trabalho.
Fala-se também do trabalho por conta alheia para caracterizar, como uma dominante económica ou patrimonial, o mencionado modelo de relação de trabalho.
O Direito do Trabalho é, pois, o ramo de Direito que regula o trabalho subordinado, heterodeterminado ou não-autónomo. À prestação de trabalho com esta característica corresponde um título jurídico próprio: o contrato de trabalho. É através dele que “uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa sob a autoridade e direcção desta” (art. 1º LCT).
O ordenamento legal do trabalho surgiu e desenvolveu-se como uma reacção ou “resposta” às consequências da debilidade contratual de uma das partes (o trabalhador), perante um esquema negocial originariamente paritário como qualquer contrato jurídico-privado. Essa disparidade originária entre os contraentes deve-se não só à diferente natureza das necessidades que levam cada um a contratar, mas também às condições do mercado de trabalho.
O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da protecção ao trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia privada individual. O contrato de trabalho é enquadrado por uma constelação de normas que vão desde as condições pré-contratuais, passam pelos direitos e deveres recíprocos das partes, atendem com particular intensidade aos termos em que o vínculo pode cessar, e vão até aspectos pós-contratuais.
Não obstante a tipicidade da relação de trabalho subordinado como esquema polarizador e delimitador do Direito do Trabalho, é preciso notar que nela se não esgota o objecto deste ramo de Direito. Incluem-se nele, e com grande saliência, as relações colectivas que se estabelecem entre organizações de trabalhadores (as associações sindicais) e empregadores, organizados ou não. Essas relações apresentam, entre outras, a peculiaridade de, em simultâneo, serem objecto de regulamentação – porque exprimem a actuação de conflitos de interesses – e de terem, elas próprias, um importante potencial normativo, visto tenderem para o estabelecimento de regras aplicáveis às relações de trabalho em certo âmbito. As formas de acção colectiva laboral – a negociação, os meios conflituais – são reguladas pelo ordenamento do trabalho, na dupla perspectiva da “normalização” social e da “formalização” jurídica: as normas do chamado direito colectivo do trabalho visam oferecer meios de racionalização e disciplina dos conflitos de interesses colectivos profissionais e definir as condições da recepção, na ordem jurídica, das determinações que eles venham a produzir. Esse sector do Direito do Trabalho fundamenta-se no reconhecimento da autonomia e da autotutela colectivas.

2. As funções do Direito do Trabalho
A função mais correntemente atribuída ao Direito do Trabalho é, justamente, essa: a de “compensar” a debilidade contratual originária do trabalhador, no plano individual.
No Direito do Trabalho, o padrão de referência é marcado pela desigualdade originária dos sujeitos, ou seja, pela diferença de oportunidades e capacidade objectivas de realização de interesses próprios, e daí que a finalidade “compensadora” seja assumida como um pressuposto da intervenção normativa.
Este objectivo é prosseguido, antes do mais, pela limitação da autonomia privada individual, isto é, pelo condicionamento da liberdade de estipulação no contrato de trabalho. Uma parte do espaço originário dessa liberdade é barrada pela definição normativa de condições mínimas de trabalho: a vontade do legislador supre o défice de um dos contraentes.
Depois, e tendo em conta que a subordinação e a dependência económica do trabalhador são susceptíveis de limitar ou eliminar a sua capacidade de exigir e fazer valer os seus direitos na pendência da relação de trabalho, o ordenamento laboral estrutura e delimita os poderes de direcção e organização do empregador, submetendo-os a controlo externo. Legitima-se, assim, a “a autoridade patronal”, mas, ao mesmo passo, são contidos os poderes fácticos do dono da empresa e do dirigente da organização dentro dos limites de faculdades juridicamente configuradas e reguladas.
Em terceiro lugar, o ordenamento laboral organiza e promove a transferência do momento contratual fundamental do plano individual para o colectivo. O reconhecimento da liberdade sindical e da autonomia colectiva e o favorecimento da regulamentação do trabalho por via da contratação colectiva tendem a reconduzir o contrato individual a um papel restrito.
Em quarto lugar, o Direito do Trabalho estrutura um complexo sistema de tutela dos direitos dos trabalhadores que tende a suprir a sua diminuída capacidade individual de exigir e reclamar. A arquitectura desse sistema integra meios e processos administrativos (em particular, os que respeitam à actuação da inspecção do trabalho), meios jurisdicionais (Tribunais especializados que seguem regras processuais especiais) e meios de autotutela colectiva (acção sindical na empresa, meios de luta laboral).
Ora, para além dessa função de protecção, o Direito do Trabalho tem também a de promover a específica realização, no domínio das relações laborais, de valores e interesses reconhecidos como fundamentais na ordem jurídica global.
O ordenamento laboral liga-se muito estreitamente à esfera dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição.
Uma terceira função do Direito do Trabalho diz respeito ao funcionamento da economia: é a de garantir uma certa padronização das condições de uso da força de trabalho. Essa padronização tem um duplo efeito regulador: condiciona a concorrência entre as empresas, ao nível dos custos do factor de trabalho; e limita a concorrência entre trabalhadores, na procura de emprego e no desenvolvimento das relações de trabalho.

3. As fronteiras móveis do Direito do Trabalho
O objecto do Direito do Trabalho define-se, em torno da prestação de trabalho subordinado, livre, remunerado, no quadro de uma relação contratual jurídico-privada.
Fala-se aqui de trabalho subordinado livre porque se alude a uma situação em que a colocação de uma pessoa “sob a autoridade e direcção” de outra (art. 1º LCT) não deriva de uma imposição alheia, antes se baseia num acto de vontade daquele que assim se subordina. A referência à liberdade restringe-se, aqui, ao modo de determinação do vínculo jurídico do trabalho; não se trata da liberdade psicológica ou da livre opção económica – que muitas vezes não existem, dada a pressão das necessidades de subsistência.
O ordenamento jurídico-laboral ocupa-se da prestação de trabalho remunerado; estão fora do seu objecto as situações em que alguém realiza uma actividade, em proveito de outrem, a título gratuito ou sem directa contrapartida económica.
Finalmente, ao Direito do Trabalho importam, em princípio, somente as relações jurídico-privadas de trabalho, isto é, tituladas por contrato de trabalho. As relações de emprego público pertencem à esfera do Direito Administrativo.
Aponta-se para uma tendência expansiva do Direito do Trabalho, no sentido de “responder à necessidade de tutela proveniente de figuras sociais conformes à que foi tomada como modelo na fase originária da sua construção, independentemente dos caracteres técnico-jurídicos do compromisso a prestar trabalho”.
Essa tendência manifesta-se, em particular, quanto a duas modalidades de prestação de trabalho tradicionalmente excluídas do objecto do Direito do Trabalho.
A primeira, é a que genericamente se designa por trabalho autónomo ou autodeterminado. Caracteriza-se por a actividade do prestador ser programada e conduzida pelo seu próprio critério de organização e funcionalidade, tendo em vista a obtenção de um resultado devido a outrem.
As relações de trabalho autónomo, pela simples razão de que nelas não existe subordinação jurídica do fornecedor de trabalho relativamente ao beneficiário final do respectivo resultado, estão fora do objecto do Direito do Trabalho. Isto significa, desde logo, que o ordenamento laboral não tem com tais situações uma conexão imediata e estrutural.
Do objecto do Direito do Trabalho estão também excluídas as relações jurídico-públicas do trabalho, com especial relevo para as que se estabelecem entre o Estado e os funcionários públicos.
Assim, o art. 269º/1 CRP, dispõe enfaticamente que, “no exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido nos termos da Lei, pelos órgãos competentes da Administração”.
A natureza e o regime das relações de trabalho nas empresas públicas não são determináveis de modo genérico e a priori. O estatuto de cada uma delas aponta num ou noutro sentido – e, por vezes, admite a simultaneidade de regimes publicísticos e privatísticos – em resultado de opções que são ditadas, muitas vezes, pelos antecedentes das empresas e pela preocupação de salvaguarda dos interesses e expectativas dos trabalhadores envolvidos.
O regime das relações jurídico-públicas de trabalho mostra-se permeável à penetração de princípios e dispositivos próprios do ordenamento laboral. Denota-se esse fenómeno com particular nitidez no campo das relações colectivas de trabalho. Assim, a liberdade sindical, reconhecida pelo art. 55º/1 CRP, abrange os trabalhadores da função pública, embora a regulamentação do seu exercício deva constar da lei especial (art. 50º 215-B/75). Ainda no domínio organizatório, a lei permite a criação de comissões de trabalhadores no âmbito da função pública (art. 41º/1 Lei 46/79). Os mesmos trabalhadores têm garantido o direito de greve, embora também se preveja regulamentação especial do seu exercício (art. 12º Lei 65/77). Enfim, foi-lhes reconhecido o direito de negociação colectiva sobre vencimentos e outras remunerações, pensões e regalias de acção social (DL 45-A/84, de 3 de Fevereiro), o que constitui solução ainda relativamente invulgar, numa perspectiva comparatista.

4. O conteúdo do Direito do Trabalho
A prestação de trabalho subordinado pode estar na origem de relações jurídicas de diversa natureza. Destacando as que envolvem interesses propriamente laborais, pode-se enumerar as seguintes:
• Relação individual de trabalho (cujos sujeitos são o trabalhador e a entidade empregadora, e cujo facto determinante é o contrato celebrado entre estes);
• Relação entre empregador e o Estado (cujo conteúdo consiste em certo número de deveres que ao primeiro incumbe observar no desenvolvimento da relação individual, deveres inspirados na tutela dos interesses gerais que relevam do trabalho e cujo cumprimento é fiscalizado pela administração estadual do trabalho e sancionado por meios de natureza pública);
• Relações colectivas de trabalho (em que os sujeitos da relação individual aparecem considerados do ângulo das categorias em que se inserem; destas relações pode, designadamente, resultar a regulamentação de relações individuais, por via de convenção colectiva).
Nas relações do primeiro tipo, estão em jogo interesses meramente individuais e privados; nas do segundo, interesses públicos; na do terceiro, interesses colectivos, de classe, de categoria profissional ou de ramo de actividade económica.
A partir do isolamento daqueles três tipos de relações jurídicas assentes na prestação de trabalho, a doutrina tem destacado, no conjunto das normas que constituem o conteúdo do Direito do Trabalho, três núcleos de regulamentação: o das normas (de direito privado) reguladoras da relação individual entre o dador de trabalho e o trabalhador, definidoras dos direitos e deveres recíprocos que eles assumem por virtude do contrato e sancionadas por meios de direito privado; o dos preceitos (de direito público) alusivos às relações entre empregador e o Estado, definidores dos deveres que ao primeiro incumbe observar, dos meios de controlo e das sanções correspondentes ao seu vencimento, e fundados na defesa do interesse geral; finalmente, as normas reguladoras das relações colectivas de trabalho, votadas à tutela dos interesses colectivos, de categoria profissional e ramo de actividade. Assinale-se que estes núcleos – surgem imbricados no direito positivo, sobretudo nos dois primeiros, em termos de se tornar, muitas vezes, consideravelmente dificultosa a tarefa de qualificação dos preceitos segundo este critério.

AS FONTES

5. Noções gerais
Usa-se a expressão fontes de Direito em vários sentidos. Retém-se somente a acepção técnico-jurídica, segundo a qual se trata dos modos de produção e revelação de normas jurídicas, ou seja, dos instrumentos pelos quais essas normas são estabelecidas e, do mesmo passo, expostas ao conhecimento público.
Ao lado das fontes em sentido técnico, assumem grande relevo no Direito do Trabalho outros factos reguladores ou conformadores das relações laborais, que fornecem critérios de solução destituídos da autoridade das normas jurídicas, mas com forte penetração modeladora na experiência social daquelas relações. Quer-se aludir a elementos como as cláusulas contratuais gerais, suporte do contrato de trabalho por adesão (art. 7º LCT); os actos organizativos e directivos do empregador, quando assumam forma genérica (regulamentos, ordens de serviço, etc.); os usos e as práticas laborais, sobretudo quando gerados no quadro da empresa; as correntes jurisprudenciais desenvolvidas pelos Tribunais Superiores (Relações e Supremo Tribunal de Justiça), a chamada doutrina dominante, nacional e estrangeira.
Existem tipos de fontes comuns à generalidade dos ramos de Direito. A lei (ou o decreto-lei). Há, por outro lado, neste ramo de Direito, pelo menos um tipo privativo de fonte: a convenção colectiva.
Pode-se assim distinguir, fontes heterónomas, estas (de que a lei constitui exemplo) traduzem intervenções externas – do Estado – na definição das condições dos interesses empregadores e trabalhadores; e fontes autónomas, (as convenções colectivas) constituem formas de auto-regulação de interesses, isto é, exprimem soluções de equilíbrio ditadas pelos próprios titulares daqueles, os trabalhadores e os empregados, colectivamente organizados ou não.
As fontes de Direito do Trabalho podem repartir-se em duas categorias fundamentais: a das fontes internacionais e a das fontes internas. Enquanto estas são o produto de mecanismos inteiramente regulados pelo ordenamento jurídico interno de cada país, as primeiras resultam do estabelecimento de relações internacionais, no âmbito de organizações existentes ou fora dele.

6. A Constituição
Os preceitos constitucionais com incidência no âmbito do Direito do Trabalho encontram-se, quase todos, nos Títulos II e III. De acordo com o art. 17º, esse conjunto é abrangido pelo regime dos direitos, liberdades e garantias, com especial saliência para o princípio da aplicação directa (art. 18º/1), isto é, da desnecessidade de intervenção mediadora da lei ordinária. Assim, as normas em causa vinculam imediatamente “as entidades públicas e privadas” (art. 18º/1).
Tendo presentes os vários domínios em que se desdobra a temática juslaboral, é necessário reconhecer que o grande peso regulamentar da Constituição se faz sentir sobretudo na área do chamado Direito Colectivo. A lei fundamental não se limita aí a definir grandes princípios enquadrantes ou estruturantes: assume, antes, um papel directamente conformador quanto a alguns temas, como o das organizações de trabalhadores e dos conflitos colectivos. O tratamento de problemas relativos a qualquer desses domínios implica, quase sempre, a utilização de preceitos constitucionais.
Funcionando basicamente a título de referência valorativa, e não já como dispositivo regulamentar, surge o complexo normativo que sobretudo respeita à dimensão individual do trabalho: a liberdade de escolha de profissão (art. 47º/1), a segurança no emprego (art. 53º), o direito ao trabalho e o dever de trabalhar (art. 58º/1 e 2) e, em geral, os direitos dos trabalhadores (art. 59º).
A diferente postura do legislador constitucional perante as áreas do colectivo e do individual pode compreender-se – prescindindo de outras perspectivas, nomeadamente a ideológica – à luz das exigências operatórias que se impunham à lei fundamental no processo de transição do sistema corporativo para o regime laboral democrático.

7. Fontes Internacionais: Convenções internacionais gerais
Com natureza idêntica à dos tratados internacionais clássicos, surge, um conjunto de instrumentos convencionais que, pelo conteúdo, visam a definição “constitucional” de uma “ordem social internacional”.
Refira-se, em primeiro lugar, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que assume o carácter vinculante, mas tem para nós o interesse especial de constituir um referencial básico para a determinação do conteúdo, extensão e limites dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
Na Declaração Universal são proclamados os princípios do direito ao trabalho, da liberdade de escolha de trabalho, da igualdade de tratamento, da protecção no desemprego, do salário equitativo e suficiente, da liberdade sindical, do direito ao repouso e aos lazeres, da limitação da duração do trabalho e do direito a férias (arts. 23º e 24º).
Na linha de descendência directa da Declaração Universal, cabe referir em seguida a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma, 1950. Trata-se já de um instrumento vinculativo para os Estados ratificantes, embora com um âmbito geográfico restrito.
Com incidência nos mesmos temas (Escravidão, servidão, trabalho forçado; liberdade sindical), cabe referir de seguida o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, concluído em Nova Iorque, em 1976. Nos preceitos com interesse para o Direito do Trabalho (arts. 8º e 22º) ele é, praticamente, a reprodução do texto dos arts. 4º e 11º da Convenção Europeia. Na mesma altura, foi também assinado um Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que integra a explicitação do conteúdo do direito ao trabalho, a reiteração dos princípios de equidade e suficiência dos salários, do direito ao repouso, e da liberdade sindical, entre outros. A liberdade sindical surge aqui já encarada dos ângulos individuais e colectivo e, na mesma linha, é consagrado o direito de greve (art. 8º).
Mencione-se, finalmente, a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989. Elaborada no âmbito das Comunidades Europeias, surgiu como uma declaração de orientação política sem o valor de fonte de direito; o seu sentido fundamental poderá encontrar-se na enfatização da vertente social da integração europeia; a sua utilidade mais notória reside no programa de acção que a acompanhava e que veio a ser progressivamente concretizado por projectos de medidas da Comissão Europeia, muitos deles com destino incerto.
Dos documentos internacionais referidos, inserem-se no elenco das fontes de Direito do Trabalho português – embora com importância muito desigual – a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os Pactos Internacionais de Nova Iorque e a Carta Social Europeia, todos ratificados por Portugal.

8. A convenção da Organização Internacional de Trabalho (OIT)
As principais fontes internacionais de Direito do Trabalho português são as convenções celebradas sob os auspícios da Organização Internacional do Trabalho.
Antes de mais: o que é a Organização Internacional de Trabalho?
Fundada em 1919, com a paz de Versailles, na órbita da Sociedade das Nações, a Organização Internacional de Trabalho passou a ser, após a 2ª Guerra Mundial, uma agência especializada da Organização das Nações Unidas. Trata-se de uma organização tripartida – quer dizer: nela têm assento representantes dos governos, das entidades patronais e dos trabalhadores dos vários países membros – que tem como objectivo preparar convenções ou recomendações referentes aos diversos problemas suscitados pelas relações de trabalho, a fim de influenciar as legislações internas no sentido de uma melhoria progressiva dos padrões existentes nesse domínio. Para além disso, assegura assistência técnica aos governos e desenvolve amplas actividades de pesquisa nos domínios económico, social e técnico das relações de trabalho. Portugal é membro-fundador da Organização.
As convenções e as recomendações diferem, como é óbvio, pelo grau de vinculação que delas resulta: só no primeiro caso se trata de verdadeiras normas susceptíveis de integração nas legislações internas; no segundo caso, há meras directrizes ou princípios programáticos sem verdadeiros carácter normativo.
Vigora no direito português, relativamente às normas constantes de convenções internacionais, o sistema da recepção automática na ordem jurídica interna. O art. 8º/2 CRP dispõe com efeito: “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português”. Decorre deste preceito que as regras constantes das convenções ratificadas (e/ou aprovadas) pelo Estado português, e publicas no “Diário da República”, passam a integrar o Direito interno independentemente da transposição do seu conteúdo para a lei ordinária interna (se ela fosse necessária, estar-se-ia perante o sistema da “transformação”).
A vinculação internacional do Estado português pode cessar com a denúncia da convenção, nos termos que esta defina; no plano interno, a eficácia da denúncia equivale à da revogação das normas incorporadas em consequência da ratificação.
A riqueza da produção normativa da Organização Internacional de Trabalho e o facto de Portugal ter ratificado um elevado número de convenções não bastam para garantir a efectividade das respectivas normas na ordem interna portuguesa.

9. As fontes comunitárias
A União Europeia é uma comunidade jurídica, dispõe de uma “ordem jurídica própria”: integra órgãos competentes para a criação de normas que se destinam a serem escolhidas nos ordenamentos internos dos Estados membros, possui uma organização judiciária e modelos processuais adequados à efectivação daquelas normas.
Essa ordem jurídica engloba um conjunto de disposições pertencentes ao âmbito do Direito do Trabalho. A vertente social da construção europeia surgiu quase sempre como condição instrumental da “organização do mercado” e ainda, de certa forma, como fundamento de acções complementares ou supletivas relativamente aos efeitos sociais positivos que se esperavam do funcionamento do mercado comum europeu.
Daí que o Tratado de Roma seja particularmente afirmativo, nesse domínio, acerca da efectivação do princípio da livre circulação de trabalhadores (art. 48º), implicando a não discriminação com base na nacionalidade (art. 48º/2), a coordenação dos regimes de segurança social (art. 51º) e a instituição de um suporte financeiro (o Fundo Social Europeu) para o fomento do emprego e da mobilidade geográfica e profissional dos trabalhadores (arts. 123º e segs.). Nestas bases assentou um conjunto de regulamentos (particularmente acerca do acesso aos vários sistemas de segurança social) prontamente editado, pouco depois da celebração do Tratado.
O Tratado preconiza a harmonização legislativa entre os Estados membros, relativamente às matérias “que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum” (art. 100º). Entre essas matérias, há que contar com as referentes ao regime das relações de trabalho, até porque das disparidades que aí se verifiquem pode resultar o “falseamento das condições de concorrência” (art. 101º). Esta harmonização, ou “aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros” (art. 100º), envolve a prática de actos normativos comunitários (directivas), alguns dos quais pertencem manifestamente ao âmbito do Direito do Trabalho.
O enquadramento dessa acção normativa foi profundamente alterado com o Tratado da União Europeia (Maastricht, 1992). Como anexo a esse tratado, surgiu um Protocolo sobre a Política Social, subscrito por somente onze Estados membros, que serve de suporte a um Acordo sobre a Política Social.
O art. 1º desse Acordo é, desde logo, bem explícito na afirmação de objectivos sociais comunitários: a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, uma protecção social adequada, o diálogo social, o desenvolvimento dos recursos humanos de modo a permitir um nível de emprego elevado e durável e a luta contra as exclusões.
Esta primeira contestação é reforçada por duas vias:
a) O alargamento das competências comunitárias no mesmo domínio: prevê-se agora o estabelecimento de prescrições mínimas sobre matérias que englobam, para além do ambiente de trabalho, as condições de trabalho, a informação e a consulta dos trabalhadores, a igualdade entre homens e mulheres e a integração das pessoas excluídas do mercado de trabalho (art. 2º/1 e 2);
b) A tendencial generalização do método da maioria qualificada nas decisões a tomar sobre aquelas matérias (art. 2º/2): só ficam de fora os temas explicitamente reservados à unanimidade (n.º 3 do mesmo artigo).
Passou a ser viável a intervenção comunitária, mediante actos normativos (directivas) decididos por maioria qualificada, sobre a generalidade dos temas compreendidos no regime das relações individuais de trabalho.
Relativamente à dimensão colectiva das relações de trabalho, o conteúdo do Acordo articula duas perspectivas inteiramente diversas para dois domínios fundamentais aí compreendidos: relativamente à negociação colectiva, admite-se regulamentação comunitária, embora assente em unanimidade; quanto aos conflitos colectivos, ou melhor, às formas de luta laboral, exclui-se em absoluto a competência comunitária (art. 2º/6).
Todavia, é fundamentalmente na área das fontes de Direito do Trabalho Comunitário que se manifesta o rasgo inovatório do Acordo sobre a Política Social.
A adopção e a actuação das medidas comunitárias no domínio da política social passaram, na verdade, a estar cingidas por uma trama processual que pode, esquematicamente, descrever-se nos seguintes termos (arts. 3º e 4º do Acordo sobre a Política Social):
a) Consulta prévia da Comissão aos parceiros sociais a nível comunitário sobre a “possível orientação” de uma eventual proposta a apresentar;
b) Decisão da Comissão sobre carácter “desejável” da medida;
c) Segunda consulta aos parceiros sociais sobre o conteúdo da proposta de directiva a apresentar ao Conselho;
d) Possibilidade de iniciativa negocial dos parceiros sociais sobre a matéria, visando a conclusão de uma convenção colectiva a nível comunitário em vez da emissão da directiva projectada;
e) Possibilidade de transposição de uma directiva (art. 2º/4) ou de uma convenção comunitária (art. 4º/2) por contratação colectiva a nível nacional.
A ordem jurídica comunitária desenvolve-se em dois níveis hierarquicamente relacionados: o do direito comunitário originário e o do direito comunitário derivado.
O direito comunitário originário, como a própria designação inculca, é fundamentalmente integrado pelo conteúdo dos tratados que instituíram o perfil constitucional das Comunidades.
Nos termos do art. 8º/2 CRP, a adesão de Portugal determinou a recepção automática do Direito comunitário originário no Direito interno, com as consequentes limitações da soberania. Este efeito está, de resto, assumido nos ordenamentos jurídicos de todos os Estados membros.
O direito comunitário derivado ou secundário, é o conjunto das normas emitidas pelos órgãos comunitários dotados de competência para o efeito. O art. 189º do Tratado de Roma estabelece a esse propósito, o seguinte: ”(…) o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres”.
Este elenco compreende fontes não vinculativas, que são as recomendações e os pareceres, e fontes vinculativas: os regulamentos, as directivas e as decisões.
O regulamento tem carácter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros. É uma verdadeira “lei comunitária”, à qual devem, directamente, obediência não só as autoridades nacionais, mas também os cidadãos de cada país.
Por seu turno, a directiva caracteriza-se, genericamente, pelo facto de definir tais Estados membros um “resultado a alcançar”, cabendo-lhes escolher e actuar os instrumentos, nomeadamente normativos, adequados à obtenção daquele.
O Acordo sobre Política Social, anexo ao Tratado de Maastricht, veio estabelecer formalmente a possibilidade de concretização de directivas por convenção colectiva: nos termos do art. 2º/4 daquele Acordo, “um Estado membro pode confiar aos parceiros sociais, a seu pedido conjunto, a transposição das directivas adoptadas em aplicação dos nos. 2 e 3”.
O pecúlio comunitário, no que toca ao Direito do Trabalho, é notoriamente modesto. Constituem-no alguns regulamentos e directivas concernentes a condições da livre circulação dos trabalhadores e um número de directivas sobre aspectos específicos do regime das relações individuais de trabalho.

10. Fontes internas: o elenco do art. 12º LCT
Encontra-se no art. 12º/1 LCT, sob a epígrafe “normas aplicáveis aos contratos de trabalho”, aquilo que, ao tempo da publicação do diploma, poderia ser considerado um elenco das fontes internas específicas do Direito do Trabalho.
Há que mencionar, antes de tudo, as leis constitucionais como a Constituição da República Portuguesa que, inclui diversos preceitos relativos às questões laborais, mas também a legislação ordinária comum – isto é, não especificamente dirigida à “regulamentação do trabalho” – com particular relevo para o Código Civil, na parte referente ao regime comum dos contratos e das obrigações. Tenha-se presente que o contrato de trabalho, aparte os aspectos particularizados na legislação laboral propriamente dita, está coberto pelas normas daquele regime comum.
Alguns dos tipos de fontes enumerados no art. 12º/1 estão hoje neutralizados ou modificados no seu alcance.


11. Normas legais de regulamentação do trabalho
A) As principais leis do trabalho
Com esta designação, abarca o legislador as “fontes estaduais”, ou seja, todas as normas jurídicas, criadas e emitidas pelos órgãos do Estado dotados de competência originária para o efeito, o que inclui as leis ordinárias, os decretos-lei, os decretos regulamentares.
B) A participação na elaboração das leis do trabalho
a) O regime de apreciação pública
Na ordem jurídica portuguesa, a noção de legislação do trabalho constitui, em si mesma, um conceito normativo. A Constituição institucionaliza um certo tipo de participação das comissões de trabalhadores (art. 54º/4-d) e das associações sindicais (art. 56/2-a) na elaboração da legislação do trabalho”, e o legislador ordinário teve de pronunciar-se sobre a demarcação do domínio material em que essa participação seria obrigatória.
Assim, a Lei 16/79, de 26 de Maio, fornece uma definição de legislação do trabalho que se decompõe num enunciado genérico – é “a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações” – e na designação de um elenco de matérias, com carácter manifestamente exemplificativo, que vai desde a disciplina do contrato individual de trabalho até à aprovação para ratificação das convenções da Organização Internacional de Trabalho.
Não se pode, em suma, excluir a priori que o conceito normativo de legislação de trabalho abranja domínios e matérias que, não pertencendo ao território coberto pelo ordenamento juslaboral na sua razão funcional para que quanto a eles actue o peculiar modo de produção normativa que se tem em vista.
O conceito de legislação do trabalho, é igualmente susceptível de abranger as matérias que contendem com o problema vital da efectividade dos dispositivos juslaborais. A efectividade assume, no Direito do Trabalho, mais que noutros domínios da ordem jurídica, alcance verdadeiramente substancial dado que contende com a consistência dos direitos laborais, sendo, por isso, um factor constitutivo ou conformador da realidade das relações de trabalho. A organização judiciária do trabalho e o correspondente regime processual devem considerar-se funcionalmente compreendidos no conceito de legislação do trabalho.
O reconhecimento formal, às comissões de trabalhadores e às associações sindicais, do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho provém da primeira versão da Constituição (art. 56º-d e art. 58º-a), cujos termos se mantiveram, aliás, ipsis verbis, embora com diversa colocação, nas versões posteriores da lei fundamental.
O mecanismo de participação engloba três exigências processuais sucessivas:
a) A Publicação dos projectos e propostas de diplomas nos boletins oficiais adequados, com indicação do prazo para apreciação pública, que não será, em regra, inferior a 30 dias (art. 4º/1, art. 5º/1 da Lei 16/79);
b) O anúncio, através dos órgãos de comunicação social, da publicação feita (art. 4º/3);
c) A indicação dos resultados da apreciação pública, no preâmbulo do diploma (quando se trate de decreto-lei ou decreto regional) ou no relatório anexo ao parecer da comissão parlamentar ou da comissão da assembleia regional (quando o diploma emanar da Assembleia da República ou de uma assembleia regional).
O art. 3º da Lei 16/79 estabelece que não pode ser discutido ou votado, no seio do órgão legislativo, nenhum projecto ou proposta de diploma sem que tenha sido propiciada a intervenção das organizações de trabalhadores. A inobservância deste imperativo constitui fundamento de inconstitucionalidade formal.
Deverá notar-se que a Lei 16/79 oferece sugestões no sentido de que o legislador ordinário procedeu a uma certa ampliação do desígnio político-jurídico manifestado pela Constituição.
b) A concentração legislativa
Exige um outro mecanismo de participação na elaboração da legislação do trabalho: é a chamada “concentração social”.
Desde logo, à Comissão Permanente de Concentração Social (CPCS), integrada no Conselho Económico e Social (CES), devem ser apresentados, para apreciação, todos os projectos legislativos do Governo em matéria sócio-laboral, designadamente de legislação de trabalho.
Alguns acordos de concentração social contêm programas de produção legislativa, com diversa amplitude, mas tendo em comum o facto de corporizarem verdadeiros compromissos trilaterais de política legislativa, ou seja, de traduzirem a pré-contratação de diplomas a elaborar.
Os projectos de legislação laboral que não constituam concretização de compromissos assumidos entre o Governo e os parceiros sociais devem, ainda assim, com base numa vinculação política genérica que consta do regulamento da CPCS, ser submetidos à “apreciação” desta.
Tal apreciação assumirá, naturalmente, o perfil de uma negociação orientada para o máximo consenso possível, mas o projecto discutido poderá seguir o rumo normal do projecto legislativo independentemente do resultado. E o projecto será, no âmbito do processo legislativo, agora já por imperativo legal (Lei 16/79), sujeito ao mecanismo de apreciação pública.
Há pois, nestes casos, dois níveis ou “momentos” participativos: um, baseado num compromisso genérico de concertação, em que intervêm somente as confederações sindicais e patronais, e que pode assumir índole negocial; outro, legalmente imposto, em que são chamadas a pronunciar-se as organizações de trabalhadores, mas através de um mecanismo que possibilita a audição de quaisquer outras entidades e organizações.
O tipo de participação que se verifica na concentração social sobre legislação do trabalho distingue-se, claramente, do que está regulado pela Lei 16/79.
O primeiro traço distintivo reside, justamente, no facto de a concertação legislativa não ser resultante de um imperativo legal, mas de compromissos políticos assumidos no próprio quadro da negociação trilateral.
A inobservância de tais compromissos, por parte de quem exerce a iniciativa da produção legislativa (o Governo), só se expõe a sanção política, e não é susceptível de afectar a validade jurídica dos diplomas.
Em segundo lugar, a apreciação pública decorrente da Lei 16/79 insere-se no processo de decisão legislativa final, ao passo que a concertação actua em fase preliminar, na decisão de iniciativa e na elaboração dos anteprojectos.
Depois, a apreciação pública deve ser promovida, conforme os casos, pelo Governo e pela Assembleia da República; a concertação é um mecanismo exclusivamente aplicável nos processos de decisão do Governo, como parte que é do esquema trilateral de negociação.

12. Portarias de regulamentação e de extensão
Entre as fontes estaduais do Direito do Trabalho incluem-se, no sistema português, as normas emitidas pelo Ministro do Trabalho – dentro da competência que por lei lhe está atribuída. Trata-se de actos genéricos da Administração pelos quais são criadas normas jurídico-laborais aplicáveis às relações de trabalho dentro de certas categorias de empresas e de trabalhadores, e, por vezes também, com um domínio geográfico limitado.
A regulamentação do trabalho deve assumir a forma de portaria, quer se destine a alargar o âmbito originário de aplicação de convenções colectivas e decisões arbitrais (portaria de extensão), quer tenha por objecto a definição das condições de trabalho a praticar em certo sector (portaria de regulamentação). Esta última espécie é, naturalmente, a mais relevante no contexto das fontes de Direito do Trabalho.
As portarias de extensão, são, instrumentos administrativos de alargamento do âmbito originário de convenções colectivas e decisões arbitrais – efeito que pode ser também obtido por um meio convencional, o “acordo de adesão” (art. 28º DL 519-C1/79).
Uma portaria de extensão pode ser emitida em duas situações típicas:
a) A de existirem, na área e no âmbito de aplicação de uma convenção colectiva ou decisão arbitral, entidades patronais e trabalhadores das categorias abrangidas que não sejam filiados nas associações outorgantes, ou partes na arbitragem;
b) A de existirem, em área diversa daquela em que a convenção ou decisão se aplica, empregadores e trabalhadores das categorias reguladas, não havendo associações sindicais ou patronais legitimadas para os representar, e verificando-se “identidade ou semelhança económica e social”.
As portarias de regulação do trabalho, por seu turno, são actos administrativos de conteúdo genérico (normativo), da competência do Ministro do Trabalho e do Ministro da Tutela ou responsável pelo sector da actividade (art. 36º/1 DL 519-C1/79).
A lei define os pressupostos da emissão de portarias de regulação de trabalho em termos bastante estritos: inexistência de associações sindicais ou patronais, recusa reiterada de uma das partes em negociar, prática de actos ou manobras dilatórias da negociação colectiva.
Para além da situação de “vazio representativo”, as hipóteses consideradas sugerem que o legislador atribui a esse tipo de instrumento o papel de “desbloqueador” de processos negociais em que há sinais de falta ou deficiência de vontade contratual de uma ou ambas as partes. O regime das portarias de regulamentação do trabalho surge, na DL 519-C1/79, arrumado no capítulo dos “conflitos colectivos de trabalho” (arts. 30º e segs.), ao lado dos mecanismos clássicos de resolução desses conflitos.

13. Convenções colectivas de trabalho
O principal instrumento desse tipo de regulamentação é a convenção colectiva de trabalho – um acordo celebrado entre associações de empregadores e de trabalhadores, ou entre empresas e organismos representativos de trabalhadores. Ao primeiro caso, aplica-se o rótulo de “contrato colectivo”; ao segundo, o de “acordo colectivo” e o de “acordo de empresa”, conforme o disposto no art. 2º/3 DL 519-C1/79. As duas primeiras designações provêm da tradição legislativa anterior a 1974.
Trata-se, através de tais convenções, de estabelecer, para determinado sector da actividade económica, um regime particularizado e complexo, abarcando a regulamentação das relações de trabalho propriamente ditas e a disciplina de certos aspectos complementares que, no seu conjunto, definem juridicamente a situação profissional dos trabalhadores envolvidos.
A convenção colectiva (CCT) tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar.
Por um lado, resulta de um acordo obtido através de negociações, valendo como uma fórmula de equilíbrio entre os interesses das categorias de trabalhadores e de empregadores envolvidos.
A convenção colectiva é um acto criador de normas jurídicas incidentes sobre os contratos individuais do trabalho vigentes ou futuros, dentro do seu âmbito de aplicação (art. 7º DL 519-C1/79). Tem pois uma função regulamentar, que lhe confere a singularidade já apontada (art. 3º DL 519-C1/79): as cláusulas convencionadas condicionam directamente o conteúdo dos contratos individuais no seu âmbito, no duplo sentido de que preenchem os pontos deixados em claro pelas partes e se substituem às condições, individualmente contratadas, que sejam menos favoráveis ao trabalhador (art. 14º/1).
Estas duas facetas (obrigacional e regulamentar) articulam-se em qualquer convenção colectiva, condicionando-se entre si. Mas reveste-se de algum interesse a destrinça entre elas: por um lado, no respeitante à formação e integração, entende-se correctamente serem aplicáveis, a título subsidiário, as regras pertencentes à disciplina jurídica dos contratos (e não das leis), nomeadamente os arts. 224º a 257 do Código Civil; por outro lado, as condições de eficácia das convenções colectivas são idênticas às das leis (art. 10º/1 DL 519-C1/79), designadamente as que resultem dos arts. 5º, 7º e 12º CC.
Define a lei certos elementos identificativos de cada convenção colectiva que, por isso, nela devem figurar obrigatoriamente: a designação das entidades celebrantes, a área e âmbito de aplicação e a data de celebração (art. 23º).

14. Os usos da profissão e das empresas
A lei admite que se atenda aos “usos da profissão do trabalhador e das empresas”, desde que não se mostrem contrários às normas constantes da lei, das portarias de regulamentação do trabalho e das cláusulas das convenções colectivas (art. 12º/2). Por outro lado, a atendibilidade dos usos será afastada se as partes assim convencionarem, bem como no caso de serem contrários à boa fé.
Perante estes elementos, põe-se em dúvida quanto a saber se, no Direito do Trabalho, os usos constituem verdadeira fonte.
A “convicção generalizada de jurisdicidade” não se apresenta como uma característica essencial: no próprio plano da consciência social, há ou pode haver simultânea representação e aceitação desses usos e da lei, estando os primeiros subordinados à segunda.
Neste sentido se compreende o círculo de condições de que se rodeia – no art. 12º/2 da LCT – a atendibilidade dos usos. Aí, aparecem, de facto, como meras práticas habituais, que não se revestem das características da norma jurídica, antes se apresentam como mero elemento de integração das estipulações individuais.
A função dos usos laborais será, pois, a seguinte: não havendo, sobre certo aspecto da relação de trabalho, disposição imperativa ou supletiva da lei ou de regulamentação colectiva, nem manifestação expressa da vontade das partes, entende-se que estas quiseram, ou teriam querido, adoptar a conduta usual no que respeita a esse aspecto.

15. Hierarquia das fontes: a Relação entre as fontes internacionais e as fontes internas
A Constituição garante, no art. 8º/2, a vigência das normas internacionais recebidas “enquanto vincularem internacionalmente o Estado português”; não é, pois, viável cindir o plano da vigência interna e da vinculação externa – como se imporia na lógica da tese que parifica as normas internacionais recebidas às normas internas. E daí que se opte pelo entendimento contrário, isto é, pelo da supremacia hierárquica das fontes internacionais, com a óbvia ressalva da Constituição.

16. A hierarquia das fontes internas
As fontes enumeradas pelo art. 12º LCT arrumam-se segundo uma ordem de prioridade na aplicação a atender nos casos em que se verifique coincidência nos domínios espacial, pessoal ou material de alguma delas.
A LCT visa generalidade das relações de trabalho, comum sucede com a LDT. As grandes linhas contidas nestes e noutros diplomas legais constituem, por assim dizer, a moldura dentro da qual poderão surgir regimes de trabalho particularizados.
A maioria dos preceitos das “fontes superiores” deste ramo jurídico (designadamente as chamadas normas legais de regulamentação do trabalho) pertence a uma espécie que se poderia apodar de “imperativa-limitativa”. Significa isto que nelas se estabelecem, imperativamente, condições mínimas para as relações de trabalho abrangidas, nada impedindo, porém, que condições superiores sejam consagradas nas fontes inferiores, isto é, naquelas que contêm ordenamentos especiais ou sectoriais. A estrutura típica desses preceitos pode pois, descrever-se assim: um elemento imperativo (a proibição do estabelecimento das condições inferiores) e um elemento permissivo (a admissibilidade da fixação de termos superiores aos expressos na norma).
O art. 65º DL 519-C1/79 dispõe que os instrumentos de regulamentação colectiva não podem contrariar normas legais imperativas, nem incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que legalmente estabelecido. Entende-se que esta é uma condição de validade das cláusulas referentes a aspectos já regulamentados por lei.
No plano prático, e ao contrário do que aparentemente se conclui do teor do art. 13º/1 LCT, as fontes inferiores acabam por ter estatisticamente, predominância na regulamentação da grande massa das relações de trabalho.

17. A função interpretativa do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador: generalidades
As modalidades em que essas normas se apresentam, conforme o tipo de intervenção que o legislador entende necessário em cada um dos aspectos da regulamentação das relações de trabalho.
As ingerências da lei poderiam, por outro lado, não ter o alcance desejado se o legislador não cuidasse também dos critérios a usar na interpretação e aplicação das normas correspondentes. Este ramo de Direito, tem uma função protectiva que o impregna desde a origem, e que levou, inclusivamente, à construção de um princípio de favorecimento do trabalhador.

18. Os tipos de normas
Predominam no Direito do Trabalho as normas imperativas, ou seja, aquelas que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares hierarquicamente inferiores aos que as contêm podem fazer prevalecer preceitos opostos ou conflituantes com elas.
Estas normas imperativas podem ter carácter preceptivo, se obrigam os destinatários a um comportamento positivo, como a que determina o pagamento da retribuição correspondente aos feriados (art. 20º DL 874/76), ou proibitivo, quando delas resulta um dever de abstenção de certo tipo de conduta, como são os casos previstos nas diversas alíneas do art. 21º/1.
Ao lado das normas imperativas, encontra-se nas fontes de Direito do Trabalho preceitos dispositivos e que podem ser afastados pelos instrumentos regulamentares de grau inferior ou pelas estipulações dos sujeitos no contrato. A lei, muitas vezes, declara expressamente essa possibilidade.
As normas imperativas em que, há a distinguir dois grupos: o das que definem condições fixas, e são em regra proibitivas, as quais não admitem qualquer desvio dos seus termos estritos; e o das que estabelecem molduras – ou mais precisamente, limitações num só sentido – para as normas hierarquicamente inferiores e para as estipulações das partes. Este último grupo de preceitos, que se denomina como “imperativos-limitativos”, é largamente majoritário e pode exemplificar-se com o citado art. 21º/1 DL 64-A/89.
Não se entenda, porém, que as normas definidoras de “limites unilaterais”, possam ser apreciadas à luz de uma “graduação de imperatividade”, isto é, como se fossem menos imperativas do que as que estabelecem condições fixas. Elas são, na realidade, tão imperativas como quaisquer outras; só que a sua estatuição tem por objectivo a definição de um limite às condições a estabelecer por via hierarquicamente inferior.

19. A função do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador
O art. 13º/1 LCT faz intervir, no critério de determinação das normas aplicáveis segundo a hierarquia, a ideia de tratamento mais favorável ao trabalhador.
Este preceito introduz, na verdade, uma limitação ao critério hierárquico: poderão prevalecer as “fontes inferiores” que estabeleçam tratamento mais favorável ao trabalhador do que as superiores, desde que não haja “oposição” por parte destas.
As normas por que se regem as relações de trabalho podem ter carácter meramente permissivo ou supletivo; como podem indicar condições fixas, forçosas, intocáveis pelos preceitos de fontes hierarquicamente inferiores; e podem ainda exprimir condições julgadas mínimas para a tutela do trabalho, deste último grupo participam também, normas que não mencionam expressamente a possibilidade de concretização em mais, podendo pertencer ao grupo das disposições inflexíveis ou ao dos preceitos dispositivos.
O princípio do tratamento mais favorável assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciam expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais.
O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador – e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas.
É necessário que da norma superior se não conclua que contém uma condição fixa. O intérprete pode pois presumir, antes de descarnar o sentido profundo do preceito e os interesses que movem nele a vontade do legislador, que o mesmo preceito deixa margem a estipulações colectivas ou individuais mais vantajosas para o trabalhador. Mas isso – sublinha-se – não desobriga, de modo algum, o intérprete de procurar o significado da norma segundo os processos e os instrumentos geralmente consagrados, entre os quais não enfileira o princípio do favorecimento.
A oposição das fontes de direito superiores, nos termos do art. 13º/1, consistirá assim na proscrição, expressa ou tácita (e em regra tácita), de condições de trabalho, nesse ponto, mais ou menos favoráveis ao trabalhador; como poderá ainda redundar na permissão de cláusulas variáveis em qualquer dos entendidos. O art. 13º não prevê, é certo, esta última hipótese, mas a omissão pode claramente explicar-se, entre outras razões, pela circunstâncias conhecida de, no regime jurídico do trabalhador subordinado, as normas dispositivas constituírem uma minoria.

O CONTRATO DE TRABALHO

20. A noção legal do contrato individual de trabalho
O Direito do Trabalho tem o seu campo de actuação delimitado pela situação de trabalho subordinado. E esta delimitação é feita em termos práticos pela conformação de um certo tipo de contrato que é aquele em que se funda a prestação de tal modalidade de trabalho: trata-se do contrato individual de trabalho ou, mais correntemente, contrato de trabalho.
A) Objecto do contrato: a actividade do trabalhador
O primeiro elemento a salientar consiste na natureza da prestação a que se obriga o trabalhador. Trata-se de uma prestação de actividade, que se concretiza, pois, em fazer algo que é justamente a aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível, para a outra parte, por este negócio.
Este traço característico constitui um primeiro elemento da distinção entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo: nestas, precisamente porque o fornecedor de força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade correspondente, o objecto do seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade – só este é devido nos termos pré-determinados no contrato; os meios necessários para o tornar efectivo em tempo útil estão, em regra, fora do contrato, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato; assim, nomeadamente, e por princípio, o trabalhador que tenha cumprido diligentemente a sua prestação não pode ser responsabilizado pela frustração do resultado pretendido.
Existem situações em que o próprio objecto do contrato aparece definido sem referência imediata a uma concreta actividade, no sentido de conjunto ou série de actos com expressão física: é o que ocorre nos serviços de vigilância de instalações fora dos períodos de laboração e com as estruturas de socorros nos aeroportos. Os trabalhadores estão, aí, obrigados à presença e à disponibilidade; o cumprimento do contrato não se esgota, como é óbvio, na efectiva actuação perante as emergências que podem surgir.
Outro tipo de situações a considerar, caracteriza-se pela inactividade pura: compreendem-se nele os casos de inexecução do trabalho estipulado por causa ligada à empresa. Num estaleiro de construção naval, as obras a realizar em certo dia apenas requerem vinte soldadores; os restantes poderão, embora presentes no estaleiro, ficar parados nesse dia ou em parte dele, a não ser que o empregador encontre tarefas compatíveis para lhes atribuir.
Assim, quando se aponta a actividade do trabalhador como objecto do contrato, quer-se meramente significar que é esse – a actividade, não o resultado – o especial modo de concretização da foça laboral que interessa directamente ao contrato de trabalho; isto sem prejuízo de se entender que o trabalhador se obriga, fundamentalmente, a colocar e manter aquela força de trabalho disponível pela entidade patronal enquanto o contrato vigorar.
A referenciação do vínculo à actividade assume ainda o significado de que o trabalhador não suporta o risco da eventual frustração do resultado pretendido pela contraparte; é uma outra maneira de enunciar a exterioridade desse resultado relativamente à posição obrigacional do trabalhador.
A actividade visada no contrato de trabalho pode ser parcial ou totalmente constituída pela prática de actos jurídicos. É o que, desde logo, ocorre com os advogados que exercem funções no quadro do serviço de contencioso de uma empresa.
O trabalhador não se obriga apenas a dispender mecanicamente certa “quantidade” de energia, cuja aplicação compete ao empregador determinar em cada momento. Ele deve, antes de mais, colocar e manter à disposição da entidade patronal a disponibilidade da sua força de trabalho. Mas, quando se trate de aplicar essa força de trabalho, não basta a simples prática de actos segundo o modelo ou a espécie definidos pelo credor, para que o trabalhador cumpra a sua obrigação contratual. Torna-se evidente a possibilidade de o trabalhador não cumprir essa obrigação, muito embora exerça efectivamente a sua actividade de acordo com as modalidades fixadas pelo dador de trabalho.
Há, no entanto, que juntar aqui duas precisões importantes. A primeira é a de que, com o exposto, se não pretende significar que a obtenção do resultado da actividade esteja dentro do círculo do comportamento devido pelo trabalhador, mas sim apenas que esse resultado ou efeito constitui elemento referencial necessário ao próprio recorte do comportamento devido. A segunda observação é a de que o fim da actividade só é, neste plano, relevante se e na medida em que for ou puder ser conhecido pelo trabalhador. Já se vê que tal conhecimento pode ser impossível quanto ao escopo global e terminal visado pelo empresário-empregador; todavia, o processo em que a actividade do trabalhador se insere é naturalmente pontuado por uma série de objectivos imediatos, ou, na terminologia dos autores alemães, fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais, se pode exigir – e presumir – sejam nitidamente representados pelo trabalhador.
A relevância do fim da actividade comprometida pelo trabalhador manifesta-se, antes de tudo, no elemento diligência que integra o comportamento por ele devido com base no contrato. Ele fica, nos próprios termos da lei, obrigado a “realizar o trabalho com zelo e diligência” (art. 20º/1-b LCT). Em sentido normativo, a diligência pode genericamente definir-se como “o grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que representa o cumprimento de um dever”. No que concerne à prestação de trabalho, a diligência devida varia fundamentalmente com a natureza desse trabalho, com o nível da aptidão técnico-laboral do trabalhador para aquele e com o objectivo imediato visado.
B) Sujeitos: o trabalhador e a entidade empregadora
Na terminologia legal mais utilizada entre nós, os sujeitos do contrato de trabalho designam-se por trabalhador e entidade empregadora.
Relativamente ao trabalhador, notar-se-á apenas que ele traduz o carácter de generalidade que a correspondente situação foi ganhando, depois de, noutras épocas, se terem diferenciado, no plano verbal, vários “tipos” de trabalhadores. Quanto à entidade empregadora, o rótulo de “colaborador” – aliás de algum modo filiado em dizeres legais (p. ex. art. 18º/1 LCT: A entidade patronal e os trabalhadores são mútuos colaboradores e a sua colaboração devera tender para a obtenção da maior produtividade e para a promoção humana e social do trabalhador) – bastante generalizado na linguagem corrente; e o de “produtor”, consagrado nalguns sistemas latino-americanos. Essa diversidade não impede, no entanto, que o denominador comum seja, entre nós, presentemente, a palavra trabalhador.
Do ponto de vista do Direito do Trabalho, o trabalhador é apenas aquele que, por contrato, coloca a sua força de trabalho à disposição de outrem, mediante retribuição.
Entidade patronal, empregador ou entidade empregadora é a pessoa individual ou colectiva que, por contrato, adquire o poder de dispor da força de trabalho de outrem, no âmbito de uma empresa ou não, mediante o pagamento de uma retribuição.



C) Retribuição
É o elemento essencial do contrato individual de trabalho que, em troca da disponibilidade da força de trabalho, seja devida ao trabalhador uma retribuição, normalmente em dinheiro (art. 91º LCT).
Anote-se, por outro lado, que o termo retribuição não é o único usado para designar a prestação devida pela entidade patronal.
D) Subordinação jurídica
Para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho, é fundamental que, na situação concreta, ocorram as características da subordinação jurídica por parte do trabalhador. Pode mesmo dizer-se que, de parceria com a obrigação retributiva, reside naquele elemento o principal critério de qualificação do salariato como objectivo do Direito do Trabalho.
A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
O dizer-se que esta subordinação é jurídica comporta dois significados: primeiro, que se trata de um elemento reconhecido e mesmo garantido pelo Direito; segundo, que, ao lado desse tipo de subordinação, outras formas de dependência podem surgir associadas à prestação de trabalho, sem que, todavia, constituam elementos distintivos do contrato em causa.
A subordinação pode não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho. Uma das dificuldades de detecção do contrato de trabalho deriva exactamente daí: muitas vezes, a aparência é de temáticas da entidade patronal, e, no entanto, deve concluir-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Podem até ser objecto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) actividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador: é o que resulta do art. 5º/2 LCT (sem prejuízo da autonomia técnica requerida pela sua especial natureza, as actividades normalmente exercidas como profissão liberal podem, não havendo disposições da lei em contrario, ser objecto de contrato de trabalho). Em tais casos, o trabalhador apenas ficará à observância das directrizes gerais do empregador em matéria de organização do trabalho: existe subordinação jurídica sem dependência técnica.
O reconhecimento legal dessa possibilidade acarreta, naturalmente, um acréscimo de dificuldades. Passa a ser necessário, perante cada situação concreta, saber-se ao certo se o médico, o advogado ou o engenheiro actuam, perante a entidade que aproveita os seus serviços, como seus empregados ou, ao invés, como “profissionais livres”, isto é, trabalhadores autónomos. Tendo em consideração a natureza de tais profissões, deve-se presumir que os negócios tendo por objecto actividades próprias delas são contratos de prestação de serviço, isto é, de negócios constitutivos de relações de trabalho autónomo.
A noção que se procura precisar também se não confunde com a de dependência económica. Esta revela-se por dois traços fundamentais e estreitamente associados: o facto de quem realiza o trabalho, exclusiva e continuamente, para certo beneficiário, encontrar na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência; e, de outro ângulo, no facto da actividade exercida, ainda que em termos de autonomia técnica e jurídica, se inserir num processo produtivo dominado por outrem.
A subordinação requerida pela noção do contrato de trabalho decorre do facto de o trabalhador se integrar numa organização de meios produtivos alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, e que essa integração acarreta a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário – à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção.
Mas a subordinação que releva na caracterização do contrato de trabalho constitui um “estado jurídico” contraposto a uma situação (jurídica) de poder; pode existir sem que, se manifeste no domínio dos factos; daí que, no dizer de alguma jurisprudência, ela “não deva entender-se em sentido social, económico ou técnico”, bastando, para a identificar, que um trabalhador – embora praticamente independente no modo de exercer a sua actividade – se integre na “esfera de domínio ou autoridade” de um empregador.
A subordinação implica um dever de obediência para o trabalhador. O art. 20º/1-c LCT, que expressamente o consagra, completa pois a definição do art. 1º LCT (contrato de trabalho e aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta) no aspecto considerado. O trabalhador deve “obedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias”. Admite-se, portanto, a possibilidade de uma desobediência legítima – o que implica a ideia de que existe uma área demarcada de subordinação e de que o poder patronal tem limites fixados pela própria lei e pelos instrumentos regulamentares de grau inferior.
Assim, a delimitação do dever de obediência implica que se ponderem vários elementos, nomeadamente: a categoria do trabalhador; o local estipulado para o trabalho; e as garantias gerais dos trabalhadores (art. 21º LCT), bem como as especialmente definidas pela regulamentação colectiva aplicável.

21. A Diferenciação do contrato de trabalho
Importância da distinção e dificuldades operatórias
Só a prestação de trabalho numa relação de certa estrutura interessa: trata-se do trabalho subordinado. Significa isto que espécies importantes de relações sociais baseadas na aplicação da força de trabalho são deixadas à margem do Direito do Trabalho – o que, em princípio, redunda na sua sujeição às regras gerais do direito privado referentes às obrigações e aos contratos, ou seja, na ausência de qualquer protecção legal específica para quem fornece, no quadro dessas relações, a força de trabalho em proveito alheio.
Já se torna assim evidente a razão por que se constitui a tarefa decisiva e delicada a da determinação concreta do trabalho subordinado – ou, noutros termos, da identificação do contrato de trabalho que, é o facto gerador e o suporte da mencionada relação. Com isso, estar-se-á a recortar o próprio âmbito de aplicação do Direito do Trabalho em termos perfeitamente exclusivos.
A subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado é, muitas vezes, inviável; há que recorrer, amiúde, a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.
Importa ainda apontar obstáculos de outro tipo – os que decorrem da variabilidade dos regimes de retribuição praticados nas relações de trabalho subordinado, de par com a bivalência desses regimes, alguns dos quais, na verdade, comuns a certas espécies de trabalho autónomo. É o caso da retribuição à peça ou por tarefa que, muito embora sugerindo fortemente que o objecto do contrato é o resultado “peça” ou “tarefa”, não raro surge como fórmula especial de pagamento da actividade do trabalhador, exercida em termos de subordinação jurídica.

22. Os tipos contratuais: contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço
A destrinça fundamental entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo, situada no plano dos conceitos operatórios, reflecte-a a lei na conformação de correspondentes tipos de contratos por ela definidos em termos que já supõem um critério (o legal) de demarcação dos dois campos e, portanto, de delimitação do âmbito do Direito do Trabalho.
O tipo de contrato especificamente destinado a cobrir o trabalho subordinado é o contrato de trabalho. Ele aparece definido no art. 1152º CC (contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta), nos exactos termos usados pela LCT, no seu art. 1º (contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta); e há cerca dele, limita-se o legislador civil a acrescentar, art. 1153º CC (O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial), que ficará sujeito a regime especial.
Logo depois, no art. 1154º CC, introduz-se com efeito a noção do “contrato de prestação de serviços”, nestes termos: “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Avulta, neste enunciado, a contraposição fundamental do resultado do trabalho à actividade, em si mesma, que caracteriza o contrato de trabalho.
A exterioridade dos meios utilizados, relativamente à vinculação do prestador de serviço, pode não ser absoluta – e daí que, mais uma vez, o critério fundado na distinção entre obrigações de resultado se revista de notória relatividade na distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço. Pode dar-se o caso de o trabalhador autónomo se encontrar contratualmente obrigado a utilizar certos materiais, ou a seguir um dado modelo ou figurino, ou até a realizar pessoalmente a actividade necessária à consecução do resultado. Mas tratar-se-á então de condições contratualmente estabelecidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade directiva (supraordenação) de uma perante a outra. Dentro dos limites traçados pelas estipulações contratuais, a escolha dos meios e processos a utilizar, bem como a sua organização no tempo e no espaço, cabe ao prestador de serviço.
Conforme indica o art. 1155º CC (o mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço), são modalidades do contrato de prestação de serviço o mandato, o depósito e a empreitada. E estes tipos contratuais aparecem definidos e regulados nas disposições subsequentes.
O contrato de mandato, é aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157º CC) e presume-se gratuito salvo se os actos a praticar forem próprios da profissão do mandatário (art. 1158º/1 CC). Avulta aqui a natureza do serviço a prestar: trata-se de actos jurídicos ou seja, actos produtivos de efeitos jurídicos, efeitos esses que interessam ao mandante, e que, havendo prévia atribuição de poderes de representação ao mandatário, se vão imediatamente produzir na esfera jurídica do mesmo mandante, como se fosse ele a praticar.
O contrato de depósito, é aquele pelo qual “uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida” (art. 1185º CC), presumindo-se gratuito, isto é, sem remuneração do depositário, excepto se este fizer disso profissão (art. 1186º CC).
O contrato de empreitada, porventura até a mais importante, quer pela sua frequência real, quer pela proximidade que, nalgumas das suas formas concretas, ele mostra relativamente ao contrato de trabalho. A lei define-o do seguinte modo (art. 1207º CC): “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Afirma-se aqui, em termos mais concretos, a ideia de obra, isto é, de “produto” em que se incorpora o trabalho e a retribuição, agora já como elemento característico do contrato.

23. A determinação da subordinação
Sendo a subordinação definida (pelo art. 1º LCT) por referência à “autoridade e direcção” do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. Basta que, em geral, a “autoridade e direcção” do empregador se apresenta como meros elementos potenciais; a verificação da sua existência traduz-se, empiricamente, num juízo de possibilidade e não de realidade. E, nos casos (como são os do art. 5º/2 LCT) em que a autonomia técnica se tenha por intocável, mais difusa ainda se torna a viabilidade de um tal juízo.
A determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caracterizam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo substantivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada.
É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.
No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição, à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação.
A subordinação não é colorário forçoso de qualquer tipo ou grau de articulação da prestação de trabalho na organização da empresa. O contrato de prestação de serviço pode harmonizar-se com a inserção funcional dos resultados da actividade (art. 1154º CC) no metabolismo da organização empresarial.
A presunção da existência de contrato de trabalho pode surgir de dois problemas: o da consideração da existência de um contrato de trabalho em situações que não se fundam em manifestações expressas de vontade das partes, e o da qualificação laboral de outras situações, em que as declarações das partes, ou outros elementos indicativos, apontem para a identificação de outro tipo contratual.
A circunstância de o contrato de trabalho ser um negócio informal (art. 6º LCT) e a fluidez do mercado de trabalho conduzem a que, as relações de trabalho se estabeleçam, em muitos casos, sem que possam detectar-se declarações expressas de vontade das partes: na maioria dos casos, o contrato assenta em uma ou mesmo duas manifestações de vontade tácita.
Para tal efeito, serve a definição do art. 1º LCT: se, no caso concreto, existe uma pessoa que presta a outra a sua actividade manual ou intelectual, mediante retribuição, e estando a primeira sob as ordens da segunda, conclui-se, mesmo sem suporte declarativo expresso, a existência de um contrato de trabalho. O elemento não detectável por observação dos factos – a existência de uma obrigação que, dessa forma, se cumpre – é suposto pelo julgador, através de um juízo de normalidade que se traduz por uma presunção judicial. Esse procedimento é, de resto, autorizado pela lei (art. 351º CC).
A presunção judicial pode funcionar também na diferenciação do contrato de trabalho face a tipos negociais próximos ou alternativos.
Perante esta realidade – utilização corrente de presunções judiciais na determinação do contrato de trabalho –, perguntar-se-á se, de iure condendo, tem cabimento e justificação o estabelecimento de uma presunção legal com o mesmo sentido operatório.
Em sentido favorável a tal possibilidade, pode invocar-se a crescente “desmaterialização” do elemento subordinação jurídica – originariamente explicitado por situações de facto claramente apreensíveis, como a emissão de ordens e a supervisão próxima da execução delas, e hoje, cada vez mais, remetido a um estado potencial, implicando na envolvente organizativa da relação laboral e necessitado de detecção por via dedutiva.
No mesmo sentido, joga também o esbatimento das fronteiras entre tipos de actividade caracteristicamente assalariada e tipos de actividade próprios da prestação de serviço: não há hoje, praticamente, actividades que não possam ser executadas em qualquer dessas modalidades jurídicas.
Mas existe uma terceira razão, e seguramente não a menos importante, a favor da hipótese de criação de uma presunção legal de “laboralidade”. É que, sem ela, a prova da existência de subordinação pertence ao trabalhador. Ora este tem, normalmente, particular dificuldade em produzir tal prova, até porque a dissimulação do contrato de trabalho é, em regra, assente numa configuração factual originária criada pelo empregador e a que o trabalhador adere para obter a ocupação.

24. Os “contratos equiparados” ao contrato de trabalho
a) O art. 2º LCT: a noção de “contratos equiparados”
Há relações de trabalho formalmente autónomo (em que o trabalhador auto-organiza e autodetermina a actividade exercida em proveito alheio) mas que são materialmente próximas das de trabalho subordinado, induzindo necessidades idênticas de protecção. São aquelas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade.
A lei prevê duas hipóteses típicas (art. 2º LCT):
a) A do “trabalho realizado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador”;
b) Aquela em que o trabalhador “compra as matérias-primas e fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado”.
A dependência económica suscita ao legislador preocupações idênticas às que se ligam à subordinação jurídica. A função compensatória do Direito do Trabalho é aqui também, solicitada. Mas a verdade é que, a subordinação jurídica contínua a ser a chave do ordenamento laboral.
O enunciado do art. 2º LCT traduz o reconhecimento, pelo legislador de 1969, da proximidade material entre essas situações e a do trabalhador subordinado, mas não é claro quanto às consequências jurídicas desse reconhecimento. Embora declarando as situações descritas sujeitas aos “princípios definidos neste diploma” – isto é, os “princípios” inspiradores do regime jurídico do contrato de trabalho –, a lei logo precisa que lhes caberá “regulamentação em legislação especial”.
Esse pronunciamento da lei tem, ao menos, o sentido útil de uma tomada de posição quanto à normal qualificação das situações consideradas: pressupõe nelas a inexistência de subordinação jurídica. Não sendo de excluir, em absoluto, a viabilidade da hipótese de trabalho subordinado no domicílio, é evidente que o art. 2º não se lhe refere. A realização da actividade no domicílio do trabalhador não deixa grande margem para a referida hipótese.
O art. 2º LCT ocupa-se somente de modalidades de trabalho juridicamente autónomo e economicamente dependente, e, embora sugerindo a necessidade de regulamentação especial, não a define.
b) O regime legal do trabalho no domicílio
O DL 440/91, de 14 de Novembro, no seu preâmbulo, afirma-se o propósito de “promover um progressivo equilíbrio entre a razoável flexibilização do mercado de trabalho e as necessidades atendíveis de trabalhadores e de empresas, com vista a salvaguardar-se o cumprimento simultâneo de objectivos económicos e sociais”.
O regime instituído toma, na verdade, como referencial o sistema de ideias básicas em que assenta a disciplina do contrato de trabalho, sem, todavia, proceder a uma verdadeira extensão dos dispositivos regulamentares.
Assim, prevê-se uma panóplia de formas de desvinculação que procura corresponder a todas as hipóteses configuráveis: a denúncia por qualquer das partes, para o termo da “execução da incumbência de trabalho”; a caducidade resultante da inexistência de encomendas por certo tempo (60 dias); a resolução por incumprimento, promovida por qualquer das partes; a mesma resolução pelo dador de trabalho, com “motivo justificado” e mediante aviso prévio, ou pelo trabalhador, apenas com observância de aviso prévio (art. 8º/1 a 5).
As consequências económicas da cessação do contrato são (arts. 8º/2 e 9º/1 e 2):
a) No caso de caducidade, é devida ao trabalhador uma compensação pecuniária correspondente à garantia de 50% da remuneração que normalmente receberia no período de desocupação;
b) Tratando-se de resolução pelo dador de trabalho (invocando incumprimento ou motivo justificado), a insubsistência do fundamento obriga-o ao pagamento de uma compensação fixada em função da duração do contrato (60 dias ou 120 dias de remuneração);
c) Na hipótese de resolução sujeita a aviso prévio, a inobservância total ou parcial deste obriga a parte promotora a compensar a outra pelo período de aviso prévio em falta.

25. Contratos de trabalhos excluídos do âmbito de aplicação directa da LCT
Há ainda a considerar que existem verdadeiros contratos de trabalho aos quais a LCT se não aplica directamente.
Esses contratos são referidos na parte preambular do DL 49408:
a) Serviço doméstico (art. 5º): caracterizado essencialmente pela inerência da prestação de trabalho à satisfação directa de necessidades pessoais de um agregado familiar ou equiparado. O seu regime encontra-se hoje no DL 235/92 de 24 de Outubro.
b) Trabalho rural (art. 5º): que abrange as actividades directamente ligadas à exploração agrícola e recolha dos produtos, e as destinadas a tornar possível ou a assegurar aquela exploração.
c) Trabalho portuário (art. 6º): abarcando a estiva, carga e descarga, etc., que só deve-se considerar afastado da aplicação directa da LCT nos aspectos que são directamente regulados por lei especial (DL 151/90, de 15 de Maio).
d) Trabalho a bordo (art. 8º): remetido a legislação especial – há hoje fundamentalmente, que atender ao DL 74/73 de 1 de Março (marinha do comércio) e à Lei 15/97, de 31 de Maio (embarcações de pesca).
e) Contratos de trabalho com entidades de direito público (art. 7º e 11º) ou empresas concessionárias de serviço público (art. 11º): relativamente aos quais se prevê meramente a adaptação, por via regulamentar, do regime da LCT.
26. O contrato de trabalho e figuras contratuais próximas: contrato de empreitada
A definição legal deste contrato, assente na prestação de um resultado (obra) por meios que o devedor dessa prestação compete agenciar e organizar. Trata-se de um dos tipos negociais correspondentes ao fenómeno do trabalho autónomo.
O critério básico da identificação é o da subordinação jurídica; todavia, não se trata aí de um conceito elástico, mas há ainda que contar com a própria plasticidade das relações entre empreiteiro e dono da obra, sob o ponto de vista do grau de ingerência deste na execução do correspondente contrato.
Com vista à superação da ambiguidade de numerosas situações reais, tem proposto a doutrina alguns elementos para a identificação da empreitada: o facto de o objecto do contrato consistir num produto ou resultado e não numa actividade (ou na disponibilidade de força de trabalho); a remuneração em função do resultado e não do tempo (de trabalho), a habitual realização da actividade perante uma clientela ou um mercado aberto, não para uma só entidade; a ocupação, na realização do serviço, de trabalhadores subordinados ao devedor, e não a disponibilidade pessoal deste perante o interessado no mesmo serviço.

27. Trabalho temporário
Tem-se recorrido à designação de “trabalho temporário” para apontar a situação típica em que uma empresa cede, a título oneroso, e por tempo limitado, a outra empresa a disponibilidade da força de trabalho de certo número de trabalhadores, por categorias profissionais ou não. Trata-se de um expediente a que amiúde recorrem, sobretudo, as empresas com unidades industriais em que, periodicamente, são forçosos grandes trabalhos de revisão, limpeza e reparação de máquinas, e ainda as empresas de serviços cuja actividade regista fases de “ponta” acentuada.
O fenómeno da “cedência de mão-de-obra” não surge numa configuração única. Ele ocorre em múltiplas modalidades: há “cedência” no caso de empresas cujo objecto consiste, exclusivamente, no fornecimento de pessoal qualificado para tarefas transitórias de que outras empresas carecem; mas existe também quando organizações produtivas da indústria ou do comércio “prestam serviços” a outras mediante o destacamento de trabalhadores seus, tratando-se, ou não, de sociedades coligadas; e verifica-se, ainda, em certas formas de “descentralização” empresarial, caracterizadas pela formação, em torno de uma organização produtiva, de uma “coroa” de empresas aparentes cujo papel consiste, somente, em locar à disposição daquela trabalhadores contratados ad hoc.
A tipicidade deriva-lhes da cisão, operada no estatuto do empregador, entre a obrigação de pagar o salário e a utilização dos serviços do trabalhador.
O esquema do “trabalho temporário” suscita dúvidas, no plano da política legislativa, quanto à atitude a tomar pelo ordenamento laboral.
A fragmentação da posição jurídica da entidade empregadora, a consequente perda de nitidez da situação contratual do trabalhador e a inerente debilitação de direitos e garantias, colocam em evidência traços anti-sociais do trabalho temporário que, nalguns países, levaram à proibição da sua prática. Todavia, por outro lado, esse esquema oferece vantagens significativas às empresas e a muitos profissionais.
O trabalho temporário está legalmente regulado (DL 358/89, de 17/10) no sentido do acolhimento da realidade e da sujeição dessa realidade a controlo administrativo.
O fenómeno é considerado pela lei em duas modalidades: a do trabalho temporário como objecto de uma actividade empresarial (arts. 3º segs.) e a de cedência ocasional de trabalhadores (arts. 26º segs.).
No primeiro caso, trata-se da actividade das empresas de trabalho temporário (ETT), cuja definição é a seguinte: “pessoa, individual ou colectiva, cuja actividade consiste na cedência temporária a terceiros, utilizadores, da utilização do trabalhador que, para esse efeito admite e remunera” (art. 2º-a).
No segundo caso, está-se perante situações em que as empresas ou entidades de outro tipo, não constituídas como empresas de trabalho temporário, cedem a terceiros a utilização temporária de trabalhadores seus.
Na sua configuração típica e regular, ou seja, quando se enquadrem na actividade das empresas de trabalho temporário, as situações de trabalho são tratadas pela lei como disponíveis em dois vínculos contratuais articulados entre si: o contrato de trabalho temporário, que se estabelece entre uma entidade fornecedora ou cedente e uma entidade utilizadora (arts 9º segs.) e o contrato de trabalho temporário, que é um verdadeiro contrato de trabalho entre a entidade cedente e um trabalhador e que está sujeito a regime idêntico ao do contrato a termo (art. 17º/2). A articulação funcional entre os dois é enfatizada pela lei: o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado nos casos em que é admissível o contrato de utilização (art. 18º/1), e que estão enumerados no art. 9º.
Independentemente da estrutura contratual correspondente a cada uma das suas modalidades, o trabalho temporário tem características que permitem considerá-lo, de forma unitária.
O aspecto central consiste na cisão da posição contratual do empregador: a direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador, e o trabalho deve obediência aos dispositivos e prescrições de higiene, segurança e saúde no trabalho, assim como às condições de acesso aos equipamentos sociais da empresa utilizadora (art. 20º/1); mas as obrigações contratuais (nomeadamente remuneratórias), os encargos sociais, e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade que é parte no contrato de trabalho temporário: a empresa cedente. É o que resulta da conjugação dos arts. 20º a 22º.
“A qualidade de empregador não pertence a quem exerce sobre o trabalhador o poder de direcção, mas sim ao fornecedor de mão-de-obra”. Sob o ponto de vista jurídico, o vínculo laboral estabelece-se, não com quem recebe o trabalho e dele tira proveito imediato, mas com quem o cede a terceiro, remunerando directamente o trabalhador.
Mas o que verdadeiramente caracteriza o trabalho temporário é o que constitui denominador comum às suas modalidades: a estrutura obrigacional que envolve os três personagens.
Há, aqui, que considerar dois laços distintos: por um, o trabalhador coloca-se à disposição do cedente, aceita prestar o trabalho a terceiro, sob a direcção deste, e recebe o salário; por outro, o cedente transfere a força de trabalho de que dispõe para o utilizador, mediante um preço, em regra horário.
O art. 27º define um conjunto de condições que, a serem observadas, tornam viável a cedência ocasional de trabalhadores num grande número de casos, inclusivamente sem ter de se atender à tipologia de situações justificativas que o art. 9º do diploma estabelece. A cedência ocasional surge aí como meio de aproveitamento ou rentabilização de efectivos permanentes da empresa cedente. É particularmente expressiva, nesse sentido, a condição de que a cedência se verifique “no quadro da colaboração entre empresas jurídica ou financeiramente associadas ou economicamente interdependentes” (art. 27º/1-b): a cedência ocasional pode aí ser vista até como instrumento de gestão de pessoal nos agrupamentos de empresas.
As empresas de trabalho temporário carecem de autorização prévia (mediante alvará) e prestação de caução para poderem exercer a actividade; o contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado em certas situações legalmente tipificadas (art. 9º/1) e com a duração máxima dependente do fundamento invocado (art. 9º/2 a 5); o contrato de utilização está sujeito a forma escrita e tem conteúdo obrigatório (art. 11º); o contrato de trabalho temporário só é admissível nas situações em que pode haver contrato de utilização, e deve ser reduzido a escrito, com conteúdo obrigatório (arts. 18º e 19º); a cedência ocasional está também limitada a certas situações e carece de formalismo (arts. 26º a 28º).
A sanção mais significativa para a inobservância de tais condições é a que corresponde à “atipicidade” do trabalho temporário, como esquema contratual de utilização da força de trabalho, no quadro das valorações que continuam a prevalecer no nosso ordenamento laboral. Essa sanção consiste na consideração legal da existência de contrato de trabalho de duração indeterminada.
Na maioria das situações, esse contrato ligará o trabalhador à entidade utilizadora: são os casos do prosseguimento do trabalho ao serviço desta, por mais de dez dias além da cessação do contrato de utilização (art. 10º), da falta de contrato de utilização escrito ou da omissão dos motivos da sua celebração (art. 11º), da celebração de contrato de utilização com empresa de trabalho temporário não autorizada (art. 16º), e, da cedência ocasional ilícita ou com vício de forma (art. 30º).
O contrato sem termo considera-se existente entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário quando a cedência é feita sem contrato de trabalho temporário (art. 17º), ou quando este é celebrado sem indicação de motivo justificativo (art. 19º).
Para além destas consequências de natureza civil, as infracções ao regime legal do trabalho temporário são sancionadas através de coimas (art. 31º).

28. Contrato de mandato
A prática de actos jurídicos, característica do objecto do mandato, pode igualmente inserir-se no do contrato de trabalho sem que por isso ele resulte descaracterizado (art. 5º/3 LCT). Por outras palavras, a realização de actos jurídicos por conta de outrem pode assumir a forma de trabalho subordinado. Tais situações não suscitam dificuldades sérias quando ocorre numa combinação da actividade jurídica com uma actividade material diversa na prestação de trabalho.
Constitui orientação pacífica a que os administradores das sociedades anónimas e os gerentes das sociedades por quotas, enquanto tais, preenchem as características do mandato e não as do contrato de trabalho. Entende-se no entanto também que a titularidade da gerência comercial pode cumular-se na mesma pessoa com aposição de trabalhador subordinado, maxime quando nela não concorra a qualidade de sócio.
Cabe enfim, mencionar o contrato de agência, “pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição” (art. 1º DL 178/86, de 3/7). Alguns traços deste modelo negocial – o carácter duradouro e oneroso, sobretudo – explicam que, para mais na ausência de regime legal próprio, se tenham suscitado frequentes questões de fronteira com o contrato de trabalho, perante situações concretas da prática comercial. É certo que, antes da publicação do DL 178/86, existia já orientação jurisprudencial pacífica no sentido de caracterizar a agência como um “contrato de gestão autónoma ou gestão livre”, portanto muito próximo do conceito de mandato. O problema que ainda se coloca, perante cada situação concreta, é o de saber se a conclusão de negócios jurídicos é uma actividade prosseguida com autonomia ou antes um dos elementos da conduta devida, sob a autoridade e direcção do beneficiário (como admite o art. 5º/3 LCT), correspondendo então ao contrato de trabalho.

29. Sociedade
Embora o recorte legal dos contratos de trabalho e de sociedade não deixe dúvidas quanto às diferenças essenciais entre eles, são usualmente assinaladas, pelo menos, duas áreas de confusão possível – as que respeitam à situação do sócio de indústria e à do trabalhador com participação no capital social.
Relativamente à situação do sócio de indústria, não se oferecem dificuldades de monta. A própria definição legal do contrato de sociedade, contida no art. 980º CC, esclarece: “é aquele em que duas pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica (…)”. Só que o sócio de indústria não tem, na sociedade de que faz parte, uma posição subordinada que possa fazê-lo entrar no âmbito de ordenamento jurídico-laboral.
As regras supletivas contidas no art. 992º CC, tratam o sócio de indústria em paridade com os restantes no referente à distribuição dos lucros, mas não no que respeita à das perdas, no plano das relações internas (n.º 2): da verificação de prejuízos, ou mesmo da simples inexistência de lucros, decorre já a ausência de remuneração dos serviços com que o sócio de indústria entrou para a sociedade – ou seja, a perda do valor do trabalho prestado.

30. Associação em participação
O art. 21º DL 231/81, de 28/7, define o contrato de associação em participação como um negócio pelo qual se produz “a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e nas perdas que desse exercício resultarem para a segunda”. À parte que conduz e gere a actividade dá-se a designação de associante e aos que são interessados nos respectivos ganhos e perdas de associados.
A associação em participação pode dar-se entre um comerciante e um trabalhador ao seu serviço, sem que se descaracterize o contrato de trabalho existente entre ambos.

31. Caracterização jurídica do contrato de trabalho.
A) Contrato sinalagmático
Dizem-se sinalagmáticos ou bilaterais os contratos pelos quais “ambas as partes contraem obrigações, havendo entre elas correspectividade ou nexo causal”, isto é, surgindo entre reciprocamente condicionadas, segundo a vontade das partes. Assim, cada um dos sujeitos do contrato se compromete a realizar certa prestação para que e se o outro efectivar uma prestação que o primeiro interessa. É o que sucede no contrato de compra e venda – e no contrato de trabalho.
Assim, o art. 67º/1 LCT, dispunha que, se o trabalhador faltasse ao serviço, mesmo com justificação, deixava de lhe ser devida a retribuição correspondente ao trabalho não prestado. Regra idêntica se extrai da suspensão do contrato de trabalho (art. 2º/1 DL 398/83, de 2/11).
No actual regime legal de faltas, porém, é afirmada a regra oposta: as faltas justificadas não determinam a perda da retribuição, salvo em determinadas situações que se podem definir pelo traço comum de ao trabalhador serem presumivelmente asseguradas prestações sucedâneas do salário (art. 26º DL 874/76, de 28/12).
Decerto que a presente orientação da lei nesse ponto reflecte uma desvalorização progressiva do clássico sinalagma entre trabalho e salário.
B) Contrato consensual
Para que certos contratos sejam válidos, a lei exige que na sua celebração sejam observados determinadas formalidades. Não basta que a vontade dos sujeitos seja declarada por qualquer meio: a lei estabelece “que a declaração de vontade negocial só tem eficácia quando realizada através de certo tipo de comportamento ou acções declarativas. Esse tipo é que constitui a forma negocial”. Quando a lei formula, quanto a certo contrato, uma tal imposição está-se perante um contrato formal.
A liberdade de forma, assim reconhecida, exprime uma opção, feita pelo legislador, entre as vantagens de celeridade e maleabilidade no estabelecimento das relações de trabalho e a conveniência de se dispor de meios de prova concludentes sobre o conteúdo das estipulações.
Este último aspecto não é, todavia, negligenciado pela lei no que diz respeito a certos pontos melindrosos da situação em que os sujeitos do contrato se colocam. Assim, exige-se forma escrita nos casos previstos pelos arts. 7º/2, 8º/1, 22º/2, 36º/2-a, 50º/3, etc., LCT; e ainda para os contratos a termo – art. 42º/1 DL 64-A/89, de 27/2.
Além disso, a natureza de certas actividades susceptíveis de constituírem objecto de contrato de trabalho (como a dos médicos) impõe a necessidade de, na celebração deste, ser utilizado documento escrito, designadamente para efeitos de controlo da observância das regras deontológicas da profissão.
As consequências da inobservância dessas exigências formais não são, naturalmente, idênticas para todos os casos. Assim, se é certo que a falta de forma escrita determina a invalidade total do contrato celebrado com um médico para o exercício de actividade própria da profissão, é igualmente verdadeiro que a inobservância dessa forma no contrato a termo apenas vicia a aposição de termo, ou seja, implica mera invalidade parcial – o contrato vale sem termo (art. 42º/3 DL 64-A/89).
Por outro lado, a falta de forma escrita nos casos previstos pelo DL 89/95 e pelo DL 34/96, não contende, obviamente, com a validade dos contratos, mas apenas com a produção dos efeitos derivados da celebração deles – concretamente, com a invocabilidade, pelo empregador, dos correspondentes benefícios.
A liberdade de forma no contrato de trabalho traduz a preferência do legislador pela facilidade ou simplicidade no estabelecimento de relações de trabalho, sobre a convivência de se garantir a certeza e a consistência das condições estipuladas. De resto, há que contar com o facto de que o contrato de trabalho, só em medida muito limitada constitui o instrumento modelador das condições em que se desenvolverão as relações entre as partes: a lei e, sobretudo, a contratação colectiva preenchem grande parte do conteúdo regulatório característico do contrato de trabalho. A exigência de forma legal para este contrato não significaria, assim, um reforço importante para a certeza e a consistência das posições contratuais.
É óbvio que a natureza consensual do contrato de trabalho não resulta afectada por esta imposição legal – antes, de certo modo, se reforça, visto que é retirada à alternativa oposta grande parte do seu fundamento. Por outro lado, o legislador quis também recusar a redundância: se o contrato de trabalho está reduzido a escrito, e contém todos os elementos de informação que o art. 3º/1 requer, o dever de informação “considera-se cumprido” (art. 4º/3).
C) Contrato duradouro ou de execução duradoura
Da própria noção legal do art. 1º LCT ressalta esta característica: a obrigação da actividade que o trabalhador assume implica, de certo modo, continuidade; a situação de subordinação tem carácter duradouro, supõe a integração estável de uma das partes na organização de meios predisposta pela outra.
Esta “vocação para perdurar” que o contrato de trabalho manifesta, no próprio plano jurídico, encontrava-se claramente traduzida no art. 10º/1 (hoje revogado) LCT: a regra era a do contrato ter duração indeterminada, só não sendo assim no caso de haver estipulação escrita de um prazo ou se a natureza do trabalho ou dos usos o mesmo resultar.
No contrato de trabalho, “o termo vale como elemento acidental do negócio”, e que este contrato se destina a perdurar até que ocorram “determinadas circunstâncias declaradas, pela lei ou pelos concorrentes, idóneas a extinguir a relação que ele disciplinar”.
A extinção do contrato de trabalho resultará pois, caracteristicamente, do aparecimento de certas situações de facto no desenvolvimento das relações entre as partes, situações que serão sobretudo as de impossibilidade e as de inutilidade do vínculo.
Sob o ponto de vista do trabalhador, o carácter duradouro do contrato faz surgir o interesse na estabilidade; encarado deste ângulo, o vínculo tem por alcance a atribuição de uma determinada situação económica e social ao trabalhador, não só dentro dos limites da organização laboral mas também com reflexos no seu círculo familiar e social.
Na mesma perspectiva, a cessação do contrato significará a destruição de um “quadro de vida” – a quebra de um processo contínuo de angariação de meios de subsistência, o apagamento de perspectivas de “carreira”, uma crise de “segurança”.
Também do lado do empregador se manifestam interesses ligados à perdurabilidade do contrato. Esses interesses, é certo, concorrem com os da adaptabilidade da organização de trabalho.

32. O contrato de trabalho e a relação de trabalho
Quando uma pessoa coloca, por via de um contrato, a sua força de trabalho à disposição de outra, passam a desenrolar-se entre ambas contratos de diversa natureza, através dos quais vão sendo emitidas directrizes e precisados objectivos, ao mesmo tempo que se vai concretizando, por forma continuada ou sucessiva, a actividade laboral oferecida. Simultaneamente, as esferas pessoais dos sujeitos entram também em múltiplos contactos, com projecções psicológicas, económicas e sociais. Todos estes elementos constituem uma relação interindividual complexa que podemos designar, por “relação factual de trabalho”.
Noutro plano – precisamente o plano jurídico – surge-nos a relação jurídica do trabalho, que é o produto da conformação dada pelo Direito aquele complexo factual.
A relação jurídica de trabalho: o seu conteúdo é integrado por um conjunto de direitos e deveres assumidos pelo trabalhador e pelo dador de trabalho, por efeito de um certo facto jurídico – o contrato individual de trabalho.
A relação de trabalho tem uma dimensão jurídica e uma dimensão factual, obviamente entrecruzadas. Se, por um lado, o trabalhador e a entidade patronal se vêem ligados por direitos e obrigações que se vão renovando com o decurso do tempo, e que constituem o conteúdo da relação jurídica que entre eles se estabeleceu – é também, por outro lado, certo que essa relação jurídica pode ser “modelada”, no decurso da sua existência, pelas vicissitudes acontecidas no contacto entre o trabalhador e a entidade patronal ou que nele se reflictam.
Segundo a teoria do contrato, a relação jurídica do trabalho é constituída e modelada pelo contrato. A celebração deste é suficiente para investir os contraentes (trabalhador e empregador) nos direitos e deveres relativos ao trabalho e à retribuição, que constituem os elementos principais e definidores da relação jurídica de trabalho.
Os defensores da teoria da incorporação, entendiam, ao invés, que o contrato individual nada mais cria do que uma relação obrigacional – sujeita aos princípios gerais do direito das obrigações – cujo conteúdo é definido pelo dever (para a entidade patronal) de oferecer ocupação efectiva ao trabalhador e pela obrigação (investida o trabalhador) de entrar ao serviço da outra parte. A relação jurídica de trabalho só se constitui quando surge o elemento factual da ocupação: a incorporação na organização de meios estabelecida pela entidade patronal. A entrada ao trabalho, possibilitada pelo empregador – isto é, o início da ocupação efectiva – é pois o acto determinante da relação jurídica em causa.
No direito positivo português, a perspectiva contratualista é dominante. Não se discute, entre nós, à face do direito positivo, que o contrato individual de trabalho é o facto gerador da relação jurídica de trabalho; isso não impede, todavia, que ao facto da incorporação do trabalhador, isto é, ao início da “relação factual” de trabalho, devam ser atribuídos importantes reflexos na fisionomia daquela relação jurídica.

O TRABALHADOR

33. A noção jurídica de trabalhador
A pessoa que, no dizer do art. 1º LCT, “se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” é, como tantas vezes se sugeriu já, o personagem central na regulamentação das relações laborais.
O contrato de trabalho poderia, mais sinteticamente, definir-se como aquele pelo qual se adquire a posição de trabalhador subordinado.
A lei actual cobre com o rótulo de trabalhador a generalidade das pessoas que exercem uma actividade por conta de outrem em regime de subordinação jurídica.
A situação de trabalhador subordinado, descrita nos termos da lei, só pode ser assumida por uma pessoa física. Na verdade, a própria noção do art. 1º LCT, desde logo o sugere fortemente: primeiro, ao mencionar a “sua actividade” (do trabalhador), sendo óbvio que as pessoas colectivas não têm, no plano naturalístico (mas tão só sob o ponto de vista jurídico), actividade própria; segundo, ao referir a “autoridade e direcção” do dador de trabalho, e portanto a subordinação jurídica do trabalhador, coloca-nos perante uma situação em que só uma pessoa física pode encontrar-se: a de obediência e submissão à mesma autoridade.
Certas relações de trabalho que, no plano prático, se estabelecem com um grupo de trabalhadores encarado como uma unidade técnico-laboral – é o chamado trabalho de grupo, de esquadra ou de equipa autónoma. Esses grupos não são verdadeiras pessoas colectivas, pois deve entender-se que, sob o ponto de vista jurídico, cada um dos seus membros fica individualmente vinculado ao dador de trabalho; o chefe do grupo limita-se a actuar como um representante dos outros membros, quer na celebração do contrato, quer na cobrança do salário quer noutras relações de ordem organizativa ou disciplinar.
Não se pode falar, em sentido rigoroso, de um “estatuto” do trabalhador, como um quadro de direitos, deveres e garantias que em forma acabada e globalmente, seja adquirido através do contrato de trabalho.
É certo, porém, que a posição jurídica do trabalhador envolve alguns elementos comuns, condicionantes de certos direitos e deveres típicos. Refere-se além da subordinação jurídica, a categoria e a antiguidade.

34. A categoria
A posição do trabalhador na organização em que se integra pelo contrato define-se a partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo “conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação de trabalho” e ao qual corresponde, normalmente uma designação sintética ou abreviada: contínuo, operador de consola, pintor de automóveis, encarregado, etc. A posição assim estabelecida e indicada é a categoria do trabalhador.
A categoria exprime, um “género” de actividade contratadas. Há-de caber nesse género a função principal que ao trabalhador estará atribuída na organização (art. 22º/2 LCT), embora possam ser-lhe determinadas tarefas anexas ou acessórias, não enquadráveis no “conteúdo funcional” caracterizador da categoria. É este conjunto – formado pelas actividades compreendidas na categoria e pelas tarefas “afins” ou “conexas” a que alude o art. 22º/2 LCT – que constitui, na sua actual configuração legal, o objecto do contrato de trabalho.
A categoria constitui um fundamental meio de determinação de direitos e garantias do trabalhador. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como o referencial básico para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador.
A categoria, precisamente por exprimir a posição contratual do trabalhador, é objecto de certa protecção legal e convencional.
Assim, e por via de regra, o dador de trabalho não pode “baixar a categoria do trabalhador” (art. 21º/1-d LCT), a qual não ser que este aceite e haja autorização da administração estadual do trabalho mas, mesmo assim, só quando a baixa seja “imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador” (art. 23º LCT).
Consagra assim a nossa lei o princípio da “irreversibilidade da carreira” no âmbito da empresa. No seu significado autónomo – isto é, encarado à margem do princípio da irredutibilidade do salário (art. 21º/1-c LCT) que com ele se relaciona estreitamente –, traduz-se num meio de protecção da profissionalidade como valor inerente à pessoa do trabalhador.
O problema da determinação da categoria profissional adequada a um certo feixe de tarefas ou funções carece de abordagens diferenciadas consoante o enquadramento de cada trabalhador na estrutura da empresa. Se, com efeito, é possível proceder a uma identificação e valorização “objectiva” de tarefas quando se trata dos concorrentes designados “executantes”, já essa “qualificação” se torna muito menos líquida e, principalmente, menos “objectiva” quando, ao invés, se cuida daquelas funções que constituem os “pontos de amarração” da estrutura da empresa.

35. A categoria e a função
A categoria é, um rótulo, uma designação abreviada ou sintética que exprime o género de actividades contratado. Em concreto, o trabalhador exerce uma função que o posiciona como elemento activo da organização.
Frequentemente, os conteúdos funcionais” correspondentes às categorias estão pré-determinados: as convenções colectivas de trabalho inserem, quase sempre, “descritivos” as funções que caracterizam cada uma das categorias de um elenco também contratualmente definido.
A entidade empregadora está obrigada a atribuir ao trabalhador uma das categorias convencionalmente fixadas. Uma vez que o critério de classificação profissional é contratualizado, assumindo assim valor normativo, há que subsumir os “modelos” categorias previstos à função concretamente exercida pelo trabalhador.
A convenção colectiva de trabalho não é um meio de padronização da estrutura das empresas nem um modelo imperativo de organização do trabalho. É sim, uma norma reguladora das relações de trabalho, definidora de direitos e obrigações que se inscrevem nos contratos individuais de trabalho, e a cuja efectividade se acha instrumentalizado um certo sistema de classificação profissional. Mas o papel de um tal sistema esgota-se aí; desde que o estatuto profissional decorrente da categoria convencionalmente aplicável esteja salvaguardado, nada impede que a situação funcional do trabalhador, na concreta organização em que está integrado, seja qualificada e tratada de acordo com um diferente critério e segundo uma lógica diversa.
O art. 22º/1 LCT, dispõe que “o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado”. A locução “em princípio”, abre espaço a possibilidades que o mesmo artigo prevê e regula. Mas não é apenas esse o seu alcance.
A correlação necessária entre a categoria e a função efectivamente desempenhada implica que, fora do âmbito do direito de variação, o conteúdo fundamental e característico da segunda seja subsumível na primeira. Neste sentido, a actividade exercida deve corresponder à categoria atribuída. A entidade empregadora não pode, em suma, obrigar o trabalhador a dedicar-se, exclusivamente ou principalmente, à execução de tarefas sem cabimento na sua qualificação profissional. Se não houver oposição do trabalhador, poderá verificar-se, frequentemente, uma de duas alternativas: ou essas tarefas caracterizam uma categoria superior, e esta deverá então ser reconhecida; ou correspondem a uma categoria inferior, e estar-se-á perante uma (encapotada) baixa de categoria, que a lei proíbe fora do apertado condicionamento do art. 23º LCT.
As funções inerentes à estrutura hierárquica da empresa podem e devem ser consideradas de dois ângulos diferentes. Por um lado, trata-se de actividades que envolvem o exercício de um “mandato” implícito da entidade empregadora (ideia bem vincada pelo art. 26º/2 LCT: “o poder disciplinar tanto é exercido directamente pela entidade patronal como pelos superiores hierárquicos do trabalhador, nos termos por aquela estabelecidos”): os titulares de cargos de direcção e chefia exercem poderes cujo titular originário é o empregador, e exercem-nos dentro dos limites e da estrutura por ele traçados. Nesta vertente, trata-se de funções de que o elemento “confiança” é suporte fundamental; e na atribuição da sua titularidade deve prevalecer o interesse (e a vontade) do empregador. Encaradas de outro posto de observação, essas funções traduzem a aplicação de certas capacidades mentais e técnicas no âmbito da organização, constituem uma das formas possíveis de exercício profissional, e é justamente por isso que se mostram aptas a preencher o objecto de um contrato de trabalho, correspondendo-lhes um certo feixe de direitos e obrigações características desse contrato.
O objecto do contrato não é, afectado pela decisão patronal, mantendo-se a prestação exigida dentro do círculo das aplicações juridicamente admissíveis da disponibilidade do trabalhador.
Todavia, é necessário ter em conta que a tutela da categoria visa, entre outros objectivos, salvaguardar o estatuto profissional do trabalhador.

36. Flexibilidade funcional: a reconfiguração legal do objecto do contrato de trabalho
A realidade das relações de trabalho, e o próprio jogo dos interesses das partes, apontam no sentido de uma certa flexibilidade funcional, isto é, para a possibilidade de se conceber a categoria como “núcleo central” da posição contratual do trabalhador, sem que fiquem excluídas outras aplicações da sua força de trabalho, dentro de certos limites e mediante determinadas condições
A lei portuguesa contempla, actualmente, dois instrumentos de flexibilidade funcional: a chamada “polivalência”, consagrada no art. 22º/2 a 6 LCT, e o ius variandi da actividade, tratado no art. 22º/7 e 8 LCT.
A chamada “polivalência funcional” traduz-se na faculdade, reconhecida à entidade empregadora, de “encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva” (art. 22º/2 LCT).
O exercício dessa faculdade está consideravelmente limitado. O empregador não pode, unilateralmente, subverter a estrutura da actividade contratualmente devida pelo trabalhador. A “função normal”, corresponde à categoria, continuará a ser elemento central e nuclear da situação do trabalhador. A lei admite que sejam exigidas ao trabalhador outras tarefas, fora da categoria, mas como actividades acessórias (art. 22º/3 LCT), o que, antes do mais, implica que elas ocupem, no horário de trabalho, menos tempo do que a principal.
De qualquer modo, decorre do art. 22º/2 LCT, que o empregador pode utilizar a força de trabalho do trabalhador para além dos limites da categoria, embora em actividades ainda delimitáveis em função dela. Essas actividades devem ser “afins” ou “conexas” às que definem a categoria.
O condicionamento do recurso à “polivalência” não se limita à relação qualitativa e funcional entre as actividades em causa.
É ainda, requerido que o trabalhador tenha “qualificação e capacidade” para o exercício das actividades adicionais. O elemento qualificação aponta para a existência da formação profissional necessária ao adequado exercício da actividade adicional.
O quadro de valorações é ainda o que se exprime nos arts. 42º e 43º LCT. Por outras palavras, o poder de direcção não é legitimamente exercido quanto, embora dentro do objecto do contrato de trabalho, ultrapassa o exigível ao trabalhador, nas condições de formação e aptidão psico-física em que ele se encontra.
Mas, para além disso, a lei quer também evitar que o uso da “polivalência” se traduza em directo prejuízo do estatuto profissional e da situação económica do trabalhador: o exercício de actividades acessórias não pode “determinar a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição” (art. 22º/3 LCT).
O corolário mais importante da introdução deste regime na nossa lei está na reconfiguração do objecto de trabalho, ou seja, da “actividade a que o trabalhador se obriga” (art. 5º/1 LCT).

37. O “iuris variandi” da actividade
Para além da possibilidade de atribuição de actividades acessórias em relação às que definem a categoria, a lei reconhece ainda ao empregador uma faculdade “anormal” de exigir ao trabalhador, temporariamente, a realização de serviços não abrangidos pelo objecto do contrato.
A “anormalidade” da solução decorre do facto de a lei admitir, abertamente, que o empregador faça ao trabalhador exigências vinculativas fora do objecto do contrato. Essas exigências, desde que obedeçam a certos requisitos legais, devem ser obedecidas; se os requisitos são cumpridos, a eventual recusa da prestação dos serviços determinativos será ilegítima e poderá acarretar consequências disciplinares.
Este “poder modificativo”, que funciona não só para além da categoria, mas também fora do próprio objecto do contrato surge como uma derrogação ao princípio segundo o qual os contratos não são alteráveis unilateralmente. A derrogação é legitimada pela necessidade de ajustar a gestão de trabalho ao “dinamismo da realidade técnico-organizativa da empresa”, e portanto, como uma emanação da “liberdade de iniciativa e de organização empresarial” (art. 80º-c CRP). Por outras palavras, é da flexibilidade funcional que também aqui se trata – com reflexo directo na estrutura e no conteúdo da posição de poder do empregador.
A chamada “polivalência” traduz possibilidades que se contêm no objecto do contrato; o ius variandi extravasa o objecto do contrato (art. 22º/7 LCT).
O recurso ao ius variandi é, mais fortemente condicionado. E, desde logo, só pode ser transitório, ao contrário da “polivalência”.
A “polivalência” pode conduzir à reclassificação, o que não consta de previsão quanto ao direito de variação.
Os requisitos específicos que a lei estabelece para o ius variandi são:
a) Não haver estipulação em contrário;
b) O interesse da empresa assim o exigir;
c) Ser uma variação transitória;
d) Não implicar diminuição da retribuição nem modificação substancial da posição do trabalhador;
e) Ser dado ao trabalhador o tratamento mais favorável que eventualmente corresponda ao serviço não convencionado que lhe é cometido.
O requisito da inexistência da modificação substancial da posição do trabalhador significa, desde logo, que o trabalhador não pode ser, pelo exercício do direito de variação, colocado numa “situação hierárquica injustamente penosa”. É necessário que o desnível hierárquico se mostre susceptível de provocar desprestígio ou afectar a dignidade profissional do trabalhador.
No que respeita à exigência de que a alteração não implique diminuição da retribuição, a dúvida possível respeita à sua consistência lógico-contextual. É evidente que, tomando em conta o art. 21º/1-c LCT, e manifesta imunidade da categoria de que o trabalhador é titular perante o fenómeno da alteração temporária de funções (art. 22º/1 LCT, e ainda a parte inicial no n.º 2 do artigo), estaria sempre fora de causa a diminuição da retribuição, mesmo que a lei se lhe não referisse.
O exercício deste “direito de variação” não afecta a categoria assumida pelo trabalhador, nem tem qualquer reflexo desfavorável sobre o seu estatuto laboral: as prerrogativas correspondentes à categoria que lhe pertence mantêm-se íntegras; somente poderão melhorar se a função transitória corresponder a uma qualificação superior ou que, em aspectos isolados, se mostre mais vantajosa.





38. O exercício de funções em comissão de serviço
A correlação estabelecida pela lei entre o exercício continuado de certas funções e a “aquisição” da categoria profissional por elas definida sofre um importante desvio quando se torna aplicável o regime de comissão de serviço.
O DL 404/91, de 16/10, veio, com efeito, possibilitar a atribuição ao trabalhador de certas funções – genericamente caracterizáveis por “uma especial relação de confiança” (art. 1º/1) – a título reversível, isto é, sem que se produza o fenómeno estabilizador da referida “aquisição” de categoria.
O que caracteriza esse dispositivo é a transitoriedade da função e a reversibilidade do respectivo título profissional. O trabalhador detém uma categoria básica ou de “origem”, relativamente à qual funciona em pleno a tutela estabilizadora; exerce, contudo, por tempo pré-determinado ou não, uma função diversa da que corresponderia àquela categoria, recebendo um título profissional e um estatuto laboral que, como essa função, podem cessar a qualquer momento. Dá-se, neste caso, o retorno à categoria de base e ao correspondente estatuto.
A aplicação do regime da comissão de serviço só pode ter lugar, nos termos do art. 1º/1 DL 404/91, relativamente a “cargos de administração” e, ainda, a “funções de secretariado pessoal” ou outras previstas em convenção colectiva, “cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança”.
O exercício de funções nesse regime pressupõe acordo escrito entre o empregador e o trabalhador, do qual deve constar, nomeadamente, a “categoria ou funções exercidas pelo trabalhador ou, não estando este vinculado à entidade empregadora, a categoria em que se deverá considerar colocado na sequência da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso” (art. 3º). Note-se, porém, que o acordo pode estabelecer que o próprio contrato de trabalho se extinga com a cessação da comissão (art. 4º/3-a in fine).
A cessação da comissão de serviço pode ser decidida por qualquer das partes e a todo o tempo, não carecendo de fundamentação expressa; mas a parte promotora da cessação deve dar pré-aviso à outra (30 ou 60 dias, conforme a comissão tenha durado menos ou mais de dois anos – art. 4º).

39. A antiguidade
O contrato de trabalho tem carácter duradouro, é de execução duradoura. O tempo é um dos factores mais influentes na fisionomia da relação de trabalho concreta e mesmo na conformação da disciplina jurídica que a tem por objecto.
Ressalta aqui a ideia de continuidade, que caracteriza a relação laboral, e que consiste num “estado de facto que indica a mais ou menos prolongada inserção de um trabalhador num organismo empresarial: melhor, a possibilidade dessa prolongada inserção, que faz de um prestador de trabalho um elemento normal da empresa”.
Ora a continuidade determina, na esfera jurídica do trabalhador, a antiguidade. Em cada momento, ele tem uma certa antiguidade que lhe é juridicamente reconhecida por ela decorrer, para a sua posição na relação laboral, uma determinada fisionomia concreta. A antiguidade reflecte-se na dimensão e no conteúdo dos direitos do trabalhador e, em particular, na modulação do regime aplicável em caso de cessação do contrato.
Sob o ponto de vista do trabalhador, ela relaciona-se intimamente com o risco de ruptura: quanto maior a duração do contrato, mais profunda a integração psicológica do trabalhador na empresa, mais indesejável ou perturbadora, portanto, a possibilidade de cessação do contrato. Assim, a antiguidade cria e vai acrescentando uma expectativa de segurança no trabalhador.
Pelo que diz respeito aos interesses da entidade patronal, ela significa que a empresa pôde concretizar, ao longo de certo período, as disponibilidades de trabalho de que carecia, mantendo-se incorporado um elemento de cuja integração nos objectivos da empresa é garantia desse mesmo tempo de vinculação.
Pergunta-se a partir de que momento se conta a antiguidade do trabalhador. E não se julgue que a dúvida é praticamente despicienda: trata-se de averiguar se a antiguidade é computada a partir do momento da celebração do contrato ou com base na duração efectiva do serviço, isto é, a partir do início da execução do mesmo contrato. Estes dois momentos podem achar-se mais ou menos distanciados, e não é por isso indiferente, mesmo na prática, a opção por qualquer deles.
Sendo o contrato considerado como “título de inserção” do trabalhador na empresa, o que interessa, em sede de antiguidade, não é, a “incorporação formal”, ou jurídica, mas a efectiva integração do prestador de trabalho num conjunto organizado e apto a funcionar.
O momento da efectiva admissão do trabalhador, isto é, aquele que o trabalhador passa realmente a encontrar-se “ao serviço” da empresa, que deve relevar para efeitos de contagem da antiguidade.
O art. 47º DL 64-A/89, segundo o qual, após a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, a antiguidade do trabalhador se conta “desde o início da prestação de trabalho”; e do art. 44º/4 LCT, que consagra a regra segundo a qual “a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental”.
Outra questão é a da contagem da antiguidade a partir daquele momento. De harmonia com dados legais inequívocos, a antiguidade do trabalhador não se restringe à dimensão temporal do serviço efectivamente prestado.
Para o caso de cessação do contrato numa altura do ano em que o trabalhador ainda não tenha gozado as férias devidas, estabelece o art. 10º/3 DL 874/76, de 28/12, que esse período de férias será adicionado à antiguidade. Por aplicação deste preceito, seja maior do que o período de duração do contrato…
Mas a grande massa de situações em que a inexistência de serviço efectivo não prejudica a inteireza da antiguidade é de outro tipo: corresponde àquilo que a lei, em sentido amplo amplíssimo, designa-se por suspensão da prestação de trabalho. Trata-se de um conjunto heterogéneo de situações em que a prestação de trabalho efectivo se interrompe sem que cesse a relação jurídica que está por detrás.
Assim, contam-se na antiguidade os períodos de licença sem retribuição (art. 16º/5 DL 874/76), de faltas justificadas (art. 26º), de férias (art. 5º/3), de suspensão por impedimento prolongado, ainda que conexo ao trabalhador (art. 2º/2 DL 398/83, de 2/11).
Verdadeiramente, apenas fogem a esta linha geral os casos de faltas não justificadas (art. 27º/1 DL 874/76), que, pelos mesmos motivos que podem conduzir à integração de um tipo de infracção disciplinar (27º/3 DL 874/76), se presume constituírem manifestações de uma atitude de desconformidade com o ordenamento interno da empresa – ou seja, quebras culposas da “disponibilidade” do trabalhador.
Daí a necessidade de uma específica protecção da antiguidade enquanto expressão da continuidade prática (não jurídica) da integração do trabalhador no serviço da entidade patronal. Essa protecção é assegurada pelo art. 21º/1-h LCT, que proíbe o mencionado expediente, mesmo no caso do trabalhador ser contratado a prazo, e ainda que ele tenha dado o seu acordo. A inobservância da proibição legal expõe o infractor a multa (art. 127º/1-b LCT), além de constituir possível justa causa de rescisão por parte do trabalhador.

40. Os deveres acessórios do trabalhador
Para além da obrigação principal que assume através do contrato – a de executar o trabalho de harmonia com as determinações da entidade patronal –, recaem sobre o trabalhador outras obrigações, conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenado pelo empregador, sendo umas de base legal e outras de origem convencional.
Há efectivamente “deveres” que constituem afinal modalidades daquele comportamento, estão “dentro dele”, como a obediência e a diligência; e há, por outro lado, situações subjectivas “laterais”, que podem não coincidir com ela, como as de lealdade, assiduidade e custódia.

41. Dever de lealdade
Decorre do art. 20º/1-d LCT a consagração de um “dever de lealdade” do trabalhador para com a entidade patronal; e, ainda, que são manifestações típicas desse dever a interdição de concorrência e a obrigação de sigilo ou reserva quanto à “organização, métodos de produção ou negócios” no empregador.
Entende-se, que a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume particular acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza também pelo carácter duradouro e pessoal das relações emergentes. Estas notas típicas das relações de trabalho subordinado têm contribuído para que, nalgumas construções doutrinais e jurisprudenciais, se coloque o acento tónico no elemento fiduciário das mesmas relações, isto é, na necessidade de subsistência de um estado de confiança entre as partes como fundamento objectivo da permanência do vínculo.
O dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo” para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa. “O trabalhador deve, em princípio, abster-se de qualquer acção contrária aos interesses do empregador, mas o dever de lealdade tem igualmente um conteúdo positivo. Assim, deve o trabalhador tomar todas as disposições necessárias quando constata uma ameaça de prejuízo ou qualquer perturbação da exploração, ou quando vê terceiros, em particular outros trabalhadores, ocasionar danos”.
É certo, que algumas expressões assumem, uma índole típica, por corresponderem a situações em que a lealdade implica específicas vinculações do comportamento do trabalhador.
Reflecte-o bem o teor do art. 20º/1-d LCT: o trabalhador não deve negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador nem divulgar informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios. Trata-se, respectivamente, da proibição de concorrência e da obrigação de sigilo ou reserva profissional.

42. Dever de assiduidade
Estabelece o art. 20º/1-b LCT, que o trabalhador deve “comparecer com assiduidade”. Este dever de assiduidade, inclui-se na própria obrigação de trabalho – é apenas uma das suas faces, que exprime a permanência da disponibilidade do trabalhador nos períodos estipulados. Mas é para certos efeitos, valorizada em si mesma.
Ele deve estar disponível nas horas e locais previamente definidos. Os parâmetros da assiduidade são o horário de trabalho, que ao empregador cabe definir (art. 49º LCT), e o local de trabalho, que constitui um dos elementos da caracterização contratual da prestação (art. 24º LCT). A assiduidade engloba, por conseguinte, a pontualidade, isto é, o cumprimento preciso das horas de entrada e saída em cada jornada de trabalho.
Esta noção de assiduidade releva apenas para a configuração do dever contratual a que alude o art. 20º LCT. Nesta acepção, não pode o trabalhador ser responsabilizado por quebra da assiduidade devida, no caso de faltar ao serviço com justificação atendível. A nossa lei é, até, particularmente radical neste domínio: afirma o princípio de que “as faltas justificadas não determinam a perda ou prejuízo de quaisquer direitos ou regalias do trabalhador”, nomeadamente a da retribuição (art. 26º/1 DL 874/76).

43. Dever de custódia
O chamado dever de custódia resulta do art. 20º/1-e LCT: o trabalhador está obrigado a “velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho, que lhe forem confiados pela entidade patronal”. É uma consequência do facto de a aplicação da força de trabalho requerer o uso de meios de produção que não pertencem ao trabalhador, mas que lhe ficam adstritos (quando esse é o caso). A exigência e a intensidade do dever de custódia dependem, por conseguinte, da natureza do trabalho, do grau de exclusividade do uso do instrumento ou da máquina, e ainda dos usos profissionais.

O EMPREGADOR

44. A noção jurídica de empregador
O estatuto de empregador pode sinteticamente definir-se como uma posição de poder – que é, afinal, o reverso da subordinação em que o trabalhador se coloca pelo contrato. A entidade patronal é aquela pessoa (que pode ser singular ou colectiva) para a qual se transmite a disponibilidade – ou seja, o poder de dispor – da força de trabalho de outra (esta necessariamente individual).
Há que distinguir, tanto nas empresas individuais e societárias (privadas), como nas empresas públicas e de capitais públicos, as seguintes posições típicas:
a) Empresário/empregador (titular de capital) – o indivíduo, a sociedade comercial, o Estado, o ente público;
b) O gestor ou administrador (mandatário do empresário);
c) O director ou chefe directo (trabalhador subordinado ao empresário e, por aí, ao gestor ou administrador).

45. A empresa e o empregador
Ora desde já se entrevê que a situação patronal pode assumir cambiantes muito diversos conforme se trate de uma relação puramente interindividual, entre pessoas físicas que prosseguem objectivos também individuais ou de uma relação entre um trabalhador e a sociedade que o emprega no quadro de uma empresa. Os interesses em vista, transcendem a esfera individual: trata-se de interesses da colectividade de sócios, mas são também interesses que a própria existência da empresa determina e que, em suma, se ligam à sua permanência e ao seu desenvolvimento como complexo produtivo.
A LCT contém, no fundo, o regime jurídico do trabalho na empresa. Pelo que respeita, localizadamente, à definição dos elementos componentes da situação de dador de trabalho.
Convém discernir com nitidez três noções – a de empresa, no seu sentido objectivo, ou seja, como organização ou complexo articulado de meios produtivos; a de empresário, como promotor, titular e interessado directo da actividade a que aquele complexo se adequa instrumentalmente; e a de empregador, como adquirente da disponibilidade de força de trabalho alheia, através do correspondente contrato – com que joga o Direito do Trabalho.

46. Relevância jurídico-laboral da empresa
A empresa surge como objecto de relações jurídicas – isto é, estabelecida a equivalência entre empresa e organização técnico-laboral (ou estabelecimento). Pode nomeadamente ocorrer mudança de titular: é o caso de trespasse ou, como diz a LCT (art. 37º), transmissão do estabelecimento. E o facto de se tratar de um negócio mercantil não impede que ele tenha sérias implicações nas relações de trabalho do pessoal envolvido.
A natureza das relações de trabalho varia conforme a existência ou inexistência de empresa e o grau de complexidade desta.
É óbvio que o trabalho subordinado pode surgir fora de um quadro empresarial – ou seja, nas relações de indivíduo a indivíduo, em que a força de trabalho é destinada não a integrar uma actividade lucrativa mas à produção de utilidades que imediatamente satisfazem necessidades próprias do empregador.
As relações de trabalho variam, quanto ao seu conteúdo, conforme sejam ou não enquadradas por uma empresa, e ainda em função da complexidade de que esta se revista. Acentue-se que, a legislação do trabalho e a contratação nos surgem centradas sobre as relações de trabalho na empresa.

47. Os poderes do empregador
Como detentora dos restantes meios de produção e empenhada num projecto de actividade económica, a entidade patronal obtém, por contratos, a disponibilidade de força de trabalho alheia – o que tem como consequência que fique a pertencer-lhe uma certa autoridade sobre as pessoas dos trabalhadores admitidos. De um modo geral, diz o art. 1º LCT, estes ficam “sob autoridade e direcção” da entidade patronal. Assim, a posição patronal caracteriza-se, latamente, por um poder de direcção legalmente reconhecido, o qual corresponde à titularidade da empresa.
A situação subsequente à celebração de um contrato de trabalho permite o seguinte desdobramento do poder de direcção:
a) Um poder determinativo da função: em cujo exercício é atribuído ao trabalhador um certo posto de trabalho na organização concreta da empresa, definido por um conjunto de tarefas que se pauta pelas necessidades da mesma empresa e pelas aptidões (ou qualificações) do trabalhador;
b) Um poder conformativo da prestação: que é a faculdade de determinar o modo de agir do trabalhador, mas cujo exercício tem como limites os próprios contornos da função previamente determinada;
c) Um poder regulamentar: referido à organização em globo, mas naturalmente disponível que nela se comporta (ou seja, sobre todos e cada um dos trabalhadores envolvidos);
d) Um poder disciplinar: que se manifesta tipicamente pela possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores cuja conduta se revele desconforme com ordens, instruções e regras de funcionamento da empresa.

48. Poder determinativo da função
Ele não se afasta essencialmente, quanto à intensidade da posição activa em que coloca o dador de trabalho, do poder de escolha que por vezes é reconhecido ao credor nas obrigações genéricas. Designadamente, o grau de “subordinação” resultante para o devedor é semelhante: não estamos aqui, de facto, perante uma manifestação típica da subordinação jurídica que individualiza o contrato de trabalho.
Segundo o art. 43º LCT, “a entidade patronal deve procurar atribuir a cada trabalhador, dentro do género de trabalho para que foi contratado, a função mais adequada às suas aptidões e preparação profissional”. Como é óbvio, trata-se de mera “recomendação” sem sentido vinculativo é, portanto, sem que a sua inobservância implique qualquer sanção para a entidade patronal.
Há tarefas que não pertencem à função normal do trabalhador nem se enquadram na sua categoria, mas que ainda integram o objecto do contrato de trabalho e são, por isso exigíveis pelo empregador, no exercício do seu poder de direcção.
Pode resultar daí que a “função” confiada ao trabalhador seja integrada por um núcleo de tarefas correspondentes e por algumas outras que a esta não pertencem mas que se consideram “afins” ou “ligadas” às primeiras.

49. Poder confirmativo da prestação
Encontra como correlativo, na esfera do trabalhador, um dever de obediência (art. 20º/1-c LCT), que beneficia de tutela disciplinar. Todavia, o seu âmbito, é muito variável. O trabalhador encontra-se em situação de dependência técnica, o que abre a possibilidade, para o empregador, de definir “os termos em que deve ser prestado o trabalho” (art. 39º/1 LCT) indo ao ponto de determinar o modo, a ordenação dos actos e condutas e as técnicas utilizáveis – tudo, é claro, “dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” (art. 39º/1 LCT). Mas já se sabe que há casos de subordinação jurídica não obsta à autonomia técnica do trabalhador (art. 5º/2 LCT): em tais situações, o poder conformativo terá que limitar-se à definição do tempo e do local de trabalho, bem como às regras gerais inerentes ao funcionamento global da empresa.

50. Poder regulamentar
O poder regulamentar do dador de trabalho (art. 39º/2 LCT) refere-se à “organização e disciplina do trabalho” e só se justifica, pois, nas empresas de maiores dimensões e complexidade.
Nestas, com efeito, os poderes reconhecidos genericamente ao empregador aparecem, por força, fraccionados pelos vários níveis de uma hierarquia: a orientação do trabalho, nomeadamente, deixa de poder imputar-se, na prática, à vontade e ao critério de uma só pessoa; a figura clássica da “entidade patronal” ou “empregador”, ainda dotada de grande significado nos planos económico e jurídico, dilui-se, de facto, na organização hierárquica da empresa, em que se inserem dirigentes, beneficiários da delegação de certa medida dos poderes patronais.

51. Poder disciplinar
Consiste ele na faculdade, atribuída ao empregador, de aplicar, internamente, sanções aos trabalhadores ao serviço cuja conduta conflitue com os padrões de comportamento da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato. Diz-se, então, que ocorre uma infracção disciplinar; a lei não fornece uma noção mas indica tipos avulsos de infracção.
Assim, o dador de trabalho dispõe da singular faculdade de reagir, por via punitiva e não meramente reparatória ou compensatória, à conduta censurável do trabalhador, no âmbito da empresa e na permanência do contrato. A sanção disciplinar tem, sobretudo, um objecto conservatório e intimidativo, isto é, o de se manter o comportamento do trabalhador no sentido adequado ao interesse da empresa.
O poder disciplinar constitui uma prerrogativa da entidade patronal, mas tanto é exercido por esta como pelos superiores hierárquicos do trabalhador (art. 26º LCT), e está sujeito a limitações não só pelo que se refere à medida das sanções (art. 28º LCT) mas também à própria qualificação das condutas do trabalhador como infracções disciplinares (art. 32º segs. LCT)
Existe um elenco de sanções (art. 27º LCT) que inclui a repreensão, a repreensão registada, a multa, a suspensão do trabalho com perda de retribuição e o despedimento imediato sem qualquer indemnização ou compensação. Entende-se, todavia, que outros tipos podem ser fixados pelas convenções colectivas.
Mas a criação de sanções pela via convencional está sujeita a uma limitação genérica: não pode envolver “prejuízo dos direitos e garantias gerais dos trabalhadores”, que se encontram, no essencial, compendiados pelo art. 21º LCT.
A lei estabelece dois condicionamentos temporais do exercício da acção disciplinar: o prazo de prescrição da infracção (art. 27º/3 LCT) e o prazo de caducidade da acção (art. 31º/1 LCT).
O prazo prescricional de um ano refere-se à punibilidade da infracção e conta-se a partir do momento em que os factos tenham ocorrido, independentemente do conhecimento ou desconhecimento deles por parte do empregador. O decurso desse prazo traduz-se no esgotamento do poder disciplinar em relação aos factos qualificáveis como infracções.
O prazo de caducidade – de sessenta dias –, por seu turno, assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta infractora; o facto de esse processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iuris et iure de irrelevância disciplinar.
O art. 10º DL 64-A/89 contém regras novas do modo de contagem do prazo de caducidade.
O n.º 11 estabelece que a comunicação da nota de culpa suspende esse prazo – o que reforça a ideia de que é nesse momento que deve situar-se o início da acção disciplinar enquanto tal (a comunicação da nota de culpa ao trabalhador suspende o decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 31º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo decreto-lei nº. 49 408, de 24 de Novembro de 1969).
Esquematicamente, podem reconduzir-se as diversas explicações tentadas na doutrina juslaboral a dois modelos básicos:
a) As teses contratualistas: segundo as quais o contrato de trabalho estaria na origem do poder disciplinar, assentando este no consenso prévio entre o trabalhador e a entidade patronal. Tal posição começou por se afirmar no sentido da proximidade entre as sanções disciplinares e as cláusulas penais, também dominadas penas convencionais (arts. 810º segs. CC). A tese contratualista evoluiu no sentido de explicar o poder disciplinar pelo facto de ser o contrato de trabalho que investe a entidade patronal numa posição de “autoridade e direcção” sobre o trabalhador (art. 1º LCT).
b) As teses institucionalistas ou comunitárias: que, encarando a empresa como organização de meios dotada de exigências próprias concernentes à sua coesão, a seu equilíbrio estrutural e à optimização do seu funcionamento, tidas como distintas do interesse económico do seu titular, encontra naquelas exigências o fundamento do poder disciplinar e explica a sua atribuição ao empresário pelo facto de este ser o chefe da organização, responsável pela sua permanência e pelo seu funcionamento. Como é óbvio, a semelhança utilizada é a do poder hierárquico existente em qualquer organização privada ou pública, permitindo simultaneamente justificar do mesmo modo a disciplina laboral nas empresas capitalistas e nas empresas socialistas.
A acção disciplinar surge como um conjunto de medidas destinadas a agir, de modo contraposto, sobre a vontade do trabalhador, procurando modificá-la no sentido desejado – isto é, procurando recuperar a disponibilidade perdida ou posta em causa. As sanções disciplinares não têm, pois, primariamente, finalidade “retributiva” – isto é, não se destinam apenas a retribuir a falta com um prejuízo – mas eminentemente preventiva. Por outro lado, elas têm também uma função conservatória da vinculação entre a entidade patronal e trabalhador, na medida em que se destinam a repor a situação de disponibilidade e, com ela, as condições de viabilidade do contrato de trabalho. Daqui resulta, além do mais, que o despedimento do trabalhador só poderá considerar-se harmónico com a concepção legal do poder disciplinar quando se mostre inviável ou inútil qualquer das sanções cuja aplicação pressupõe a permanência do vínculo.

52. Os deveres acessórios do empregador: dever de assistência
O primeiro deles abrange fundamentalmente os comportamentos previstos no art. 19º-c LCT, bem como dos arts. 40º e 41º LCT. Cabe à entidade patronal, além do mais, assegurar as condições de higiene e segurança do local de trabalho, nomeadamente pela observância das exigências legais e regulamentares que visam a prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
O dever de assistência, parece antes dever cumprir-se progressivamente, face aos dois fenómenos seguintes:
a) Por um lado, e sob o ponto de vista da fundamentação genérica dos deveres acessórios de conduta da entidade patronal, o recurso à mencionada ideia do “risco de estabelecimento”, ou então mais amplamente, da oneração do empregador com riscos proporcionados por uma organização de meios produtivos que ele erigiu;
b) Por outro, o facto de que diversos “corolários” primitivos do dever de assistência – se terem consolidado e transmutado em deveres jurídicos autónomos, independentes até da existência de uma organização técnico-laboral relevante, antes inerentes ao conteúdo da relação jurídica estabelecida entre um trabalhador e uma entidade patronal.
Face ao nosso sistema, crê-se que podem ser vistos como manifestações de um dever “geral” de protecção do empregador:
a) A existência da “oferta” de “boas condições de trabalho tanto do ponto de vista físico como moral” (arts. 19º-c, 40º e 41º LCT);
b) Outros deveres atribuídos aos empregadores pelas convenções colectivas e insusceptíveis de conexão directa com a prestação de trabalho;
c) Obrigações assumidas pelas entidades patronais, em regra, pela via da contratação colectiva, tendo por objecto prestações complementares das que são asseguradas pelos esquemas de benefícios de segurança social, destinando-se aquelas a suprir a manifesta insuficiência de tais esquemas para uma efectiva cobertura de riscos sociais.

53. A cooperação creditória e o dever de ocupação efectiva
A execução do contrato implica, da parte do dador de trabalho, o fornecimento das condições materiais indispensáveis ao exercício da actividade prometida pelo trabalhador. Incluem-se aqui a definição da categoria e da função a exercer, do local e do tempo de trabalho; e ainda o fornecimento das matérias-primas, instrumentos e máquinas necessárias à laboração.
A Constituição acolhe manifestamente uma visão do trabalho que ultrapassa os paradigmas da “fonte de rendimento” e dos “meios de subsistência”: ele é reconhecido, explicitamente, como meio de “realização pessoal” e ao modo por que ele é organizado associa-se, como conotação valorativa, a “dignificação social” do trabalhador (art. 59º/1-b CRP); ademais, essa maneira de ver deve relacionar-se com o direito ao “bom-nome e reputação” (art. 26º/1 CRP) que é forçada e injustificada inactividade – com garantia de remuneração – é susceptível de por em causa.
Noutro plano, o regime jurídico das relações individuais de trabalho oferece indicações claras no sentido da valorização da ocupação efectiva como suporte de interesses relevantes do trabalhador. Só ela, desde logo, permite explicar cabalmente que a suspensão disciplinar – art. 27º/1-c LCT – constitua sanção qualitativamente distinta da multa. Situam-se noutra perspectiva, mas dentro do mesmo quadro de valorações, os preceitos que fazem decorrer da relação de trabalho obrigações (para o empregador) de propiciação do desenvolvimento profissional (art. 42º/1 LCT) e de adequação do trabalho às aptidões do trabalhador (art. 43º LCT). Estas disposições – associáveis no art. 22º LCT – fornecem o esboço de uma “tutela da profissionalidade”, ainda que ela não atinja a intensidade adquirida noutros ordenamentos. Mas, ainda diante do art. 22º, cabe assinalar a oposição da lei a que do exercício do ius variandi resulte “modificação substancial da posição do trabalhador” só adquire sentido à luz duma concepção do trabalho que transcende a sua expressão económica, fazendo dele um factor de satisfação moral e de consideração social.
Trata-se de um conjunto de afloramentos normativos da posição básica de valorização autónoma de efectivo exercício da actividade contratada como suporte de interesses relevantes do trabalhador.



AS RELAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO

A FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
O TEMPO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
A RETRIBUIÇÃO
A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO




A FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

54. Os processos de formação do contrato de trabalho
O contrato de trabalho é, um contrato consensual, pois “não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei expressamente determinar o contrário” (art. 6º LCT). Esta característica, relativa à questão da forma negocial, tem que ver com o modo por que surge o contrato de trabalho. Na verdade, trata-se de saber que tipos de comportamento declarativo são aptos a constituir esse contrato.
A formação de qualquer contrato resulta de duas declarações negociais: a proposta e a aceitação. Conforme se conclui, do disposto nos arts. 233º e 234º CC, da proposta – que exprime a iniciativa de um dos sujeitos – devem constar todos os elementos do negócio, de modo que, para a sua conclusão, baste a pura e simples aceitação do seu destinatário. Se este incluir, na sua declaração, aditamentos, limitações ou outras modificações ao conteúdo da proposta, considera-se que a rejeita e, quando muito, tem-se tal declaração por equivalente proposta.
A proposta do contrato de trabalho e a sua aceitação assumem, basicamente, três formas:
a) Proposta verbal e aceitação expressa (verbal) ou tácita;
b) Proposta e aceitação escritas;
c) Proposta manifestada através de cláusulas contratuais gerais e aceitação, por adesão expressa ou tácita, do trabalhador.
A hipótese de proposta e aceitação verbais predomina largamente, salvo na constituição de relações de trabalho no contexto de empresas de maior dimensão. A aceitação tácita ocorrerá “logo que a conduta da outra parte (o trabalhador, em regra) mostra a intenção de aceitar a proposta” (art. 234º CC).
A proposta e a aceitação por escrito têm lugar, em princípio, nos casos em que – de harmonia com a ressalva do art. 6º LCT – a lei expressamente impuser essa forma.
A LCT prevê expressamente (art. 8º) a hipótese de promessa de contrato de trabalho, exigindo documento assinado pelo promitente ou promitentes, mas especificando – em razão da peculiaridade do vínculo laboral – que não lhe é aplicável o mecanismo de suprimento judicial, configurado pelo art. 830º CC, para o caso de incumprimento da promessa (impossibilidade de eficácia real).
A promessa de trabalho pode ser, visto que, não raro, fica entendido entre os contraentes que só em momento posterior ao da celebração do contrato começarão a produzir-se os seus efeitos. Existem, com efeito, situações em que, após o estabelecimento do consenso acerca da futura admissão do trabalhador ao serviço de um empregador, uma das partes aparece a denunciar tal consenso, pretendendo que, assim, se opera a frustração de uma promessa de contrato e não a rescisão de um contrato já celebrado.
Tanto a promessa de contrato de trabalho como a atribuição de eficácia diferida ao mesmo contrato estão sujeitas a rigorosas exigências de forma: a promessa há-de, constar de “documento assinado pelo promitente ou promitentes, no qual se exprima, em termos inequívocos, a vontade de se obrigar, a espécie de trabalho a prestar e a respectiva retribuição” (art. 8º/1 LCT); a condição e o termo suspensivos implicam “documento assinado por ambas as partes” (art. 9º LCT).
Não existindo, formal e inequivocamente, promessa de contrato, nem estipulação formal de termo ou condição, o contrato de trabalho produz os efeitos que lhe são próprios a partir do momento em que é celebrado.

55. Pressupostos subjectivos: capacidade das partes
A) Capacidade jurídica:
A qualidade de trabalhador subordinado só pode recair sobre uma pessoa física ou singular. Significa isto que as pessoas colectivas não possuem a correspondente capacidade jurídica: não podem ser titulares dos direitos e das obrigações próprios do trabalhador.
A lei articula a aquisição da “capacidade jurídico-laboral” com o regime da escolaridade obrigatória. Assim, e desde 1/1/97. A “idade mínima de admissão para prestar trabalho” situa-se nos 16 anos (art. 122º/1 LCT), embora se admita essa admissão para “trabalhos leves”, em “actividades e condições a determinar”, a partir dos 14 anos.
B) Capacidade para o exercício de direitos:
Quanto à possibilidade de uma pessoa exercer por si própria os direitos de que é titular –, a regra é, a de que ela se adquire com a maioridade, isto é, ao completarem-se 18 anos (arts. 122º e 130º CC).
Ora, no que respeita aos direitos e deveres próprios do trabalhador subordinado, a capacidade de exercício adquire-se aos 16 anos, embora com ressalva da possibilidade de oposição dos representantes legais do menor (art. 123º/2 LCT). Esse regime é extensivo à capacidade para receber pessoalmente a retribuição (art. 123º/6 LCT). Antes dessa idade, isto é, a partir dos 14 anos, o menor só pode assumir a qualidade de trabalhador, nos casos permitidos, se o correspondente contrato for celebrado com a assistência do seu representante legal (art. 123º/3 LCT).
São também incapazes para o exercício de direitos os interditos (art. 138º segs. CC), os inabilitados (art. 152º segs. CC), os insolventes (art. 1313º CC) e os falidos (art. 1135º CPC).
C) Efeitos das incapacidades:
Quando seja celebrado um contrato de trabalho por quem não disponha da correspondente capacidade jurídica, o contrato é nulo.
Se, em vez disso, faltar a capacidade para o exercício de direitos que se requer para a conclusão do contrato, a sanção é, em regra, a anulabilidade contrato.

56. Determinabilidade
De harmonia com o art. 280º CC, são só os seguintes requisitos gerais do objecto do negócio: possibilidade física e legal, não contrariedade à lei, determinabilidade, não contrariedade à ordem pública, e conformidade aos bons costumes.
A possibilidade legal propriamente dita tem escasso interesse como requisito a que deve obedecer o objecto do contrato de trabalho.
É necessário que o objecto do contrato seja determinado para que as obrigações sobre ele incidentes possam ser cumpridas; mas isso é obviamente compatível com a indeterminação inicial do mesmo objecto, no momento da celebração do contrato, bastará uma referência genérica ou alternativa ao conteúdo concreto da prestação a realizar; tudo está em que, mais tarde, seja viável a determinação, segundo um critério legal ou consoante do próprio contrato: basta, em suma, que o objecto deste seja determinável.
É necessário que o trabalho subordinado ocupe, na vida do devedor, um espaço limitado, de modo que o crédito laboral se não apresente como algo de semelhante a um direito sobre a sua pessoa.
A conformação da prestação concreta pelo devedor de trabalho pode não ocorrer, nem ter cabimento (art. 5º/3 LCT), sem que haja lugar para a suposição de que o objecto do contrato fica por determinar e de que o cumprimento da obrigação correspondente não pode ser exigido.

57. Possibilidade física
Para que o contrato de trabalho seja válido, exige-se que seja fisicamente possível a actividade estipulada. Este requisito entende-se em termos de abranger condições bastante diversas, materiais ou naturais, isto é, derivadas da “natureza das coisas”, cuja falta implica a inexequibilidade da prestação.
O art. 401º/3 CC dispõe: “só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto e não apenas em relação à pessoa do devedor”. É a regra geral de que só a impossibilidade objectiva da prestação poderá afectar a validade do negócio. Tal regra deixa à margem os casos em que a prestação só seja possível para o devedor concreto, isto é, subjectivamente.
É em presença do conjunto das estipulações definidoras do condicionamento material da prestação que a sua possibilidade natural deve ser apreciada – precisamente porque, nos termos observados, esse condicionamento “penetra” no objecto do dever laboral, delimitando o âmbito do compromisso do trabalhador.

58. Licitude
O objecto do contrato não deve ser “contrário à lei”, diz o art. 280º/1 CC. Em termos gerais, está nessas condições o objecto de um negócio jurídico “quando viola uma disposição da lei, isto é, quando a lei não permite uma combinação negocial com aqueles efeitos (…) ou sobre aquele objecto mediato”. Trata-se de contratos nulos por ilicitude do objecto (art. 16º LCT).
No entanto, a actividade prometida pode ser lícita em si mesma; e, todavia, ter que se considerar ilícita por virtude de certos elementos conexos ou concomitantes. Tal é, em primeiro lugar, o caso em que a actividade é atingida pela ilicitude do fim a que se destina.
Outros casos em que a licitude do trabalho em si mesmo não obsta a que se considere ilícito o objecto do contrato relacionam-se com certas actividades perante as quais a lei estabelece proibições ou limitações fundadas em elementos conexos à pessoa do trabalhador. Trata-se, nomeadamente, de casos em que relevam a idade e o sexo. Assim, o art. 122º LCT, por um lado, e os arts. 8º DL 392/79, de 20/9, e 16º L 4/84, de 5/4, por outro, envolvem a possibilidade do condicionamento, limitação ou proibição do exercício de certos tipos de actividade, respectivamente, por menores e por mulheres. Há determinadas actividades cuja realização está vedada aos menores, por serem perigosas “para o seu desenvolvimento físico, espiritual ou moral”. Identicamente, a mulher está impedida de exercer certos trabalhos susceptíveis de implicarem “riscos efectivos ou potenciais para a função genética”.
É só esta maior intensidade dos riscos envolvidos em certos tipos de trabalho que conduz o legislador a proibi-los ou condicioná-los expressamente; a defesa dos referidos a valores impõe-se, em geral, para quaisquer trabalhadores e seja qual for o género de actividade estipulado (arts. 19º-c, 40º e 41º LCT).

59. O termo
“Se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento” – seguindo a formulação do art. 278º CC –, diz-se que ao mesmo negócio foi posto um termo, respectivamente, suspensivo (inicial) ou resolutivo (final).
O termo suspensivo ou inicial, é admitido pelo art. 9º LCT, embora com a exigência de que conste de documento escrito e assinado por ambas as partes. O termo resolutivo ou final, cabe no âmbito do regime instituído pelos arts. 41º a 54º DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro: trata-se aí, com efeito, somente da oposição de termo resolutivo (prazo de duração) ao contrato de trabalho.
A disciplina do contrato de trabalho a termo encontra-se no DL 64-A/89, de 27/2. São três as ideias mestras deste regime, abstraindo dos aspectos que especificamente respeitam à cessação dos vínculos em causa:
a) Admissibilidade do contrato a termo certo e incerto;
b) Exigência de uma razão objectiva e explicita para a celebração de contratos a termo, certo ou incerto, e independentemente da duração;
c) Permissão do encadeamento de contratos a termo certo (por máximo de duas renovações) até ao limite de três anos.
Existe o termo certo quando se trata de um momento ou acontecimento que seguramente ocorrerá em momento rigorosamente determinado. Fala-se, ao invés, de termo incerto para significar um evento que seguramente ocorrerá, mas em momento indeterminado.
O DL 64-A/89 fez reentrar no campo da legalidade a contratação de trabalho incerto. Fê-lo, todavia, numa postura restritiva e cautelar: são tipificadas, dentro da lista de hipóteses a que, em geral, se liga a possibilidade de celebração do contrato de trabalho a termo, aquelas, em reduzido número, que justifiquem a aposição de termo incerto (arts. 41º/1 e 48º LCT).
A lei exige não só que exista motivação ou justificação da celebração do contrato a termo; é necessário que ela integre uma tipologia descrita pelo art. 41º/1 DL 64-A/89, e, ainda, que seja indicada no documento escrito de que constarão as estipulações contratuais (art. 42º/1-e DL 64-A/89).
Se a situação concreta não preencher nenhuma das hipóteses enumeradas no art. 41º/1 DL 64-A/89 ou se não constar no contrato a “indicação do motivo justificativo”, a consequência é a mesma: tem-se por inválida a estipulação do termo, o vínculo é considerado de duração indeterminada (arts. 41º/2 e 42º/3 DL 64-A/89).
O contrato a termo é, um negócio formal. Pelo art. 42º/1 DL 64-A/89, é exigida a forma escrita, cuja a inobservância tem a consequência restrita de invalidar a aposição de termo – mantendo-se, portanto o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada (art. 42º/3 DL 64-A/89). Trata-se, pois, de uma exigência de forma ad substantiam ou ad essentiam, mas apenas no tocante à cláusula de duração.
O art. 3º/2 L 38/96 de, 31 de Agosto, veio esclarecer que a forma escrita é também exigida para a “prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente”.

60. Condição
De harmonia com a formulação do art. 270º CC, designa-se por condição “um acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes subordinem “a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução”. Ter-se-á assim, respectivamente uma condição suspensiva ou uma condição resolutiva.
Quanto à condição suspensiva, não há qualquer dúvida: o art. 9º (ao contrato de trabalho pode ser aposta condição ou termo suspensivo, mas a correspondente clausula deve constar de documento assinado por ambas as partes) LCT, admite-a, desde que exarada em documento assinado por ambas as partes.
No que toca à condição resolutiva, a lei é omissa e há que preencher a lacuna pelos meios usuais.
A admissibilidade da contratação a termo incerto, introduzida pelo DL 64-A/89, leva a considerar, no limite, como susceptível de legitimar a aposição de condição resolutiva a ocorrência de situação enquadrável na restrita tipologia do art. 48º DL 64-A/89.

61. A invalidade do contrato de trabalho
A falta de capacidade dos sujeitos e a inidoneidade do objecto, além de outros vícios que tenham afectado a formação do contrato, reflectem-se sobre a sua validade, quer tornando-o nulo quer fazendo-o anulável. A diferença entre as duas sanções consiste em que a primeira é “invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal” (art. 286º CC), ao passo que a segunda só pode ser arguida pelas “pessoas em cujo interesse a lei a estabelece e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento” (art. 287º/1 CC). De resto, “tanto a declaração de nulidade como a anulação têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” (art. 289º/1 CC).
A peculiar natureza do contrato de trabalho introduz, aqui, notáveis especialidades. A LCT, com efeito, nos arts. 15º e 16º, adopta perante o tema posições semelhantes às que, na generalidade dos sistemas, tem inspirado a singular relevância da execução do contrato - isto é, das “relações factuais de trabalho” ou da “incorporação” a que se faz referência.
Do art. 15º LCT decore que, declarado nulo ou anulado o contrato de trabalho:
a) Ele produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução;
b) Produzem efeitos os actos modificativos (mudança de categoria, alteração de salário, etc.) ou extintivos (mútuo acordo, despedimento, rescisão pelo trabalhador) praticados naquele período;
c) Se o contrato foi celebrado com prazo (termo final), as consequências normais da aposição de tal cláusula deixam de se produzir, que interessa sobretudo no respeitante ao regime da cessação do vínculo.
d)
62. O período experimental
A lei considera, experimental o período inicial da execução do contrato de trabalho (art. 44º LCT; art. 55º/2 DL 64-A/89).
A necessidade dessa experiência (ou “período de prova”) existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada. Se há prazo estipulado, é de presumir que a força de trabalho se destine a um objectivo concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função; por outro lado, a própria circunstância de o contrato ter vida limitada, quer dizer, durabilidade restrita, torna menos grave os eventuais desajustamentos que se venham a manifestar. Daí que, na LCT, o período experimental constituísse regra nos contratos sem prazo (art. 44º/1 LCT) e execução nos de duração determinada (art. 44º/2 LCT). Relativamente aos primeiros, poderia ser excluída, por escrito, a experiência; quanto aos segundos, poderia ser estipulada, também por escrito, a existência do período de prova.
Não é, porem assim no actual regime do contrato de trabalho a termo (DL 64-A/89). O período de experiência constitui, regra (art. 43º), embora admitindo-se o seu afastamento por estipulação expressa.

O TEMPO DE TRABALHO

63. A dimensão temporal da prestação de trabalho
A medida da prestação de trabalho faz-se a partir da sua dimensão temporal. Sendo objecto do contrato de trabalho a actividade do trabalhador, trabalhar mais equivale, em regra a trabalhar mais tempo.
A obrigação assumida contratualmente pelo trabalhador incide, antes do mais, na disponibilidade da sua força de trabalho, estado que se prolonga por mais ou menos tempo.
A determinação quantitativa é necessária, desde logo, porque a prestação de trabalho não pode invadir totalmente a vida pessoal do trabalhador: é necessário que, por aplicação de normas ou por virtude de compromissos contratuais, esteja limitada a parte do trabalho na vida do indivíduo, para que se afaste qualquer semelhança com a escravatura ou a servidão. Trata-se, aqui, da necessária limitação da heterodisponibilidade do trabalhador, em nome da liberdade e da dignidade pessoal.
Esta determinação é uma exigência de protecção de vida e da integridade física e psíquica das pessoas que trabalham. Definir o tempo de trabalho é também definir os espaços de repouso e lazer que são necessários para a recomposição de energias e para a salvaguarda da integração familiar e social do trabalhador.
Tais são os fundamentos do direito “a um limite máximo da jornada de trabalho” consagrado no art. 59º/1-d CRP, assim como exigência constitucional da “fixação do nível nacional, dos limites da duração do trabalho” (art. 59º/2-b CRP). Não deixará de se notar como esses preceitos articulam a limitação dos tempos de trabalho com o direito ao repouso e aos lazeres.
A determinação quantitativa da prestação de trabalho relaciona-se, estreitamente com a medida da retribuição. A unidade de cálculo utilizada para a determinação do valor deste é, em regra, uma unidade de tempo (hora, o dia) e a correspectividade que caracteriza as prestações das partes no contrato de trabalho estabelece-se entre um certo período de trabalho (normalmente um mês) e um valor económico (o ordenado, o salário).
Os parâmetros a que obedece a determinação quantitativa da prestação de trabalho, isto é, a definição dos tempos de trabalho a que cada trabalhador está ligado, assumem, assim, um importante significado económico: ela contende directamente com o equilíbrio económico entre as prestações a que as partes se obrigaram pelo contrato de trabalho.
A dimensão temporal da prestação de trabalho de cada trabalhador resulta da conjugação dos seguintes parâmetros:
a) Duração convencionada: que a lei (art. 5º segs. LDT) designa por “período normal de trabalho” (PNT): é o número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar. O período normal de trabalho pode ser fixo (isto é, igual em cada dia e em todas as semanas) ou variável (quer dizer: mais longo numas semanas e mais curto noutras); esta ultima possibilidade, admitida pelo art. 5º/7/8 LDT, depende, em geral, de expressa previsão em convenção colectiva. O período normal de trabalho está legalmente limitado (art. 5º LDT, e art. 1º L 21/96).
b) O período de funcionamento, da organização de trabalho (art. 23º LDT): definido pelas horas de abertura e encerramento diário e pelo dia de encerramento semanal. O período de funcionamento toma a designação de “período de abertura”, quando se trata de estabelecimentos de venda ao público (art. 24º LDT), e a de “período de laboração” no caso de estabelecimentos industriais (art. 26º LDT). Se o período de laboração pretendido for maior do que os períodos normais de trabalho, terão que “ser organizados turnos de pessoal diferentes”, de acordo com certas prescrições legais (arts. 27º e 28º LDT); podem, ainda, ser objecto de autorização administrativa regimes de laboração contínua, ou de laboração administrativa que excedam os limites do art. 26º/2 LDT.
c) O horário de trabalho: que é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho entre os limites do período de funcionamento. Nos termos da lei, cabe ao empregador estabelece-lo, com observância dos condicionamentos legais (art. 1º LDT), no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho. O horário de trabalho compreende não só a indicação das horas de entrada e de saída do serviço, mas também a menção dos dias de descanso semanal e dos intervalos de descanso (art. 10º LDT). Há, que distinguir três noções por vezes confundidas ou misturadas: a de horário flexível, em que estão delimitados períodos de presença obrigatória do trabalhador, mas podendo este, com respeito por esses períodos, escolher, dentro de certas margens, as horas de entrada e saída do trabalho, de modo a cumprir o período normal de trabalho a que está obrigado; a de horário adaptável, que consiste em o empregador ter a faculdade de definir horários (em regra) semanais diferentes de semana para semana, ou de mês para mês, ou com outra pendularidade, de modo a respeitar, num período de referência, um certo número médio de horas de trabalho semanal; e a de isenção de horário de trabalho, figura reservada pela lei para corresponder às características de certas actividades profissionais (art. 13º LDT), e que se traduz na possibilidade, para o empregador, de contar com a disponibilidade do trabalhador sem localização precisa no tempo (sem horário), com a contrapartida de uma remuneração especial (art. 14º LDT).
O período normal de trabalho não pode ser unilateralmente aumentado: ao fazê-lo, o empregador estaria a modificar, por sua exclusiva vontade o objecto do contrato de trabalho no seu aspecto quantitativo.
Mas pode verificar-se diminuição do período normal de trabalho por decisão do empregador, tal diminuição poderá constituir uma decisão de gestão ou resultar de caso fortuito ou de força maior, não podendo implicar, em qualquer destes casos, redução do salário. E poderá, ainda, enquadrar-se no regime estabelecido nos arts. 5º segs. DL 398/83, em que a redução dos períodos normais de trabalho é configurada como medida transitória de emergência, para situações de crise grave da empresa, susceptível de ser decidida pelo empregador no termo de um processo de consultas aos representantes dos trabalhadores. Nesta configuração, a redução do período normal de trabalho tem consequências no plano remuneratório: os trabalhadores afectados deixam de auferir a retribuição normal e entram num regime de “compensação salarial” (arts. 6º, 12º, 13º DL 398/83).

64. Os limites à duração do trabalho
Entre os direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados pela Constituição, conta-se o direito “a um limite máximo de jornada de trabalho” e, ainda, no âmbito das “condições de trabalho (…) a que os trabalhadores têm direito”, a “fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho” (art. 59º/1-d e 2-b CRP).
Nessa linha, a lei estabelece limites à duração diária e semanal do trabalho, os quais devem ser respeitados pelas estipulações individuais, pela organização do trabalho nas empresas e, também, pela regulamentação convencional colectiva.
A Lei 2/91, de 17 de Janeiro, fixou o limite máximo do período normal do trabalho semanal em, 44 horas (art. 1º), limite que veio a ser introduzido na LDT, sob a forma de alteração ao art. 5º, pelo DL 398/91, de 16 de Outubro.
O art. 1º/3 L 21/96 esclarece que a noção de trabalho efectivo implica a “exclusão de todas as interrupções de actividade resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador”.
Para a Lei 21/96, só interessa o trabalho efectivo leva a que não sejam contabilizados, para os efeitos dessa lei, alguns períodos que a L 2/91 contam como tempo de trabalho. Que períodos são esses? São, realmente, tempos de interrupção de trabalho, mas que face à contratação colectiva, ou até aos usos, são tradicionalmente “considerados” tempo de trabalho.
A L 2/91 abriu uma possibilidade nova: a de definição dos períodos normais de trabalho, por convenção colectiva, em termos médios, por referência a certos lapsos de tempo (art. 2º). Essa possibilidade foi, num primeiro momento, regulada no art. 5º/7/8 LDT, introduzidos pelo DL 398/91.
De acordo com esse regime, as convenções colectivas podiam passar a definir a duração normal do trabalho em termos médios, por referência a certo período fixado pela mesma via, estabelecendo a lei, supletivamente, os períodos de referência de três meses.
Os dispositivos de adaptabilidade desenhados pela L 21/96 tomam em conta a maior ou menor amplitude das reduções de horário que as empresa tinham que efectuar de modo a atingir o limite das quarenta horas de trabalho efectivo em 1 de Dezembro de 1997.

65. O trabalho suplementar
O DL 421/83, de 2/12, que, no art. 2º/1, define o trabalho suplementar como sendo “todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho”.
O conceito de trabalho suplementar que o DL 421/83 introduziu é mais amplo que o de trabalho extraordinário; nele cabem todas as situações de desvio ao programa normal de actividade do trabalhador: trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados. Esta agregação linguística de hipóteses típicas não envolve, todavia, a uniformização do seu tratamento jurídico, sobretudo no que respeita à remuneração. O regime do trabalho suplementar é, porém, homogéneo pelo que se refere a alguns aspectos relevantes: os pressupostos da prestação (art. 4º), os limites quantitativos (art. 5º), as condições de formalização (arts. 6º e 10º) e as sanções pela inobservância do condicionamento legal (art. 11º).
A prestação de trabalho suplementar é obrigatória (art. 3º/1 DL 421/83) desde que determinada pelo empregador com fundamento nas situações a que alude o art. 4º e dentro dos limites quantitativos do art. 5º. O trabalhador incorre, assim, em desobediência se, não tendo solicitado expressa e fundadamente a dispensa (art. 3º/1), se recusa a efectuar o trabalho ordenado. Mas a desobediência é legítima quando não se verifiquem os pressupostos indicados no art. 4º ou sejam ultrapassados os limites do art. 5º: estar-se-á perante ordens ilegítimas do empregador, para as quais, aliás, a lei comina sanções (art. 11º).
Quando sejam preenchidos os pressupostos o dever de prestação de trabalho extraordinário, pode ainda o trabalhador libertar-se dele mediante a dispensa a que alude o art. 3º/1 do mesmo diploma – ou seja, através da não existência da prestação por parte do empregador.
A prestação de trabalho suplementar confere ao trabalhador o direito a remuneração acrescida e a descanso compensatório.
A lei (art. 7º/1) estabelece os acréscimos mínimos de 50% (para a primeira hora), 75% (para as horas ou fracções subsequentes) e 100% (para o trabalho prestado em dia descanso ou feriado).
A consagração do direito a descanso compensatório para qualquer tipo de trabalho suplementar constitui inovação importante do DL 421/83.
A isenção de horário de trabalho é, por natureza, uma situação reversível. Constituindo uma facilidade ou benefício para o empregador, que, assim, adquire um meio de dispor flexivamente da força de trabalho em causa, ela pode cessar por sua iniciativa unilateral que, em regra, se exprimirá pela omissão do pedido de renovação anual a dirigir à Inspecção-geral do Trabalho. E, cessando a isenção, cessa também o direito à retribuição especial a que se refere o art. 14º/2 LDT.

66. O trabalho nocturno
Aceitando que a actividade realizada nessas condições é mais penosa do que a diurna, a lei adopta perante ela uma posição que quanto ao principal, pode esquematizar-se assim:
b) Delimitação do período nocturno: entre as 20h de um dia e as 4h dos dias seguinte (art. 29º/1 LDT);
c) Exigência de exame médico prévio aos trabalhadores da indústria destinados a turnos da noite (art. 34º LDT);
d) Proibição de trabalho nocturno, como regra (sujeita todavia a excepções), às mulheres e aos menores (arts. 31º e 33º LDT);
e) Acréscimos de 25% na retribuição desse trabalho (art. 30º LDT).
O regime de trabalho nocturno não é, porem, aplicável a todas as actividades prestadas durante a noite, isto é, entre as 20h de um dia e as 7h do dia seguinte. O art. 1º/1 DL 348/73 de 11/7, assumindo a forma de regra interpretativa do art. 30º LDT, admite a exclusão do acréscimo remuneratório aí previsto nas actividades “exercidas exclusiva ou predominantemente durante esse período” (nas quais, por conseguinte, o trabalho nocturno é normal) e nas que “pela sua natureza ou por força de lei, devam necessariamente funcionar à disposição do público durante o mesmo período”.

67. As faltas ao trabalho
A falta é toda a situação de não-cumprimento do trabalhador ao serviço, isto é, no local e no tempo de trabalho, independentemente do motivo que a determine. Para que haja falta é, pois, necessário que seja inobservado o programa temporal de prestação, isto é, que a não-comparência ocorra numa altura em que deveria ser prestado trabalho.
Nem sempre, por outro lado, a falta constitui uma situação de incumprimento da obrigação de trabalho: o empregador pode, nos termos do art. 23º/2-f DL 847/76, de 28/12, autorizar o prestador a não comparecer em certo dia, exonerando-o assim do dever de prestação quanto a esse período.

68. Modalidades e efeitos
As faltas podem ser justificadas ou injustificadas (art. 23º/1 DL 874/76).
Não basta que exista um motivo forte para não comparecer ao trabalho: é necessário alegá-lo (perante o dador de trabalho) e, porventura, comprová-lo, se tal for exigido (art. 25º/4 DL 874/76). Só se considera justificada, pois, a falta relativamente à qual o trabalhador invoque (e prove, se necessário) um motivo suficientemente importante.
O DL 874/76, consagra, no art. 23º/2, um elenco taxativo de justificações atendíveis, como claramente resulta do n.º 3 do artigo: “são consideradas injustificadas todas as faltas não previstas no número anterior”.
O elenco constante no art. 23º DL 874/76 não compreende a totalidade das situações em que a ausência do trabalho é, legalmente, admitida e, por conseguinte, neutralizada sob o ponto de vista da sua qualificação como incumprimento do contrato.
As situações tipificadas no art. 23º/2 do DL 874/76, são:
a) Casamento, até onze dias seguidos, excluindo os dias de descanso intercorrentes;
b) As motivadas por falecimento do cônjuge, parente ou afins;
c) Exercício de funções em associações sindicais ou afins na qualidade de delegado sindical ou de membro de comissão de trabalhadores;
d) Prestação de provas em estabelecimento de ensino;
e) Impossibilidade de prestar trabalho devido a facto que não seja imputável ao trabalhador, nomeadamente doença, acidente ou cumprimento de obrigações legais, ou a necessidade de prestação de assistência inadiável a membros do seu agregado familiar;
f) Autorização prévia ou posterior autorizadas pela entidade patronal.
A destrinça entre falta justificadas e injustificadas reveste-se ainda de assinalável importância prática, muito embora algo reduzida pelo regime do DL 874/76.
Com efeito, e salvo excepções as faltas justificadas não determinam a perda de retribuição correspondente, nem prejudicam a contagem da antiguidade (art. 26º DL 874/76).
Pelo contrário, as injustificadas têm como consequência a perda de retribuição, o desconto na antiguidade e ainda, em casos graves, uma possível acção disciplinar (art. 27º DL 874/76). Note-se porém, que o DL 874/76 introduziu neste ponto duas inovações significativas: por um lado, tipificar as situações em que as faltas injustificadas preenchem infracção disciplinar (art. 27º/3 DL 874/76); por outro, eliminar a possibilidade da diminuição do período de férias.

69. O direito ao repouso
A Constituição consagra, no art. 59º/1-d, o direito ao repouso e aos lazeres, implicando a limitação da jornada de trabalho, o descanso semanal e férias periódicas pagas. Esta garantia apresenta-se, pelo menos, como bidimensional. Por um lado, ela supõe um direito subjectivo público tendo por objecto a criação, por parte do Estado, de condições favoráveis à recuperação de energias pelos trabalhadores, de um modo geral. Por outro lado, o direito ao descanso desdobra-se num feixe de situações jurídicas subjectivas enquadradas nos efeitos do contrato individual de trabalho, perante as quais o Estado assume, ainda, o papel de garante dos interesses gerais subjacentes a tal garantia constitucional.

70. Descanso semanal
A regra contém-se no art. 51º/1 LCT e é completada por um preceito referente ao caso especial do trabalho por turnos, característico do regime da laboração contínua. Seja qual for o tipo de trabalho, a modalidade de vinculação ou o modo de organização da actividade, o trabalhador tem direito a um dia de descanso por semana. Esse período de repouso deverá cobrir um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às 0 horas e terminado às 24 horas.
A regra é a do descanso dominical (art. 51º/1/3 LCT). Todavia a regra é exposta a desvios.
Do art. 4º/2 DL 421/83, resulta, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal será pago com acréscimo de 100% da retribuição normal, conferindo ainda ao trabalhador o direito ao repouso substitutivo num dos três dias seguintes (art. 9º/3); por outro lado, a prestação do serviço em dia de descanso semanal complementar, conforme resulta da articulação do art. 7º/2 com o art. 9º/1, apenas assegura ao trabalhador a retribuição acrescida de 100% e descanso compensatório em 25%.
O conjunto de preceitos constituído pelo art. 51º/1 LCT e pelo art. 38º LDT evidencia que o pensamento legislativo se configura, em matéria de repouso hebdomadário (semanal), um modelo articulado susceptível de se traduzir deste modo:
a) Consagração de um direito ao descanso semanal com a duração de um dia e a localização normal no domingo;
b) Reconhecimento da possibilidade de, por várias vias, e sob certas condições, ser instituído um período adicional de repouso por semana, com a duração de meio-dia ou um dia completo, com a designação de “descanso complementar”.
O direito ao descanso semanal “prescrito na lei” constitui um elemento essencial das relações de trabalho, como meio de protecção é susceptível de pôr em causa: ele representa, em suma, uma típica corporização do direito constitucional “ao repouso e aos lazeres” (art. 59º/1-d CRP).
Ao invés, o descanso semanal “complementar” apresenta-se como um elemento acidental das relações laborais; ele não se funcionaliza à concepção legal de bens jurídicos carecidos de tutela, mas à fórmula de equilíbrio das posições contratuais das partes.

71. Feriados obrigatórios
São dias em que, por força da lei, deve ser obrigatoriamente suspensa a laboração nas empresas, tendo em vista a comemoração colectiva de acontecimentos considerados notáveis, nos planos político, religioso, cultural, etc. A paragem da prestação de trabalho nesses dias é, pois consequência da suspensão laboral a que as entidades patronais estão adstritas perante o Estado. Em rigor, portanto, não se trata de um verdadeiro direito do trabalhador face à entidade patronal, que se insira no conteúdo da relação individual de trabalho, mas de uma obrigação do empresário relativamente ao Estado, que se articula com um direito subjectivo público dos trabalhadores. Não se está, no âmbito do direito ao repouso, o que se reflecte claramente no regime legal dos feridos obrigatórios. O essencial deste regime encontra-se nos arts. 35º LDT; 18 a 21º DL 874/76; e 7º/2 e 9º DL 421/83.

72. Férias remuneradas
As férias são interrupções da prestação de trabalho, por vários dias, concedidos ao trabalhador com o objectivo de lhe proporcionar um repouso anual, sem perda de retribuição. O incumprimento do dever de atribuir férias onera o dador de trabalho com o pagamento de uma indemnização ao trabalhador (correspondente ao triplo da retribuição normal) e de uma multa (art. 13º DL 874/76).
A aquisição do direito a férias está legalmente conexionado à assunção da qualidade de trabalhador subordinado, o mesmo é dizer à celebração do contrato de trabalho (art. 3º/1 DL 874/76).
Face à redacção do DL 397/91, ao seu art. 3º, a admissão no primeiro semestre confere ao trabalhador o direito aos oito dias úteis de férias, que, todavia só se vencem após 60 dias de trabalho efectivo. Esta última exigência não pode, com efeito, encarar-se como um pressuposto da constituição do direito a férias: ele já existe desde a celebração do contrato. Trata-se, sim, de evitar uma consequência aberrante da configuração do sistema; a possibilidade da existência de férias no início da relação de trabalho, antes da prestação de qualquer actividade.
Assente-se as seguintes ideias básicas:
a) O direito a férias é inerente à qualidade de trabalhador subordinado, assumida pela celebração do contrato;
b) O direito às férias de cada ano pressupõe um ano anterior de vigência do contrato, independentemente da efectividade de serviço;
c) A possibilidade de gozo de férias no ano da celebração do contrato constitui uma solução “social”, que se desvia da coerência interna do regime legal para entender às exigências superiores que estão na base do direito a férias.
O art. 4º DL 874/76 estabelece que “o período anual de férias é de 22 dias úteis” (n.º 1), esclarecendo que “a contagem dos dias úteis compreende os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com a exclusão dos feriados, não sendo como tal considerados o sábado e o domingo” (n.º 5).

LOCAL DE TRABALHO

73. Noção e relevância do local de trabalho
Um dos elementos concretizadores da prestação de trabalho é o local em que ela deve ser executada. Trata-se de um elemento relevante para a situação socio-profissional do trabalhador e, desde logo, para a sua posição contratual; a determinação dele resultará, em princípio, de acordo – muito embora tal acordo se obtenha normalmente por adesão do trabalhador.
O local de trabalho desempenha uma função delimitadora relativamente à subordinação jurídica; é, com efeito, a “dimensão especial” desta última que está em jogo.
O local de trabalho é, em geral, o centro estável (ou permanente) da actividade de certo trabalhador e a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias que a lei lhe reconhece. Assim:
a) O trabalhador não pode, em princípio, ser transferido para outro local de trabalho (art. 21º/1-e, art. 24º LCT). A proibição de transferência para outro local funda-se na necessidade de assegurar estabilidade à posição profissional do trabalhador, com reflexos na sua vida familiar e social.
b) A retribuição deve ser paga no local do trabalho (art. 92º/1 LCT).
c) Em princípio, consideram-se “acidentes de trabalho” os que ocorram “no local e no tempo de trabalho”, e o empregador é responsável perante o trabalhador pelos prejuízos resultantes (art. 19º-c LCT).
d) Por vezes, a lei remete a regulamentação de certos aspectos da relação de trabalho para os usos locais –entenda-se: para os usos exigentes na área ou região em que se situa o local de trabalho.
e) Este releva também quanto à aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva – cujo âmbito é definido nas respectivas cláusulas.
Deste modo, o local de trabalho será o que resulte das estipulações expressas ou tácitas das partes ou, na sua falta, do critério estabelecido na regulamentação aplicável a cada tipo de actividade.

74. A mudança de local de trabalho
O princípio da inamovibilidade consagrado no art. 21º-e LCT comporta desvios – os decorrentes do art. 24º – que, bem vistas as coisas, lhe retiram grande parte do sentido útil.
Na verdade, prevê-se desde logo uma situação em que a mudança do local de trabalho por determinação da entidade patronal, é admitida, sem que o trabalhador possa opor-se-lhe eficazmente: a de mudança, total ou parcial, do estabelecimento em que presta serviço. Nesses casos, a transferência do trabalhador não é mais do que uma sequela prática da deslocação do próprio suporte da prestação de trabalho.
O único meio de resistência à alteração do local de trabalho, consiste na rescisão do contrato (art. 24º/2 LCT). Tal rescisão dará lugar à indemnização fixada no art. 13º/3 DL 64-A/89, “salvo se a entidade patronal provar que a mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador”. Quer dizer: a ordem de transferência seguida de rescisão pelo trabalhador constitui a presunção de que esta última se deve à expectativa de prejuízo sério derivado da mudança, mas essa presunção pode ser ilidida pela entidade patronal, provando que a transferência não é de molde a determinar tal prejuízo.
O local de trabalho é, caracteristicamente, objecto de estipulação no contrato de trabalho. As partes podem dar-lhe a amplitude que quiserem; e, ainda que expressamente o não façam, poderá ser inferido na natureza da actividade, dos comportamentos das partes, e até da regulamentação laboral aplicável, um espaço mais ou menos vasto de mobilidade.

A RETRIBUIÇÃO

75. Significado e função da retribuição do trabalho
A retribuição do trabalho é, um dos elementos essenciais do contrato de trabalho (art. 1º LCT).
Trata-se da principal obrigação que se investe na entidade patronal através do contrato de trabalho, aparecendo como a contrapartida dos serviços recebidos. O salário aparece, pois, à face da lei, ligado por um nexo de reciprocidade à prestação de trabalho

76. Concepções de salário. Sua relevância jurídica
O salário tem reflexos muito importantes na conjuntura económica global: ele repercute-se nos preços, quer pela via dos custos, quer pela do nível de consumo que possibilita.
Quer a concepção do salário como correspectivo da prestação de trabalho, quer a que faz avultar nele carácter de meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador, quer ainda a que sublinha o seu aspecto de dado e instrumento de polícia económica – qualquer delas tem ilustrações claras na legislação portuguesa.
a) O salário como correspectivo
Do ponto de vista jurídico-formal, a retribuição surge como a contraprestação da entidade patronal face ao trabalho efectivamente realizado pelo trabalhador.
Não é, apesar de tudo, exacto que a correspectividade se estabeleça entre a retribuição e o trabalho efectivamente prestado. É a disponibilidade do trabalhador que corresponde ao salário; o trabalhador está, muitas vezes, inactivo porque a entidade patronal não carece transitoriamente dos seus serviços ou o coloca em situação de não poder prestá-los, embora mantendo-se ele disponível e, portanto, a cumprir a sua obrigação contratual.
No conjunto de hipóteses previstas no art. 78º LCT (encerramento temporário do estabelecimento ou diminuição de laboração por facto imputável à entidade patronal ou por razões do interesses desta), em que se englobam as situações caracterizadas por uma impossibilidade temporária da prestação de trabalho criada pela entidade patronal. Embora inactivo, o trabalhador mantém o direito ao salário. E estão abrangidos por esta regra não apenas os casos de encerramento decidido pela entidade patronal, mas também aqueles em que o estabelecimento fecha por motivos que lhe sejam de qualquer modo imputáveis.
b) O salário como meio de satisfação de necessidades
A destinação do salário à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador constitui uma outra perspectiva a que o legislador atribui particular saliência. De resto, o critério legal para a determinação qualitativa da retribuição é largamente tributário desta concepção: ele assenta em ideias de regularidade do seu recebimento pelo trabalhador, ou seja, parte da existência de expectativas deste quanto ao grau de satisfação de necessidade correntes que os rendimentos do trabalho lhe asseguram
Na perspectiva de se correlacionar o salário com as necessidades do trabalhador situa-se o regime da remuneração mínima garantida (DL 69-A/87, de 9-2). Essa regulamentação tem raiz constitucional: o art. 59º/2-a CRP vincula o Estado a estabelecer e actualizar o salário mínimo nacional, “tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida…” A verdade porém é que, não obstante a aparência criada, não pode dizer-se que existe um autêntico “salário mínimo nacional”. O sentido normativo desta noção engloba uma conotação de suficiência que, para ser correspondida, implicaria a correlação com um mínimo de subsistência familiar previamente determinado.
As expressões mais significativas do nexo estabelecido entre a retribuição e as necessidades do trabalhador consistem num conjunto de normas legais que oferece uma especial tutela da integridade dos valores que compõem o salário. Essa tutela aponta mesmo para a limitação dos efeitos normais que a actividade jurídica do trabalhador teria sobre tal parte do seu património. Assim vigora a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos da entidade patronal sobre o trabalhador (art. 95º LCT): a compensação, quando admitida (art. 95º/3 LCT), não pode exceder um sexto do salário. Por outro lado, os créditos salariais são parcialmente impenhoráveis (art. 823º/1 CPC) e também parcialmente insusceptíveis de cessão (art. 97º LCT), aliás em medida idêntica.
Além disso, a retribuição do trabalho beneficia de privilégios creditórios, cuja consistência foi muito melhorada pelo regime legal de protecção dos salários em atraso (Lei 17/86, de 14/6).
Outra manifestação do mesmo modo de encarar a retribuição encontra-se no regime dos salários em atraso, constante do DL 7-A/86, de 14/1, e, mais tarde, da Lei 17/86, de 14/6 trata-se de diplomas integráveis na legislação de emergência produzida.

77. O princípio “a trabalho igual salário igual”
O art. 59º/1-a CRP, estabelece que “todos os trabalhadores”, sem discriminação, têm direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
Afirmam-se, assim, dois princípios respeitantes ao salário: o da equidade e o da suficiência.
Quanto ao princípio da suficiência, sem prejuízo das consequências que resultam da sua inclusão no âmbito do regime dos direitos, liberdades e garantias (art. 18º CRP), é necessário reconhecer-lhe um alcance preceptivo muito reduzido.
O princípio da equidade retributiva que se traduz na fórmula “para trabalho igual salário igual” assume projecção normativa directa e efectiva no plano das relações de trabalho. Ele significa, imediatamente, que não pode, por nenhuma das vias possíveis atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser prestada retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de “trabalho igual”.
O sentido geral do princípio é este: uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização ocupem postos de trabalho “iguais”, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica qualidade. Por outras palavras: salário igual em paridade de funções, o que implica, simultaneamente, identidade de natureza da actividade e igualdade do tempo de trabalho. Assim, a retribuição aparece directamente conexionada à posição funcional do trabalhador na organização: o modo por que ele se insere na concreta articulação de meios através da qual a empresa funcione confere-lhe um certo posicionamento relativo na escala de salários. A uma dada organização de trabalho corresponde uma definida “organização de salários”.
O princípio “a trabalho igual salário igual” tem uma estreita conexão lógica e genética com o da não-discriminação em função do sexo. A diferenciação salarial com base no sexo constitui um fenómeno muito radicado na história da regulamentação do trabalho. Por isso, a moderna produção normativa sobre a paridade retributiva tem sido, sobretudo, centrada na questão da discriminação sexual.
O sentido geral do princípio é: uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização ocupem postos de trabalho “iguais”, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade. (arts. 13º/2 – 59º/1-a CRP; art. 1º LCT).
O preceito constitucional (art. 59º/1-a CRP) consagra, dois princípios distintos e autónomos, ambos tributários da justiça retributiva, mas cada um deles com a sua lógica, e que, no tocante à igualdade retributiva, o factor “qualidade de trabalho” aponta no sentido da relevância das características individuais da prestação, do seu “valor útil” ou do seu “rendimento”.

78. A determinação qualitativa da retribuição
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 82º LCT, será a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada.
A retribuição é, pois, um conjunto de valores, expressos ou não em moeda. Cabe nela o valor de bens que conjuntamente com uma parte pecuniária, sejam entregues pelo empregador, em contrapartida dos serviços obtidos. Prevê-o o art. 91º LCT, acautelando no entanto, que as “prestações não pecuniárias” não ultrapassem metade do total, e se componham de bens destinados à “satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família”.
A segunda nota do critério legal, consiste na obrigatoriedade das prestações efectuadas pelo empregador. Pretende-se afastar as meras liberalidades (art. 88º/1 LCT).
Em terceiro lugar, requere-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento. Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, e por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

79. Os componentes da retribuição
A principal parcela da retribuição é aquela que se designa usualmente por “ordenado” ou “salário” semanal, quinzenal ou mensal, e que, está afectado às necessidades correntes do trabalhador (art. 93º/1 LCT).
A retribuição-base pode ser certa, variável ou mista (art. 83º LCT), sendo certa a “calculada em função do tempo de trabalho” (art. 84º/1 LCT), ou seja, dimensionada por certa unidade de tempo que aliás, pode até nem ser integralmente preenchida por serviço efectivo. A retribuição variável baseia-se no resultado ou rendimento do trabalho, com maior ou menor independência da sua duração.
Ao lado da retribuição, generalizam-se gratificações de diversa natureza (subsídios de natal ou de férias).
O cálculo da remuneração pelo período de férias, e do pertinente subsídio, é justamente feito com base numa ficção de trabalho: dispõe o art. 9º/1 DL 874/76.
O trabalho suplementar, a remuneração acrescida pode ser ou não computada no salário global conforme se verifique ou na regularidade do recurso a horas suplementares de serviços (art. 86º LCT).
O trabalho nocturno, pode ser normal ou suplementar. O trabalho prestado em dia de descanso semanal é uma das modalidades do trabalho suplementar, o acréscimo de remuneração a que dá direito, pelo seu forçoso carácter de excepcionalidade, não parece ter lugar no cômputo da retribuição global.
• Comissão, trata-se de importâncias calculadas sobre o preço de bens ou serviços fornecidos pela empresa, normalmente pela aplicação de taxas ou percentagens pré-determinadas, e que são devidas a trabalhadores com intervenção directa, ou mesmo indirecta, nas vendas correspondentes;
• Diuturnidades, valor do complemento pecuniário a que o trabalhador fica tendo direito desde que atinge aquela antiguidade;
• Abono para falhas, importância fixa para o pagamento simultâneo ao da retribuição-base, que a regulamentação colectiva atribui geralmente aos trabalhadores com funções que impliquem responsabilidade de caixa ou de cobrança.

80. Alteração da estrutura da retribuição
Desde que não resulte modificação, o valor total da retribuição (art. 21º/1-c LCT) a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança de frequência de outro, ou ainda, a criação de um terceiro.
A modificação da estrutura da retribuição traduzir-se-á, em regra, no acréscimo da parte pecuniária fixa, mediante a eliminação de prestações em espécie ou de carácter variável. Esse acréscimo terá que operar-se por aplicação de critérios utilizáveis na determinação quantitativa da retribuição.

81. A determinação quantitativa da retribuição
O julgador deverá (art. 90º/1 LCT), mesmo naquelas condições, fixar o montante da retribuição. Embora indeterminado, o salário é pois sempre tido como determinável.
Estabelece o art. 84º/2 e 3 LCT, que deverá calcular-se a média dos valores correspondentes aos últimos 12 meses e ao tempo de execução do contrato, se inferior; e que a “fixação” da retribuição variável quando não deva praticar-se aquele processo, se fará conforme a regulamentação aplicável ou o prudente arbítrio do julgador.

82. Forma, lugar e tempo do cumprimento
A retribuição deve ser paga, total ou parcialmente, em dinheiro não podendo a parte não pecuniária ser superior à metade do total (art. 91º/1 e 3 LCT). As prestações em espécie que ultrapassam aquele limite, a entidade patronal nem por isso se há-de considerar exonerada do pagamento do valor excedente em dinheiro e o trabalhador pode reclamá-lo por via judicial.
Relativamente à retribuição devida por contrato de trabalho, o seu pagamento deve fazer-se no local de trabalho, ou seja, no estabelecimento ou outro lugar em que o trabalhador presta serviço (art. 92º/1 LCT), é tempo de serviço aquele que o trabalhador gastar por motivo de deslocação para o local onde deverá receber a remuneração, sendo esta remunerável como normal ou suplementar conforme os casos (art. 92º/2 LCT).
O regime do tempo de cumprimento das obrigações salariais abrange não apenas a periodicidade do vencimento (art. 93/1 LCT), mas também a localização do momento em que a retribuição deve ser paga (art. 93º/2 LCT). Este regime pressupõe o princípio da anterioridade da prestação de trabalho em relação ao pagamento da retribuição.

83. A prescrição dos critérios salariais
O art. 38º/1 LCT, fixa um mecanismo de prescrição comum aos crédito do trabalhador e do empregador: eles extinguem-se por prescrição “decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
A regra especial do art. 38º/1 LCT, acaba por condicionar, sob o ponto de vista temporal, a efectivação dos direitos por via judicial, nomeadamente em caso de despedimento. É esta a situação em que, geralmente, emergem créditos importantes do trabalhador.
O prazo do art. 38º LCT, acaba por funcionar como prazo de propositura da acção de impugnação do despedimento.
O que importa (para o início da contagem) é o momento da ruptura da relação de dependência, não o momento da cessação efectiva do vínculo jurídico.

A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

84. Noção
A impossibilidade superveniente temporária da prestação de trabalho, quando não seja imputável ao trabalhador, determina a suspensão do contrato de trabalho. Esta consiste na manutenção do vínculo apesar da paralisação dos seus principais efeitos: desde logo, a obrigação de trabalho, e, nalgumas modalidades, também o dever de retribuir (DL 398/83).
Efeitos gerais da suspensão:
Os efeitos comuns às várias modalidades de suspensão do contrato, e que portanto caracterizam, no essencial, este instituto jurídico, são as seguintes:
f) Garantias do direito ao lugar: o essencial da tutela do direito ao lugar corresponde hoje a uma garantia geral dos trabalhadores.
g) Conservação da antiguidade (art. 2º/2 DL 398º/83): a suspensão do contrato não impede que prossiga a contagem da antiguidade, do ponto de vista jurídico a impossibilidade temporária da prestação de trabalho não determina uma quebra da “continuidade” da relação laboral.
h) Permanência dos deveres acessórios (art. 2º/1 DL 398/83): o trabalhador e o empregador assumem, com a celebração do contrato, obrigações acessórias, algumas das quais independentes da efectiva prestação de trabalho; o trabalhador pode, praticar, na consequência da suspensão actos capazes de prejudicar a empresa incompatíveis com o chamado dever de lealdade.
i) Paralisação dos efeitos do contrato condicionados pela possibilidade da prestação de trabalho efectivo (art. 2º/1 DL 398/83): a suspensão do contrato implica a legítima inexecução da prestação de trabalho – quer dizer, exonerar temporariamente o trabalhador do cumprimento da sua obrigação principal.

85. Suspensão do contrato de trabalho por causa ligada ao trabalhador
No art. 3º/1 DL 398/83, prevê um conjunto de situações surgidas na esfera do trabalhador que determinam a suspensão do contrato, pelo facto de impossibilitarem temporariamente a prestação de trabalho. As características comuns a tais situações são as seguintes:
j) Existência de um impedimento temporário (duração superior a um mês);
k) Ligação desse impedimento à pessoa do trabalhador;
l) Não imputabilidade do impedimento ao trabalhador.
A impossibilidade pode ser meramente subjectiva, isto é, relativa à pessoa concreta do trabalhador.
O carácter temporário da impossibilidade solícita algumas precisões. Por um lado, a lei condiciona o funcionamento da suspensão a que o impedimento tenha duração, certa ou provável, de mais de um mês (art. 3º/2 DL 398/83); há pois, um limite mínimo de transitoriedade, que decerto se explica pela possibilidade da aplicação do regime normal das faltas a situações de impedimento menos prolongado.
As situações capazes de justificar a não comparência ao trabalho determinam a suspensão do contrato se se prolongarem por mais de um mês (art. 26º DL 874º/76).
Exige a lei que a situação impeditiva não seja imputável ao trabalhador, caso contrário, estar-se-ia perante a situação de incumprimento culposo, cujos efeitos, são diferentes.
Outra situação atípica é a de suspensão do contrato de trabalho por decisão unilateral do trabalhador. Trata-se de uma opção oferecida pela lei (arts. 3º e 4º Lei 17/86) aos trabalhadores afectados pela falta de pagamento total ou parcial da retribuição devida, por causa que não lhe seja imputável; a particularidade fundamental do regime aplicável a esta situação consiste no acesso do trabalhador ao subsídio de desemprego (art. 7º/1 Lei 17/86).
O DL 398/83, ao dispor que se mantêm “os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho” (art. 2º/1 DL 398/83); e esta regra surge incorporada no regime geral da suspensão, o que, nomeadamente, implica a exoneração do débito retributivo do empregador em todas as situações contempladas pelo diploma, incluindo as que nasçam de factos inerentes ao empregador ou à empresa.
Assente-se que a suspensão por impedimento do trabalhador implica a cessação do crédito salarial.

86. Suspensão do contrato de trabalho por facto ligado à empresa
m) A impossibilidade da prestação de trabalho pode, ter base voluntária;
n) Não é forçoso que à suspensão de trabalho corresponda aqui a interrupção do pagamento do salário;
o) A própria cessação da impossibilidade depende objectivamente de uma atitude positiva do empresário, sem a qual a suspensão, pelo menos em certos termos, deverá subsistir.
Ä Encerramento por facto imputável à entidade patronal ou por razões de interesse desta
São de incluir nesta modalidade situações muito diversas, desde as resultantes de decisão unilateral do empresário até às que são determinadas por decisão da autoridade pública, nomeadamente em resultado da prática de delitos antieconómicos ou contra a saúde pública.
A circunstância de a impossibilidade ser determinada, por impedimento imputável à entidade patronal explica que não basta a mera cessação deste, ou a sua conversão em definitivo, para que a impossibilidade se tenha por levantada ou, também definitiva.
Ä Encerramento temporário por caso fortuito ou de força maior
Os conceitos de caso fortuito e de força maior devem sofrer, nesta sede, uma acomodação no sentido restritivo. Encarados meramente na sua função negativa em relação à culpa, não permitem explicar que sejam objecto da cobertura legal estabelecida para as situações em que o encerramento é subjectivamente imputável à entidade patronal, outras hipóteses em que a culpa está ou pode estar ausente: aquelas em que a interrupção da laboração é devida apenas a razões de “interesse” do empregador.
Ä Suspensão de contratos de trabalho em situações de crise empresarial
A lei prevê uma forma atípica de suspensão do contrato de trabalho por razões ligadas à empresa. Trata-se do expediente consagrado nos arts. 13º segs. DL 398/83: o empregador pode, com observância de certas exigências processuais (arts. 14º e 15º DL 398/83), suspender contratos de trabalho “desde que, por razões conjunturais de mercado, motivos económicos ou tecnológicos, ou catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, tais medidas se mostrem indispensáveis para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho (art. 5º/1 DL 398/83). O carácter atípico desta modalidade de suspensão resulta, em primeiro lugar, do facto de não pressupor a impossibilidade material da prestação de trabalho; conexamente, a suspensão adquire uma feição individualizada e selectiva (art. 14º/4-b DL 398/83) que a distingue bem das consequências de encerramento temporário, em terceiro lugar, a atipicidade ressalta ainda do facto de, não obstante a iniciativa do empregador e o carácter gestionário da medida, a lei escolher aqui, como ponto de partida, a solução adoptada para os casos de impedimento do trabalhador: cessação do crédito remuneratório deste, substituindo-se-lhe uma prestação de carácter misto, a chamada “compensação salarial” (art. 12º DL 398/83).
Cada trabalhador abrangido fica, inactivo na empresa porque o empregador o considera excendentário, mas pode exercer actividade profissional fora da empresa (art. 6º/1-c DL 398/83), desde que o comunique ao empregador (art. 7º/1-b DL 398/83).
A suspensão dos contratos de trabalho, nesta modalidade, não têm duração indefinida: ela pode prolongar-se, no máximo, por ano e meio (art. 16º/1 a 3 DL 398/83), após o que os contratos retomam plena eficácia (art. 16º/5 DL 398/83).

87. Redução da laboração
A diminuição da laboração consiste numa contratação da actividade da empresa ou estabelecimento que se reflecte, no plano individual, pela redução do período normal de trabalho praticado, quer mediante a subtracção de uma ou mais horas do período diário, quer através da eliminação de um ou mais dias de trabalho por semana (art. 5º/2 DL 398/83). Trata-se de uma vicissitude da relação individual de trabalho que dimana de um estado anómalo da organização produtiva no seu conjunto ou apenas nalguma das suas partes. A diferença consiste em que, na redução, não ocorre obviamente o encerramento da empresa ou unidade produtiva, mas apenas uma alteração quantitativa do seu funcionamento.
A redução de laboração e o consequente encurtamento dos períodos normais de trabalho pode resultar de decisão unilateral do empregador, de acordo entre este e os trabalhadores e, ainda de determinação administrativa em certos termos:
a) Normalmente, a redução é decidida pela entidade patronal, como reacção a certas situações da vida da empresa;
b) A diminuição da laboração, com a inerente redução dos períodos de trabalho pode também resultar de acordo entre o empregador e os trabalhadores ao seu serviço, quer por via colectiva, quer sobretudo, por via individual. O acordo destinar-se-á justamente a tornar possível a redução proporcional dos salários (art. 21º/1-c LCT).
c) Há que considerar as hipóteses de redução contempladas pelo DL 398/83, em alternativa à suspensão do contrato, é que envolvem a diminuição dos ganhos dos trabalhadores abrangidos (art. 5º segs. DL 398/83).
A situação de pré-reforma (DL 261/91) tem que fundar-se em acordo escrito de que constem as condições concretas em que passarão a desenvolver-se as relações entre as partes.

A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

88. Significado e alcance do regime da cessação do contrato de trabalho
A cessação do contrato de trabalho tem consequências bastante mais consideráveis na esfera do trabalhador do que na do empregador. Só quanto ao primeiro se pode dizer que o vínculo é o suporte dum estatuto económico, social e profissional, dado que o trabalhador empenha nele a sua força de trabalho e condiciona por ele, em regra, toda a sua esfera económica. A ruptura do contrato de trabalho significará, deste modo, para o trabalhador, o termo de uma posição global a que se ligam necessidades fundamentais; e de modo algum seriam pertinentes, em geral, preposições idênticas acerca da situação do empregador.

89. A revogação e a caducidade
p) Revogação por acordo das partes
A revogação por acordo das partes, sempre possível, mesmo que tenha sido estipulada certa duração para o contrato de trabalho, trata-se, no entanto de um negócio formal: a lei exige documento escrito e assinado por ambas as partes (art. 8º/1 DL 64-A/89).
A revogação do contrato de trabalho opera a desvinculação das partes sem, envolver quaisquer outras consequências, nomeadamente patrimoniais. Quer isto dizer que, actuando a revogação apenas para o futuro, não há lugar a indemnizações e compensações previstas para os casos de despedimento propriamente dito, mas nem por isso ficam inutilizados os créditos e débitos existentes entre os sujeitos por virtude da execução do contrato revogado.
O art. 8º/4 DL 64-A/89, prevê a hipótese de ser estabelecida “uma compensação pecuniária de natureza global” e faz assentar nela a presunção de “que naquela foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação!”.
q) Caducidade
No art. 4º DL 64-A/89, prevê-se a caducidade do contrato de trabalho. E a caducidade é, muitas vezes, apresentada como a cessação “automática” do vínculo, visto que opera sem que seja necessária manifestação de vontade nesse sentido: basta a ocorrência de certos factos ou situações objectivas.
O “automatismo” da caducidade é, porém, uma noção destituída de rigor. No processo pelo qual o contrato de trabalho “caduca” intervêm sempre de uma maneira ou de outra, “motivos vários” que se exprimem através de declarações ou manifestações com carácter para-negocial.
Se o contrato tem termo, já se sabe que não basta a mera verificação deste. Tratando-se de termo certo, é necessário um comportamento declarativo da entidade empregadora, a comunicação da vontade de não renovar o contrato (art. 46º/1 DL 64-A/89). Se o termo for incerto, cabe ao empregador comunicar ao trabalhador a sua “verificação” (art. 50º/1 DL 64-A/89).
Também a hipótese contemplada no art. 4º-b DL 64-A/89, contraria a ideia de cessação automática, mormente se esse preceito for conjugado com o disposto no art. 16º DL 64-A/89.
A reforma, trata-se de velhice ou de invalidez, o facto de o direito à pensão nascer no quadro de uma relação basicamente bilateral torna necessária, pelo menos, uma informação ao empregador para que a causa de cessação do contrato possa operar.
Ocorrendo o conhecimento, por ambas as partes, da obtenção da reforma, a sequência pode processar-se de duas maneiras:
a) O empregador, o trabalhador, ou ambos decidem por termo, num dos trinta dias subsequentes, à relação factual de emprego, e o contrato cessa nesse momento, ficando as partes definitivamente desvinculadas;
b) O trabalhador permanece ao serviço do empregador no termo do trigésimo dia subsequente, e o contrato originário cessa, surgindo no seu lugar um contrato a prazo de seis meses (art. 5º/1 DL 64-A/89).
O art. 6º DL 64-A/89, regula as situações de caducidade dos contratos de trabalho, por morte do empregador em nome individual e por extinção da entidade colectiva empregadora.

90. O despedimento individual em geral
O poder de despedir livremente constitui, ao mesmo tempo, uma expressão típica e um instrumento operatório indispensável dessa concepção da empresa. A posição de supremacia do empregador afirma-se, fundamentalmente, com base na possibilidade de fazer cessar, em qualquer momento e por qualquer motivo, o vínculo jurídico que constitui o suporte da subsistência do trabalho, e consolida-se com a afirmação do carácter “fiduciário” e “pessoal” da relação de trabalho, a partir do qual se opera a “subjectivação” do despedimento.
Existem condições normativas definidoras de um sistema tendente à “estabilidade real”. Só aí a invalidação do despedimento ilícito acarreta a reintegração do trabalhador em termos que a fazem depender, exclusivamente, da vontade deste. Mas a efectividade do mecanismo depende, de modo vital, da celeridade do processo de impugnação do despedimento, perante uma justiça lenta, a própria força das circunstâncias se encarregará de esvaziar de sentido útil a hipótese de readmissão. Quando o despedimento for invalidado ou tornado ineficaz, o retorno à situação anterior não convirá sequer, porventura, ao próprio trabalhador.
A) Mecanismos de despedimento
A lei (DL 64-A/89), contempla duas formas de despedimento:
a) O despedimento disciplinar (arts. 9º segs. DL 64-A/89), requerendo processo disciplinar (art. 10º DL 64-A/89).
b) Despedimento individual por causa objectiva, designado na lei pela expressão “cessação do contrato de trabalho por extinção de postos de trabalho” (arts. 26º segs. DL 64-A/89; ele é configurado como uma decisão da entidade empregadora (art. 30º/1 DL 64-A/89) que deve ser precedida de um conjunto de comunicações (art. 28º DL 64-A/89; DL 400/91).
B) Conceito de legal de justa causa
A exteriorização do fundamento da decisão de despedir é condição da eficácia da declaração em que o despedimento se traduz.
O art. 53º CRP, declara “proibidos os despedimentos sem justa causa”.
A existência (e invocação) de uma “justa causa”, é condição substancial de validade do despedimento.
O conceito de “justa causa”, não obstante a elasticidade que lhe é própria, corresponde, no ordenamento jurídico português, a um certo tipo de juízo normativo material, com a sua plasticidade mas também com as suas fronteiras. É o que ressalta, com segurança, da consideração de uma alargada tradição legislativa em que avulta a fixidez dos elementos essenciais do critério de valoração e decisão a que a “justa causa” se reconduz.
A determinação da modalidade das consequências a ter em conta obedece, a dois vectores básicos:
a) É necessária uma apreciação em concreto, de modo a que a resolução do contrato seja um imperativo “prático” e não o produto de um juízo de abstracta adequação entre tipo de causa e tipo de consequência.
b) É necessário que dessa apreciação decora a verificação de uma “impossibilidade prática”, isto é, da inexigibilidade, nas circunstâncias concretas, do prosseguimento da relação laboral.
A concepção constitucional da justa causa será, configurável em termos de abranger toda e qualquer situação capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.
No art. 9º/1 DL 64-A/89, está-se perante uma definição de “justa causa disciplinar”, cobrindo as situações em que o despedimento surge como sanção imposta pela gravidade externa do comportamento do trabalhador.
Trata-se, do despedimento-sanção, assente num juízo de censura sobre a conduta pessoal do trabalhador.
O art. 27º DL 64-A/89, estabelece para a admissibilidade da “cessação do contrato de trabalho para a extinção de postos de trabalho, não abrangida por despedimento colectivo”.
A atendibilidade de uma tal motivação depende de vários requisitos (art. 27º/1 DL 64-A/89), entre os quais cabe salientar a inexistência de culpa do empregador ou do trabalhador e a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho.
Em geral, a justa causa corresponde a uma situação de impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.
“Haverá justa causa quando a permanência do despedimento seja de decidir mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato. Deve-se pois proceder a uma análise diferencial dos interesses em presença, análise essa que será feita em concreto, de acordo com a parificação real das consequências contrastantes das duas partes”.
C) Os efeitos da ilicitude do despedimento
É o conjunto dos efeitos da declaração judicial de ilegalidade do acto de ruptura do vínculo pelo empregador.
Esses efeitos são indicados pelo art. 13º DL 64-A/89 e pretendem corresponder ao tratamento normal da invalidade do negócio jurídico (art. 289º/1 CC): recomposição do estado de coisas que se teria verificado sem a prática do acto.
Assim, a entidade empregadora deverá pagar ao trabalhador o valor das retribuições correspondentes ao período entre o despedimento e a sentença – aquilo que ele “ganharia” se o contrato subsistido – e reintegrá-lo com a categoria e a antiguidade devidas.
A lei oferece ao trabalhador ilegalmente despedido a faculdade de escolher o destino do vínculo a partir da sentença, visto que o período anterior a esta fica necessariamente coberto pela repristinação que o art. 13º/1-a DL 64-A/89, determina.
E a opção será feita entre dois termos: reintegração ou indemnização de antiguidade. Esta última implica a extinção “definitiva” do vínculo por vontade do trabalhador, após uma operação repristinatória que só ficticiamente o teria feito “renascer”.
D) As medidas contra a dissimulação do despedimento (lei 38/96)
As exigências legais para a validade e eficácia do despedimento em qualquer das suas modalidades, dizem respeito, por um lado, à motivação ou justificação da ruptura do vínculo e, por outro, à forma e ao processo, a observar na consumação dessa ruptura. O conjunto de tais condições leva a que um despedimento seja uma decisão complexa, caracterizada por algum risco e evolvendo uma certa demora entre a sua adopção e o efeito prático pretendido.

91. O despedimento disciplinar
A cessação do contrato de trabalho, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência a justa causa consiste exactamente nessa situação de invalidade do vínculo, a determinar em concreto (arts. 10º/9 e 12º/5 DL 64-A/89) através do balanço de interesses.
O art. 9º/2 DL 64-A/89, contém ainda uma lista de situações que “constituirão nomeadamente justa causa”.
A existência de uma situação susceptível de constituir justa causa disciplinar não autoriza despedimento imediato. É necessário que o empregador proceda à averiguação do ocorrido, ouça o que o trabalhador arguido tiver a alegar em sua defesa, colha testemunhos e outros meios de prova, consulte os restantes trabalhadores da empresa, pondere com alguma detença as circunstâncias do caso e a decisão a tomar. É necessária, a efectivação de um procedimento disciplinar (art. 10º DL 64-A/89).
A suspensão do despedimento
A lei faculta ao trabalhador um meio excepcional de oposição à eficácia da decisão de despedimento (art. 14º/1 DL 64-A/89): esta declaração do Tribunal tem o alcance de, apesar de proferido o despedimento, manter a vinculação entre as partes até que venha a ser decidida a respectiva acção de impugnação. Assim, o salário continua a ser devido durante o período de suspensão.
Trata-se de uma providência cautelar destinada a salvaguardar a utilidade da impugnação judicial do despedimento, dentro da perspectiva em que a nossa lei se coloca: a de nulidade do despedimento pode conduzir à plena restauração do vínculo laboral (art. 13º/1 DL 64-A/89).

92. O despedimento por justa causa objectiva
A) O despedimento por extinção do posto de trabalho
No que toca ao fundamento, apresenta, uma fisionomia híbrida: cruzam-se nela características do despedimento por justa causa e do despedimento colectivo.
Do primeiro, sobretudo foi absorvido o critério de aferição da legitimidade do motivo de ruptura: o art. 27º/1-b DL 64-A/89, exige que “seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Do despedimento colectivo, proveio o tipo de enunciado que a lei emprega para definir a natureza do motivo invocável (art. 26º/1 DL 64-A/89).
As exigências processuais que a lei formula para esta modalidade de ruptura do contrato de trabalho traduzem-se numa série de diligências preparatórias de uma decisão unilateral que pertence ao empregador (art. 30º/1 DL 64-A/89).
Trata-se de um processo de informação e consulta que, todavia, não implica efectiva limitação da liberdade de decisão do empregador. Trata-se de uma modalidade de despedimento sujeita a aviso prévio – ou melhor, condicionada por uma dilação que é de sessenta dias (art. 21º DL 64-A/89). Esse prazo destina-se, sobretudo a possibilitar ao trabalhador a obtenção de outro emprego (art. 22º/1 DL 64-A/89).
Tem a mesma origem (art. 23º/1 DL 64-A/89) a atribuição, ao trabalhador despedido, de uma compensação pecuniária calculada nos moldes de indemnização com a realização desta atribuição patrimonial dois efeitos manifestamente atípicos. Em primeiro lugar, o pagamento da compensação é condição de validade do despedimento (art. 32º/1-e DL 64-A/89). Depois, o recebimento da compensação pelo trabalhador “vale como aceitação do despedimento”.
B) O despedimento por inadaptação ao posto de trabalho (DL 400/91)
A consagração desta “justa causa” corresponde a um desígnio de flexibilização na gestão de recursos humanos, face às exigências do desenvolvimento tecnológico que condiciona a competitividade das empresas.
Exige-se que a situação gerada por inadaptação tome imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art. 2º/1 DL 400/91). A constatação desta impossibilidade está legalmente condicionada por uma série de diligências precisas do empregador, nos termos do art. 3º/1 DL 400/91, é necessário que este:
r) Faculte ao trabalhador uma acção de formação profissional adequada ao seu ajustamento às modificações tecnológicas efectuadas;
s) Lhe conceda um período suficiente de adaptação, que será, no mínimo, igual a metade das horas da formação ministrada (art. 3º/3 DL 400/91);
t) Procure oferecer-lhe outro posto de trabalho compatível com a qualificação profissional.
As regras processuais a observar nesta modalidade de despedimento seguem um modelo idêntico ao que o DL 64-A/89, estabelece para a extinção do posto de trabalho.
Trata-se também de um processo de informação e consulta, através do qual se pretende incorporar no processo decisório contributos do trabalhador visado e da estrutura representativa dos trabalhadores da empresa (arts. 4º/1; 5º DL 400/91).
O despedimento por inadaptação do trabalhador está sujeito a uma dilação nos mesmos termos que o despedimento individual por extinção do posto de trabalho e o próprio despedimento colectivo (art. 7º DL 400/91).

93. O despedimento colectivo
É regulado pelos arts. 16º segs. DL 64-A/89. Tal expediente caracteriza-se por dois traços essenciais: primeiro, o de abranger uma pluralidade de trabalhadores da empresa; segundo, o de a ruptura dos contratos respectivos se fundar em razão comum a todos eles. O motivo ou fundamento invocado pelo empregador é o elemento unificante que reconduz a cessação daquela pluralidade de vínculos a um fenómeno homogéneo, regulado pela lei em bloco.
A lei oferece, no art. 16º DL 64-A/89, uma noção de despedimento colectivo: trata-se da cessação de contratos de trabalho, “operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, que abranja, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate respectivamente de empresas com dois a cinquenta ou mais de cinquenta trabalhadores, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma ou várias secções ou redução do pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais”.
O despedimento colectivo supõe a observância de um processo de informação e consulta entre a entidade empregadora e a estrutura representativa dos trabalhadores, a partir de uma comunicação inicial da intenção de despedir e dos seus fundamentos (art. 17º DL 64-A/89).

94. Cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador
Dispõe o trabalhador de uma via ordinária de desvinculação: a rescisão com aviso prévio (art. 38º DL 64-A/89).
Em qualquer momento, pode o trabalhador obter a cessação do contrato, independentemente da invocação de motivo, contanto que avise a entidade patronal com certa antecedência (aviso prévio), art. 38º/1 DL 64-A/89.
A segunda via de desvinculação utilizável pelo trabalhador respeita a situação anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo – isto é, pelo período fixado para o aviso prévio (art. 34º DL 64-A/89).
O DL 64-A/89, desempenha também no domínio da rescisão pelo trabalhador uma diferenciação entre justa causa subjectiva (culposa) e justa causa objectiva (não culposa). É o que resulta do confronto entre os ns.º 1 e 2 do art. 35º DL 64-A/89: o primeiro contém situações de comportamento culposo do empregador, o segundo arruma hipóteses em que a culpa do empregador está ausente.
A liberdade de desvinculação do trabalhador é e deve ser absoluta, em certo sentido: justamente no de que não pode ser-lhe imposta a subsistência de um vínculo por ele não mais desejado. O elemento pessoalidade, que só pode considerar-se característico da posição assumida pelo trabalhador com base no contrato, actua aí no sentido da eliminação de qualquer obstáculo legal à eficácia da vontade desvinculatória por ele manifestada.
A lei constrói a figura do abandono do trabalho (art. 40º DL 64-A/89) sobre um certo complexo factual, construído pela ausência do trabalhador e por facto concludentes no sentido da existência da “intenção de o não retomar” (art. 40º/1 DL 64-A/89).

95. Pacto de não concorrência
No âmbito do seu dever de lealdade, não pode o trabalhador, negociar por carta própria ou alheia em concorrência com a entidade patronal (art. 20º/1-d LCT).
O pacto de não concorrência é expressamente admitido pelo art. 36º/2 LCT, desde que a sua duração não ultrapasse três anos e se verifiquem cumulativamente certas condições.
a) Constar tal cláusula, por forma escrita do contrato de trabalho;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo a entidade patronal;
c) Atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade, que poderá sofrer redução equitativa quando a entidade patronal houver despendido somas avultadas com a sua formação profissional.



AS RELAÇÕES COLECTIVAS DE TRABALHO

AS DIMENSÕES COLECTIVAS DO DIREITO DO TRABALHO
AS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS
AS ASSOCIAÇÕES PATRONAIS
AS COMISSÕES DE TRABALHADORES
A NEGOCIAÇÃO COLECTIVA: NOÇÕES E PRINCÍPIOS GERAIS
AS BALIZAS DA NEGOCIAÇÃO COLECTIVA
O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO
A EFICÁCIA DA CONVENÇÃO COLECTIVA
OS PROCESSOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
OS MEIOS DE LUTA LABORAL





AS DIMENSÕES COLECTIVAS DO DIREITO DO TRABALHO

96. O Direito Colectivo do Trabalho: objecto e características gerais
Os fenómenos colectivos laborais não são encarados pelo Direito somente como origem de normas. O ordenamento jurídico não se limita, perante tais fenómenos a receber ou incorporar os padrões normativos produzidos pela conformação de grupos sociais animados de pretensões opostas. Primeiro, porque o direito se não pode desinteressar da validade ou genuidade social dos processos por que tais normas são geradas. Segundo, porque a preservação da integridade do ordenamento jurídico global implica que sejam enquadrados em formas institucionais os processos sociais baseados na força relativa dos grupos. Terceiro, porque os conflitos de interesses colectivos envolvem, ou podem envolver, situações mais ou menos graves de prejuízo para a satisfação de necessidades colectivas, quando não prenunciam crises generalizadas. O Direito do Trabalho incorpora hoje, na generalidade dos sistemas, um corpo de normas reguladoras das formas de organização de interesses colectivos e dos processos e instrumentos da acção colectiva. A esse corpo de normas se aplica doutrinalmente o rótulo de Direito Colectivo do Trabalho.
Ele exprime, desde logo, uma intervenção reguladora do Estado sobre o modo que se desenvolvem as relações e actividades desses grupos.

97. A autonomia colectiva
É a capacidade reconhecida pelo Estado a certos grupos sociais organizados de emitirem, por um processo próprio de expressão de confronto entre os interesses colectivos correspondentes, normas que simultaneamente constituem fórmulas de equilíbrio entre estes interesses e padrões de conduta para os membros dos mesmos grupos nas suas relações individuais. É assim que o art. 56º/3 e 4 CRP, confere às associações sindicais competência para “exercer o direito de contratação colectiva”, deferindo-se no n.º 4, para a lei o encargo de estabelecer “as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas”.
O bom entendimento da noção de autonomia colectiva pressupõe uma visão clara de que sejam interesses colectivos, profissionais, sobretudo em confronto com os interesses particulares de cada trabalhador e cada empregador.

98. Noção de “relação colectiva de trabalho”
Relação colectiva de trabalho é a relação jurídica que se estabelece entre dois grupos, respeitantes, de dadores de trabalho e de prestadores de trabalho, sindicalmente representados, ou entre um empresário e um sindicato de trabalhadores, para regular as condições de trabalho dos sócios representados e o comportamento dos próprios grupos em ordem às relações individuais de trabalho consideradas ou aos interesses colectivos dos mesmos grupos.
A noção de relação colectiva, embora por certo enquadrável num conceito amplo de relação jurídica, não assenta numa criação do Direito mas sim basicamente, numa realidade sociológica que o Direito recebe qua tale. O facto que gera não é, normalmente, um acordo mas um acto colectivo unilateral ao qual pode suceder-se, não o consenso, mas a oposição e o conflito. A verificação de tais actos unilaterais gera desde logo deveres de conduta, como, resulta do art. 22º/1 DL 519-C1/79. E o acordo que venha a atingir-se não origina, primariamente, obrigações para os sujeitos colectivos mas sim, normas endereçadas aos trabalhadores e aos empregadores pertencentes às categorias abrangidas.

99. A perspectiva das “relações industriais”
“O conjunto de normas que regulamentam o emprego dos trabalhadores; assim como os diferentes métodos através dos quais essas normas são estabelecidas e podem ser interpretadas, aplicadas e modificadas; métodos colhidos e aceites pelos actores que em tais relações interagem, com base em processos nos quais podem encontrar-se graus diversos de cooperação e de conflitualidade, de convergência e de antagonismo”.

100. A concertação Social
Trata-se de negociações, ou debates conjuntos, entre o Governo, as confederações sindicais e as confederações patronais, sobre temas como salários, política de emprego, dispositivos de protecção social, controlo de inflação, condições de melhoria da competitividade das empresas e da economia.
Tem reconhecimento constitucional (arts. 56º/2-d; 92º/1 CRP) e enquadramento institucional próprio: a Comissão Permanente de Concertação Social, integrada no Conselho Económico e Social.
A Concertação Social é, um mecanismo auto-regulador, através do qual as organizações de cúpula, representativas dos trabalhadores, participam, com intensidade variável, nos processos de decisão que cabem na competência do Governo.

AS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS

101. O sindicalismo: sentido, fundamentos, modelos
Numa perspectiva marcadamente psicossociológica, pode encarar-se o movimento sindical como um fenómeno e condicionado pelo sentimento de revolta decorrente da frustração e da inadaptação do trabalhador ao ambiente; pela nascença de uma “interpretação comum da situação social” e de um consequente “programa de acção comum para a melhorar”, potenciada pelo “temperamento” dos líderes e dos membros do grupo; e pelo sentimento de “comunidade moral e psicológica” entre homens ligados a uma tarefa comum, contra a automização social e a insegurança económica decorrentes da mecanização do trabalho.
A Constituição no art. 55º/1, considera a liberdade sindical dos trabalhadores “condição e garantia da construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses”, enumera, no art. 56º, “direitos das associações sindicais”, que correspondem, sobretudo, a funções participativas em diversos domínios e instâncias. Acresce-lhes o exercício do “direito de contratação colectiva”.

102. A liberdade sindical
Dispõe o art. 55º/1 CRP: “é reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia de construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses”. É a consagração de um princípio fundamental do direito Colectivo, pressuposto da autonomia colectiva e condição fundamental de defesa genuína e eficaz dos interesses dos trabalhadores.
A liberdade sindical é uma liberdade individual, por cada trabalhador é livre de participar na constituição de um sindicato, e de se tornar, ou não, sócio de um existente, ou ainda de deixar de ser sindicalizado. Mas é também uma liberdade colectiva: o conjunto dos trabalhadores organizados em sindicato é livre de o estruturar, de regular o seu funcionamento, de eleger e destituir os seus dirigentes, de associar o sindicato a outros em federações ou uniões, de definir as formas e as finalidades da acção colectiva.
O direito à greve “é um prolongamento necessário da liberdade sindical e da negociação colectiva”, o seu exercício constitui, uma relevante modalidade da acção sindical. Trata-se de um direito dotado de tutela autónoma nos ordenamentos nacionais que o reconhecem, e que não está expressamente contemplado em convenção da Organização Internacional de Trabalho.
O reconhecimento constitucional da liberdade sindical envolve um conjunto de garantias que reflecte o essencial das grandes orientações apontadas pelos diplomas internacionais. Pode-se neste domínio, distinguir um feixe de direitos e liberdades individuais de cada trabalhador e um complexo de direitos e liberdades colectivos atribuídos às associações sindicais propriamente ditas, e dos quais ressalta, primordialmente, o reconhecimento da autonomia sindical.
No tocante aos aspectos individuais da liberdade sindical o art. 55º CRP, refere:
a) A liberdade de constituição de sindicatos;
b) Liberdade de inscrição.
A liberdade sindical negativa, tem o fundamental alcance de uma defesa contra discriminação. O art. 37º DL 215-B/75, proíbe e fere de nulidade “todo o acordo ou acto” que subordine o emprego à filiação ou não filiação sindical ou conduza ao despedimento, transferência ou outra desvantagem para o trabalhador pelo mesmo motivo.
A liberdade sindical positivo por seu turno não pode considerar-se irrestrita. Ela admite, duas importantes limitações:
• A proibição da dupla inscrição, que resulta do art. 16º/2 DL 215-B/75, e, muito embora não conste da Constituição, não carece que conflitue com esta, desde que respeite certos limites;
• A segunda limitação localiza-se no âmbito categorial e geográfico de cada associação sindical, conforme os estatutos.
Mas a liberdade positiva de inscrição pode funcionar ainda, de certo modo, contra o próprio sindicato. Nesta acepção, ele significa que o trabalhador não pode ver recusada a sua inscrição por razões que não decorram da lei ou dos estatutos da associação sindical por ele escolhida.
No plano das projecções colectivas da liberdade sindical convém atentar nas seguintes:
a) A liberdade de organização e regulamentação interna (art. 10º/4 DL 215-B/75): esta liberdade manifesta-se na elaboração dos estatutos, e também na emissão de regulamentos internos e na independência da gestão face a qualquer tutela externa. Acha-se constitucionalmente condicionada pelos “princípios da organização e de gestão democráticas” (art. 55º/3 CRP).
b) O direito do exercício da actividade sindical na empresa: o art. 55º/2-d CRP, não faz mais do que acolher uma realidade que já estava perfeitamente radicada (arts. 25º e 33º DL 215-B/75).
c) A autonomia e autotutela colectivas: o “direito de contratação colectiva” é exercido através das associações sindicais (art. 56º/3 CRP).
Este direito é, também, uma liberdade em que se torna possível distinguir duas faces: a liberdade de iniciativa negocial, que se exerce mediante decisões referentes à oportunidade ou necessidade das pretensões a prosseguir por via contratual; e a liberdade de estipulação, no que respeita à definição dos conteúdos acordados.

103. O estatuto jurídico dos sindicatos
Na definição do art. 2º DL 215-B/75, o sindicato é uma “associação permanente de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais”.
Trata-se de uma associação que se identifica pela condição de trabalhadores dos seus membros. Resulta da definição constante no art. 2º-a DL 215-B/75, restringe o conceito aos trabalhadores em regime de subordinação jurídica, isto é, utiliza o critério delimitador da legislação do trabalho.
A “categoria sindical”, pode corresponder a um conjunto de categorias profissionais (funções) integráveis num mesmo género de actividade laboral (profissão) – e ter-se-á um sindicato horizontal ou de profissão –, ou inseridas num mesmo ramo de actividade empresarial – e estar-se-á perante um sindicato vertical, de indústria ou de ramo.
O sindicato é, uma associação com fins específicos, pré-determinados na lei: a defesa e promoção dos “interesses sócio-profissionais” dos seus membros.

104. O sindicato como pessoa jurídica
A lei reconhece personalidade jurídica aos sindicatos (art. 10º/1 DL 215-B/75), a partir do registo dos seus estatutos.
É pelo registo dos estatutos no Ministério do Trabalho que os sindicatos adquirem personalidade jurídica. A aprovação dos estatutos e, antes dela, a deliberação de constituir o sindicato cabem à assembleia constituinte, para a qual é exigido o quórum de 10% ou dos dois mil dos trabalhadores a abranger, prevalecendo o menor desses valores.
O sindicato é uma espécie dentro do género associação sindical. Outras espécies são a união, a federação e a confederação (art. 2º DL 215-B/75). Há, todavia, uma importante diferença entre as três últimas modalidades de associação sindical e o sindicato: enquanto este é uma associação de trabalhadores, aquelas são associações de sindicatos. Na federação, com o denominador comum da profissão ou do ramo de actividade; na união, com o da região; na confederação, com carácter nacional e interprofissional.

105. Capacidade jurídica do sindicato
A capacidade jurídica de qualquer associação sindical é condicionada pelos seus fins gerais e estatutários e analisa-se num conjunto de direitos que a associação é titular.
u) Capacidade negocial: o art. 56º/3 CRP, atribuí às associações sindicais “competência” para “exercer o direito de contratação colectiva”.
v) Capacidade judiciária: como pessoas jurídicas, as associações sindicais têm capacidade judiciária relativamente à sua esfera de direitos e obrigações.
w) Direito de participação: o art. 56º/2 CRP, reconhece às associações sindicais um conjunto de direitos que se efectivam pela participação delas em funções exteriores à defesa directa de interesses sócio-profissionais. Assiste-lhes o direito de participarem na elaboração da legislação do trabalho, mediante um dispositivo de consulta regulado pela Lei 16/79.
Cabe às associações sindicais o direito de intervirem na gestão das instituições de segurança social e outras “organizações que visem satisfazer os interesses das classes trabalhadoras”, de cujos órgãos directivos hão-de pois fazer parte representantes sindicais em regime de “verdadeira co-gestão entre o Estado e as associações sindicais”.

106. A acção sindical na empresa: os delegados sindicais
O direito de intervenção sindical na empresa tem duas fundamentais expressões: o direito de reunião nos locais de trabalho e o direito de actuação dos delegados sindicais.
Os delegados sindicais são representantes do sindicato, embora eleitos pelos trabalhadores. A acção sindical na empresa se desdobra em dois níveis: um, o do conjunto dos trabalhadores membros de um ou mais sindicatos, quando utilizam a faculdade de reunião nos locais de trabalho, dentro ou fora do horário normal (arts. 26º e 17º DL 215-B/75); outro, o do sindicato, fazendo-se representar pelo delegados sindicais e até pelos seus mesmos dirigentes (art. 28º/2 DL 215-B/75) no interior da empresa ou estabelecimento. As funções dos delegados sindicais, em termos gerais, reconduzem-se a dois pontos essenciais: a informação nos dois sentidos e a fiscalização do cumprimento das normas reguladoras do trabalho, maxime das convenções colectivas. Os delegados sindicais são trabalhadores garantidos por uma protecção legal específica, que se traduz fundamentalmente no seguinte:
a) Regime especial de protecção face ao despedimento (art. 35º/1 DL 215-B/75 – arts. 10º, 11º, 12º/6, 14º/3, 15º/4 e 23º/4 DL 64-A/89);
b) Indemnização pelo dobro, havendo despedimento nulo e optando pela não reintegração (arts. 35º/2 e 24º/2 DL 215-B/75);
c) Inamovibilidade, ou seja, inadmissibilidade da transferência do local de trabalho, a não ser por acordo e com conhecimento prévio da direcção do sindicato respectivo (art. 31º DL 215-B/75);
d) Crédito de horas, a faculdade de utilização de certa porção do período normal de trabalho, para o exercício da actividade sindical na empresa (art. 32º DL 215-B/75).

AS ASSOCIAÇÕES PATRONAIS

107. A “liberdade sindical” dos empregadores
Designam-se associações patronais aquelas que agrupam e representam empregadores tendo por fim a defesa e promoção dos seus interesses colectivos enquanto tais, nomeadamente na celebração de convenções colectivas de trabalho.
A LAP, surgiu claramente inspirada no propósito de, por um lado, gizar um instrumento idóneo de representação dos empregadores, e; por outro, substituir a complexa rede de organismos patronais existentes no contexto do regime corporativo, não só como instrumentos de representação de interesses nas relações colectivas, mas também como meios de controlo recíproco do Estado e das actividades económicas privadas.

108. A constituição de associações patronais
A aquisição de personalidade jurídica pelas associações patronais opera-se com o registo dos estatutos no Ministério do Trabalho (art. 7º/1 DL 215-C/75). Não existe qualquer controlo administrativo directo da legalidade formal ou substancial das regras estatutárias: esse controlo está reservado aos Tribunais, sob o impulso processual do Ministério Público (art. 7º/5 e 7 DL 215-C/75). O controlo judicial da legalidade é feito à posteriori, quer dizer, depois de consumado o registo e publicados os estatutos.
Podem as “associações de empresários constituídas ao abrigo do regime geral do direito de associação” adquirir “estatuto de associações patronais” (art. 16º DL 215-C/75).

109. Princípios sobre a organização e actividade das associações patronais
Vigora o princípio da auto-organização (art. 2º DL 215-C/75). No entanto, o esquema organizativo definido nos estatutos, está legalmente condicionado em alguns pontos, a que se refere o art. 10º/1 DL 215-C/75.
No art. 5º DL 215-C/75, define-se a competência das associações patronais para a celebração de convenções colectivas de trabalho, competência essa que, não constitui seu exclusivo, pois também os empregadores podem isoladamente figurar como sujeitos de relações colectivas de trabalho.
Para o efeito da negociação colectiva, a associação patronal é legalmente representada por membros da direcção com poderes bastantes para contratar (art. 4º/2 DL 519-C1/79).

AS COMISSÕES DE TRABALHADORES

110. O movimento das comissões de trabalhadores
O art. 54º CRP, reconhece aos trabalhadores o direito de “criarem comissões de trabalhadores para a defesa dos seus interesses e a intervenção democrática na vida da empresa”. Assim obteve expresso acolhimento na nossa ordem jurídica uma forma de organização dos trabalhadores no interior da empresa que se encontrava já largamente estabelecida na experiência social.
O art. 54º CRP, consagra o princípio da auto-organização das comissões (n.º 2) e atribui aos seus membros a protecção legal reconhecida aos delegados sindicais (n.º 4). Mas é a lei 46/79, que contém o estatuto jurídico das comissões, particularmente no que toca aos seus direitos, em parcial desenvolvimento do que dispõe no art. 54º/5 CRP.

111. A concepção legal da comissão de trabalhadores
É uma organização constituída por membros do pessoal da empresa, em número legalmente variável e independentemente do efectivo global, que são eleitos, de acordo com o princípio da representação proporcional (art. 2º lei 46/79), de entre listas de candidatos correspondentes, na prática, às várias tendências político-partidárias existentes na mesma empresa. A sua organização e o seu funcionamento são regulados por estatutos aprovados em assembleia-geral dos trabalhadores permanentes da empresa (art. 10º/1 lei 46/79). Estes estatutos são de publicação oficial (art. 12º/2 lei 46/79), mas nem por isso fica acertado a sua conformidade legal, assim, como são ineficazes as obrigações que pretendam impor às entidades empregadoras e que não tenham suporte legal.

112. Os direitos de informação e de controlo de gestão
O direito à informação aparece consagrado no art. 18º/1-a lei 46/79, em termos genéricos: face ao teor do preceito, as necessidades suscitadas pelo exercício da actividade da comissão de trabalhadores constituiriam o único critério de demarcação do objecto desse direito.
O direito à informação tem um âmbito definido e carece, de universalidade ou de carácter “absoluto”. Assim, em primeiro lugar, ele refere-se ao conhecimento de certos instrumentos da gestão que, pela sua natureza, constituem também, em si mesmos, elementos informativos: planos, orçamentos, regulamentos internos, balanços, contas de resultados e balancetes trimestrais (art. 23º/1-a, b, g, lei 46/79). Em segundo lugar, o direito à informação respeita a indicadores de gestão económica, financeira e social: os relativos às funções de aprovisionamento, vendas, pessoal e financeira (art. 23º/1-d, e, f, h, i, lei 46/79). Por fim, integram-se no objecto do mesmo direito aspectos globais da actividade da empresa, isto é, os que respeitam à organização da produção e suas implicações no grau de utilização da mão-de-obra e do equipamento, e os relativos a eventuais projectos de alteração ou de reconversão da empresa. O conteúdo do controle de gestão (art. 29º lei 46/79), é susceptível de identificar algumas modalidades específicas de informação devida à comissão de trabalhadores (arts. 23º, 24º lei 46/79). Há-de, reconhecer-se que os pontos de incidência do referido controle se situam todos, de modo mais ou menos patente, nessas mesmas áreas de interesse.
A concepção legal do controle da gestão o de compõe em dois tipos distintos de actuação: a fiscalização propriamente dita, compreendendo a reclamação e a recomendação (art. 29º lei 46/79).

A NEGOCIAÇÃO COLECTIVA: NOÇÕES E PRINCÍPIOS GERAIS

113. O significado social e jurídico da negociação colectiva
As relações colectivas constituem, a base de uma importantíssima fonte de Direito do Trabalho: a convenção colectiva. É nesta que cristaliza juridicamente a dinâmica social dos interesses profissionais, fazendo penetrar no círculo de regulamentação do trabalho normas directamente conformadas pelo jogo das foças que integram aquela dinâmica, e, por outro ângulo, ajustadas ao particularismo das profissões, dos ramos de actividade económica e das zonas geográficas.
A negociação colectiva é também um modo de formação de normas jurídicas. As convenções colectivas inserem-se, no elenco das fontes de Direito.
O objecto da negociação de convenções colectivas evolui, ao sabor do próprio desenvolvimento das condições económicas e sociais da actividade produtiva. De um modo geral, esse objecto comporta, em primeira linha, a conformação normativa do conteúdo dos contratos individuais de trabalho surgidos no âmbito pessoal, temporal e geográfico coberto pela convenção, avultando aí a sua função regulamentar, projectada sobre uma generalidade de relações individuais, de que se recolhe a sugestão de um “contrato criador de normas” ou “contrato normativo”.
Em segunda linha, a convenção colectiva evidencia a sua matriz contratual, originando obrigações entre as próprias entidades outorgantes.
A negociação colectiva pode ter por objecto ou alteração dos vencimentos e outras prestações remuneratórias, das pensões e das regalias de acção social e de acção social complementar.

114. O “dever de negociar” e o princípio de boa fé na negociação colectiva
A negociação colectiva é não apenas reconhecida como meio de produção de normas reguladoras das condições de trabalho, mas protegida ou promovida pelo ordenamento jurídico como técnica preferencial de composição de interesses colectivos.
O art. 22º/1 DL 519-C1/79, obriga as associações sindicais, as associações patronais e as empresas a responder e a fazer-se representar “em contactos e reuniões destinados à prevenção ou resolução de conflitos”.
As directrizes constantes do art. 22º DL 519-C1/79, não podem, sob o ponto de vista da utilidade e da eficiência dos processos de contratação, ser interpretadas como regras imperativas de conduta, nas quais se corporize em estrito dever positivo de negociar.
O que se designa por “dever de negociar” não é mais, do que uma das expressões várias que, no contexto da negociação colectiva, assume o princípio da boa fé, tal como resulta do teor do art. 22º DL 519-C1/79.
O art. 22º DL 519-C1/79, assim, como outras disposições da parte processual do mesmo diploma, manifestam uma atitude político-legislativa de sentido promocional relativamente à negociação colectiva como método de separação de conflitos e de determinação das condições de trabalho, seguindo a esteira de uma orientação muito generalizada sob a inspiração da Organização Internacional de Trabalho.

AS BALIZAS DA NEGOCIAÇÃO COLECTIVA

115. O nível da negociação
Um processo de negociação colectiva pode situar-se no nível da empresa, do ramo de actividade ou da profissão. Se a convenção for outorgada por um só empregador, designa-se acordo de empresa, se a subscreveram vários isolados, ter-se-á um acordo colectivo. Sendo a convenção celebrada por uma ou mais associações patronais, denominar-se-á contrato colectivo. Não pode, enfim, excluir-se que um acordo colectivo seja celebrado ao nível de profissão, embora aí outorguem, do lado patronal, vários empregadores isolados e não uma associação representativa.
Não existe, em geral, qualquer condicionamento jurídico da escolha de um dos referidos níveis de negociação. A entidade que tome a iniciativa da celebração de um negócio colectivo pode, em princípio, optar livremente pelo interlocutor que mais lhe convenha conforme o nível em que deseje projectar os produtos da negociação.

116. Os sujeitos
x) O “reconhecimento” dos interlocutores negociais
Têm capacidade para celebrar convenções colectivas as associações patronais e os empregadores, por um lado, e as associações sindicais por outro (art. 3º/1 DL 519-C1/79). As empresas públicas estão englobadas como entidade patronais, visto que as relações de trabalho com o seu pessoal assumem carácter jurídico-privado.
O “reconhecimento” de uma associação sindical como sujeito de um processo de negociação pode não contender com o momento da aquisição de personalidade nem diz respeito, meramente, às condições exigidas pelo ordenamento jurídico para a “recepção” das normas que dele venham a resultar mas também aos pressupostos que, a verificarem-se, colocam a parte patronal na situação de ter de aceitar a associação sindical como interlocutor negocial, logo que não poder recusar-se, em princípio, a tratar com ela.
y) Pluralidade de sujeitos. Negociação conjunta e autonomização de processos negociais
É possível surgir do lado patronal, uma pluralidade de empregadores ou mesmo um conjunto de associações patronais, e como é óbvio, mais corrente ainda será o fenómeno do lado dos trabalhadores, sobretudo enquanto subsistir o predomínio do sindicato de profissão.
Quando tal fenómeno ocorra, duas soluções são possíveis:
a) Ou cada um dos sujeitos colectivos entabula uma relação negocial privativa com a outra parte – e estar-se-á perante a negociação separada no âmbito de um mesmo feixe de interesses colectivos, definido pelo nível em que essa negociação se processa;
b) Ou os sujeitos colectivos que exprimem interesses complementares ou independentes se conjugam numa “fonte negocial”, organizada ou não, constituindo assim uma parte plúrima na relação com o adversário comum – e será a negociação conjunta.

117. Objecto e conteúdo da convenção
O “objecto possível” do negócio colectivo laboral está delimitado pela lei, em termos positivos e negativos.
A delimitação positiva, é feita pelo art. 5º DL 519-C1/79: em primeiro lugar, as convenções colectivas de trabalho estabelecem as regras da administração do seu próprio conteúdo, isto é, aquelas pelas quais seja instrumentalmente assegurada a efectividade das normas acordadas e que integram compromissos de natureza obrigacional entre os outorgantes; em segundo lugar, as convenções assumem-se como fontes de Direito substantivo, regulando as relações individuais de trabalho no seu âmbito de aplicação, através de verdadeiras normas jurídicas contratadas; em terceiro lugar (art. 5º DL 519-C1/79), elas surgem ainda como fontes de Direito adjectivo, ao instruírem e regularem mecanismos de resolução de litígios individuais de trabalho (art. 5º DL 519-C1/79).
A lei define limitações à largueza de movimentos das partes no ajuste sobre os próprios temas característicos da regulamentação colectiva de trabalho:
• Aquelas que fixam condições gerais de validade material (e de eficácia) da convenção colectiva (art. 6º/1-a, b, c, DL 519-C1/79);
• Preceitos que fixam limitações à amplitude da negociação sobre matérias não subtraídas ao objecto possível da convenção nem susceptíveis de liminar afastamento por ilegalidade (art. 6º/1-f – art. 13º DL 519-C1/79).
Nos termos do art. 23º DL 519-C1/79, as convenções devem referir obrigatoriamente a designação das entidades celebrantes, a área e o âmbito de aplicação e a data da celebração. A falta de qualquer destas menções implica, conforme o art. 24º/3-a DL 519-C1/79, a recusa do depósito da convenção.

118. Forma. Depósito e publicação
A lei exige que a convenção colectiva assuma forma escrita (art. 4º/1 DL 519-C1/79), o que estreitamente se relaciona com o seu carácter de fonte de Direito. Por essa mesma razão, afigura-se inadequada a sanção de “nulidade” que o mesmo preceito comina para o caso de inobservância da forma prescrita: tratar-se-á, sim, de pura e simples inexistência da convenção.
O depósito, consiste da recepção e registo, pelo Ministério do Trabalho, do texto do acordo, assinado pelas partes (art. 24º/3 DL 519-C1/79).
Constituem, em geral, motivos de recusa do depósito:
a) A omissão total ou parcial dos elementos do chamado “conteúdo obrigatório” da convenção (art. 23º DL 519-C1/79);
b) A falta dos título de representação dos mandatários das partes (art. 4º/2 DL 519-C1/79), títulos esses que assumem na prática negocial corrente a designação de “credenciais” e que devem ser exibidos logo no início das negociações (art. 19º/4 DL 519-C1/79), acompanhado no final do texto acordado para efeitos de depósito;
c) Entrega prematura do texto da convenção: é necessário que tenham decorrido doze meses sobre a data da entrega para depósito da convenção ou decisão arbitral, que se altera ou substitui;
d) A omissão de declaração dos contraentes indicando o aumento percentual das remunerações e encargos decorrentes do acordado.
A exigência da convenção colectiva enquanto regulamento, depende da publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, a qual é obrigatória e há-de ter lugar nos quinze dias subsequentes ao do depósito definitivo (art. 26º DL 519-C1/79).

O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

119. As declarações preliminares: proposta e resposta
A formação de uma convenção colectiva inicia-se com a apresentação da proposta de uma das partes à outra. A proposta deve ser escrita (art. 16º/3 DL 519-C1/79) e acompanhada de fundamentação (art. 18º/1 DL 519-C1/79).
A proposta é, uma declaração receptícia: só produz efeitos (art. 17º/1 DL 519-C1/79). A proposta deve ser também remetida, por cópia, ao Ministério do Trabalho (art. 16º/5 DL 519-C1/79).
O art. 16º/2 DL 519-C1/79, dispõe em geral que as convenções colectivas não podem ser denunciadas antes de decorridos dez meses sobre a data da sua entrega para depósito.
A denúncia da convenção apresentação de proposta de revisão são “momentos” de natureza diversa: a denúncia é uma declaração de vontade de não prorrogação da vigência do acordo, a apresentação da proposta constitui uma manifestação da vontade de celebração de um novo acordo, cujo “projecto” ao mesmo tempo se formula.
O art. 16º/4 DL 519-C1/79, condiciona a eficácia da denúncia à apresentação de proposta de revisão.
O art. 16º/3 DL 519-C1/79, admite a denúncia a todo o tempo, nas seguintes situações:
a) Negociação de convenção substitutiva de outras em vigor, para o caso de “cessação total ou parcial de uma empresa ou estabelecimento”;
b) Negociação simultânea da redução da duração do trabalho e da adaptação do tempo de trabalho.

120. Os contratos negociais
Após a fase de declarações preliminares, em que se lançam as bases de discussão e delimita o seu objecto, inicia-se a negociação propriamente dita, isto é, a fase dos contratos directos entre os representantes das partes com vista à aproximação das posições inicialmente expressas.
A lei não infere na tramitação desta fase, quer no que toca à frequência das sessões quer no respeitante à ordem dos pontos a acordar, quer mesmo relativamente à duração total daquela.
Trata-se de matéria deixada na disponibilidade das partes, e que pode, ela mesma, ser objecto de negociação prévia.

A EFICÁCIA DA CONVENÇÃO COLECTIVA

121. Efeitos obrigacionais e normativos
z) Efeitos obrigacionais
A convenção colectiva é, encarada de certo ângulo, um contrato gerador de obrigações para ambas as partes.
A) As “cláusulas de garantia sindical”
Trata-se de disposições de distintas modalidades, pelas quais o acesso e a manutenção do empregador são postos na dependência da filiação dos sindicatos subscritores.
Estas estipulações correspondem a conveniências de ambas as partes: o sindicato, obviamente, recolhe não apenas benefícios financeiros indirectos, mas sobretudo um reforço no seu poder contratual e da sua capacidade de controlo social; o empregador, por seu turno, obtém a corresponsabilização do sindicato no tocante à qualificação profissional dos trabalhadores admitidos, além de averbar a vantagem do recorte nítido do interlocutor legítimo nas questões laborais colectivas.
As “cláusulas de garantia sindical” têm-se por inaceitáveis. Com efeito, o art. 37º DL 215-B/75, proíbe que, por acordo, seja subordinado o empregador à filiação sindical, quer no aspecto positivo quer no aspecto negativo. Esta proibição (nulidade) visa, de resto, não só as convenções colectivas mas os próprios contratos individuais em que se pretenda introduzir tal condicionamento.
B) A obrigação de paz social
O dever de obtenção de certos comportamentos conflituais durante a vigência da convenção colectiva.
Pode falar-se de um dever de paz social absoluto (resultam, vedados quaisquer conflitos laborais, respeitantes ou não a matérias incluídas em convenção vigente) ou relativo (apenas ficarão proscritos os comportamentos conflituais cujo objecto respeite ao conteúdo da mesma convenção e durante a vigência desta).
O art. 1º/3 lei 65/77, dispõe que o direito de greve é irrenunciável – e, com base nesse preceito, tem-se entendido inviável a consagração convencional do dever de paz social, com qualquer amplitude (art. 57º/2 CRP).
aa) Efeitos normativos
O que verdadeiramente distingue a convenção colectiva é a sua eficácia normativa
A) Recepção automática e condicionamento externo
A eficácia normativa das convenções colectivas de trabalho pode, em tese geral, produzir-se de duas maneiras:
a) Uma, a recepção automática, consiste na substituição, de pleno direito, das estipulações individuais pelas normas jurídico-colectivas que aquelas contrariam;
b) Outra, a do condicionamento externo, que, mais de acordo com o direito comum dos contratos, postula a invalidade das estipulações individuais desconformes com as regras colectivas mas não a penetração directa e automática destas no conteúdo dos contratos.
B) A solução do ordenamento português
Acolhe à fórmula da recepção automática, não apenas no que toca às convenções colectivas, mas também relativamente às leis do trabalho.
A lei (art. 14º/2 LCT) refere-se, justamente, à situação típica da oposição entre contrato e normas convencionais ou legais: a de o contrato conter condições menos favoráveis para o trabalhador.
O art. 15º/1 DL 519-C1/79, prevê a “redução de condições de trabalho” estabelecidas numa convenção, por força de outra “de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carácter globalmente mais favorável”, e o art. 15º/2 DL 519-C1/79, dispõe que essa redução “prejudica os direitos adquiridos por força do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho substituído”.
O mecanismo de recepção automática não funciona quando uma disposição convencional colectiva se defronta com uma cláusula do contrato individual, fruto da vontade dos outorgantes deste, mais favorável do que aquela.

122. O âmbito pessoal da convenção colectiva
A) O princípio da filiação
Do art. 7º/1 DL 519-C1/79, resulta que as normas constantes de uma convenção colectiva se aplicam aos contratos de trabalho que existam ou durante a sua vigência, venham a existir entre trabalhadores e empregadores representados no processo negocial que lhe deu origem, ou, quanto aos empregadores, que tenham outorgado directamente a mesma convenção.
Os arts. 8º e 9º DL 519-C1/79, desligam excepcionalmente a aplicação das convenções da normal exigência da qualidade de membro da associação subscrita no momento da outorga, no tocante aos empregados.
B) A extensão e a adesão
A extensão, é regulada pelo art. 29º DL 519-C1/79. Opera-se por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e da tutela, podendo ampliar o âmbito originário nas seguintes direcções:
bb) Entidades patronais do mesmo sector económico e trabalhadores da mesma profissão ou de profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade no âmbito territorial da convenção;
cc) Entidades patronais e trabalhadores do sector económico e profissional regulado que exerçam a sua actividade fora do âmbito territorial da convenção, quando não existam associações sindicais ou patronais e se verifique identidade ou semelhança económica e social.
A adesão, consiste num acordo superveniente entre uma das partes da convenção e um sindicato, uma associação patronal ou um empregador isolado que nela não outorgou e deseja ser por ela abrangido (art. 28º DL 519-C1/79). A adesão implica a aceitação integral do conteúdo da convenção e não pressupõe, verdadeiras negociações.
C) A concorrência de convenções
Pode dar-se o caso de uma mesma relação de trabalho se encontrar no âmbito de aplicação de duas convenções colectivas diferentes.

123. O âmbito territorial da convenção colectiva
A definição da área geográfica em que se aplica uma convenção colectiva é um dos elementos do seu “conteúdo obrigatório” (art. 23º DL 519-C1/79). Essa área pode, com efeito, ser a de todo o território nacional, a de uma província ou distrito, ou simplesmente a de uma empresa.
Em princípio (art. 7º DL 519-C1/79), a área de aplicação destes não constitui uma referência autónoma: ela será a correspondente à zona de intersecção dos âmbitos geográficos cobertos pelas entidades outorgantes.

124. O âmbito temporal da convenção colectiva
A) Período de vigência e período de eficácia
Os efeitos de uma convenção colectiva produzem-se durante um certo período que a lei designa prazo de vigência (art. 23º/1 DL 519-C1/79). A vigência de uma convenção inicia-se somente após a publicação, “nos mesmos termos das leis (art. 10º/1 DL 519-C1/79 – lei 6/83).
B) A retroactividade e o seu alcance remuneratório
A atribuição de efeitos retroactivos às cláusulas da convenção colectiva assume, o sentido de uma tendencial recuperação do desgaste sofrido pelos salários reais anteriormente à publicação daquele instrumento de regulamentação, por efeito do não acompanhamento da subida do custo de vida pelos níveis de retribuição precedentes, quer ao longo do período da convenção antecessora, quer no decurso do próprio processo de negociação.
Admite-se a atribuição de eficácia retroactiva às convenções mas apenas o bastante para cobrir as perdas resultantes do processo de negociação (arts. 17º/1, 13º DL 519-C1/79).

125. A sucessão de convenções colectivas
O fenómeno da sucessão de convenções colectivas (art. 15º DL 5198-c1/79), corresponde à revisão ou substituição de um instrumento de regulamentação colectiva por outro da mesma natureza e com idêntico âmbito potencial.
Em princípio, uma convenção posterior não pode incorporar disposições menos favoráveis do que as que lhes correspondam, na antecedente. O princípio admite, porém, desvio se as próprias partes, no clausulado da convenção, exprimirem o consenso de que ela é “globalmente ,mais favorável” do que a anterior.

OS PROCESSOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

126. Resolução de conflitos colectivos jurídicos
A directriz mais geralmente consagrada aponta no sentido do recurso a dispositivo autónomos para a resolução de conflitos colectivos jurídicos.
A atitude da lei aprece consistir em se colocar o problema de preenchimento da lacuna no plano da negociação e, portanto, do conflito de interesses.
A lei admite, que as partes definam, elas próprias, o regime de conciliação (art. 30º/2 DL 519-C1/79), da mediação (art. 33º/1 DL 519-C1/79) e da arbitragem (art. 34º/1 DL 519-C1/79).

127. Resolução dos conflitos colectivos de interesses
Consistem tipicamente, em situações de crise de negociação directa. As partes não conseguem (ou não desejam) avançar, por declarações negociais reciprocas e encadeadas até uma fórmula de composição dos interesses que representam.
Existem dispositivos padrão para o tratamento dos conflitos colectivos de interesses: a conciliação, a mediação e a arbitragem.
• Conciliação:
Assenta no acordo das partes, mas a lei admite que o impulso pertença a uma delas em certos casos e condições (art. 31º/1 DL 519-C1/79). O impulso unilateral constituirá, num pedido ou requerimento dirigido ao Ministério do Emprego (art. 32º DL 519-C1/79).
O produto da conciliação, quando tenha êxito, consiste num texto que integrará a convenção colectiva em cujo processo de formação o conflito surgiu.
• Mediação:
A mediação consiste, numa tentativa de resolução consensual dum conflito, a partir de uma proposta ou recomendação formulada por um terceiro designado por acordo das partes (o mediador) – art. 33º DL 519-C1/79.
• Arbitragem:
É um processo decisório: uma entidade estranha ao conflito é chamada a estabelecer em termos definitivos a regulamentação das matérias controvertidas (arts. 34º e 35º DL 519-C1/79).
A arbitragem é voluntária, quando a sua realização se fundamenta em acordo das partes (art. 34º/1 e DL 519-C1/79); a arbitragem voluntária pode basear-se em cláusula compromissória contida na convenção colectiva que se refira o conflito (art. 5º-c DL 519-C1/79).
A arbitragem obrigatória, quando a sua realização é determinada por despacho do Ministro do Trabalho (art. 35º/2 a 9 DL 519-C1/79). Trata-se de uma medida de recurso na panóplia dos meios de resolução pacífica de litígios colectivos laborais: legitimam-na a frustração da conciliação e da mediação e a inexistência de acordo para a realização de arbitragem voluntária (art. 35º/1 DL 519-C1/79).

OS MEIOS DE LUTA LABORAL

128. Noções gerais
No que toca às “lutas laborais”, os processos típicos de actuação podem esquematizar-se do seguinte modo:
- Pelo lado dos trabalhadores:
a) A greve, abstenção colectiva de trabalho, resultante de acordo no seio dum grupo ou categoria de trabalhadores, com o propósito de forçar a aceitação, por parte da entidade patronal, de um benefício exigido anterior ou simultaneamente;
b) O boicote, que se traduz na obstrução sistemática e colectiva ao recrutamento de pessoal para uma empresa (bloqueio de trabalho), ou ao consumo dos seus produtos (bloqueio de consumo).
- Pelo lado das entidades patronais
O lock-out, exclusão sistemática de um certo número de trabalhadores da sua actividade geralmente pela dissolução conjunta das relações de trabalho, para a obtenção de um fim litigioso, com o propósito de readmissão após o termo do conflito.

129. A greve: noção e modalidades
1) A noção de greve em sentido jurídico
A greve em sentido jurídico só é preenchida por comportamentos conflituais consistentes na abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho, através da qual um grupo de trabalhadores intenta exercer pressão no sentido de obter a realização de certo interesse ou objecto comum.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma abstenção de trabalho (colectiva). Isso significa, desde logo, que, seja qual for a duração do fenómeno, haverá recusa da prestação na sua inteireza qualitativa, isto é, na totalidade dos elementos que a constituem.
Trata-se, depois de uma abstenção colectiva da prestação de trabalho. É pois necessário o carácter colectivo do fim e do comportamento.
O enquadramento jurídico da paralisação restringe-se aos trabalhadores subordinados, ou seja, aos sujeitos de contratos individuais de trabalho.
Existe uma pretensão comum aos trabalhadores envolvidos, a qual serve de fundamento à decisão concertada de empreender a greve.
2) Modalidades atípicas
Há fenómenos correntemente designados como “greves” que sem deixarem de funcionar como meios colectivamente assumidos, de coacção directa ou indirecta em conflitos laborais, oferecem dúvidas de qualificação.
Assim, existem meios de luta laboral, correntemente designados como “greves” em que não ocorre a abstenção de trabalho:
a) A greve de zelo;
b) A greve de rendimento.
Podem, por outro lado, apontar-se situações em que a abstenção é meramente parcial, quer dizer, respeita apenas a certos actos, tarefas ou formas de conduta, de entre os que se contêm nas funções normalmente exercidas:
a) Greve da mala nos transportes colectivos;
b) Greve da amabilidade em estabelecimentos comerciais;
c) Greve das horas extraordinárias.
As paralisações que, embora resultantes de concertação em grupos determinados, não abrange simultaneamente todos os trabalhadores envolvidos:
a) A greve rotativa ou articulada;
b) A greve trombose.

130. O direito de greve: natureza e conteúdo (lei 65/77)
A Constituição consagra no art. 57º, o “direito à greve”, em termos cujo laconismo não permite todavia, ocultar um sem número de desafios ainda bem aberto no terreno da doutrina juslaboral.
A) A greve direito
A circunstância de o exercício de uma “liberdade”, consentida ou garantida pelo Estado através da consagração de um correspondente direito subjectivo público, se concretizar em actos, ou, mais precisamente, em abstenções contrárias ao compromisso contratualmente assumido pelo trabalhador face à outra parte, recebe do ordenamento jurídico esta resposta: não haverá aí violação contratual porque, durante a paralisação, o trabalhador fica exonerado do seu débito perante empregador.
B) O conteúdo do direito de greve
O direito de greve surge como instrumento de autotutela de interesses colectivos. Situa-se no ponto de cruzamento do dogma da liberdade pessoal e do princípio da autotutela de interesses colectivos, ambos constitucionalmente consagrados.
Aos trabalhadores é reconhecida, pelo ordenamento jurídico, a possibilidade de agirem em defesa de fins colectivos que se proponham, negando por certo tempo ao empregador aquilo que originariamente lhe pertence e que alienaram em benefício dele através dos contratos individuais de trabalho: a disponibilidade da sua força de trabalho.
O exercício da greve representa a sobreposição (licita) da liberdade pessoal a um compromisso de actividade contratualmente assumido: os trabalhadores colocam-se provisoriamente “fora do contrato”.

131. O exercido do direito de greve
A) A decisão de greve
O juízo de oportunidade da greve não está legalmente condicionado: compete, em exclusivo, aos trabalhadores e às suas organizações representativas (as associações sindicais) e escolher o momento em que a paralisação será posta em prática (lei 65/77).
Significa isto, fundamentalmente, que do ponto de vista legal, não existe qualquer articulação necessária entre o recurso à greve e a utilização dos processos de resolução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem): estes podem ser rejeitados, ou deixados para uma fase posterior ao exercício da pressão directa.
A decisão de greve cabe, em primeira linha, à associação sindical. É um “direito” que se insere no âmbito da autotutela colectiva e que, por aí, se relaciona estreitamente com a capacidade negocial colectiva reconhecida a tais associações.
A decisão não é vinculante para cada trabalhador potencialmente abrangido. Ela traduz uma vontade colectiva à qual os comportamentos individuais podem ajustar-se ou não: oferece o quadro colectivo necessário ao exercício do direito de greve como faculdade individual. Este exercício caracteriza-se pela adesão à greve que é uma manifestação de vontade traduzível pela abstenção individual de trabalhar.
B) A declaração de greve: o pré-aviso
A decisão de greve não basta para que produzam os feitos do exercício do direito; é necessário que essa decisão seja exteriorizada com certa antecedência relativamente ao momento da sua concretização. O art. 5º/1 lei 65/77, impõe, um aviso, o pré-aviso “dirigido à entidade empregadora ou à associação patronal e ao Ministério do Emprego e da Segurança Social”.
Não é assim, legalmente admissível entre nós a chamada “greve surpresa”. O ordenamento jurídico reflecte a preocupação de permitir, às entidades empregadoras e aos destinatários dos bens e serviços produzidos pelas empresas atingidas, a prevenção de prejuízos excessivos ou desproporcionados.
A lei exige que o pré-aviso seja feito “por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social” (art. 5º lei 65/77).
C) Os piquetes de greve
O art. 4º lei 65/77, admite a constituição dos chamados piquetes de greve, grupos organizados de trabalhadores cuja função consiste em, no decurso da paralisação, “desenvolver actividades tendentes a persuadir os trabalhadores a aderirem à greve, por meios pacíficos, sem prejuízo do reconhecimento da liberdade de trabalhar dos não aderentes.”
D) As obrigações dos trabalhadores durante a greve. Os “serviços mínimos”
Dispõe o art. 7º/1 lei 65/77, que “a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a lei aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade”.
A greve coloca, os trabalhadores “fora do contrato”, embora a vinculação jurídica se mantenha e, com ela, a antiguidade (art. 7º/3 lei 65/77), bem como a situação de beneficiário da segurança social (art. 7º/2 lei 65/77).
O art. 8º lei 65/77, estabelece, obrigações de trabalho durante a greve correspondentes a duas finalidades e, em consequência, caracterizadas por graus diversos de generalidade; como regra geral, deve ser prestados, durante a greve, “os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações” da empresa (art. 8º/3 lei 65/77); em especial, hão-de ser prestados
só “serviços mínimos indispensáveis” à satisfação de “necessidade sociais impreteríveis” (art. 8º/1 lei 65/77).
O art. 8º/1 lei 65/77, alude, de entre o conjunto das necessidades inerentes aos bens e interesses constitucionalmente protegidos em sede de direitos fundamentais. São traços desse critério:
i) Insusceptibilidade de auto-satisfação individual;
ii) A inexistência de meios paralelos sucedâneos ou alternativos viáveis da satisfação das necessidades concretas em causa;
ij) Impreteribilidade ou inadiabilidade.
E) O termo da greve
A greve termina como diz a lei, “por acordo entre as partes ou por deliberação das entidades que a tiveram declarado” (art. 9º lei 65/77).

132. Os efeitos jurídicos da greve (quanto às relações individuais de trabalho)
A consequência jurídica mais saliente do exercício da greve é apontada pelo art. 7º lei 65/77: o contrato individual de trabalho de cada um dos aderentes suspende-se, isto é, deixa provisoriamente de produzir os seus efeitos característicos. Sem que a vinculação das partes resulte destruída; cessam o dever de disponibilidade do trabalhador e o correspondente débito salarial do empregador.
O corolário mais importante da suspensão por causa da greve consiste na inadmissibilidade do despedimento, por parte da entidade patronal durante ou após a greve, e com fundamento nela.

O “lock-out”
O encerramento da empresa ou estabelecimento, por decisão do empregador, com base em motivos ligados a um litígio laboral que opõe aos trabalhadores ali ocupados. O art. 58º/4 CRP proíbe o lock-out. é do mesmo teor o art. 14º/1 lei 65/77.

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