terça-feira, 3 de junho de 2008

AULAS DIREITOS REAIS (2)- ANO 1999

Direitos Reais




9/3/99 J


11/3/99
A nossa lei não nos dá qualquer definição de direitos Reais, também não diz o que deve entender por direitos com eficácia real. Cabe à doutrina determinar quais os requisitos essenciais para se poder falar em direitos reais e em eficácia real. De qualquer modo é incontestável que a lei em muitas situações fala em direitos reais.
Há uma classificação fundamental de entre os direitos reais que distingue os:
direitos reais de gozo
direitos reais de garantia
direitos reais de aquisição

Todos eles têm um ponto comum. Os direitos reais têm por objecto coisas corpóreas. O princípio consagrado no art 1302ºcc, não se refere exclusivamente aos direitos de propriedade, apesar do art 1302ºcc, ter por título os direitos de propriedade e apesar de dizer que só pode ser objecto de direito de propriedade as coisas corpóreas, deve entender-se que também se aplica aos direitos reais.
Os direitos reais têm por objecto coisas corpóreas, ou seja, coisas que têm existência física e que são apreensíveis pelos sentidos. Discute-se se excepcionalmente poderão existir direitos reais sobre coisas incorpóreas. Há certas situações duvidosas que dão azo a polémica da doutrina:
Art 1303ºcc, propriedade intelectual, que é uma coisa incorpórea. Discute-se se é um caso de direitos reais. Quando pegarmos no direito de propriedade veremos que a doutrina, encabeçada pelo prof O. Ascensão, defende que no art 303º, apesar de se falar em propriedade não há qualquer direito real, mas sim um direito de exclusivo ou monopólio.
Quando estudar-mos o usufruto veremos uma modalidade que é a do usufruto de crédito. Ora, usufruto de crédito há primeira vista quer dizer que tem por objecto direitos de crédito. Ora, se o usufruto tem por objecto um direito, o direito não é uma coisa corpórea, se for coisa será incorpórea. Mas para a doutrina o usufruto de crédito é um verdadeiro direito real.
Quando se estuda os direitos reais de garantia, nomeadamente o direito de penhor, vê-se que para além do penhor de coisas pode haver o penhor de direitos. Também aí se discute se estamos perante um direito real. Se o objecto do penhor for um direito, o direito não é coisa corpórea. Portanto se aceitamos que pode haver um penhor de direitos. Também aí se discute se estamos perante um direito real. Se o objecto do penhor for um direito, este não é uma coisa corpórea. Se aceitamos que pode haver um penhor de direitos, se aceitamos que há aí um direito real este será sobre coisas incorpóreas.
A lei também prevê a alienação de herança. Portanto pode haver um negócio jurídico de alienação de herança. Então é caso para se perguntar de quando se fala de um direito sobre a herança, como se qualifica uma herança. Se entendermos que uma herança é uma universalidade de direito então não é uma coisa corpórea.
A respeito do estabelecimento comercial se discute qual a sua natureza jurídica. Há quem diga que é uma universalidade de facto e quem defenda que é uma universalidade de direito. Se se entender que é uma universalidade de direito, visto que se pode falar em propriedade e em usufruto do estabelecimento, também se poderia discutir se estaríamos ou não perante um direito real sobre coisas incorpóreas.
Fica a ideia — regra geral os direitos reais incidem sobre coisas corpóreas. Discute-se, em certos casos excepcionais se pode ou não haver direitos reais sobre coisas incorpóreas.

Voltando ao que se estava a falar, dizia eu que há:
ð Direitos Reais de gozo
ðDireitos Reais de garantia
ðDireitos Reais de aquisição

Todos eles tem um ponto em comum. Os Direitos Reais tem por objecto coisas corpóreas
Como é que estes se distinguem? Com base na função de desempenho de direito
Direitos Reais de gozo — a função é proporcionar ao seu titular o gozo de desfrute da coisa
Direitos Reais de garantia — a função é proporcionar ao credor titu1ar uma garantia especial sobre um bem de um devedor contra terceiros. É sempre atribuído ao credor
Direitos Reais de aquisição — cuja função é proporcionar ao seu titular a aquisição de um direito real. Sobre uma certa coisa. Quem tem o direito real de aquisição, poderá, em certas circunstâncias vir a adquirir o direito real sobre uma certa coisa.

Exemplos de Direitos Reais de gozo. garantia e de aquisição:
Os Direitos Reais vêm no livro do direito das coisas do CC - o 3º volume ‚ dedicado ao direito das coisas.

Direitos Reais de gozo
Direito de propriedade (Direito real máximo)
Direito de usufruto
Direito de compropriedade
Direito de propriedade horizontal
Direito de superfície
Direito de servidão
Direito de uso e habitação
(Quanto à posse discute-se se é ou não um Direito Real)
Direito real de habitação periódica

Direitos Reais de Garantia
Tratados no Livro II do CC
Visto que o Direito Real de Garantia é instrumental ao Direito de Crédito, a lei trata-o na Livro das Obrigações.
Podem referir-se como Direitos Reais de Garantia:
A hipoteca
O penhor
A retenção
Consignação de rendimentos
Privilégios creditórios especiais
O Direito resultante da penhora. A doutrina entende que quando há uma penhora o exequente passa a ter o Direito Real de Garantia.

Direitos Reais de aquisição
- O contrato promessa com eficácia real – art 413ºcc - segundo a doutrina dominante cria um direito real de
aquisição a favor do promissório.
- Pacto de preferência com eficácia real - segundo a doutrina dominante o preferente também teria um direito real de aquisição, e nesse caso aplicar-se-ia o art 421ºcc
- As preferências legais. Quando as preferências resultam directamente da lei, também são Direitos Reais
de aquisição.
- Há quem defenda que havendo uma concessão de caça. ou uma concessão de pesca, há um direito real de aquisição relativamente aos animais que ir caçar ou pescar.
- Se houver uma concessão mineira, quem tem essa concessão tem direito ao min‚rio
- Expectativas reais. Quando há uma expectativa jurídica, oponível a todos, seria um direito real de aquisição. Ex. art 1538ºnº 1, há quem diga que ser um direito real de aquisição.
- Certos ónus reais
A lei, ou melhor dizendo, as fontes de direito é que têm o monopólio da criação dos Direitos Reais. Porque a lei não permite que ao abriga da liberdade contratual se possa criar novas figuras reais. As figuras de Direitos Reais têm que ser previstas na lei ð Princípio da tipicidade, ou principio de numerus clausulus consagrado no art 1306ºcc

A lei por vezes fala em contratos reais. Quando se fala em contratos reais temos que distinguir os contratos
reais:
ð Quanto aos efeitos (quod effectum)
ð Quando à constituição (quod constituction)

Como se distinguem estas figuras?
ð Os contratos reais quanto aos efeitos contrapõem-se aos contratos obrigacionais
ð Os contratos reais quanto à constituição contrapõem-se aos contratos consensuais

É errado contrapor o contrato real quanto aos efeitos ao contrato real quanto à constituição.
Como já vamos ver, nada impede que o contrato seja simultaneamente real quanto aos efeitos e quanto à constituição.
Há contratos que são reais quanto aos quanto aos efeitos e quanto à constituição e os que não o são de maneira nenhuma, nem quanto aos efeitos nem quanto à constituição.

O que é um contrato real quanto aos efeitos?

É um contrato que tem como consequência a constituição ou a transmissão de um direito real (seja direito real de gozo, de garantia ou de aquisição). Sempre que de um contrato resulte a transmissão de um direito real é porque ela é real quanto aos efeitos. Real quanto aos efeitos é porque produz um efeito real. O que quer dizer um efeito real? É criado um direito real ou transmitido um direito real. E então percebe-se que se contraponha aos contratos obrigacionais, porque este não cria nem transmite um direito real, cria ou transmite direitos de crédito. Ex: a compra e venda. É um contrato real quanto aos efeitos, por força dele transmite-se o direito de propriedade. Agora imaginem que o proprietário concede um usufruto a outra pessoa. O usufruto é um direito real, logo o contrato que cria o usufruto é um contrato real quanto aos efeitos
Mas há contratos que são reais não quanto aos efeitos, mas sim quanto à constituição. Eu disse que os contratos reais quanto à constituição se contrapõem aos contratos consensuais . Como sabem para que um contrato fique celebrado basta o consenso, basta o acordo das partes. O contrato pressupõem várias declarações negociais. Quando é que se faz um contrato? Quando todos os contraentes quiserem validamente emitir as suas declarações negociais. Portanto, normalmente um contrato forma-se quando há um consenso. Há no entanto casos excepcionais em que para que o contrato se forme não basta o acordo, não basta o consenso, é preciso ainda a entrega de uma coisa (rés em latim).

ð Sempre que para a formação da contrato não baste o contrato e ainda seja necessária a entrega da coisa, não é consensual. Se for necessária a entrega de uma coisa para que o contrato se forme, dizemos que o contrato é real quanto à constituição, porque para que o contrato se constitua vai ser necessário a entrega de uma coisa.

O que caracteriza o contrato real quanto à constituição é a necessidade de entregar a coisa para que ele se forme, não para que o contrato se cumpra, porque há casos em que é obrigatório entregar a coisa, mas não é para que haja contrato, mas sim para que este seja cumprido. Aí já não é real quanto à constituição.

A compra e venda não é real quanto à constituição porque para haver compra não é necessário que haja a entrega da coisa. Ainda antes da coisa ser entregue já o contrato está celebrado E necessário a entrega para cumprir o contrato, mas já há contrato de compra e venda antes da coisa ser entregue. A coisa só tem que ser entregue para efeitos de cumprimento. Logo é real quanto aos efeitos porque transmite o direito real mas não é real quanto à constituição porque não é necessário, para que se forme a venda, que haja entrega duma coisa.
Mas há contrato em que a lei diz claramente que o contrato só se celebra com a entrega da coisa, não basta o consenso São esses os contratos reais quanto a constituição. Exemplos:

Contrato de comodato — empréstimo de coisas não fungíveis - Resulta da definição de comodato que o contrato de comodato é real quanto à constituição. Só com a entrega da coisa é que se considera de que o empréstimo está celebrado. Artº 1129ºcc, diz é um contrato pelo qual uma das partes entrega à outra. Portanto faz parte da definição a referência à entrega. Se alguém se dirige a mim e me pergunta se eu lhe empresto o relógio e eu digo que sim, há um acordo, há um consenso. A pessoa fez-me uma proposta e eu aceitei. Embora haja consenso resulta do art 1129ºcc, que o consenso só por si não é suficiente para se dar o comodato. tem que ser o consenso acompanhado da entrega da coisa.
Questão diferente que o Prof Menezes Cordeiro levanta, mas não quero entrar por aí, é saber se ao abrigo da liberdade contratual, se podia haver empréstimos sem se dar a entrega. O Prof. Menezes Cordeiro vê com maus olhos a existência de contratos reais quanto à constituição e defende que apesar da lei prever que para certos contratos a necessidade da entrega da coisa, visto que existe liberdade contratual seria possível haver um outro tipo de comodato em que já não seria necessária a entrega. Comodato é portanto um exemplo clássico de um contrato real quanto à constituição. Sendo real quanto à constituição não o é quanto aos efeitos. Quando há um comodato, quando há o empréstimo de uma coisa, o comodatário não tem um direito real, passa a ter um direito pessoal de uso. Pode usar o bem que lhe foi emprestado mas não é um direito real. Portanto o comodatário tem um direito de natureza obrigacional.
ð Não é real quanto aos efeitos, mas sim obrigacional

Situação oposta à da venda. Esta é real quanto os efeitos mas não é real quanto à constituição.

Outros contratos que são reais quanto à constituição:
Contrato de mútuo – art 1142ºcc, empréstimo de coisas fungíveis (dinheiro, gasolina). Segundo a doutrina portuguesa o contrato de mútuo também seria um contrato real quanto à constituição. Se bem que o art 1142ºcc, não seja tão claro como o art 1129ºcc. Este último dizia claramente "entrega da coisa" O art 1142º, fala em "emprestar". Mas a doutrina é unanime em dizer que para haver um empréstimo de dinheiro, o contrato só se forma com a entrega do dinheiro. Não basta o acordo em que um diga que empresta dinheiro ao outro. No caso do mútuo o mutuário - aquele a quem o dinheiro é emprestado - fica dono daquele dinheiro. Seria absurdo em emprestar dinheiro alguém e dizer que continuo a ser dono daquelas notas. Para que é que se empresta dinheiro a alguém? Para que este o possa gastar. O mutuário não é obrigado a restituir as mesmas notas, tem apenas que restituir a quantia. Se eu empresto uma televisão o mutuário tem que me restituir a mesma televisão, se eu emprestar dinheiro transmito a propriedade do dinheiro. Portanto o mutuário passa a ser dono do dinheiro que foi emprestado. Portanto o contrato de mútuo é ð simultaneamente real quanto à constituição e quanto aos efeitos
Real quanto à constituição porque a doutrina diz que só se faz um mutuo com a entrega do dinheiro, e é real quanto aos efeitos porque transmite a propriedade daquelas notas ou daquelas moedas que são mutuadas

Outro exemplo de contrato real quanto à constituição
Comodato de depósito – art 1185ºcc, "Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida". Um dos elementos típicos do contrato de depósito é portanto a entrega da coisa.
ðé portanto real quanto à constituição mas não quanto, aos efeitos
Se eu disser a alguém, guardas-me o meu guarda chuva e a pessoa disser que sim ainda não há depósito. Só há contrato de depósito se eu entregar o guarda chuva. Enquanto o depositante não entrega ao depositário a coisa, ainda não está formado o contrato de depósito.
Não é real quanto aos efeitos, porque ninguém diz que o depositário tem um direito real. Aliás, o depositário não tem um direito, tem é um dever - o dever de guardar. Mas mesmo que tivesse um direito não seria um direito real mas sim obrigacional.
Contrato de constituição de direito de penhor - penhor é um direito real de garantia. O contrato de constituição de penhor pressupõe a entrega da coisa empenhada. Aproveito para vos recordar que quando há penhor não dizemos que a coisa é penhorada, dizemos que a coisa é empenhada.
A palavra penhorada — usa-se para a penhora.
A palavra empenhada — usa-se para o penhor

Art 669ºnº1, - "o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada... " logo o contrato de constituição de penhor é real quanto à constituição porque é necessária a entrega para que o contrato se considere celebrado. Para além de ser real quanto à constituição, visto que sabemos que o direito de penhor é um direito real de garantia, logo também é real quanto aos efeitos.
Conclusão ð é real quer quanto à constituição como quanto aos efeitos

Que fique bem claro que:
ðReal quanto aos efeitos contrapõe-se a obrigacional
ðReal quanto à constituição contrapõe-se a consensual
ð0 contrato pode ser real nos dois sentidos.
ðHá contratos que são reais quer quanto à constituição quer quanto aos efeitos. Ex: penhor, mutuo
ðHá contratos que não são reais de maneira nenhuma. Ex. contrato de locação - um aluguer de um automóvel. Segundo a doutrina dominante, o aluguer faz nascer um direito obrigacional, logo de aceitarmos essa posição temos que concluir que o contrato de locação não é real quanto aos efeitos. Para além disso, a lei não exige, para que haja locação, que a coisa tenha sido entregue. Basta haver acordo. Se alguém me perguntar se eu lhe alugo a televisão e eu disser que sim, não faz parte da definição de locação a entrega da coisa, ao contrário do que acontece na definição de comodato em que fala em entregar a coisa.
Se olharmos para o artº 1022, a lei diz que "locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição". Note-se que se diz se obriga a proporcionar à outra o gozo. Na locação já há locação antes da entrega. O locador vai ter que entregar a coisa ao locatário, mas fá-lo para cumprir o contrato, não para que ele se forme.

É preciso ter cuidado porque a expressão contrato consensual é ambígua. Pode falar-se em contrato consensual em dois sentidos diferentes:
ð Podemos estar a falar em consensual para contrapor a real quanto à constituição. Basta o acordo.
ð Mas por vezes fala-se em consensual no sentido do contrato quanto à liberdade de forma. Há contrato que nós dizemos que são consensuais querendo dizer com isso que há liberdade de forma.

Temos estado a falar no sentido em que basta o consenso (1º sentido), não é necessária a entrega da coisa. Se estivermos a falar da liberdade de forma o caso já muda de figura. Por ex.; a venda de um prédio. Já vimos que a compra e venda é um contrato consensual, no sentido de que basta o acordo para haver venda, mas já podemos dizer consensual no sentido de liberdade de forma, pois tem que haver escritura pública.

Na questão a compra e venda de um prédio ser um contrato consensual?
Resposta: se e consensual no sentido de liberdade de forma então não é consensual, mas se estamos a falar de consensual como contraposição a real quanto à constituição, então já é consensual, visto que não é necessário a entrega para que o contrato se forme.

A nossa lei no art 408ºnº1 consagra o princípio da consensualidade para os contratos reais quanto aos efeitos
O que quer dizer?
Já vimos que um contrato real quanto aos efeitos é o que transmite o direito real. Em regra para transferir o direito real basta o acordo, não é necessária a entrega da coisa, é isso que o art 408ºnº1 quer dizer. Ao dizer que a transferencia se dá por mero efeito do contrato quer dizer que basta o acordo, não sendo necessário entregar a coisa.
Só ser necessário a entrega da coisa quando a lei o disser, que é o que acontece, por exemplo, no penhor. Portanto o art 669º, é uma excepção à regra geral do art 408ºnº1.

Outro exemplo. Credor e devedor por acordo constituem uma hipoteca (contrato real quanto aos efeitos)
Contrato Registo Predial - para que se crie hipoteca, para além de acordo é necessário registo. Se não houver registo a hipoteca não se constitui. Portanto é real quanto aos efeitos, mas não quanto à constituição.

Direitos Reais - coisas corpóreas, certas, determinadas e presentes
Art 211º - coisas futuras
ð absolutamente ou objectivamente futura (ainda não existe à altura da celebração do negócio)
ð relativamente ou subjectivamente futuras (coisas que já existem mas não estão na titularidade do que está a onerar ou a alienar)

Art 893º - venda de bens futuros. O bem só se transmite quando o direito for adquirido pelo alienante. Não pode haver Direitos Reais sobre coisa futura
Art 408ºnº2 - parte final - não pode haver Direitos Reais sobre partes de uma coisa, tem que ser sobre a totalidade da coisa. Só quando se separar os componentes (motor e carro) é que se transmite a propriedade.
Propriedade horizontal - a lei permite a transmissão de partes da coisa.


15/3/99
Na última aula estive a falar das características do objecto nos Direitos Reais. Já vimos que os Direitos Reais em princípio têm por objecto coisas corpóreas, apesar de alguns autores admitirem excepções. Para além disso vimos que o objecto dos Direitos Reais são coisas certas e determinadas, coisas presentes (art 498º nº2). É evidente que eu não nego que possa haver negócios jurídicos que tenham por objecto coisas futuras ou coisas indeterminadas, a Lei não nega isso. Só que enquanto a coisa não se tornar presente ou não houver determinação do objecto não há transmissão do Direito Real.
Estávamos a dizer que, em princípio, o Direito Real tem por objecto a totalidade da coisa, não partes de coisa, segundo a nossa lei o Direito Real tem de incidir sobre toda a coisa e não sobre partes de uma coisa. A prova que assim é, está no art 408ºnº2, que nos diz que se se pretender transmitir um Direito sobre uma parte de uma coisa, a transmissão desse direito sobre a parte da coisa está dependente dessa parte integrante ser separada do resto da coisa. Ha excepções, e há certas situações previstas na Lei que são claramente Direitos Reais sobre partes de uma coisa.
O caso clássico é o da propriedade horizontal. Imaginemos um prédio urbano que está dividido por andares, aí pode haver propriedades separadas dos vários andares, pode haver direitos de propriedade distintos sobre as várias fracções, se se tratar de propriedade horizontal. Os andares são partes de uma coisa mais vasta que é o prédio. Aliás, o prédio não é só o edifício, também é o solo (como nos diz o art 204ºcc). Então nos casos de propriedade horizontal (que são casos previstos na Lei) admite-se que possa haver Direitos Reais sobre partes de coisa, só que nesses casos os próprios andares, que são partes de urna coisa, eles próprios são tratados como sendo coisas. Não há uma separação material mas há uma separação jurídica, a Lei autonomiza os andares (as várias fracções autónomas) face à coisa mãe que será o edifício.
Vamos ver agora o conceito de Inerência. A doutrina diz que os Direitos Reais se caracterizam pela inerência. Não se quer com isto dizer que só os Direitos Reais é que são inerentes, há direitos não reais que são inerentes. No entanto, a inerência seria uma característica fundamental dos Direitos Reais. Falar em inerência significa dizer que há uma relação particularmente estreita entre o Direito Real e a coisa que é objecto desse direito; há uma ligação de tal modo estreita que não pode ser quebrada, excepto nos casos em que a própria Lei o permite. Essa característica da inerência vai ter como consequência, desde logo a Sequela.
A sequela é uma outra característica dos Direitos Reais, é o lado dinâmico da inerência. A sequela quer dizer que o titular do Direito Real pode seguir a coisa, ou seja, quem tem o Direito Real (enquanto o Direito Real subsistir) pode fazê-lo valer contra quem quer que seja, independentemente das vissicitudes materiais ou jurídicas pelas quais passe a coisa, independentemente da situação fáctica da coisa. Por exemplo, eu sou proprietário de um relógio, se alguém me tirar o relógio e o entregar a outro, que o entrega a outro (vendas, dações, empréstimos, etc.), enquanto o direito de propriedade subsistir, eu posso valer o meu direito de propriedade contra quem quer que seja, posso seguir a coisa, mesmo que a coisa passe por indivíduos de boa ou má fé, isso é irrelevante. Já não será assim se já tiver passado muito tempo e, entretanto, a pessoa que o tenha na sua posse o tenha adquirido por usucapião.
No caso dos Direitos Reais de gozo, o modo mais normal de fazer valer esse direito é através de uma acção judicial que se chama Acção de Reivindicação, que vem prevista no art 1311ºcc. A Lei diz que o titular do Direito Real o pode reivindicar de qualquer pessoa, sem distinguir se o possuidor ou detentor está de boa ou má fé. Temos aqui uma clara manifestação da sequela. O art 1311º refere-se expressamente ao direito de propriedade, mas também se aplica à defesa de outros direitos reais de gozo, por força do art 1315º.
É certo que o nº2 do Art1311º, nos diz que havendo reconhecimento do Direito de Propriedade a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na Lei. Portanto, há casos em que o proprietário não pode reivindicar o bem, por exemplo, se o bem foi alvo de um contrato de comodato por prazo que ainda não terminou. Os proprietários dos Direitos Reais não estão isentos de cumprir os contratos que eles próprios celebram.
Não é só nos Direitos Reais de gozo que se manifesta a sequela Imaginemos que há um direito real de aquisição, o A é credor do B e o devedor hipoteca um bem seu a favor do credor. Como é que se vai manifestar a sequela? Se, por acaso, o devedor, a dada altura decidir vender ou doar o bem hipotecado a um terceiro, ele pode fazê-lo, não há qualquer tipo de impedimento a que o dono do bem, que está onerado por uma garantia real, o venda. A lei até proíbe a existência de cláusulas contratuais que proíbam a tradição da coisa nestes casos, sendo esse tipo de cláusulas nulas (art 695ºcc), a liberdade é total. A sequela é manifestada porque quando o devedor vende o bem a um terceiro, o bem não é transmitido livre de encargos, e transmitido onerado pela garantia. O que o banco, ou qualquer outro credor pode fazer é algo diferente, é introduzir uma clausula que diga que se o devedor transmitir o bem a dívida vence-se imediatamente, ou seja, o devedor terá de pagar tudo no momento da transmissão do bem (art 695º in fine).
Esta norma, além de se aplicar às hipotecas, também se aplica se for um penhor ou uma consignação de rendimentos e a outros Direitos Reais de garantia. Portanto, a sequela manifesta-se nos Direitos Reais de garantia, no facto de que se o devedor transmitir o bem, o bem é transmitido com a garantia acoplada a ele, o terceiro que adquire o bem, adquire-o onerado pela garantia real. O terceiro que compra o bem não se torna devedor, mas se o devedor não pagar a dívida o credor pode penhorar o bem que agora é propriedade do terceiro.
Como é que se manifesta a sequela nos Direitos Reais de aquisição? Como sabem há diversos Direitos Reais de aquisição, há o direito de preferência com eficácia real, há o direito do promissário no contrato-promessa com eficácia real, há expectativas reais, há diversas situações. Se for um direito de preferência com eficácia real a sequela manifesta-se através da. chamada acção de preferencia (art 1410ºcc), Os direitos de preferência de origem legal são sempre direitos reais de aquisição, os direitos de preferência convencionais poderão ser, ou não, direitos reais de aquisição, dependendo se o pacto de preferência tem, ou não, eficácia real (art 421ºcc).
Nos casos em que o direito real de preferencia foi violado, o preferente pode interpor a acção de preferência mesmo contra terceiros, isto é uma clara manifestação da sequela.
Pode-se levantar a questão se há excepções à sequela. Casos em que um direito real não gozaria de sequela. Há casos de falsas excepções à sequela, imaginemos que este relógio não é meu, é de outra pessoa qualquer mas eu apoderei-me do relógio há vários anos, tenho uma posse pública, pacífica, ando com o relógio no pulso não o tenho escondido. O relógio continua a ser da pessoa a quem eu o tirei. A dada altura, o verdadeiro proprietário descobre e intenta uma acção de reivindicação contra mim. Eu só tenho uma maneira de me safar, que é invocar o usucapião (art1287º).
Só se podem adquirir por usucapião direitos reais de gozo, e mesmo nestes há excepções como veremos. Se o juiz concluir que eu adquiri por usucapião, ou seja, que já tenho o relógio há anos suficientes, eu já não sou condenado a entregar-lhe o bem. Será que isto uma excepção há sequela? Não, aquele que era proprietário, pura e simplesmente, já não tem o direito de propriedade, parque eu adquiri.
Há outros casos em que se poderia discutir se há excepções à sequela. Há um caso que é uma excepção a sequela em muitos países, mas não em Portugal. Há um princípio jurídico que se chama posse vale título. Nos países onde vigora esse princípio se uma certa pessoa comprar de boa-fé uma coisa móvel a um falso proprietário, o negócio é nulo porque é uma venda de bens alheios, mas se a coisa for entregue ao comprador, ele torna-se automaticamente dono do bem, apesar de ter comprado a um falso proprietário. Nos países onde vigora a posse vale título há algumas diferenças. Todos estão de acordo em que no caso de venda de um bem emprestado o princípio vigora Mas há países cm que o princípio já não vigora se a coisa tiver sido roubada. Nos países onde vigora este ­princípio, ele só se aplica às coisas móveis e não às imóveis. Em Portugal o verdadeiro proprietário pode sempre reclamar o bem mesmo que tenha ido parar às mão de um terceiro de boa-fé, portanto posse não vale título.
Em matéria de direito das letras, livranças e cheques a legislação é uma legislação internacional. Nestas matérias, exactamente por ser uma legislação internacional, em princípio, posse vale título. Ou seja, imaginem que eu sou o portador de uma letra ou de um cheque de 50.000 contos a meu favor. Há um indivíduo que me aponta uma pistola à cabeça e me obriga a endossar-lhe o cheque. Esse indivíduo está de má-fé, mas se ele endossa o cheque ou a letra a um terceiro de boa-fé (art 16º nº2 da Lei Uniforme de Livranças) esse terceiro de boa-fé não é obrigado a entregar o documento ao esbulhado, o esbulhado fica a ver navios.
Apesar de posse não valer título em Portugal, há um artigo (art 1301ºcc) que protege os compradores de boa-fé. Imaginemos que eu sou proprietário deste relógio. Há um indivíduo que se apodera do meu relógio (um relojoeiro), e vai vende-lo a um terceiro de boa-fé. A pessoa quando vai a relojoaria parte do princípio que o relógio pertence ao relojoeiro Mais tarde aparece um indivíduo a dizer que é o verdadeiro dono do relógio, se isto acontecer, como o relógio foi comprado de boa-fé, a um relojoeiro, não se pode recusar a entrega do relógio mas, como se aplica o art1301ºcc, pode ser exigida, ao verdadeiro dono a quantia que o terceiro pagou pelo relógio contra a entrega do mesmo. Se o relógio tiver custado ao terceiro 50 contos, o verdadeiro proprietário vai ter de pagar essa quantia para reaver o relógio, tendo depois direito de regresso contra o malvado do relojoeiro.
Há casos que podem ser considerados excepções à sequela. Desde logo há uma situação, nós vamos estudar casos em que alguém que adquiriu invalidamente um bem registável, a um falso proprietário, se vier a registar o bem, em certos casos, esse terceiro de boa-fé que regista, poderá ficar titular do direito real. São casos em que o registo tem efeitos aquisitivos. O negócio é inválido, mas porque o registou, nos termos do art 291ºcc, art 17º nº2CRegPr, art 124ºCRegComercial, são tudo situações em que ao negócio inválido se torna válido.

18/3/99

22/3/99

25/3/99

8/4/99

12/4/99

Na ultima aula tínhamos visto os caracteres de posse, ou seja, os artigos 1258 e seguintes do CC e estávamos a ver os artigos referentes à posse Titulada 1259 CC. O que é que se entende por posse Titulada?
Já vimos a posse Titulada, importa mostrar qual o interesse prático ao se saber se uma posse é Titulada ou não Titulada. Esta distinção é importante por vários motivos, desde logo, pelo artigo 1260/2, a lei diz que a posse Titulada presume-se de boa fé, e a posse não Titulada presume-se de má fé.
Quando alguém tem uma posse Titulada, não precisa de provar que está de boa fé, porque a lei presume-se de boa fé. É certo que é uma presunção ilidível, admite prova em contrário.
Da mesma maneira se tiver uma posse não Titulada, parte-se do principio que o possuidor está de má fé, contudo poderá ilidir a presunção e provar que está de boa fé.
Outro aspecto importante, ao se saber que a posse é Titulada ou não é para efeitos de usucapião se houver registo de Titulo e uma posse Titulada, os prazos para o usucapião são mais curtos. Por exemplo o caso dos imóveis do que assim não for (1294 e compararem com o 1296 - verão que se houver um Titulo e se houver um registo desse Titulo, os prazos para o usucapião (1294), serão mais curtos, do que senão houver registo ou se a posse não for Titulada-) 1276
Se for o caso de coisas móveis, é importante para efeitos de usucapião saber se é uma posse Titulada ou não Titulada, porque olhando 1298, quer para o art. 1299, provém prazos de usucapião diferentes quer a posse seja Titulada ou não Titulada. Quando é Titulada o prazo é mais curto.
O art. 1254/2, vem dizer que quando a posse é Titulada presume-se que há posse desde a data do Titulo. " A posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando for Titulada", neste caso, presume-se que há posse desde a data do Titulo.
Isto pode ter interesse prático, eu tenho este relógio em meu poder, não interessa saber se me pertence ou não pertence, de qualquer modo tenho posse, admitamos que o comprei. O negócio da compra e venda é um justo Titulo, porque é um modo idóneo de adquirir o direito a propriedade.
Eu adquiri posse, quando o relógio me foi entregue, imaginemos que eu até comprei o relógio a um ladrão, a compra e venda não me atribui a propriedade visto que o ladrão não era dono. Não houve constituto possessório, portanto eu só comecei a ter posse quando o ladrão me entregou o relógio.
Posse por tradição. Imaginemos que o ladrão me entregou o relógio dia 01 de Abril, mas podia-o ter vendido dia 20 de Março. Na realidade eu só tenho posse desde o dia 01 de Abril, que foi a data que me foi entregue.
Mas como o Titulo é anterior, a lei presume, é o que diz o 1264/2, que há posse desde a data do Titulo. Pode ser que eu consiga alegar que sou possuidor desde 20 de Março. Na realidade não sou, só sou possuidor desde 01 de Abril, mas como o Titulo, ou seja o negócio jurídico que esteve na origem da aquisição de posse, tem data anterior à aquisição da posse, a lei presume que há posse desde a data do Titulo, mas é uma presunção iludível.
Se eu vier alegar que tenho posse desde 20 de Março, pode ser que alguém faça prova em contrário, que eu só tenho posse desde 01 de Abril, até prova em contrário há esta presunção que resulta do art 1264ºnº2.
Numa classificação de posse, importa distinguir posse de boa fé ou de má fé (art. 1260), diz que a posse é de boa fé, quando o possuidor ignorava ao adquiri-la que lesava direitos de outrem. Portanto se a posse é de boa fé quando ignorava o direito de outrem, será posse de má fé quando ao adquiri-la sabia que estava a lesar o direito de outrem.
Acerca deste artigo, o momento que é relevante, para averiguar se há boa ou má fé, é o momento da aquisição da posse. Reparem que a lei diz: " que ignorava ao adquiri-la, que lesava direito de outrem". Portanto é no momento da aquisição da posse que nós sabemos se ele estava de boa ou de má fé.
Ou seja eu quando adquiri o relógio, através duma compra e venda com um ladrão, era uma posse de boa fé, porque ao adquiri-la ignorava que o relógio tivesse sido roubado, mesmo que passado um minuto, ele me dissesse que o relógio tinha sido roubado. Imaginemos que o ladrão me entregava o relógio (tradição da coisa), e um minuto depois me dizia que o relógio tinha sido roubado, é evidente que passado um minuto eu já sabia que o relógio não era meu (venda de bens alheios é nulo o negócio), mas não interessa eu tinha uma posse de boa fé para um prazo do usucapião, porque interessa é o momento da aquisição da posse. O facto de posteriormente eu ter passado a saber que em minha posse eu estava a lesar o direito de outrem, já não vai alterar a qualidade da minha pessoa, contado em certos casos a lei dá relevância à má fé superveniente. Se o momento que conta é o momento da aquisição e a pessoa está de boa fé, para certos efeitos há casos em que a lei dá relevância à má fé superveniente, é o que acontece em matéria de Frutos. (art 1270ºnº1). O art 1270º, nº1 diz que o possuidor de boa fé, faz seus os frutos materiais recebidos, até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem.
Se alguém tem uma posse de boa fé, pode ficar com os frutos da coisa para si, mas a partir do momento em que saiba que está a lesar o direito de outrem, já não pode ficar com os frutos. Aqui a lei releva a má fé superveniente. Existe relevância para efeitos de frutos, porque é a própria lei que diz. Mas para o efeito do usucapião, o que interessa é a boa ou má fé que existe ao momento da aquisição da posse.
Porque a superveniente em matéria de usucapião é absolutamente irrelevante, contudo a má fé superveniente já tem importância em certas matérias, como é o exemplo que se retira da leitura do art 1260º.
Uma questão que se pode colocar (acerca do 1260) é se a lei exige uma boa fé psicológica ou se pelo contrário exige uma boa fé no sentido ético. Porque o conceito de boa fé, pode ser em sentido psicológico para descrever aquelas situações em que ignore um certo facto. Quando alguém ignora um certo facto, haveria uma boa fé em sentido psicológico, ou seja se se entender que o que interessa para haver boa fé, é o que o adquirente da posse ignore que está a lesar um direito alheio, aparentemente a lei estaria aqui a consagrar uma boa fé em sentido psicológico. Desde o momento que ignore que está a lesar um direito alheio, estaria de boa fé.
O professor Menezes Cordeiro, defende que há que ser mais exigente, seria de entender, segundo ele, que aqui estaria a boa fé em sentido ético. Para se estar de boa fé não basta ignorar que se lesa um direito alheio, só se estaria de boa fé se ignorasse sem culpa que se estava a lesar um direito alheio.
Nós ignoramos que lesamos um direito alheio, porque fomos pouco cuidadosos, negligentes. Por exemplo, se eu compro um objecto no meio da rua a um indivíduo com ar furtivo, e a um preço baixíssimo, tudo aponta no sentido que provavelmente será um ladrão e está a vender uma coisa que foi furtada. É natural que eu possa desconfiar da proveniência desse bem. Ora se houver uma circunstancia tal, que eu possa desconfiar, da actuação doutra pessoa, se eu não desconfiar quando devia desconfiar, mesmo que ignoremos, estamos a lesar um direito alheio.
Para a boa fé em sentido ético, só haveria boa fé se ignorasse sem culpa.
Há artigos em que a lei consagra claramente a boa fé em sentido ético (art 291ºcc). O art. 291ºnº3cc, tem uma definição de boa fé que é claramente, uma boa fé em sentido ético, porque diz que é o considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia sem culpa, o vicio do negócio anulado. Portanto se desconhece com culpa, já haveria má fé.
Conhece sem culpa, está claramente a consagrar uma boa fé em sentido ético. Comparando com o art 1260º, na redacção do art 1260º, não se diz "desconhecendo sem culpa", diz apenas que ignorava que estava a lesar um direito alheio. Pelo confronto entre o art 1260ºnº1 e o art 291ºnº3, à primeira vista, aparentemente a lei está a consagrar uma boa fé em sentido psicológico, porque a lei no art 1260º, não exige que seja um desconhecimento sem culpa, diz que basta ignorar para estar de boa fé.
A minha visão dos factos, é que no art 1260ºnº1, a lei apenas está a exigir a boa fé em sentido psicológico. Contudo chamo a atenção, ao facto que há autores como o professor Menezes Cordeiro, faz uma construção jurídica em que na prática para haver boa fé, tem de ser uma ignorância sem culpa. Contudo eu defendo, que no art 1260ºnº1, a lei não diz que "ignorava sem culpa", diz apenas que ignorava que lesava um direito de outrem. Embora considere defensável que alguém defenda que no art 1260ºnº1, está de boa-fé ética, ou seja na linha de pensamento do professor Menezes Cordeiro.
A lei no art 1260ºnº3, diz que a posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada. Portanto se houver violência na aquisição da posse, há uma presunção de má fé e é uma presunção não ilidível. Aqui há uma presunção que não admite prova em contrário no art 1260ºnº3, a palavra "sempre" prova-nos que não admite prova em contrário, é sempre considerada de má-fé. Aquele que adquiriu a posse violentamente não pode provar que ignorava um direito alheio, ele até podia provar que lesava um direito alheio no caso concreto, mas como recorreu à violência, a posse é sempre considerada de má fé, não pode ilidir a presunção.
Qual o interesse prático em saber se uma posse é de boa ou má fé? É importante porque em matéria de usucapião, os prazos são mais curtos, aos prazos de usucapião quando há má fé. Basta ler os arts 1294ºss, ao lerem os artigos todos do usucapião verão que os prazos quando há boa fé, são mais curtos do que quando há má fé. E em matéria de usucapião a boa fé vence no momento da aquisição da posse.
Também vimos que é importante saber se uma posse é de boa ou má fé por causa da matéria de frutos. Enquanto a posse for de boa fé, o possuidor faz seus os frutos, ou seja mesmo que o possuidor formal tenha mais tarde que restituir o bem não tem de restituir os frutos. O possuidor de boa fé não é obrigado a restituir ao proprietário, os frutos que beneficiou, enquanto manteve a posse.
Enquanto se for o possuidor de má fé, ou o possuidor que se tornou de má fé é obrigado a restituir os frutos (art 1270º, art 1271º), já não terá direito a auferir esses frutos.
A acção de restituição da posse, que pode intentada contra o esbulhador ou contra terceiro de má fé, mas já não pode ser intentada contra terceiro de boa fé (art 1281ºnº2).
O art 1281ºnº2, mostra-nos que não pode ser intentada uma acção de restituição da posse, contra terceiro de boa fé, só contra terceiro de má fé. Portanto, se terceiro adquirir uma posse de boa fé, o esbulhado não pode através dum meio possessório, agir contra terceiros de boa fé, só pode agir se for proprietário, através duma acção de reivindicação, mas não de uma acção de restituição da posse (mais uma distinção entre posse de boa e de má fé).
O art 1261º, que distingue posse pacifica e posse violenta, o art 1261ºnº1, diz que posse pacifica é a que foi adquirida sem violência, portanto o que releva, bem como na boa fé, é o momento da aquisição da posse. Se no momento da aquisição da posse houve ou não violência, se houve violência é uma posse violenta se não houve é uma posse pacifica.
Mas o nº2 do art 1261º, diz que considera-se violenta quando o possuidor para obtê-la, usou de coacção física ou de coacção moral nos termos do art 255ºcc.
Há hipótese da coacção moral e de coacção física, quanto a coacção moral é a própria lei que remete para o art 255ºcc (ameaça que visa causar medo a outra pessoa e para que a outra pessoa celebre o negócio jurídico), aqui não se trata de celebrar um negócio jurídico, trata-se através de ameaça obter a entrega de uma coisa. Portanto se o A aponta uma pistola a B, para obter a posse duma coisa, esta é obtida através duma coacção moral.
Na coacção física qual será o sentido exacto, segundo a jurisprudência e a doutrina? Aqui o artigo ao falar de coacção física não remete para o art 246ºcc, então porque é que o legislador não remeteu para o art 246º? Algum sentido deve-se entender. Aqui a lei parece defender que a violência além de ser exercida sobre pessoas art 246º, também pode ser sobre coisas. A questão é a seguinte por exemplo há um apartamento no Algarve vazio, e um indivíduo que é o dono da casa está em Lisboa, eu chego lá e arrombo a porta até o posso fazer com um tiro de canhão. Imagine que arrombo a porta violentamente, há quem defenda que eu mesmo assim tenho uma posse pacifica, com o argumento que não houve coacção moral, não houve ameaça, e não houve coacção física, porque não houve constrangimento físico, não agi sobre uma pessoa.
Há outra doutrina que defende que é um pouco estranho, que haja violência e que considere uma posse pacifica, caso de arrombamento ou um caso levado ao extremo que o indivíduo podia utilizar um tiro de canhão, dizer que isto é pacifico, choca o entendimento normal.
Eu penso que aqui é que é importante, e daqui entendemos porque a lei não remete para o art 246º, porque senão só estaria a prever uma violência sobre uma pessoa. Mas a lei ao falar em coacção física sem remeter para o art 246º, parece abrir a porta, para que possamos incluir a coacção física às coisas, pode haver violência apenas sobre coisas e classifica-se a posse como violenta.
É muito importante a distinção entre posse pacifica e violenta, na posse violenta presume-se de má fé (art 1260 ºnº3), e não admite prova em contrário.
Por outro lado a posse violenta não permite o usucapião, não é um problema de prazo, se a posse for violenta (art 1297º) não pode haver usucapião e por remissão do (art 1300ºnº1) também se aplica aos móveis. Portanto o art 1297ºcc, aplica-se aos imóveis e aos móveis.
Os prazos do usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência, se eu adquiri posse violenta duma casa durante 15 anos valem zero para o usucapião, só a partir do momento em que cessa a posse violenta é que começa a contar o prazo, enquanto se fosse uma posse de má fé e não titulada os prazos contam-se desde o inicio, embora sejam mais longos.
Enquanto a posse for violenta os prazos não se contam, é que pode ser uma posse violenta e continuar violenta. Imaginemos uma apoderei-me deste relógio, porque apontei uma pistola ao Joaquim e ameacei-o de morte se dissesse alguma coisa acerca deste roubo.
Durante anos ele fica intimidado com a minha ameaça, eu adquiri a posse com violência e mantive a ameaça durante vários anos e por isso a posse continuou violenta, este tempo.
Mas eu fiquei em estado de coma e já não posso cumprir a promessa, a partir daqui começa a contar o prazo para usucapião.
Quando alguém adquire a posse com violência, o esbulhado, aquele que foi privado da posse, pode recorrer à providência cautelar que chama restituição provisória da posse (art 1279º), acção especial por causa de esbulho violento.
No caso do esbulho ser violento, (art 1267ºnº2), que a nova posse de outrem começa a contar-se após o terminar a violência, e o esbulhado durante um ano a partir do terminus da violência, pode pedir a restituição da posse.
O art 1262º, faz a distinção entre posse pública e posse oculta, depende do modo como é exercida. O critério não é o modo como foi adquirida, mas sim o modo como é exercida. Pode ser que a posse seja adquirida publicamente e depois seja exercida ocultamente. Imaginemos que eu comprei um relógio ao relojoeiro, mas posteriormente soube que tinha comprado um relógio que tinha sido furtado e vendido pelo relojoeiro, e com medo que me tirassem o relógio, passei a exercer uma posse ocultamente, ou o contrário também pode acontecer.
No caso do relógio, andando com ele no pulso é posse pública se for um livro e coloca-lo na estante, é uma posse pública, ao contrário se for enterrar um objecto é posse oculta.
Enquanto a posse for oculta, não é boa para o usucapião (art 1297º, art 1300ºnº1), para ser boa para o usucapião tem de ser publica.
O prazo de usucapião só começa a contar quando exerço a posse publica e se adquirir uma posse pacificamente e depois exerço uma posse oculta, esta ultima não conta para efeitos de usucapião.
O prazo para efeitos de usucapião tem de ser na sua totalidade de posse publica. Se for a esbulho oculto, só perde a posse um ano a contar da data em que toma conhecimento do esbulho (art 1267ºnº2). Exemplo: a mulher a dias roubou-me um faqueiro (esbulho oculto), no prazo de um ano para perder a posse, só começa a contar na data em que tomei conhecimento que fui esbulhado. Por vezes pode demorar anos a ter esse conhecimento.
Art1282º, as acções possessórias tem de ser intentadas no prazo de um ano se for às claras, mas se for um esbulho oculto o prazo dum ano só se conta a partir do momento em que tomei conhecimento que foi esbulhado, embora possa não saber quem foi o esbulhador.
Posse efectiva e posse não efectiva
Há casos em que há posse meramente jurídica, porque juridicamente a lei diz que tem posse, mas na prática não tem. Não está em condições de actuar sobre o bem.
O caso mais flagrante é o do esbulhado, em que mantém a posse durante um ano (posse jurídica), porque já não tem a coisa em seu poder ­é uma posse não efectiva. Tem a posse durante um ano, para que possa intentar uma acção possessória, mas é uma posse meramente jurídica. No art 1257ºnº1, diz que a posse se mantém enquanto houver a possibilidade de agir, para o professor Oliveira Ascensão para usucapir é necessário ter uma posse efectiva. O professor Ascensão raciocina com base no espirito do usucapião, em que o possuidor formal teve o bem na sua posse e o proprietário esteve inerte. A sociedade entende que passado um certo prazo de tempo é mais digno de protecção aquele que utilize o bem do que aquele que esteve inerte, que é o titular do direito real mas nada fez.
O professor Ascensão diz se a razão de ser do usucapião é a inércia do proprietário em não utilizar a coisa, e por isso não se justifica que o possuidor formal que não utiliza, também, o bem possa adquirir por usucapião.
Por isso para haver usucapião é necessário ter o bem e agir sobre o bem, porque se estivesse inerte não era lógico dar preferência ao esbulhador.
Ultima classificação sobre a posse, à quem distinga posse civil e posse interdital. O professor Menezes Cordeiro retirou estes conceitos do direito romano e no fundo é uma forma de explicar aquilo que o professor Ascensão designa por posse como regime e posse como categoria.
No CC há um regime previsto para a posse art1251ºss, mas há casos de posse dizem estes autores, porque tudo isto é contestável, aos quais não se aplica o regime do art1251ºss, são aqueles casos que vos referi em que certos indivíduos têm deveres obrigacionais e recorrem ás acções possessórias (como o depósito, comodato, locação, parceria pecuária) são figuras que a doutrina dominante considera figuras obrigacionais, mas em que a lei prevê que várias pessoas podem recorrer ás acções possessórias. Ora se podem recorrer às acções possessórias têm posse, Prof Menezes Cordeiro e Prof Ascensão.
A maioria da doutrina não concorda com esta ideia e com esta análise.
O art1287º, explica o que é o usucapião (ler), então 1ª conclusão:

15/4/99

EFEITOS DA POSSE- A USUCAPIÃO DE IMÓVEIS
Segundo o artigo 1293, não se pode adquirir por usucapião:
a) as servidões prediais não aparentes;
b) os direitos de uso e de habitação.

Os requisitos para se adquirir por usucapião é necessário:
A) ter posse;
B) A posse tem de ter uma certa duração;
C)É imprescindível que a posse seja pacifica e pública ( 1297 ), que se aplica aos imóveis, mas também ás coisas móveis, por força do artigo 1300/1. Isto significa que enquanto a posse por oculta ou violenta, o prazo para a usucapião nem sequer começa a correr.
Já vimos que se a posse por ter má fé ou for não titulada, isso não é obstáculo à usucapião. Pode haver usucapião em ambos os casos. O único problema é que o prazo será maior no caso de má fé e no caso da publicidade é o caracter pacifico da posse. Os prazos da usucapião, variam segundo se trate de coisas imóveis ou de coisas móveis. No caso de coisas imóveis, temos os artigos 1294 a 1296. Se se tratar de coisas móveis, temos os artigos 1298 a 1300, ai estão previstos os prazos de aquisição no caso dos direitos reais de gozo, que incidem sobre coisas móveis.
Não vamos analisar estes artigos muito detalhadamente, quero apenas chamar a atenção para alguns pontos: Quando no artigo 1294, se fala aqui de ' justo titulo ", esta expressão significa que é um titulo que dá origem a uma posse titulada. O conceito de justo titulo vê-se tomado como ponto de referência o artigo 1259. Justo titulo não quer dizer "titulo válido", porque nesse caso a pessoa já era titular do direito real, não precisava de o adquirir por usucapião. Estamos a pressupor que estamos perante um possuidor formal, que é o possuidor que tem interesse em invocar a usucapião para adquirir o direito real, porque o possuidor causal já é titular do direito real.
Portanto este justo titulo não tem de ser de modo algum um titulo válido, tem é que ser um titulo idóneo para qualificar a posse como posse titulada. Temos que nos reportar ao art. 1259. O artigo 1259, fala em registo da mera posse. Este registo da posse é um registo diferente daquele que vem no artigo 1294. Este artigo aplica-se fundamentalmente a casos em que a posse é não titulada.
Por exemplo: O possuidor não tem justo titulo que possa registar. Apesar disso, diz o artigo 1295, que a própria posse é susceptível de ser registada. Quem tem a posse de um imóvel pode ir à conservatória do registo predial, solicitar o seu registo nos termos do nº2 do artigo 1295, ou seja. é preciso ter a posse há mais de cinco anos, é preciso que a posse seja pública e pacífica e que o possuidor tenha a sentença passada em julgado. È essa sentença que será o documento enviado a registo.
O juiz não vai reconhecer que o possuidor é dono do bem, mas apenas que tem a posse de determinada coisa imóvel há mais de cinco anos. Aquilo que se registar, é um documento comprovativo de que existe uma posse. Pelo contrário, no artigo 1294, o que se regista é um documento comprovativo que tinha havido um negócio jurídico referente ao direito real. Por exemplo: Eu compro um prédio, mas é um negócio jurídico inválido, porque o comprei a um falso proprietário. Não adquiri a propriedade, mas há uma escritura pública que é um justo titulo face ao 1259. Apesar de haver uma invalidade substancial, dado que o vendedor não tinha legitimidade para o fazer, há um titulo que pode ser registado na conservatória. É a partir deste registo que o artigo 1294, prevê que se contam determinados prazos para efeito de usucapião. O artigo 1296, diz-nos que apesar de não haver registo de um titulo, nem registo da mera posse, ainda assim se pode adquirir por usucapião um imóvel, só que os prazos são mais alargados:
- Se a posse for de boa fé, a usucapião dá-se ao fim de 15 anos;
- Se a posse for de má fé, a usucapião dá-se ao fim de 20 anos.

O artigo 1256, a propósito desta matéria é um artigo muito importante, porque nos diz que em certos casos, o possuidor pode juntar à sua posse, a posse do anterior possuidor (Acessão de posse). Em certas circunstancias ou certos casos , porque este artigo só se aplica se o possuidor tiver adquirido a sua posse derivadamente não se aplica, se se tiver tratado de uma aquisição originária da posse. Isto é fundamental. O artigo 1256, pressupõe uma transmissão da posse, que significa que a posse foi adquirida derivadamente: A expressão " sucedido", no artigo 1256,/1, significa que há uma continuidade, que há uma derivação das posses, que a posse do actual, é a continuação do anterior. Ora da transmissão da posse prevista no artigo 1256, resulta que para efeitos de prazo de usucapião, o actual possuidor pode invocar, não só o período em que ele próprio teve posse, como também o período do anterior possuidor. Por exemplo: Imaginemos o prazo para aquisição por usucapião desta caneta, era seis anos, e que eu já tenho a posse desta caneta há cinco anos e meio ( posse formal, até posso ser um ladrão, não interessa). Só falta meio ano para adquirir por usucapião. Mas imaginemos que a dada altura eu transmito a posse a outra pessoa, através da tradição. Por exemplo, vendo-lha ( é certo que a venda de bens alheios é nula), mas faz de conta que lhe entrego a caneta através da tradição. Passa a ser ele que tem a posse, mas ele para efeitos de usucapião pode vir a invocar os cinco anos e meio, em que eu, possuidor anterior, tive a posse. Portanto ele só tem de esperar mais meio ano.
Levando isto ao extremo, é possível que uma pessoa adquirida por usucapião, só tendo posse um dia. Por exemplo: Imaginemos agora o prazo máximo da usucapião de imóveis, que é de 20 anos. Se alguém tinha posse há 19 anos, 11 meses e 29 dias e me transmite a posse antes de adquirir por usucapião, um dia antes, bastar-me-á, a mim ter posse por mais um dia, para poder invocar os 19 anos, 11 meses e 29 dias do anterior. Portanto, nos termos do artigo 1256, e em rigor, é possível adquirir por usucapião, só tendo a posse durante um dia. Agora, caso diferente é se o actual possuidor adquirir a posse porque esbulhou o anterior. É obvio que não pode juntar a sua posse à posse do esbulhado, porque seria absurdo que o esbulhador pudesse beneficiar de um prazo de posse do esbulhado.
O novo possuidor, só é possuidor porque inverteu o titulo da posse e quer o apossamento, quer a inversão do titulo da posse, são aquisições originárias da posse que não são previstas no artigo 1256, que só compreende a aquisição derivada. O objectivo do 1256 ( acessão da posse ), é facilitar a aquisição por usucapião mas esta aquisição é facultativa, porque o nº 1 diz "pode ". O novo possuidor é que verá se tem interesse em juntar os prazos, porque temos de ter em conta o nº2 deste artigo, que está a pressupor que a posse anterior e a posse actual não tenham exactamente as mesmas características.
Por exemplo: Imaginemos que o anterior possuidor tinha uma posse de má fé, porque roubou uma caneta. Se ele vendeu a caneta a outrem, este adquire a posse por tradição e desconhecendo que a caneta era roubada, a sua posse é de boa fé. Ora neste caso, o prazo paras adquirir a posse por usucapião, porque o possuidor de má fé era de seis anos e no caso do possuidor de boa fé era de três anos. Se o ladrão já tinha a posse há cinco anos e meio, ao possuidor de boa fé, interessa-lhe juntar os prazos, porque a lei diz que ao juntar, aplica-se o regime daquele que tem menor âmbito (1256/'2), ou seja: Quando se juntam duas posses, aquela que tem menor âmbito é a mais prejudicial para efeitos de usucapião, é aquela que dificulta mais a usucapião. Ora aqui, a posse que dificulta mais a usucapião, é a posse de má fé. Na hipótese dada, se o possuidor de boa fé juntar os prazos das duas posses, conta-se o prazo do possuidor de má fé, mas ele aqui tem interesse em juntar, porque como o ladrão já tinha a posse há cinco anos e meio, só faltava meio ano, portanto é melhor para ele juntar porque se não o fizer tem que esperar três anos.
Imaginemos, agora que eu só tinha a posse da caneta ( de má fé ), há dois anos e que vendo a alguém de boa fé. Neste caso, já o possuidor de boa fé não tem interesse em juntar os prazos, porque como o regime considera que é o prazo do possuidor de má fé que conta, que é o do menor âmbito, ele beneficia da posse dos dois anos do ladrão, mas é o prazo de seis anos que conta. Portanto juntando os prazos, tem de esperar quatro anos, não juntando só espera três anos ( de boa fé).
Esta exemplo é para demonstrar que nem sempre é do interesse do novo possuidor invocar a posse anterior. Também se podia colocar a mesma questão se se tivesse juntado uma posse titulada com uma posse não titulada, ou uma posse em que há registo, com uma posse em que não há registo. O problema era o mesmo, porque são sempre posses de natureza diferente e contam-se sempre para efeitos da usucapião, aquela que seja de menor âmbito, ou seja, aquela que dificulta mais a aquisição por usucapião. Mas também podemos imaginar um exemplo em que o anterior possuidor estava de boa fé e o novo é que estava de má fé. Eu quando me apoderei desta caneta estava convencido que ela era minha, que era muito parecida pelo menos.. Passei a ter posse de boa fé, o que interessa é o momento da aquisição da posse, como já vimos. Até posso vir a saber que a caneta não era minha passados alguns dias, mas isso não altera nada, porque o que conta é o momento da aquisição.
Agora se vendo a caneta a Y, dizendo-lhe que a caneta não é minha, ele vai ter a posse de má fé. Todas as hipóteses são possíveis, mas o que interessa reter é o seguinte: Fica ao critério do novo possuidor decidir se junta ou não junta à posse do anterior, partindo do princípio que foi uma aquisição derivada de posses. Só junta se isso implicar prazos mais curtos (a não ser que isso seja masoquista). Se ele vê que ao juntar se aplica um prazo maior, ele não tem vantagem nenhuma em juntar.
O nº 2 do art 1256, não tem, apenas interesse para casos em que as posses têm características diferentes. Também tem interesse para casos em que as duas posses têm âmbitos diferentes. Por exemplo: imaginemos que eu me apossei de um prédio que não era meu, através de uma prática reiterada etc., portanto, nos termos da al. a) do 1263, o que quer dizer que adquiri posse nos termos do direito de propriedade, ou seja eu ajo como proprietário. A dada altura concedo um direito de usufruto à vossa colega. É evidente que o contrato é nulo, porque eu não sou proprietário, não tenho legitimidade para atribuir o usufruto, portanto ela não adquire o direito de usufruto.
Agora se eu lhe entregar o terreno para ela o gozar, ela passa a agir como se fosse usufrutuária. Assim sendo, ela vai ter posse nos termos do usufruto mas não nos termos de propriedade. Imaginemos que passados uns anos, vinte e tal anos, ou menos até, aparece o verdadeiro proprietário a exigir-lhe a entrega do prédio. Ela pode defender-se, alegando que adquiriu por usucapião o direito do usufruto, mas visto que o usufruto tem menor âmbito que o direito de propriedade portanto imaginem que já tinha o prédio em meu poder antes de lhe conceder o usufruto, eu já tinha utilizado o prédio, como se eu fosse o dono. Ela pode somar esses anos ao período de tempo em que ela foi usufrutuária, porque a propriedade é mais lata que o usufruto, portanto, a propriedade já continha o usufruto. Ela pode juntar, não para adquirir por usucapião o direito de propriedade, mas para adquirir por usucapião o usufruto. Por exemplo:
Imaginem que o prazo para a usucapião do usufruto seria 20 anos. Eu tive durante 18 anos o prédio em meu poder, a título de proprietário. Só durante 2 anos, é que eu Lhe concedi o usufruto, mas como foi uma aquisição derivada da posse, ela pode juntar aos 2 anos em que agiu como usufrutuária, os 18 anos em que eu agi como proprietário. Isto porque a minha actuação abarcava o usufruto e algo mais ! Portanto o usufruto tem menor âmbito que o direito de propriedade, mas para usucapião de usufruto não para adquirir por usucapião o direito de propriedade, porque é um direito de menor âmbito. E preciso estarem atentos a este tipo de acção, porque por vezes, ao resolver-se um caso prático, as pessoas limitam-se a tentar ver se o possuidor já tem a coisa em seu poder, há um numero de anos suficiente e esquecem-se sempre que se ele adquiriu derivadamente a posse, ele pode em certos casos juntar à posse do anterior.
Não basta dizer que fulano tem a posse apenas há um ano, logo não adquiriu a posse por usucapião. Tem de se ver se ele não adquiriu por usucapião, juntando à do anterior, tem de se ver se pode aplicar o art 1256, só se pode aplicar o 1256 se for uma aquisição derivada em vida. Se há uma aquisição originária em vida, não há acessão nenhuma, até por razões lógicas, seria absurdo um indivíduo ser recompensado pelo esbulho que praticou, porque senão haveria um indivíduo que vai "roubar os ovos dos ninhos dos outros", via que alguém já tinha posse há 19 anos, 11 meses e 29 dias, e no último dia dizia: "Chega-te para lá, aqui estou eu, para gozar o bem mais um dia", isto não teria cabimento nenhum. Portanto, nas aquisições originárias não há acessão.

Aquisição "mortis" causa.
Se for uma transmissão mortis causa também não há que falar em acessão, porque se aplica o 1255º (sucessão na posse): "Por morte do possuidor, a posse, continua nos seus sucessores". Aqui a palavra "continua ", tem várias consequências: Desde logo, se "continua", quer dizer que a posse vai ter na esfera jurídica dos sucessores as mesmas características que tinha na esfera jurídica do de cujus, portanto, se o de cujus tinha uma posse de má fé, a posse do sucessor também vai ser de má fé, mesmo que o sucessor, psicologicamente falando, esteja de boa fé. Portanto o sucessor terá posse com as mesmas características do "de cujos":
Se era de má fé, é de má fé;
Se era de boa fé, é de boa-fé;
Se era titulada, é titulada;
Se era não titulada, é não titulada.
Por outro lado há um outro aspecto relevante, na palavra "continua", é a própria lei que nos diz que a posse continua. Então para efeitos de usucapião, o sucessor pode invocar o período de tempo que a pessoa que ele sucedeu, ter posse. Por exemplo: O prazo para a usucapião é de 6 anos, imaginemos. O meu pai morre e já tinha posse há 5 anos, basta que eu tenha a posse mais 1 ano. Mas isto atenção, não é um problema de acessão, que é o juntar os meus anos aos anos do meu pai. O problema não é o de juntar, o problema é que a minha posse é a mesma da do meu pai, porque a lei diz que ela "continua ". A posse já vem de traz. Por isso aqui não há nenhum carácter facultativo. Enquanto na acção de posse o novo possuidor é que decide se quer ou não juntar, ele aqui não decide nada. Assim é como tudo se passa quanto ao artigo 1255. Depois também há quem diga que o artigo 1255 se aplica quer aos herdeiros, quer aos legatários, mas há também quem limite o artigo 1255 apenas aos herdeiros, mas eu já falei acerca disso, não vou agora repetir. A aquisição da usucapião não é automática, é potestativa, ou seja, só adquire por usucapião quem quiser, tem que haver uma declaração de vontade daquele que adquire por usucapião.
Por exemplo: Eu tenho um prédio alheio em meu poder há 40 anos ( que é um prazo largamente suficiente para usucapir), Além disso tenho uma posse pública e pacífica. Eu preencho, pois, todos os requisitos para adquirir a posse por usucapião, mas enquanto eu não invocar, não sou dono do bem. O artigo 1287, diz: "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação é o que se chama usucapião. Este artigo demonstra que a usucapião tem de ser invocada, porque a lei diz "faculta", é uma faculdade que é atribuída ao possuidor, mas é ele que decide se a exerce ou não.
O artigo 1288, é ainda mais revelador: " invocada a usucapião, os seus efeitos retroagem à data do início da posse ". Ora, se diz que a usucapião é invocada, esta palavra significa que a posse tem de ser invocada, não é automática. Se estes argumentos não forem suficientes, ainda há mais um: O artigo 1292, diz que se aplica à usucapião as regras da prescrição. "São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300,302,303 e 305". Uma das regras da prescrição, que é aqui aplicada à usucapião, é a regra que diz que a prescrição não é de conhecimento oficioso do juiz, tem que ser invocada ( artigo 303 do CC). O tribunal não pode suprimir de ofício a prescrição, esta necessita para ser eficaz, de ser invocada judicial ou extra-judicialmente por aquele a quem aproveita, ou pelo Ministério Público. Isto significa, que quando a dívida está prescrita, tem que ser o devedor a invocá-la, o juiz deve abster-se ainda que se aperceba dessa prescrição. Esta é a prova de que a usucapião não é de conhecimento oficioso do juiz, o que confirma que ela não é automática. Se fosse o juiz podia pronunciar-se. Posso aplicar o 1288, quando diz que os efeitos da usucapião retroagem à data do inicio da posse. Os efeitos da usucapião são a aquisição de um direito real de gozo. Aquilo que se retroage à data do inicio da posse, é a aquisição de um direito real de gozo. Por exemplo: Imaginem que eu tenho a posse desta caneta, que não é minha, mas tenho a posse há 6 anos e que o prazo da usucapião é de 6 anos. Eu invoco a usucapião e portanto passo a ser possuidor causal, mas como a aquisição da usucapião é retroactiva, a lei considera que eu sou proprietário desde há 6 anos. Ou seja, desde a data do inicio da posse. É evidente que durante o decurso dos 6 anos, eu não era proprietário. Ora, qual é o interesse para o possuidor desta disposição do 1288 ?
1º- Esta disposição pode ter interesse desde logo para efeitos dos frutos. Se o possuidor estiver de má fé, tem de restituir os frutos ao verdadeiro proprietário. Mas pode-se adquirir um direito real por usucapião mesmo tendo a posse de má fé. Por exemplo: Imaginem que eu tenho a posse de um terreno, mas tenho a posse de má fé há 20 anos. Tenho a posse de má fé, mas posso adquirir por usucapião, teoricamente eu como possuidor de má fé teria que restituir os frutos ao verdadeiro dono, mas como a lei diz que eu sou proprietário desde o inicio da posse ( porque os efeitos da usucapião retroagem desde a data do inicio da posse ), eu estive a recolher frutos que eram meus, logo não tenho que indemnizar.
2º- Outro exemplo que mostra o interesse do artigo 1288: Imaginem que durante esses 20 anos, em que tive a posse do prédio ( não era proprietário ), arrendei o prédio a uma terceira pessoa, embora não tivesse legitimidade para o fazer, porque não era o dono. Depois adquiro o prédio por usucapião, e como me quero ver livre da arrendatária, alego ilegitimidade que eu então tinha para celebrar o contrato, sendo portanto o contrato nulo. De acordo com o 1288, a arrendatária está tutelada, dado que o possuidor é considerado proprietário do bem e não pode anular o contrato com a arrendatária, dado que já era proprietário há 20 anos atrás. Portanto uma das vantagens da retroactividade da usucapião é vir sanar retroactivamente eventuais vícios de negócios jurídicos celebrados pelo possuidor formal, para os quais não tinha legitimidade. Há como que uma legitimação graças à retroactividade do artigo 1288.
Outros efeitos da posse: A presunção da titularidade, artigo 1268. O 1268, diz que: " Quando alguém tem a posse, presume-se ser o titular do direito real correspondente à posse ". Portanto se eu agir como proprietário, presume-se que sou proprietário, se eu agir como usufrutuário, presume-se que eu sou usufrutuário. Se eu agir como se tivesse a posse de um direito de servidão, presume-se que eu tenha esse direito. No fundo, é o que diz o 1268, como a lei nada diz, é de entender que esta presunção é ilidível, porque a regra no nosso direito é que as presunções sejam ilidíveis, ou seja, admitem prova em contrário. E o que diz o 350/2 CC. Portanto é possível fazer prova de que alguém que se presume ser o proprietário, não o é. Esta presunção da titularidade é muito útil, porque muitas vezes nós não temos nenhuma prova de que um bem nos pertence. Imaginemos que alguém vem dizer que a minha gravata Lhe pertence. Que prova é que eu tenho que a gravata é minha? Eu posso não ter nenhum documento a dizer que a gravata é minha, eu posso até testemunhar que foram comigo comprar a gravata, ou até ainda, ela pode ter-me sido oferecida por alguém, que eu já não sei quem foi.
Ora o facto é, como eu tenho a posse quem tem de provar que a gravata não é minha, é a pessoa que alega que é dona da gravata, que tem de provar que a gravata lhe pertence. Portanto isto é um problema do ónus da prova, porque há muitos bens, relativamente aos quais nós não temos qualquer prova de que somos titulares do direito, mas graças ao 1268, evita-se a necessidade de se fazer prova de que se é titular do direito. Os romanos já designavam esta realidade por " probatio diabólica", a prova diabólica. Por exemplo: Se eu disser que esta caneta é minha, porque a comprei, podem-me responder assim: "prove lá que o vendedor era o dono". Eu direi: " era o dono porque, bem não sei porque, etc, ". A dada altura tínhamos que recuar até ao em que a caneta foi fabricada e ainda assim ainda se vai discutir a titularidade dos materiais, com que foi fabricada e regressar à origem ( da galinha até ao ovo),para poder provar se a pessoa era proprietária, mas graças à presunção da titularidade, quem tem a posse não tem que fazer a prova de que é titular do direito real.
Também o artigo 7 do Código Registo Predial, diz que há uma presunção de titularidade do direito real, se alguém tem um prédio ou uma coisa móvel registada em seu nome. Isto quer dizer que a presunção da titularidade resulta não só da posse, como também do registo. Ora pode acontecer que haja um conflito entre a presunção que resulta da posse e a presunção que resulta do registo. Por exemplo. Imaginem que eu tenho a posse de um terreno, mas o terreno está registado em nome de outra pessoa. Neste caso, há um choque entre duas presunções, porque se presume que eu sou dono porque tenho a posse, mas presume-se que ele é dono, porque tem o registo. Ora, o artigo 1268, diz-nos que se houver um choque entre a presunção que resulta da posse e a presunção que resulta do registo, dá-se prevalência à mais antiga, ou seja: se a aquisição da posse por um deles, foi anterior ao registo do outro, prevalece a posse. Se o registo por um foi anterior à aquisição da posse, prevalece o registo. O único caso, que poderia ser mais complicado é se a posse e o registo tivessem surgido na mesma data, mas o 1268/1, diz: "Se o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior, ao início da posse". Ou seja, a presunção da posse só cede perante registo anterior, ora isto quer dizer que a presunção da posse já não cede perante um registo contemporâneo.

Outros efeitos da posse — Os Frutos
O artigo 1270/1, diz que :" O possuidor de boa fé, faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem". Isto é um caso curioso, porque apesar de alei dizer que o que interessa para efeitos de boa fé, é o momento da aquisição da posse ( nós já vimos isso). Portanto para efeitos de usucapião, o que interessa é saber se no momento da aquisição se estava, ou não, de boa fé, mas a má fé superveniente já é relevante para efeitos de frutos, porque o possuidor só tem direito de fazer seus os frutos enquanto estiver de boa fé. Se a dada altura ficar de má fé apesar de continuar a ter uma posse de boa fé, para efeitos de usucapião, para efeitos de frutos, essa má fé já é relevante e a prova disso é o artigo 1270/1 " faz seus os frutos até ao dia em que souber que está a lesar o direito de outrem. Agora se a pessoa tem uma posse adquirida de má fé, não pode fazer seus os frutos. Quando o verdadeiro dono lhe reclamar o bem, também lhe pode reclamar a devolução dos frutos, ou uma indemnização por conta dos frutos.
Outros efeitos relacionados com a posse: As Benfeitorias ( do artº1273 ao 1275). O possuidor formal pode ter realizado benfeitorias a um bem, enquanto foi possuidor do bem. O art 216, dá-nos a noção de benfeitoria. O nº 1 /216 " são benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa". Por exemplo: Eu tenho a posse de uma coisa. Faço despesas para arranjar o telhado da casa: é uma benfeitoria. Eu tenho a posse de um automóvel que teve uma avaria, tive de proceder à reparação do carro. É uma melhoria. Ou a casa precisa de ser pintada, é uma benfeitoria. O nº2/216, diz que as benfeitorias são necessárias ou úteis ou voluptuárias.
O nº 3/216, diz que as benfeitorias necessárias são aquelas que visam evitar a perda, a destruição ou a deterioração da coisa. As benfeitorias úteis são aquelas que apesar de não serem dispensáveis, aumentam o valor da coisa. Ora se aumentam o valor não são voluptuárias. Não confundam a benfeitoria voluptuária com a benfeitoria útil. "Há quem diga que se alguém fizer uma piscina num terreno, como a piscina não é imprescindível, logo é voluptuária". Não é este o raciocínio que devem fazer. O que devem questionar, é se a piscina aumentou ou não o valor. Se aumentar o valor ,é útil. Então se o possuidor formal tiver feito benfeitorias necessárias ou úteis, quer tenha uma posse de boa fé ou má fé, eles tem certos direitos face ao proprietário, porque como diz o 1273 " tanto o possuidor de boa fé como o de má fé, tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que hajam feito e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela".
O nº 2 do 1273, diz: " Se não poderem retirar, têm direito a uma indemnização por enriquecimento sem causa ". Já no caso de benfeitorias voluptuárias, diz o 1275, que o possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando o detrimento da coisa. Caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas. Isto quer dizer no fundo que o possuidor de boa fé, no fundo não pode ser indemnizado pelas benfeitorias voluptuárias, ele pode apenas levantá-las. Se está de má fé, não só não é indemnizado, como não as pode levantar. Quando lidarem com um caso de benfeitorias, interessa saber o seguinte: Partindo do princípio que o benfeitorizante tem direito à indemnização, interessa saber se ele tem direito de retenção sobre o bem, se ele pode dizer ao verdadeiro proprietário — "não restituo a coisa, enquanto não me indemnizar pelas benfeitorias.
Para saber se tem direito de retenção ou não, têm de ir aos artigos 754, a) b) /756, conjugando-os, para saber se têm ou não direito de retenção. Aproveito para dizer que o direito de retenção é um direito real de garantia. Outra questão. Uma questão complicada que por vezes se levanta, é distinguir as benfeitorias das acessões ( não acessão de posse, não é nada disso ), mas quando estudarmos o direito de propriedade, estudaremos a figura da acessão, como modo de aquisição do direito de propriedade. Não confundir acessão como modo de aquisição de propriedade, com acessão como função de posses. Chama-se acessão ao caso em que alguém une uma coisa sua a um bem alheio. Por exemplo, eu tenho um anel em ouro, e alguém tem um diamante. Se eu encastrar o diamante ao anel, há uma acessão, há uma coisa pertencente a uma pessoa que se junta a uma coisa pertencente a outra.
Outro exemplo, Há um terreno e eu vou construir um edifício num terreno alheio, há uma acessão. Pode haver uma certa dificuldade em distinguir quando é que estamos perante o regime da acessão, ou quando é que estamos perante uma benfeitoria. Por exemplo, aquele caso da piscina, pode ser discutível se é uma benfeitoria ou se é um caso de acessão. A questão tem interesse, porque quando há uma acessão, por vezes aquele que faz a incorporação pode adquirir a coisa pertencente a outra pessoa, mas quem faz as benfeitorias nunca pode adquirir o bem, pode apenas ser indemnizado. Fica esta chamada de atenção para a distinção e reservo o desenvolvimento desta matéria quando dermos o estudo do direito de propriedade.
Outro efeito da posse- As acções possessórias como modo de defesa da posse. Quem tem a posse, seja posse causal, seja posse formal, tem a possibilidade de defender a posse através das acções possessórias e também através da tutela privada, embora a tutela privada não se confonda com as acções judiciais. O artigo 1277, fala do recurso à acção directa, mas a acção directa não é uma acção judicial, a acção directa é um meio de tutela privada prevista no artigo 336 CC. A lei não diz que o possuidor pode recorrer à legitima defesa, mas por maioria de razão, se pode recorrer à acção directa, também pode recorrer à legitima defesa. Portanto eu posso agir em legitima defesa para evitar ser esbulhado. Portanto, a lei no artigo 1277, apenas fala na acção directa que é uma figura que vem no 336, mas toda a doutrina entende que quer, por maioria de razão, uma vez de ser acção directa, também pode ser legítima defesa. Neste caso, seria o 337. Mas isto são meios extrajudiciais de defesa da posse. O que nos interessa são os meios judiciais de defesa da posse:
1º — A ACÇÃO DE PREVENÇÃO (1276). "Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar". Por exemplo: Imaginemos que eu tenho posse de uma coisa e que tenha um justo receio ( por ter havido um comportamento de outrem que o faça recear), tem de haver um comportamento que objectivamente possa ser verificado pelo tribunal. Não basta dizer: — "Eu tenho muito medo! O mundo é tão mau!". O possuidor pode intentar uma acção preventiva para evitar que o outro tome certas iniciativas.
2º — A ACÇÃO DE MANUTENÇÃO E ACÇÃO DE RESTITUIÇÃO DA POSSE. A estas acções, refere o artigo 1278 e seguintes; São 2 acções diferentes, a acção de manutenção é intentada quando o possuidor é perturbado na sua posse. A acção de restituição é intentada quando o possuidor é esbulhado. É diferente ser-se perturbado e ser-se esbulhado, porque o esbulho pressupõe uma privação total ou parcial da posse. Neste caso recorre-se à acção de restituição da posse. Agora, se ainda não foi privado da posse, mas o exercício da sua posse está a ser dificultado, porque alguém está a utilizar ao mesmo tempo o bem ou até lhe atira uma saraivada de pedras quando passa por baixo do seu prédio, ainda não foi esbulhado, mas está a ser perturbado. Muitas vezes é difícil saber onde é que acaba a perturbação e começa o esbulho, até porque muitas vezes o esbulho inicia-se com perturbação. O perturbador entusiasma-se e muitas vezes acaba mesmo por privar o outro da posse.
Há o artigo do Código Processo civil 661/3, que diz: "Se tiver sido pedida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta, em vez daquela, o juiz conhecerá do pedido, consoante a situação realmente verificada", ou seja: O juiz pode corrigir o pedido se entender que a acção é uma e não é outra. É um daqueles casos excepcionais em que o juiz tem margem de manobra. Outro caso: Este caso é parecido com os casos de inabilitação e interdição, em que por vezes se pede a inabilitação e o juiz decreta a interdição, e vice-versa. O juiz tem margem de manobra. Isto significa que quem intenta a acção não tem de se preocupar muito. As acções de manutenção e de restituição, tem um certo prazo para serem intentadas que é o prazo de 1 ano, nos termos do artigo 1282. E percebe-se que tenha o prazo de 1 ano, porque quem é esbulhado, ao fim de um ano, deixa de ter a posse ( 1267/ld ). Portanto na acção de restituição é lógico que tenha que ser no prazo de um ano, porque se deixou de passar mais de um ano, já não tem posse, já não tem direito nenhum para ser defendido. No caso da perturbação, se a pessoa foi perturbada há mais de um ano e durante um ano ficou inerte, é porque aquela perturbação não Lhe grande mal, porque cada acto perturbador vai dar inicio para contagem do prazo de um ano. A Legitimidade para intentar acções possessórias. Agora interessa saber quem é que tem legitimidade para intentar as acções possessórias ( legitimidade activa ), e contra quem é que se pode intentar as acções possessórias, ou seja, legitimidade passiva. A legitimidade activa, é o possuidor que a tem, é aquele que foi perturbado, ou então, se entretanto morrer, os seus herdeiros. ( art 1281). A legitimidade passiva .. . ..
Quanto à acção de perturbação- a solução da lei é simples: a acção de manutenção seja apenas contra as pessoas que perturbam. Não é natural que seja contra um terceiro. O terceiro não perturbou, portanto é natural que a acção de manutenção seja apenas quanto às pessoas que perturbam. Caso se o perturbador morreu, então pode-se pedir uma indemnização aos herdeiros. Quanto à acção de restituição, as coisas já se passam de modo diferente, por exemplo: Na acção de restituição, o A è esbulhado por B. O normal é o A, intentar uma acção contra o B, que é o esbulhador. Mas pode acontecer que o B, que é o esbulhador, tenha transmitido a posse para um terceiro C. Portanto, não há duvidas nenhumas que se pode intentar uma acção de restituição contra o esbulhador. Agora a duvida, é saber se se pode intentar uma acção de restituição da posse contra um terceiro. Porque ao fim e ao cabo, não foi esbulhador, mas tendo a coisa em seu poder, prejudica o esbulhado. Ora o que diz o 1281/2, é que: " a acção de restituição da posse, não pode ser intentada contra um terceiro que esteja de boa fé", só pode ser intentada contra um terceiro que esteja de má fé. E o que resulta da leitura do 1281/2, que diz que pode ser intentada a acção contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho. Ora se é contra quem tenha conhecimento do esbulho, quer dizer à contrário sensu, que a acção não pode ser intentada contra quem esteja na posse da coisa e desconheça o esbulho.
Por exemplo: Imaginemos que eu sou o possuidor causal da caneta ( sou proprietário e tenho a posse ). Aquela senhora esbulha-me e depois vende ao vosso colega que está de boa fé. Ele é um terceiro, não foi ele que me esbulhou. Como ele tem posse adquirida de boa fé, eu, que sou o esbulhado, não posso intentar uma acção de restituição da posse contra ele. Por acaso, neste caso, até tenho sorte, porque como eu era um possuidor causal, eu era ao mesmo tempo titular de um direito real. Portanto, eu não posso intentar uma acção possessória contra ele, mas posso intentar uma acção de reivindicação de propriedade, porque a acção de reivindicação de propriedade pode ser intentada mesmo contra terceiros de boa fé. A acção de restituição da posse é que eu não posso intentar. Outro exemplo, diferente: Imaginem que eu era um possuidor formal (só tinha a posse da caneta ). Ela esbulhou-me. Contra ela, não posso intentar a acção. Ela transmite ao vosso colega, se ele está de má fé, também posso contra ele, mas se ele está de boa fé, eu nada posso fazer contra ele. Se eu era um possuidor formal, fico sem nenhum trunfo, porque não posso intentar a acção de restituição da posse, porque não posso intentar contra terceiro de boa fé. Também não posso intentar a acção de reivindicação, porque não sendo o proprietário, não tenho um direito real que me permita intentar a acção de reivindicação.

19/4/99

22/4/99

26/4/99

27/4/99

29/4/99

3/5/99

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