segunda-feira, 2 de junho de 2008

O PRINCIPIO DA SUBSIDARIEDADE E AS SUAS ORIGENS

O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE:
AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
SUMÁRIO
Págs.
I — INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 170
II — DELIMITAÇÃO DO TEMA................................................................................... 173
III — ALGUNS CONCEITOS PRÓXIMOS: ENQUADRAMENTO PRELIMINAR... 174
1.0. Subsidiariedade e direito subsidiário ................................................................ 174
2.0. Subsidiariedade e supletividade ........................................................................ 175
3.0. O conceito de subsidiariedade e o direito penal .............................................. 176
IV — EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SUBSIDIARIEDADE ........ 176
1.0. Da Antiguidade à Doutrina Social da Igreja Católica...................................... 176
1.1. Antiguidade ............................................................................................... 176
1.2. O pensamento de São Tomás de Aquino................................................. 178
1.3. A subsidiariedade em Althusius ............................................................... 180
1.4. A contribuição de Tocqueville ................................................................. 180
1.5. A subsidiariedade em Hegel e em outros pensadores do século XVIII
e XIX......................................................................................................... 181
1.6. A subsidiariedade na Doutrina Social da Igreja...................................... 183
1.7. O conceito moderno de subsidiariedade .................................................. 185
V — FUNDAMENTAÇÃO................................................................................................. 187
1.0. Vinculação da subsidiariedade às idéias de liberdade e justiça....................... 188
2.0. Princípios estruturantes...................................................................................... 189
2.1. Bem comum.............................................................................................. 189
2.2. Dignidade humana .................................................................................... 190
2.3. Pluralismo social e solidariedade............................................................. 191
VI — NATUREZA................................................................................................................ 192
VII — SUBSIDIARIEDADE NO PLANO JURÍDICO-POLÍTICO ............................... 194
1.0. Subsidiariedade e Federalismo .......................................................................... 196
1.1. Subsidiariedade no Direito norte-americano: brevíssima incursão......... 197
1.2. Subsidiariedade na Alemanha................................................................... 198
1.3. O caso brasileiro ....................................................................................... 200
169
170
Págs.
2.0. Subsidiariedade e Estado Unitário .................................................................... 206
2.1. O caso português ...................................................................................... 207
3.0. Subsidiariedade no Direito Comunitário........................................................... 209
VIII— CONCLUSÃO............................................................................................................ 211
IX — BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 212
I — INTRODUÇÃO
O estágio da reflexão política e econômica hodierna não tem como abstrair
as vertentes ideológicas experimentadas nos séculos antecedentes. Objetivamente,
a discussão acerca do verdadeiro papel do Estado e qual deveria ser a
sua relação com a sociedade civil deve, como escala obrigatória, contemplar a
questão da transição do Estado liberal para o chamado Estado social de Direito.
Como bem se sabe, a escola liberal pregava a marcante separação entre
Estado e Sociedade (1) e tinha, como seu expoente máximo, a doutrina difundida
por ADAM SMITH. Nela, uma suposta ordem justa e natural era quem fundamentava
a livre iniciativa dos membros da sociedade. Tal liberdade, assim,
era encarada como o único meio de se obter o progresso e de se atingir a
máxima vantagem por todos (2). Para os liberais, o bem-estar coletivo resultaria
não de algum tipo de dirigismo estatal, mas do livre encontro dos fins
individuais (3).
Com o advir do chamado Estado social, o clássico dogma da liberdade e
igualdade, que até então prevalecia, foi substituído por uma política de assunção
de atividades econômicas e sociais pela Administração. Essa postura interventiva
se justificativa, basicamente, no atendimento das novas necessidades públicas
e nas frustradas expectativas da complexa vida social.
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(1) Segundo REIS NOVAIS, o Estado liberal se circunscrevia no ideal das três separações:
a) a separação entre politica e economia, segundo a qual o Estado devia, tão-somente, se limitar
a garantir a segurança e a propriedade privada, deixando para o mercado a tarefa de se auto-regulamentar;
b) a separação entre Estado e Moral, onde a moralidade não pode ser ditada pela coação
externa ou assumida pelo Estado, mas apenas pela consciência individual; c) a distinção entre
Estado e sociedade civil, segundo a qual esta última é o local em que coexistem as esferas morais
e econômicas dos cidadãos — o Estado deve ser mera referência comum, que permite o desenvolvimento
da sociedade segundo as suas próprias regras (NOVAIS, Jorge Reis, Contributo para uma
Teoria do Estado de Direito — do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito,
Coimbra, 1987, 51-52).
(2) MOREIRA Vital, A Ordem Jurídica do Capitalismo, Coimbra, 1976, págs. 77 e segs.
(3) NOVAIS, Jorge Reis, op. cit., pág. 53.
171
O Estado intervencionista passou a centrar o essencial das suas preocupações
em tomo da distribuição do produto social, motivo pelo qual se empenhava,
incisivamente, no controle do processo produtivo (4). Saia de cena aquele
ente passivo da época liberal, para dar lugar a um novo sujeito social, participativo
e hipertrofiados (5).
Com efeito, o resultado dessa política dirigista conduziu as sociedades
modernas a se depararem com um espetacular aumento do gasto público.
A dimensão centralizadora e intervencionista do Estado logo deixou de ser encarada
como um avanço em busca do progresso social para ser sinônimo de ineficiência
e desperdício.
De fato, a debilidade econômica do setor público e a sua notória incapacidade
de satisfazer as demandas sociais fizeram com que fosse impostergável
a devolução à sociedade do seu papel principal, da sua iniciativa e da sua
liberdade (6). O Estado, na expressão de FERRAJOLI, passou a ser “demasiado
grande para coisas pequenas e demasiado pequeno para coisas grandes” (7).
Aqui, as expressões “grande” e “pequeno”, por óbvio, sem deixar transparecer
qualquer juízo de valor, mas sim, simbolizando o descompasso estabelecido
entre os anseios sociais (e individuais) e as respostas vindas da organização
estatal.
Portanto, nos dias atuais tomou-se imperativo estabelecer um melhor equilíbrio
para o controle estatal dos processos econômicos e sociais, sem se deixar
levar, como dantes, por exageros abstencionistas ou intervencionistas. O que agora
se almeja é a descoberta de um critério que permita realizar a delicada tarefa de
ponderação e de repartição de competências dentro dos Estados e, em algumas
situações, para fora deles.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(4) O Estado (econômico) não só toma decisões destinadas a influenciar no processo produtivo,
mas efetivamente, muitas vezes, passa a integrar esse mesmo processo.
(5) Cf. BOBBIO, Norberto, Estado Governo e Sociedade — para uma teoria geral da política,
São Paulo, 1992, maxime págs. 24-27.
(6) TORRES, Sílvia Faber, O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo,
Rio de Janeiro, 2001, pág. 2.
(7) Completa o autor, dando ênfase também na decadência do conceito do velho Estado soberano:
“É grande demais para a maioria das suas funções administrativas, as quais exigem, ate
mesmo onde os impulsos desagregadores ou separatista não atuam, formas de autonomia e de organização
federal que contrastam com os velhos moldes centralizadores. Mas, sobretudo, o Estado
é pequeno demais com respeito às funções de governo e de tutela que se tornam necessárias
devido aos processos de internacionalização da economia e as interdependências cada vez mais
sólidas que na nossa época, condicionam irreversivelmente a vida de todos os povos da Terra.”
FERRAJOLI, Luigi, A Soberania no Mundo Moderno, São Paulo, 2002, págs. 50-51. A expressão
aqui citada teria sido atribuída a DANIEL BELL, autor de The End of Ideologies por MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo, Direito da Participação Política — Legislativa, Admnistrativa, Judicial
(fundamentos e técnicas constitucionais da democracia), Rio de Janeiro, 1992, pág. 185.
172
É, então, nesse cenário, que damos a conhecer o principio da subsidiariedade.
A sua proposta mais importante é a de instituir uma relação equilibrada
entre o poder público e os cidadãos. Mais além, sob o ponto de vista jurídico,
oferece-se para contribuir com o estabelecimento de parâmetros de uma distribuição
subsidiária das competências e poderes entre as autoridades de distintos
níveis, sejam essas públicas ou não.
Como regra, o resultado de sua aplicação deverá sempre propiciar o atendimento
das demandas sociais de modo mais eficiente (8), zelando, todo tempo,
pelos valores e vontades da sociedade.
A bem da verdade, como já deixamos transparecer, a subsidiariedade se
inscreve dentro de uma problemática inquieta, pois exige a superação das alternativas
opostas entre o liberalismo clássico e o socialismo centralizador.
No seu âmago, perenemente, conviverá a noção de abandono do igualitarismo
socialista em beneficio do valor da dignidade e da renúncia do individualismo
filosófico em favor de uma sociedade estruturada e federada (9).
O conteúdo essencial do princípio está em que uma entidade superior não
deverá realizar os interesses da coletividade quando ela tiver meios de supri-los,
por si mesma, de maneira mais eficaz. E, numa perspectiva positiva, que a
subsidiariedade apenas autorizará o ente maior a atuar nas matérias que não
possam ser assumidas de maneira mais adequada pelos grupos sociais menores.
A subsidiariedade traz em si a idéia de supremacia da sociedade (10) sobre
o Estado, tomando-se como referência um poder público situado no topo do
processo decisório. A esse último, na distribuição política e social das
Competências, caberá a missão de encorajar, estimular, coordenar e, somente
em último caso, substituir a ação dos indivíduos e dos grupos (11).
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(8) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 3.
(9) MILLON-DELSOL, Chantal, L’Etat Subsidiaaire — Ingérence et non-ingérence de l’Etat:
le principe de subsidiarité aux fondements de l’histoire européene, Paris, 1992, pág. 5.
(10) BOBBIO esclarece que na liguagem política de hoje a expressão “sociedade civil” é
geralmente empregada como um dos termos da grande dicotomia sociedade civil/Estado. O que
quer dizer que não se pode determinar seu significado e delimitar sua extensão senão redefinindo
simultaneamente o termo “Estado” e delimitando a sua extensão. Segundo o autor, negativamente,
por sociedade civil entende-se a esfera das relações sociais não reguladas pelo Estado,
tomado restritivamente e quase sempre também polemicamente, como o conjunto dos aparatos que
num sistema social organizado exercem o poder de coação (BOBBIO, Norberto, op. cit., pág. 33).
(11) O Juiz MELCHIOR WATHELET, da Corte de Justiça da Comunidade Europeia, assevera que
o princípio da subsidiariedade contempla um senso muito largo e outro deveras estreito dentro do
seu conceito: “dans un sens large, le príncipe de subsidiarité pourrait gouverner trois démarches:
premièrement, la répartition ou Voctroi dês compétences (“qui fait quoi”), et l’on pense immédiatement
aux systèmes fédéraux et aux dífférences que peut y provoquer le lieu, central ou décentralisé,
où se situe le pouvoir résiduel, deuxièmement, une fois les compétences réparties, le príncipe
de subsidiarité régulerait également le déclenchement de l’exercice même de la compétence
173
A par do que dissemos, e extrapolando um pouco os contornos delineados
até aqui, acrescentamos que o princípio da subsidiariedade, embora de inspíração
antiga, foi redescoberto pelo pensamento jurídico-político moderno quando
da sua inserção no Tratado da União Europeia (artigo 3.º-B). Agora, no panorama
comunitário, além dele se tomar critério auxiliador na repartição de competências
dentro do bloco de Estados-membros, adquiriu status de verdadeiro princípio
jurídico constitucional da ordem comunitária (12).
Essas reflexões prévias e introdutórias não escondem a amplitude e relevância
do tema. Falar em subsidiariedade, invariavelmente, implica em conceituar o
papel que deve ser desempenhado pelo govemante e pelo governado. Demanda,
ainda, incorrer na idéia de cidadania, de racionalidade das decisões públicas e do
que seja interesse local. Seu estudo, sob qualquer ótica, jamais poderá deixar de
considerar a temática da liberdade, da democracia pluralista, da equidade, do federalismo
e do indivíduo (13).
II — DELIMITAÇÃO DO TEMA
Como vimos, o estudo do princípio da subsidiariedade requer inúmeras
abordagens. Das suas origens no pensamento aristotélico, passando pela construção
de uma ideologia federalista, às regras de repartição de competências no
direito comunitário, é amplíssimo o objeto de sua análise.
Jamais ousaríamos nos incumbir de tal desafio.
Sendo assim, no âmbito desse trabalho, procuraremos, tão-somente, conceituar
o princípio dentro de sua evolução histórica e da sua concepção atual.
Complementarmente, traçaremos alguns critérios para sua fundamentação valorativa
e, dentro das premissas principiológicas que ele carrega, intentaremos
visualizar a sua inserção no plano jurídico-político.
Por fim, destacaremos alguns ordenamentos jurídicos, em especial o brasileiro,
para contemplar algumas de suas possíveis manifestações.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
octroyée, ce qui suppose d’établir la nécessité de l’action envisagée et, enfin, troisièmement, une
fois la compétence octroyée, son exercice déclenché, le príncipe de subsidiarité au sens large
devrait encore déterminer les limites, l’ampleur ou l’intensité de l’exercice de cette compétence,
démarche plus souvent placée sous le concept de la proportionnalité” (WATHELET, Melchior, Propos
Liminaires, in Le Principe de Subsidiarité, obra coletiva organizada por Francis Delpérée,
Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, Bruxelas, 2002, pág. 17.
(12) CONSTANTINESCO, Vlad, Subsidiarité… vous avez dit subsidiarité?, in Revue du Marché
Unique Européen, n.º 4, 1992, pág. 230.
(13) Nesse sentido, BARACHO, José Alfredo de Oliveira, O Princípio de Subsidiariedade
— conceito e evolução, Rio de Janeiro, 2000, pág. 2.
174
A título ilustrativo, porque esse não será o cerne do estudo elaborado, teceremos
alguns comentários sobre sua importância dentro do direito internacional
e comunitário.
III — ALGUNS CONCEITOS PRÓXIMOS: ENQUADRAMENTO
PRELIMINAR
1.0. Subsidiariedade e direito subsidiário
Por direito subsidiário entende-se como sendo aquele que é invocado pela
técnica jurídica, em certas situações, a fim de colmatar alguma disciplina normativa,
integrar lacunas e preencher omissões legislativas.
Fala-se, desse modo, em direito subsidiariamente aplicável a determinado
caso, quando, de forma secundária, aquele for chamado para reger uma realidade
não perfeitamente tratada pelas normas inicialmente postas a favor da causa (14).
Nada obstante, a expressão direito subsidiário é frequentemente trazida à baila
dentro da seara do direito comparado e das ciências histórico jurídicas. Nesse
contexto, o termo serve para representar mais de uma técnica jurídica destinada
ao tratamento de situações emergentes em certo meio social (15).
No domínio da história do direito (16), a questão teve (e tem) relevo na
hora em que a constelação normativa pátria se mostra insuficiente em fontes e
passa a exigir que o seu operador navegue por ordenamentos estrangeiros, em
busca de orientação e respostas. Em razão disso, o direito subsidiário assume
papel de crucial importância, “como elemento de aproximação cultural entre
povos, fazendo que os respectivos ordenamentos jurídicos mantenham entre si uma
unidade muito mais acentuada do que pode suspeitar-se através da diversidade
das suas normas legais consuetudinárias” (17).
Portanto, a subsidiariedade, na qualidade de instituto autónomo, como veremos,
não se confundirá com as expressões direito subsidiário e subsidiariedade
de direito, que se reportam as definições aqui estabelecidas.
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(14) Para um maior aprofundamento no tema, cf. ENGISCH, Karl, Introdução ao Pensamento
Júridico, trad. portuguesa, Lisboa, 2001, págs. 275 e segs.; CANARIS, Claus-Wilhelm, Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, 2002, págs. 149-242; LAREZ, Karl,
Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 1997, maxime págs. 519-572; BOBBIO, Norberto, Teoria
do Ordenamento Jurídico, Brasília, 1994, págs. 115-160.
(15) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, O princípio da subsidiariedade em perspectiva
jurídico política, Coimbra, 2003, pág. 10.
(16) Sobre o tema, dentre muitos, cf. WIEACKER, Franz, História do Direito Privado Moderno,
trad. portuguesa, Lisboa, 2004, maxime págs. 397 e segs.
(17) Ibidem, pág. 11.
175
2.0. Subsidiariedade e supletividade
Os conceitos de subsidiariedade e supletividade com muita frequência são erroneamente
confundidos. “Supletividade” é uma palavra que deriva de “supletivo”,
do latim suppletivu (18): aquilo que supre, que completa, que preenche uma falta.
Adverte MARGARIDA MARTINS, que, corriqueiramente, se utiliza a expressão
direito supletivo ou direito supletivamente aplicável, no sentido de “direito subsidiário”,
abordado no item acima.
Contudo, os sentidos das duas expressões não devem ser confundidos.
“Assim, prefere-se o termo ‘direito supletivo’ para se fazer referência a situações
em que se impõe que se aplique uma disciplina jurídica indiscutivelmente geral
na ausência de regulação normativa e prefere-se o termo ‘direito subsidiário’
para se fazer referência a situações em que se impõe uma disciplina especial
expressamente escolhida para se prover a uma incompletude eventual de regulação
normativa, que carece de ser ‘auxiliada’ para que a matéria em causa
possa ser suficientemente disciplinada por regras jurídicas precisas” (19).
A aparente sinonímia não para por ai. A expressão supletividade, ainda, possui
uma outra conotação.
O ordenamento espanhol contempla chamada cláusula de “supletoriedad”,
que consta no artigo 149.º da sua Constituição (“El derecho estatal será, en todo
caso, supletorio del derecho de las Comunidades autónomas”). A partir dessa referência,
a doutrina começou a tratar a expressão em comento também como corolário
do que se batizou como “princípio da supletividade”.
O aludido principio, em suma, significa que o Direito do Estado espanhol
é geral e mais completo do que o Direito das Comunidades Autônomas. Esse
último, por sua vez, por ser incompleto e fragmentário, deve funcionar com a
suplência do direito comum de fundo (20). A expressão “supletividade” está
associada a uma técnica elaborada pelo legislador (constituinte ou originário) para
resolver problemas de lacunas, insuficiências e omissões de determinado ordenamento
normativo. Isso “tanto no contexto da relação entre ramos do direito
(como, por exemplo, da relação entre direito administrativo, e direito civil),
como da relação entre ordenamentos jurídicos (por exemplo, estadual e regional)”
(21). Ela surge, concretamente, como uma “técnica que serve para indicar
ao operador jurídico quais as normas a aplicar. Nada mais e nada menos” (22).
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(18) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio — Século XXI, Edição
Eletrônica, versão 3.0, 1999.
(19) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 12.
(20) Ibidem, pág. 13.
(21) Ibidem, pág. 14.
(22) Idem.
176
Em denotação muito diferente, portanto, teremos o princípio da subsidiariedade.
Enquanto a supletividade é regra de aplicação de normas e guarda semelhança
à técnica de preempção de direito federal, desenvolvida pela United States
Supreme Court norte-americana, aquele outro é um princípio delimitador de
competências.
3.0. Subsidiariedade e o direito penal
Muito em função da elasticidade que o termo subsidiariedade oferece, ele
é utilizado também em outras áreas do direito, afora o sentido que, a título de
introdução, antecipamos.
É o que ocorre, por exemplo, dentro da escola juspenalista. O Direito Penal,
nessa acepção, é considerado como um direito subsidiário, ou seja, sua intervenção
apenas se dará quando for absolutamente necessária para tutelar determinado
bem jurídico. A idoneidade da regulação penal em um ordenamento só se justifica
na condição de ultima ultima ratio, com caráter fragmentário (23).
Nesse plano, também não se confunde com o princípio posto em análise.
Assim sendo, feitos estes esclarecimentos iniciais, onde excluímos do escopo
de nosso estudo alguns sentidos vulgarmente atribuídos a palavra subsidiariedade,
chegou a hora de adentrarmos no seu tema propriamente dito.
IV — EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SUBSIDIARIEDADE
1.0. Da Antiguidade à Doutrina Social da Igreja Católica
1.1. Antiguidade
Acredita-se que a idéia de subsidiariedade seja antiqüíssima. Aqui falamos
em ideia, não ainda em conceito ou princípio, porque a tal formulação
dogmática só seria atingida muito mais tarde (24).
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(23) KAUFMANN não faz essa distinção entendendo que o carácter fragmentário do direito penal
é sim um dos aspectos do princípio da subsidiariedade. Ele sustenta a tese de que o direito penal
intervém quando é absolutamente necessário para proteção da sociedade, ou seja, unicamente
para defesa de bens jurídicos que são indispensáveis para vida dos homens em comunidade e
que de nenhum outro modo, a não ser através da sua tutela, podem ser eficazmente protegidos
(KAUFMANN, Arthur, Filosofia do Direito, trad. portuguesa, Lisboa, 2004, pág. 334).
(24) QUADROS, Fausto de, O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário após o
Tratado da União Europeia, Coimbra, 1995, págs. 12-13.
177
Sendo assim, as primeiras manifestações da idéia de subsidiariedade costumam
ser atribuídas ao pensamento de Aristóteles. O filósofo, ao se referir às
atribuições de poder e competência subsidiária dentro de uma sociedade, afirmava
que ao grupo mais restrito, ou seja, o familiar, caberia se ocupar exclusivamente
das necessidades quotidianas do indivíduo. As aldeias, por sua vez, deveriam se
encarregar das necessidades que não fossem puramente quotidianas. E às cidades,
em último grau da escala, teriam uma outra finalidade: agora não mais propiciar
o viver, o sobreviver, mas o viver bem (25).
Nesse cenário, os diferentes grupos sociais não se intercalariam, mas se
sobreporiam, partindo-se do pressuposto que cada grupo age, tão-somente, para
responder às necessidades não satisfeitas da esfera imediatamente inferior (26).
O poder, por outro lado, retiraria a sua legitimidade não apenas do seu
papel de suplência (27), mas da obrigatoriedade de ser justo e de respeitar a
liberdade e a diversidade dentro de uma determinada sociedade (28).
Para o filósofo, o poder era tido como uma verdadeira arte de governar
homens livres, já que apenas a grande virtude e prudência de um governante impediria
que houvesse a destruição da liberdade humana. Essa liberdade, entretanto,
não apenas tida no senso individualista, da livre de autonomia moderna,
mas vinculada à ideia de urna autoridade suprema, que, na prática, não se imiscui
naquelas inatas aos grupos sociais (em uma sociedade que era composta de
grupos, não apenas de indivíduos) (29).
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(25) Afirma FINNIS, contemplando o pensamento aristotélico na obra Política: “the members
of a family will flourish more fully if without dissolving their family, they enter into a whole
network of associations with their neighbours. Aristotle speaks of this level of associations as essentially
the community of neighbourhood. But neighbourhood, we must add, need not be merely geographical.
To Aristotle’s whole analysis of this vastly ramified level of forms of community intermediate
between the family and the political community, we must also add that just as the
dissolution of family and property would water down human friendship, so the complete absorption
by the family of its members would radically emaciate their personal freedom and authenticity,
which also are basic aspects of human fullbeing” (FINNIS, Jolin, Natural Law and Natural
Rights, Oxford, págs. 145-146).
(26) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 42.
PACHECO AMARAL completaria esse pensamento ao afirmar: “no vértice do sistema aristotélico,
a ‘autarkeia’ da polis não nega nem absorve a autonomia das aldeias, das famílias e das pessoas,
serve-as a todas, garantindo e potenciando a sua individualidade e a sua autonomia, fornecendo-lhes
tudo aquilo de que necessitam para alcançar o ‘telos’, a vida ética, tudo aquilo que não forem capazes
de assegurar por si sós, suprindo assim subsidiariamente as lacunas que se apresentem” AMARAL,
Carlos EDUARDO PACHECO, Do Estado Soberano ao Estado das Autonomias, Regionalismo,
Subsidiariedade e autonomia para uma nova idéia de Estado, Porto, 1998, págs. 245-246.
(27) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 40.
(28) MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 22.
(29) Ibidem, pág. 9.
12 — F.D.U.L.
178
O poder só surgiria para fazer face a uma contingência (30) — como, por
exemplo, a guerra — e somente nessas bases se legitimaria. Se ele se exercer
para além dos problemas para os quais foi invocado, “cai na usurpação, numa
autoridade desprovida de limites, fora da política. O poder tem, pois, para os
antigos, para além de uma base religiosa, algo de específico ligado a uma noção
de utilidade, de necessidade que é chamado a satisfazer” (31).
Em Aristóteles, o indivíduo era o fulcro do sistema político, motivo pelo qual
o Estado, a Pólis, devia agir em função do seu próprio bem. Por via de regra.
a autonomia só se legitimava ontologicamente porque o homem se definia por
intermédio da sua obra. Ela contribuía para o desenvolvimento do seu ser e
rogava, a partir da garantia da liberdade, pela conservação da diversidade na
harmonia (32).
Como se vê, ainda naquela época, nas realizações práticas do principio em
análise, o grego já antevia um dos mais importantes critérios de prevenção contra
o Estado nivelador e indiferenciado (33). É na sua essência onde remontam
as noções embrionária da subsidiariedade moderna (34).
1.2. O pensamento de São Tomás de Aquino
A concepção primitiva de subsidiariedade foi posteriormente desenvolvida
por TOMÁS DE AQUINO, para quem a entidade cristã “pessoa” parece ter substituído
aquela antiga compreensão de “cidadão”.
Na idealização tomista, a sociedade é múltipla e variada, onde somente a filosofia
do poder permite a consagração da diferença. O respeito a essas diferenças
é, justamente, o único modo de cada um realizar as suas finalidades singulares.
Para o filósofo, cada pessoa constitui o mundo dela própria, independente
e responsável por seu destino. Em concreto, entretanto, ela será sempre incapaz,
por si só, de realizar a felicidade esperada. Haverá para ela a necessidade de
recorrer o poder público, instrumento posto em serviço das sociedades, para
preencher essa carência.
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(30) Aristóteles, Política, III, 16, 1287 a 20-25.
(31) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 43.
(32) DURET, Paolo, Sussidiarietà e Autoamministrazione dei Privati, Milão, 2004, pág. 5.
(33) ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1997, pág. 504.
(34) Existem autores que não enxergam a idéia de subsidiariedade antes da Idade Média, uma
vez que a sua noção só poderia ser concebia em uma fase seguinte da moral jurídica: “teria de
quebrar o sistema medieval de vínculos e restrições e apoderar-se o afã de liberdade criadora de
todas as esferas da vida social e cultural, o que começaria no Renascimento. Demais disso,
teria de elevar-se à consciência moral-jurídica, como sucederia nos séculos XVII e XIX, o total
alcance da igualdade da natureza de todos os homens” (MESSNER, Johannes, La Cuestion Social,
1960, Madrid, pág. 369).
179
São TOMÁS DE AQUINO também descreve uma sociedade dirigida pelo princípio
da totalidade, em que o bem singular deve estar subordinado ao bem do
todo (35).
Nessa linha de pensamento, cada homem deveria procurar o bem comum
antes mesmo do alcançamento do seu próprio bem: “dentro de um todo, cada parte
ama naturalmente o bem comum desse todo mais do que o seu próprio bem
em particular” (36). Falamos aqui de uma obrigação que era natural antes do
pecado e, após esse, se tornou um dever moral (37).
Para TOMÁS DE AQUINO, enquanto a pessoa está vinculada à sociedade
por necessidade, na mesma relação estabelecida, estava também ontologicamente
ligada a Deus. Contudo, esse Deus, que conferia liberdade aos seres humanos,
não lhes Impunha, de sua parte, qualquer finalidade (38). A sociedade servia
aos homens e lhes concedia a possibilidade de estarem em comunhão com o
todo divino e humano, sem por isso englobar e desnaturar as existências individuais.
Em síntese, o homem tomasiano precisava da sociedade viver, mas, ao
mesmo tempo, devia estar em constante contato com Deus. Tal contato, aliado
a possibilidade de ser plenamente livre em seus atos, era o que lhe permitiria realizar-
se a si próprio (39). Ausência de Deus e o tolhimento de sua capacidade
de ação, inevitavelmente, conduziria à desfiguração da sua essência e das suas
finalidades primordiais. Dessas premissas, qualquer poder que coexista no meio
social e Implique finalidades distintas das mencionadas seria supérfluo e pernicioso.
A função precípua da sociedade deveria ser a de estabelecer a unidade entre
os homens e entre esses e Deus.
Na Idade Média, ao poder político incumbia, sobretudo, realizar a pacificação
e de unificação, sendo a Igreja quem, em primeiro lugar, aparece como grupo subsidiário,
desempenhando certas tarefas de auxílio que posteriormente foram
outorgadas ao Estado (40).
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(35) São Tomás de Aquino, Somme Théologique, Paris, 1996, I, II, qu. 58, artigo 5, apud
MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 44.
(36) São Tomás de Aquino, Somme Théologique, Paris, 1996, 11, II, qu. 26, artigo 3, apud
ibidem, pág. 45.
(37) Idem.
(38) Idem.
(39) “La transcendenza di Dios, solus sanctus, relativizza criticamente ogni potere politico
e lo rivela strumentale alla persona secondo il principio di sussidiarietà”, G. MORRA, Alla ricerca
del principio di sussidiarietà, in L’Europa che verrà, pág. 36, apud DURET, Paulo, op. cit., pág. 6,
nota de página.
(40) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 46-47.
180
1.3. A subsidiariedade em ALTHUSIUS
ALTHUSIUS tem sido considerado o pensador político mais profundo entre
BODIN e HOBBES. jurista alemão, do fim do século XVI e início do XVII, atribui-
se a sua obra o pioneinismo na descrição de uma sociedade subsidiária (41)
na defesa da estrutura federalista.
Verificamos na concepção organicista de ALTHUSIUS, a primeira apologia
pós-medieval da autoridade subsidiária. Para o autor, a sociedade constrói-se por
pactos sucessivos, através de contratos públicos. “Por intermédio desses pactos,
as autoridades subsistem, possibilitando as reclamações que levam aos pronunciamentos
sobre as proteções exigidas pelas esferas superiores. Essa sociedade
ali descrita está cheia de assembléias e deliberações, onde cada uma defende a
sua autonomia” (42). As comunidades não se confundem, mas sobrepõem-se,
estando as menores inseridas no âmbito das maiores.
As comunidades para ALTHUSIUS só existem porque são necessárias, havendo-se
que preservar a sua autonomia em cada nível (43). Nessa concepção, só a autonomia
das comunidades permite garantir a felicidade na vida quotidiana.
ALTHUSIUS se inspirava na sociedade alemã da época, onde as autonomias
locais muitas vezes se manifestavam como independências. Essas autonomias
dos grupos sociais baseavam-se nos fins particulares de cada ser e permitiam que
aqueles grupos trabalhassem para realização da felicidade geral. Todos esses elementos
do pensamento do jurista tedesco, para muitos autores, contribuiriam
incisivamente para a sedimentação do que mais tarde se passou a chamar teoria
da subsidiariedade (44).
1.4. A contribuição de TOCQUEVILLE
Para melhor apreensão da evolução histórica do princípio da subsidiariedade,
sem distanciarmos da proposta desse trabalho, optamos por resumir o pensamento
de ALEXIS DE TOCQUEVILLE, nos fins do século XIX, na forma que se segue.
Votado para a América de sua época, TOCQUEVILLE entendia que uma administração
centralizada em todo vasto território americano seria absolutamente
impraticável. Sendo assim, sugeria que a América se tornasse um país gerenciado
por governos locais, onde a providência de cada indivíduo lhe permitisse
gerir seus assuntos da melhor maneira possível.
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(41) Idem.
(42) BARACHO, José Alfredo de Oliveira, op. cit., pág. 55.
(43) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 48.
(44) Para maiores aprofundamentos no tema, cf. MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., págs. 46
e segs.; AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco, op. cit., págs. 258 e segs.
181
Para o autor, o princípio que deveria reger a sociedade dos Estados Unidos
era o da independência individual laborando em prol do núcleo que lhe cerca e
esse núcleo, por sua vez, em benefício das esferas maiores da organização política
e territorial do país. Isso tudo em cadela sucessória, onde as instâncias
intermédias viabilizam a eficiência dos meios e asseguram a liberdade em face
do Estado. Nesse amálgama de competências harmonicamente interligadas estaria
o dogma de soberania do povo.
Em paralelo, para TOCQUEVILLE o Estado deveria manter a independência do
indivíduo, conservando a sua força, sua originalidade, elevando-o ao lado da
sociedade e sustentando-o em face dela (45). Afirmava: “je pense que, dans lês
siècle démocratiques qui vont s’ouvrir, l’indépendence individuelle et les libertés
locales seront toujours un produit de l’art. La centralisation será le gouvernernent
naturel” (46).
Quanto à exigência de descentralização do poder público, o autor comungava
sua opinião com os profetas do federalismo e da administração autônoma.
“Quanto mais se descentraliza o poder de decisão político, tanto maior é, regra
geral, para a generalidade dos cidadãos o campo de um engagement político
próprio. É essa a idéia condutora de uma democracia com poderes divididos, ou
seja, o poder político encontra-se repartido entre a federação e os Estados membros
da federação, consistindo a sua base num complexo ramificado de unidades
administrativas autônomas. As instituições autônomas devem regular e tratar,
em larga medida, os seus assuntos no exercício de competências próprias
(administração autônoma em sentido democrático). Numa autarquia, numa corporação
ou numa outra entidade com autonomia administrativa, o cidadão encontra-
se num âmbito em que a comunidade política ganha para ele ‘uma dimensão
humana” (47).
Essa noção de unidade plural criada para auto-conservação da estrutura
federalista parece ser também uma das idéias germinais do princípio da subsidiariedade.
1.5. A subsidiariedade em Hegel e em outros pensadores do século
XVIII e XIX
Enquanto o pensamento de TOCQUEVILLE, na França, era influenciado pelos
séculos de grande centralização do Andent Regime, seu contemporâneo, Hegel,
experimentou um universo de significativa ausência de Estado na Alemanha.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(45) TOCQUEVILLE, Alexis, De la démocratie en Amérique, Paris, 1963, pág. 360.
(46) Idem.
(47) ZIPELLIUS, Reinhold, op. cit., pág. 251.
182
Para TOCQUEVILLE era necessário despertar uma sociedade obscurecida pelo
poder político, para HEGEL era crucial se construir um Estado (48).
A sociedade alemã, fragmentada e repleta de autonomias dispersas, exigia
a construção de uma unidade política que fizesse frente às ameaças vinda
de fora.
Nesse cenário, em que os indivíduos por afinidade se organizavam
para atingir as suas necessidades, ao Estado competia apenas oferecer-lhes
uma unidade política, permanecendo adstrito às funções estritamente necessárias
(49).
Foi HAGEL quem tomou conhecida a contraposição entre Estado e sociedade.
E esse contraponto, contudo, não permanecia na antítese. O pensador estabeleceu
uma relação mais eloquente entre ambos os conceitos, classificando a sociedade
como um organismo das necessidades e dos interesses particulares dos
indivíduos. “Nesse sistema eles estão ligados precisamente por estas necessidades
e por uma ordem lógica jurídica que serve de mero instrumento para conformar
os interesses particulares e comuns numa ordem externa, e cuidar da segurança
da pessoa e da propriedade” (50). Era esse, então, o vínculo que se estabelecia
entre Estado e sociedade, uma laço atado pela suplência qualitativa, que permitia
o indivíduo, na condição de célula da sociedade, extrapolar a singularidade
estagnante e alcançar a pluralidade do universal.
Para MILLON-DELSOL o Estado hegeliano seria a concepção mais depurada
do conceito de subsidiariedade (51).
Na modernidade, influenciada pelos princípios das revoluções inglesa, francesa
(52) e americana, as sociedades ocidentais passaram a consagrar a liberdade
como escolha pessoal das últimas finalidades.
No século XVIII e XIX, a idéia de subsidiariedade teria também sido invocada
por pensadores como LOCKE, PROUDHON, TAINE, STUART MILL, KANT,
KETTELER, VON MMIL e GEORGE JELLINECK, embora, na generalidade dos casos,
ainda sem uma concretização da sua substância (53). Acreditamos que, no âmbito
do presente trabalho, não seria prudente tecer um estudo pormenorizado de cada
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(48) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 54.
(49) Ibidem, pág. 55.
(50) ZIPELLIUS, Reinhold, op. cit., pág. 331.
(51) MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 76.
(52) Veja-se que a Declaração do Homem e do Cidadão francesa, em 1789, era contundente
em afirmar a posição nuclear do indivíduo na constituição do Estado, o qual deveria estar
a serviço dos cidadãos para assegurar, pela sua não interferência, as suas liberdades. Para essa
Declaração a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis
do homem: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
(53) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 13.
183
um desses expoentes, sob risco de nos afastarmos demasiadamente do propósito
inicial. Fica, contudo, aqui o seu registro.
Não obstante, é imprescindível, dentro desse apanhado histórico, ainda darmos
especial destaque à contribuição do Direito Canónico, pois foi somente
com a Doutrina Social da Igreja Católica que se passou a ter uma construção dogmática
da idéia de subsidiariedade, tal qual ela é conhecida hoje, no contexto histórico
de exacerbação do individualismo e da necessidade de supressão do papel
do Estado na vida social e econômica.
1.6. A subsidiariedade na Doutrina Social da Igreja Católica (54)
O pensamento da Igreja Católica sobre a matéria achava-se embrionariamente
presente na Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Ali, surgia como um
método que, no âmbito social e político, permitia ao pode público respeitar a dignidade
humana e concretizá-la (55), dentro da sociedade degradada da metade do
século XIX. Sua mensagem convocava as autoridades para auxiliar as famílias
que estivessem em situação periclitante e que, sozinhas, não conseguiam reverter
esse quadro (56).
Contudo, foi só a Encíclica de Pio XI, Quadragésimo Anno (1931), advinda
em celebração ao quadragésimo aniversário da Encíclica Rerum Novarum (57),
que ergueu a subsidiariedade a solene princípio da Filosofia Social. Ela deu
sequência ao movimento transformador da Igreja instaurado na Encíclica ante-
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(54) “Dedicare qualche pie specifica e dettagliata considerazione al pensiero, della Chiesa
cattolica in relazione al princípio di sussidiarietà há una dúplice giustificazione: una prima, píú
generale, risiede nel comune riconoscimento che própria in questo ambito il principio riceve la
sua compiuta formulazione; ve n’è poi una seconda, più especifica, riconducible ad una riproposizione,
in termini aggiornati, della nota tese sufla derivazione canónica dello stesso diritto, amministrativo”
(DURET, Paolo, op. cit., págs. 20-21).
(55) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 64.
(56) Cf. L. ROSA, Il Principio di sussidiarietà nell’insegnamento sociale della Chiesa, I, La
formulazione del principio e la sua interpretazione, in Agg. Soc., 1962, pág. 590.
(57) ARerum Novarum procurava resgatar a dignidade do trabalhador em face da exploração
do indivíduo enconômico e defendia o direito à propriedade contra a exaltação socialista.
Na realidade, a Igreja não pretendia sustentar a adoção de algum regime político ou econômico
em especial, mas, tão-somente, difundir princípios diretivos da ordem econômica e social fundados
na justiça social. O Estado, na concepção cristã, tem como função precípua o bem comum,
que, definido como o “conjunto de condições sociais que permitem aos cidadãos o desenvolvimento
expedito e pleno de sua própria perfeição”, implicam, em uma palavra, em proteger a dignidade
da pessoa humana e facilitar a cada homem o cumprimento dos seus próprios deveres. Assim sendo,
a Igreja aceita como legítimas todas as formas possíveis de governo, desde que atendam, porém,
a realização do bem comum como lei universal da organização política (cf. TORRES, Sílvia Faber,
op. cit., pág. 26).
184
rior e a situou na vanguarda da verdadeira justiça social (58). Retratamos, aqui,
o seu n.º 79:
“Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar
com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do
mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que as
comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave
dano e perturbação da boa ordem social. O fim da natural sociedade e da
sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destrui-los nem absorve-los.”
A parte final do trecho transcrito já nos permite ter uma idéia da dimensão
do princípio da subsidiariedade e enxergarmos porque sua raiz etimológica traz
o vocábulo latino subsidium, que significa ajuda, estímulo, encorajamento.
Dela se apreende, a latere, que é só a partir da divisão de competências dentro
de uma ordem social que se pode atingir o pleno desenvolvimento da dignidade
humana. A subsidiariedade na Quadragesimo Anno é um princípio “gravíssimo”,
“inamovível” e “imutável”, com esteio nos princípios de direito natural,
cuja violação representa grande injustiça (59).
Em momento posterior, a Encíclica Mater e Magistra (1961) do Papa
João XXIII reafirma o princípio em questão, reproduzindo o que havia preconizado
Pio XI na Quadragésimo Anno. SANCHEZ AGESTA, chega mesmo a afirmar
que, dada a clareza que essa nova Encíclica se refere às relações entre o poder
público e a iniciativa privada no âmbito econômico, ela significou urna referência
no tocante à aplicação do princípio da subsidiariedade na coordenação da atividade
econômica (60).
Dois anos depois, a Encíclica Pacem in Terris (1963) do Papa João XXIII,
no seu parágrafo 140, fez alusão expressa ao “princípio da subsidiariedade”,
conferindo-lhe uma formulação mais dilatada e descrevendo que “as relações dos
poderes público com os cidadãos, as famílias e os corpos intermédios devem ser
regidos e equilibrados pelo princípio da subsidiariedade”. É nesse texto, ainda,
que a doutrina cristã estendeu a subsidiariedade às relações internacionais (parágrafo
137), o que, posteriormente, viria a ser acolhido pelo Tratado de Maastrich
(61).
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(58) MORALEJO, Mons. Rafael Gonzáles, Enseñanza de la Enciclica “Rerum Novarum” y
Oportuno Desarollo en el Magisteno de Pio XI y Pio XII, in Comentarios a la Mater et Magistra,
Madrid, 1968, pág. 127
(59) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 31.
(60) SANCHEZ AGESTA, Luis, El Principio de Funcián Subsidiaria, in Revista de Estudios Políticos,
n.º 121, 1962, pág. 12.
(61) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 32.
185
Mais recentemente, o Papa João Paulo II, na Encíclica Centesimus Annus,
nomeadamente no seu n.º 48, reitera o conceito de subsidiariedade, ao pontificar
que: “uma estrutura social de ordem superior não deve intervir na vida
interna de um grupo social de ordem inferior, privando-a de suas competências,
senão que deve apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua
ação com os demais componentes sociais, com vistas ao bem comum”.
Nessa última Encíclica, percebemos nitidamente os contornos positivos que
a Igreja inseriu ao princípio da subsidiariedade, atribuindo ao Estado o papel de
ajuda e de realização supletiva em casos pontuais. Enuncia aquele mesmo parágrafo:
“as funções de suplência são reconhecidas em geral ao Estado em situações
excepcionais, por razões urgentes de bem comum, quando os chamados
naturalmente a cumprir as competências de que se trate não estejam em condições
de fazê-lo. Por isso, deve ser limitadas no tempo, para não privar indefinidamente
as competências de ditos setores sociais”.
Como percebemos de todas essas Encíclicas, o princípio em comento
parte do homem como valor supremo “para buscar uma correção de posições
extremadas, tanto coletivistas, em que se anula a personalidade do
homem, enquanto individualistas, favoráveis ao ilimitado poder do Estado” (62).
Entre o Estado e o indivíduo existem grupos sociais com interesses próprios,
os quais, se isso não for absolutamente necessário, não devem ser assumidos
pelo ente estatal. Ao contrário, o poder público deve intervir quando o
homem e os grupos que este integra forem incapazes de se realizarem por
si só (63).
1.7. O Conceito Moderno de Subsidiariedade
Tendo essa construção histórica como base, a subsidiariedade passou a fazer
parte do mundo do Direito e é, especialmente, no ramo do Direito Público (64)
onde sua manifestação e utilidade se dão de forma mais evidente.
Seu princípio vem propor uma repartição de atribuições entre a comunidade
maior e a comunidade menor, em termos que o principal componente do seu con-
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(62) Ibidem, pág. 33.
(63) Alguns teólogos chegaram a sugerir a aplicação do princípio da subsidiariedade dentro
da própria organização da Igreja, concedendo mais autonomia às igrejas periféricas e templos.
Não obstante, essa idéia é refutada por outros tantos autores sob a justificativa de que a Igreja,
diferentemente da sociedade, é uma organização fechada e não comportaria esse tipo de descentralização
sem se desnaturar (cf. MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 211).
(64) Veja, sobre o princípio da subsidiariedade no Direito Administrativo, PONTIER, Jean-Marie,
La Subsidiarité en Droit Administratif, in Revue du Droit Public et de la Science Politique, 1986,
págs. 1515-1537.
186
ceito seja a descentralização (65). E essa comunidade maior, que ocupa o mais
alto grau na pirâmide será, nos termos clássicos, o próprio Estado (66).
No âmbito político-estatal a subsidiariedade opera para além do nível de justificação
do Estado e da atribuição de sua competência, ela atua também no
nível de regulação do exercício da competência estatal (67).
A subsídianiedade é, então, um princípio fundamental da Ordem jurídica do
Moderno Estado Social de Direito, que permite a prossecução do interesse
público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, situados entre ele e o
Estado: as famílias, as autarquias locais, as comunidades religiosas, os sindicatos,
as associações empresariais, os partidos políticos, as Universidades, etc. (68).
Ainda, para CANOTILHO, trata-se de um princípio relacional, que se “assenta
nos esquemas de relações constituídas entre entidades diversas” (69). Para além,
revela-se como um princípio de preferência, já que estabelece determinada predileção
pela esfera mais próxima do indivíduo ou da cidade.
A subsidiariedade nega o monopólio da Administração pública na realização
do interesse público e leva à concretização do princípio da participação,
que se desdobra da idéia de Democracia (70). Nessa abordagem, o princípio que
tratamos tem, de inicio, aplicação tanto nos Estados unitários, Regionais, Federados
e, como se verá, no Direito Comunitário.
A idéia do princípio procura responder algumas questões, tais como: por que
autoridade? A que finalidade essa autoridade deve servir? Qual o âmbito de sua
aceitação e validade?
Essas perguntas ensejam uma mirídade de respostas. Contudo, dentro da
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(65) KELSEN afirmava, de seu modo peculiar, que a descentralização por governos locais democraticamente
organizados significa a eliminação da influência de órgãos autocráticos centrais.
Quando um Estado já possui uma organização essencialmente democrática, a concessão de autonomia
local a um grupo territorialmente definido significa apenas descentralização. Por assim
ser: “a autonomia local de corpos autogovernados não é — como frequentemente se afirma — um
direito desses corpos contra o Estado; trata-se apenas de um postulado político apresentado por
uma doutrina jusnaturalista como o direito natural. Não existe nenhum antagonismo entre a
administração do Estado e a administração por autonomia local. Esta última é tão-somente um
determinado estagio da administração de Estado. Se esse estágio possui um caráter democrático,
e os outros estágios um caráter autocrático, então pode surgir o antagonismo. Mas, se o Estado
inteiro for democraticamente organizado, não existe mais qualquer motivo para opor a administração
de Estado à administração por autonomia local” (KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito
e do Estado, trad. Portuguesa, São Paulo, 2000, pág. 450).
(66) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 17-18.
(67) ISENSEE, J., Subsidiaritätsprinzip, pág. 60, apud DURET, Paolo, op. cit., pág. 31.
(68) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 18.
(69) CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra,
2004, pág. 363.
(70) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 18.
187
idéia de subsidiariedade, poderíamos tentar respondê-las da seguinte forma: a autoridade
visa suprir as carências das comunidades e das pessoas livres, responsáveis
pelos seus destinos, mas incapazes de resolver as suas necessidades. A autoridade
não deve colocar-se acima dos seres que ela comanda, justificando-se
através de finalidade próprias e específicas da sua continuidade (71). Em alguns
casos, ela poderá ser fatalmente necessária, visto que os seres que a compõem
podem estar desprovidos de suficiência. Mas, nessas circunstâncias, sua legitimidade
deve estar inspirada no adágio alemão: o homem é mais velho que o
Estado (72). No objeto de nosso estudo, este deverá ter sempre aquele como fim.
A subsidiariedade tem um duplo sentido de exigência: no aspecto negativo,
a autoridade, em geral, e o Estado, em particular, não devem impedir a autonomia
das pessoas e dos grupos sociais, é estabelecido um limite à ação do
poder público; no sentido positivo, cada autoridade terá por missão incitar, sustentar,
suprimir e finalmente socorrer, quando necessário, os atores insuficientes.
Cumpre esclarecer que as noções de subsidiário e de socorro são, em tese,
contraditórias. “A primeira reclama o respeito às liberdades tanto quanto possível,
e invoca o dever de não ingerência da autoridade. A segunda, ao inverso, supõe
a ingerência da autoridade com intuito de garantir certa unidade social e de ajudar
a organização dos laços solidários. A primeira reivindica a diversidade como
essência e norma. A segunda, uma comunhão vista como projeto. A primeira se
nutre de justiça distributiva, a segunda de justiça social. O principio da subsidiariedade
reúne portanto tais antíteses, as afirmando conjuntamente” (73). É o
lugar de um paradoxo. Essa ambigüidade é o sentido do seu próprio conceito.
Como se intui, o principio em questão invoca também a noção de responsabilidade
(74) social e pressupõe a sociedade civil fundada em certos parâmetros
voltados para o interesse geral. A cidadania ativa é o seu expoente maior,
onde as instâncias privadas precisam trabalhar para a coletividade, visando à
persecução do ideal de solidariedade e de eficiência (75).
V — FUNDAMENTAÇÃO
Corno já verificamos, o princípio da subsidiariedade não é originário do
direito público, tendo sido sua noção inicial manifestada no pensamento aristo-
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(71) BARACHO, José Alfredo de Oliveira, op. cit., pág. 58.
(72) MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 10-11.
(73) Livre tradução do autor do texto de MILLON-DELSOL, Ibidem, pág. 8.
(74) SCHELTER, Kurt, La Subsidiaritè: príncipe directeur de la future europe, in Revue du Marche
Commun et de L’Union Européenne, n.º 344, février, Paris, 1991, págs. 138-139.
(75) BARACHO, José Alfredo de Oliveira, op. cit., pág. 58.
188
télico e desenvolvido pelo direito canónico. Nesse último, elaborado para conduzir
a organização social e para indicar parâmetros de distribuição de competências
(76). Contudo, a par de suas raízes teleológicas ou ideológicas, o princípio
se fundamenta, dentro da relação do Estado com a sociedade, no homem
como valor supremo. Tem como referência o valor ético e o direito à autodeterminação
do indivíduo (77).
Em verdade, cada pessoa tem competências que são próprias e naturais,
devendo ela mesmo, por conta própria, exercê-las, sob risco de ver esvanecer-se
a sua condição humana.
Realizar essas finalidades humanas consiste, em síntese, num “assunto de responsabilidade
pessoal” (78) ou responsabilidade moral pessoal, que representa o
fundamento dos direitos das pessoas. A sociedade política, nesse contexto, não
deve privar as pessoas das atividades que cumprem ser realizadas por si mesmas
e que dão sentido a suas próprias existências (79).
1.0. Vinculação da subsidiariedade às idéias de liberdade e justiça
Para FABER TORRES a subsidiariedade está intimamente associada às idéias
de liberdade (80) e a justiça (81). Seriam essas noções, na concepção da autora,
que dão fundamentação ao princípio que ora nos ocupamos.
Entretanto, será em respeito à liberdade que o princípio ganha sua expressão
maior. O homem, nesse sentido, deve ter a sua liberdade assegurada para
realizar as suas finalidades vitais e desenvolver a sua capacidade de ação (82).
Tal viabilidade, de fato, só pode se conjecturar dentro de uma sociedade livre,
onde se estejam garantidos os direitos naturais dos cidadãos, das suas comunidades
e das associações. Em um ambiente, onde a consecução dos interesses polí-
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(76) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 65.
(77) Ibidem, pág. 66.
(78) MESSNER, Johannes, op. cit., pág. 362. Veja também, nesse sentido, BENTO, Vítor, Os
Estados Nacionais e a Economia Global, Coimbra, 2004, pág. 18-21.
(79) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 67.
(80) A título ilustrativo, trazemos à colação o dizer de MARCELLO CAETANO, quem faz uma
distinção entre liberdade essencial e liberdade instrumental. A primeira constitui domínio que o
Direito Natural reserva à pessoa humana e às associações primárias e que o Poder político deve
respeitar. Seriam os direitos individuais à vida e integridade pessoal, direito ao bom nome e
reputação, direito de trabalhar, direito de defesa, direito de constituir família, direito de locomoção,
entre outros. A liberdade instrumental, por sua vez, seria constituída pelos direitos políticos
atribuídos pelas leis aos cidadãos para garantia das liberdades essenciais. O autor se reporta a essa
categoria de liberdade como uma técnica de limitação do Poder (CAETANO, Marcello, Manual de
Ciência Política, Tomo I, Coimbra, 2003, pág. 309).
(81) Cf. FINNIS, John, op. cit., pág. 146.
(82) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 69.
189
ticos, econômicos, sociais, caritativos, espirituais e religiosos não são, em última
análise, totalmente subtraídos pelo Estado (83).
É a liberdade que o princípio, enquanto ordem de competência, visa concretizar
(84). A subsidiariedade almeja o alcance de um equilíbrio no seio social.
Equilíbrio esse exercitado, tanto na hora em que o Estado indevidamente intervêm
em áreas próprias da sociedade, como quando se presta a ajudar, promover,
coordenar e suprir as atividades de cunho pluralista e comunitário.
Cumpre ressaltar, por oportuno, que o princípio que ora tratamos não pretende
operar o simples retorno do liberalismo pretérito. Isso se afirma, basicamente,
porque o livre desenvolvimento por ele pregado convive, em paralelo, com
o dever da autoridade pública de intervir em situações que a iniciativa privada
não consegue produzir o bem comum (85). É tradução perfeita da já mencionada
idéia do paradoxo, que condiciona e permeia o conceito de subsidiariedade.
A par da liberdade, o outro valor que o principio se atrela é o de justiça, na
medida que reclama a competência originária dos indivíduos, das famílias e dos
grupos sociais menores. No nosso entender, qualquer tipo de providência que
pretenda denegar essa competência aos seus titulares originários representa uma
imensa e incontornável injustiça. O papel do Estado há se ser sempre subsidiário,
uma vez que compete à sociedade cultivar a assistência mútua e a ajuda, de
modo a viabilizar a realização de suas demandas por esforços eminentemente próprios.
2.0. Princípios estruturantes
A essa altura já é possível enxergar que não se pode proceder a um exame
da subsidiariedade e de seus fundamentos essenciais sem tratar dos princípios que
lhe são intimamente conexos. Faremos, pois, aqui, uma breve análise de alguns
deles.
2.1. Bem Comum
MESSNER entende que o bem comum está de tal maneira atrelado à subsidiariedade
que os concebe como sendo mesmo idéias fundantes de um só princípio
(86). Isso se dando, não porque seus conceitos se confundem, mas por são
idênticas as suas exigências (87).
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(83) MESSNER, Johannes, op. cit., pág. 367.
(84) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 69.
(85) Ibidem, pág. 71.
(86) MESSNER, Johannes, op. cit., pág. 363.
(87) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 73.
190
O bem comum é a expressão positiva da subsidiariedade, porquanto consubstancia
no fundamento genérico para a intervenção do Estado (88).
A conceituação do bem comum, segundo MILLON DELSOL, na sua referencial
obra L’Etat Subsidiaire, rende-se a uma noção medieval e estaria inserida
dentro da linha de pensamento de TOMAS DE AQUINO (89). Para essa doutrina,
qualquer autoridade se faz necessária por aportar um “bem”, que, conquanto
extrapole os “bens” privados, não os aniquila (90). Não se reduz a uma agregação
de bens singulares e individuais, mas na formação de um bem público, consistente
da reunião de condições exteriores necessárias ao desenvolvimento das
qualidades humanas (91).
O bem comum, portanto, é um bem de que todos participam, sendo essa efetiva
participação uma exigência de justiça, que recairá tanto sobre o indivíduo,
como sobre o Estado, dando a cada um o que é seu (92).
Como elucida BIDART DE CAMPOS: “o princípio da subsidiariedade concilia
o poder com a liberdade, unindo-os no bem comum público” (93). E esse último,
por sua vez, é a própria finalidade da sociedade humana (94).
2.2. Dignidade humana
Esse princípio é um dos mais relevantes da ordem jurídica e filosófica
internacional, sendo reconhecido solenemente na Declaração Universal dos Direitos
dos Homens, como base da liberdade, da justiça e da paz (95).
No dizer de AFONSO DA SILVA, a dignidade da pessoa humana é um conceito
de grande amplitude, representando “um valor supremo, que atrai o conteúdo de
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(88) Ibidem, págs. 73-74.
(89) MIILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 58.
(90) Idem.
(91) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 75.
(92) Esclarece HELY LOPES, “modernamente, o Estado de Direito aprimorou-se no Estado de
Bem-Estar (Welfare State), em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é
o Estado Liberal, que se omite ante a conduta individual, nem o Estado Socialista, que suprime
a iniciativa particular. É o Estado orientador e incentivador da conduta individual no sentido do
bem-estar social (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, 1996,
pág. 510). Para o autor, o bem-estar social seria melhor alcançado no meio-termo entre os extremos
do liberalismo e do socialismo. No nosso entender, será justamente nesse contexto que a subsidiariedade
se fará mais útil, oferecendo critérios para essa necessária ponderação. Cf. também,
sobre o bem-estar social e fins do Estado, CAETANO, Marcello, op. cit., págs. 143 e segs.
(93) BIDART CAMPOS, German J., El Poder, Buenos Aires, 1985, pág. 88.
(94) DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo, 1994,
pág. 20.
(95) AFONSO DA SILVA, José, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, 2002,
pág. 163.
191
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito a vida” (96). Para JORGE
MIRANDA, será ela a fonte ética, fundamento e fim da própria sociedade (97).
E, não obstante, se traduz na unidade de sentido do conjunto dos direitos fundamentais
da Constituição (98).
Nesse contexto, o homem não pode ser jamais mero objeto da ação estatal,
mas sim, ao contrário, todo o ordenamento orbitar a sua volta, como se fosse sempre
o seu destinatário mediato e imediato.
Temos certeza que a dignidade humana inspira o princípio da subsidiariedade,
informando que o ser humano é fundamento e fim de todas as instituições
sociais. Na prática, retirar o direito do homem de ser conformador de si próprio,
submetendo-o aos dirigismos estatais representaria esvaziar a sua própria natureza
humana (99).
Também, sob o prisma positivo enunciado pelo princípio, de forma até
mesmo paradoxal, na hora em que o Estado atua suprindo a carência de algum
ator social insuficiente, ele ajuda a aperfeiçoar a natureza humana, que ora lhe
serve de limite, ora enuncia a sua própria exigência (100).
2.3. Pluralismo social e responsabilidade social
O pluralismo social é um corolário da noção de subsidiariedade. É o
reconhecimento pelo Estado da existência dos grupos sociais que o integram, os
quais detém, por natureza, direitos e esferas de competências próprias. Sem
embargo, o principio que nos ocupamos funda-se inegavelmente no pluralismo,
pois visa manter a substância dos corpos sociais situados entre o indivíduo e o
Estado, reconhecendo-lhes autonomia e auto-suficiência (101).
A responsabilidade social, por sua vez, é um pré-requisito da idéia de subsidiariedade.
Objetivamente, só se pode imaginar uma sociedade subsidiária, a
partir do vínculo solidário, que permite as demandas sociais serem realizadas em
ação conjunta dos indivíduos.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(96) AFONSO DA SILVA, José, A Dignidade da Pessoa Humana como Valor Supremo da
Democracia, in Revista de Direito Administrativo, n.º 212, 1998, pág. 92.
(97) JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Lisboa, 2000, págs. 180-181.
O autor ainda faz uma interessante distinção entre “dignidade da pessoa humana” e “dignidade
humana”, onde a primeira dirige-se ao homem concreto e individual e a segunda à humanidade,
“entendida ou como qualidade comum a todos os homens ou como conjunto que os engloba ou
ultrapassa”, ibidem, pág. 184.
(98) VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976,
Coimbra, 2001, pág. 93.
(99) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 83.
(100) Em sentido similar, KAUFMANN, Arthur, op. cit., pág. 334.
(101) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 83.
192
Em verdade, a existência humana é ontologicamente social e o homem não
pode existir sem “o outro”, sendo este parte da sua própria existência (102).
“Daqui decorre que cada homem tem interesse na existência de ‘o outro’, como
parte da sua própria existência, e, por conseguinte, no bem de ‘o outro’, como
parte do seu próprio bem” (103). A consequência dessas premissas é geração de
responsabilidades recíprocas entre homens e, mais além, responsabilidade desses
homens perante toda a sociedade.
A idéia de subsidiariedade, assim, só seria imaginável no seio de uma sociedade
solidária, onde a responsabilidade social dos seus integrantes e a solidariedade
estiverem a serviço da cooperação e da geração do bem comum e acrescido
de todos.
VI — NATUREZA
Não é possível se identificar uma natureza precisa da subsidiariedade, uma
vez que ela “ostenta uma característica muito peculiar e rara: aba opacidade de
sentido à evidência do princípio ativo” (104). Sua idéia ensejaria inúmeras definições,
o que, para muitos autores, dificulta a o estabelecimento de um corpo teorético
sobre seu instituto (105). Nada obstante a essas razões, a bibliografia
sobre seu estudo é vastíssima e orientada sobre perspectivas metodológicas
muito diferenciadas (106).
No nosso entender, por tudo que analisamos até aqui, parece que o princípio
seja eminentemente um critério de divisão de competências dentro de uma
sociedade. Em um plano vertical, enuncia a atribuição de competências entre
autoridades menores, intermediárias e centrais, na realização dos interesses,
locais, regionais e nacionais (ou supranacionais), respectivamente. No plano
horizontal, atribui responsabilidades dentro dos grupos sociais.
As repartições das competências acima descritas, contudo, não ficariam.
circunscritas ao contexto de um Estado nacional. O direito comunitário é um
exemplo concreto onde o principio age delimitando atribuições a serem compartidas
entre os vários Estados-membros. Isso ocorre muito em razão do con-
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(102) BENTO, Vítor, op. cit., pág. 18.
(103) Idem.
(104) DUARTE, Maria Luísa, A aplicação jurisdicional do princípio da subsidiariedade no
direito comunitário — pressupostos e limites, in Estudo Jurídicos em Homenagem ao Professor João
Lumbrares, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, pág. 784.
(105) Lord MACKENZIE-STUART, Subsidiarité: défi du changment, in IEAP, Maastricht, 1991,
pág. 43.
(106) DUARTE, Maria Luísa, op. cit., pág. 784.
193
ceito de soberania moderno que já não aparece mais concebido como um todo
indivisível, mas, antes disso, como um conjunto de competências e encargos
divididos entre os vários sujeitos da Comunidade Internacional (107). Dentro
dessa comunidade, a subsidiariedade se reflete como uma regra de ouro para a
árdua tarefa de dividir competências e responsabilidades.
Ademais, a subsidiariedade atua também como um princípio relacional (108),
que auxilia na delimitação da esfera privada e pública (estadual ou não). É, ainda
dentro desse contexto, um método delimitativo dos vários níveis de decisão
pública.
Em paralelo, o princípio da subsidiariedade se manifestará como um princípio
de ética, organização e legitimação política (109), que pressupõe vários
níveis de decisão e de conformação das relações sociais.
Não obstante a todas essas naturezas atribuíveis ao princípio, por derradeiro,
ele será sempre também um padrão diretivo da ordem econômica (110), que
harmoniza a coexistência do poder público e da iniciativa privada na persecução
do progresso e da justiça social.
Assim, como já é possível perceber, o tema de nosso trabalho se reveste de
todas as características de um verdadeiro principio constitucional, porque reúne
a condição de mandamento nuclear do sistema jurídico, que irradia seus efeitos
pelas demais normas ordenamento, condicionando a sua interpretação, integração
(111). Para além, se consubstancia, por vezes, em mandatos de otimização
do sistema, vinculado a ponderações e valorações (112).
Registre-se ainda que para MILLON-DELSOL, ele seria também um principio
eminentemente de direito natural, cuja positivação enseja algumas dificuldades
práticas, já que concerne à apreciação de limites flutuantes.
Segundo a autora, na lógica da subsidiariedade, a mesma ação que é interditada
pelo princípio em determinadas circunstâncias pode, em outras, ser autorizada,
dentro de um padrão ético previamente prescrito. As condições sob as
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(107) DIEZ DE VELASCO, Manuel, Instituciones de Derecho Internacional Público, Tomo I,
Madrid, 1996, pág. 361.
(108) DUARTE, Maria Luísa, op. cit., pág. 784.
(109) Nesse sentido, CONSTANTINESCO, Vlad, Le príncipe de subsidiarité: un passage obligué
vers Punion européenne, in L’Europe et le Droit, Méianges en Hommage à Jean Boulouis, Paris,
1991, págs. 38 e 40.
(110) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 97.
(111) DWORKING, Ronald, Taking Rights Seriously, Cambridge, 1980, págs. 22 e segs. E, sobre
a conceituação de princípios, dentre tantos, BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, São
Paulo, 2003, págs. 255-343; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra,
2003, págs. 249 e segs.
(112) ALEXY, Robert, Teoria de los Derechos Fundamentales, trad. espanhola, Madrid, 2002,
págs. 81 e segs.
13 — F.D.U.L.
194
quais ele reclama a ingerência do Estado não pode receber definições objetivas,
uma vez que a incapacidade, a negligência, a necessidade são critérios vacilantes
e dependentes eminentemente do casuísmo. Nesse sentido, a característica
essencial do principio seria sua flexibilidade, sem a qual, na prática, ele perderia
a sua razão de ser. A sua natureza teria como escopo a instauração de um
equilíbrio e sua formulação jurídica evitaria o excesso de ingerência e as lacunas
da falta dessa ingerência, deixando aberta a possibilidade de se apelar à lei
em caso de conflito. Para MILLON-DELSOL, a aplicação do princípio, no quotidiano,
advém do conhecimento exato de cada situação concreta. Nesse caso, a
subsidiariedade não pode se aplicar diretamente, mas somente guiar as apreciações
dos agentes políticos e sociais. A autora ainda assevera que, na lei alemã
e suíça, por exemplo, a idéia de subsidiariedade aparece “menos como uma
regra de direito e mais como uma atmosfera, uma espécie de pano de fundo, uma
referência implícita” (113), que inspira completamente o sistema federal.
VII — SUBSIDIARIEDADE NO PLANO JURÍDICO-POLÍTICO
Como já é possível deduzir a essa altura, o princípio da subsidiariedade
não se aplica somente à relação entre indivíduos, grupos intermédios e Estados,
mas se consubstancia, ainda, num fenômeno institucional, que define as
relações intergovemamentais no plano internacional e nacional (114). No primeiro
caso, transfere às organizações comunitárias as questões de interesse comum
dos Estado que as integram, no outro, rege a descentralização político-administrativa,
conferindo aos governos regionais e locais todas as matérias afetas aos
seus interesses e reservando aos governos centrais aquelas que transcendam esse
limite.
Assim entendido, a subsidiariedade é, desde logo, um principio fundamental
da Ordem jurídica do moderno Estado Social de Direito, que nega o monopólio
da Administração na prossecução do interesse público e leva a concretização
do princípio da participação e da idéia de Democracia (115). Na forma que está
concebido, permite sua aplicação tanto dentro dos moldes de um estado federado,
regional ou unitário, bem como ainda, no ordenamento comunitário.
O federalismo, contudo, representa a sua expressão formal mais bem acabada,
nos termos de sua sistematização e tradução, pois conciliaria o respeito
das autonomias com a necessidade de soberania. Nele, sua principal enuncia-
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(113) MILLON-DELSOL, Chantal, op. cit., pág. 217.
(114) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 191-192.
(115) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 18.
195
ção jurídica, concernirá, sem dúvidas, à regra de repartição de competências
(116).
A subsidiariedade, apesar do que se afirma, não pode ser vista como um simples
princípio de repartição de competências entre órgãos e coletividades locais.
Ela, mais do que isso, fixa o próprio princípio de competências (117). Basicamente,
será em decorrência disso que sua enunciação, para nós, se dá na forma
de principio constitucional (ainda que seja indiscutível a sua grande carga
política).
Para grande parte da doutrina (118), no âmbito comunitário, a discussão
acerca da jurisdicidade do princípio da subsidiariedade ficou superada com a sua
inclusão no artigo 3-B, parágrafo segundo, do Tratado da Umião Europeia
(TUE), que o elegeu a status de cláusula geral da comunidade, dando um passo
mportante no sentido de consagrar o pré-federalismo europeu (119). Seria agora,
portanto, também uma matéria passível de ser fiscalizada pelo Tribunal de
justiça.
A sua sindicabilidade, entretanto, ainda gera polêmicas no seio do direito
comunitário, muito em função da ambivalência dogmática que lhe permite distintas,
senão mesmo opostas, interpretações. Sendo assim, o seu controle judicial,
para alguns, poderia conduzir a resultados perversos, como o esvaziamento
das competências estaduais em prol de uma concentração ao nível comunitário
— o que contrariaria a natureza histórica e evolutiva da subsidiariedade (120). Na
verdade, esse subsiste entre aqueles que têm o princípio arraigado à condição de
rule of reason, altamente embuído de uma carga política.
Todavia, hoje já praticamente pacífico que o princípio da subsidiariedade é
um princípio jurídico e, por consequência, sindicável. É, pois, uma regra jurídica
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(116) A primeira definição do princípio da subsidiariedade provavelmente se encontrava na
décima emenda da Constituição dos Estado Unidos da América, onde se lê: “The powers; not delegated
to The United States by the Constitution, nor prohibited by it to the Stated, are reserved to
the States respectivel or to the people”.
(117) BARACHO, José de Oliveira, op. cit., pág. 94.
(118) Cf. DUARTE, Maria Luísa, A Teoria dos Poderes Implícitos e a Delimitação de Competências
entre a União Europeia e os Estados Membros, Lisboa, 1997, pág. 385; SCHAMBECK, Herbert,
Aspectos Jurídicos e Políticos da Evolução da Integração Europeia no Limiar do Séc. XXI,
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 17, 1995, pág. 436; EMILIOU,
Nicholas, Subsidarity: an effective barrier against “the enterprises of ambition”, in European
Law Review, Vol. 17, october 1992, pág. 385. O Conselho Europeu de Lisboa declarou que
o artigo 3-B é uma “norma básica juridicamente vinculante” e no mesmo sentido também o fez
o Paramento Europeu, no seu relatório de 29-03-1994 (A3-0187/94, PE 208.185/def.).
(119) BARAV, Ami, e PHILIP, Christian, Diclionnaire Juridique des Communautês Européennes,
Paris, 1993, pág. 1031.
(120) VILHENA, Maria do Rosário, O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário,
Lisboa, 2002, págs. 155-156.
196
vinculativa para todas as instituições comunitárias, não uma enunciação política
de índole programática (121). No plano interno dos Estados, o controle
judicial será feito de forma concreta, em observância ao princípio de repartição
de competências entre os diferentes órgãos do Estado, seja na própria Administração
estatal ou entre o Estado e os órgãos coletivos descentralizados (122),
como teremos a oportunidade de analisar mais adiante.
1.0. Subsidiariedade e federalismo
Como já se manifestou, a subsidiariedade encontra sua expressão máxima
no federalismo. Dentro dessa forma de Estado, ela aparece com o instrumento
adequado para compatibifizar a diversidade e o pluralismo (123). Encarna, portanto,
a máxima federalista “unidade na diversidade”, na medida em que reúne
entidades distintas em torno de regras comuns, conferindo-lhes homogencidade
e, ao mesmo tempo, identidade.
A interpretar-se a subsidiariedade como uma divisão de competências entre
grupos superpostos, haveremos de reconhecê-la como sendo a base de uma organização
federal. No dizer de CELSO BASTOS, seria ela mesmo “a regra de ouro
do federalismo” (124), pois se contrapõe ao centralismo e consiste, juridicamente,
em uma ampla forma de descentralização e divisão territorial do poder.
De fato, o federalismo é a forma territorial de divisão do poder político,
baseada em uma Constituição, ou seja, é a descentralização política efetivada em
nível constitucional. Daí, pode-se dizer que o princípio federativo traz Implícita
a noção de subsidiariedade, no momento que impõe à comunidade maior ou
central realizar somente aquilo que as menores ou periféricas não possam resolver
por si mesmas (125).
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(121) Ibidem, pág. 158. Veja ainda sobre a sindicabilidade do princípio, em distintas perspectivas,
em TOTH A. G., Is Subsidiarity Justiciable, in European Law Review, n.º 19, 1994,
págs. 268-285; BÚRCA, Graínne, Proportionality and Subsidiarity as General Principles of Law,
in General Principles of European Community Law, Reports from a Conference in Malmö, 27-28
August, Faculty of Law — University of Lund, Londres, 1999, págs. 105-108; CONSTANTINESCO,
Vlad, Le príncipe… op. cit., págs. 42- 43; DEHOUSSE, Renauld, Le Principe de Subsidiarité dans
le Débat Constitucionnel européen, in La Constitution de L’Europe, Bruxelas, 2001, págs. 155-156;
LEURQUIN-DE VISSCHER, Françoise, Existe-t-il un príncipe de subsidiarité?, in Le Principe d’une
Subsidiarité, obra coletiva organizada por Francis Delpérée, Biblioteca da Faculdade de Direito da
Universidade Católica de Louvain, Bruxelas, 2002, pág. 38-39, dentre muitos.
(122) BARACHO, José Alfredo de Oliveira, op. cit., pág. 94.
(123) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 19.
(124) BASTOS, Celso, Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de Outubro
de 1988), Vol. I, São Paulo, 1998, pág. 416.
(125) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 212.
197
A separação de poderes presente no federalismo, no âmbito desse trabalho,
traz duas vertentes que merecem ser analisadas: no plano horizontal, a
estrutura federalista reparte poderes e funções entre o legislativo, o executivo e
o judicial; no vertical, distribui competências entre o poder local e o central. Essa
fragmentação resulta numa melhor garantia para a liberdade individual, já que
institui uma interdependência salutar entre os níveis de poder e previne a possibilidade
de ascendência de um sobre o outro (126). Nesse quadro, o federalismo
oferece uma válvula de segurança, porque, dentro de sua sistemática, o indivíduo
nunca enfrenta Estado só, visto que, entre a base e o topo, encontram-se
vários patamares intermediários, que agem, quando são capazes, no degrau mais
próximo do cidadão. Seria o conceito de subsidiariedade impedindo abusos atentatórios
contra a liberdade individual e permeando a noção de pacto federativo.
Contudo, como alerta FAUSTO DE QUADROS, citando STADLER, o federalismo
e a subsidiariedade se completam e formam um complemento ideal, não significando,
com isso, que a ela ofereça legitimação jurídica ao federalismo e que
não possa existir federalismo sem subsidiariedade (127).
No respeitante à evolução do federalismo norte-americano, essa questão
pode ser bem visualizada, como passamos a analisar.
1.1. Subsidiariedade no Direito norte-americano: brevíssima incursão
Parte da doutrina entende que a idéia de subsidiariedade foi totalmente
ignorada na repartição das atribuições entre a União e os StateSs (128). Não seria
sem razão, então, o fato dos livros de Direito Constitucional norte-americanos
renegarem por completo o princípio que ora analisamos (129).
Corretamente, há quem discorde da posição ora mencionada e veja no constitucionalismo
americano várias influências da noção de subsidiariedade. Haveria,
assim, ainda que de forma inciplente, essa idéia na concepção dos colonos
da Nova Inglaterra, na hora que buscavam valorizar o papel do indivíduo no interior
da família, dessa última na paróquia e da paróquia na província, até chegar,
em derradeira instância, à capital estadual (130).
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(126) EMILIOU, Nicholas, op. cit., págs. 385 e segs.
(127) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 20.
(128) BERMANN, George A., Taking subsidiarity seriously: federalism in the European Community
and the United States, in Columbia Law Review, Vol. 94, New York, 1994, pág. 447.
(129) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 20.
(130) SARAIVA, Rute Neto Cabrita e Gil, Sobre o Princípio da Subsidiariedade, génese, evolução,
interpretação e aplicação, in Seminário de Direito Comunitário Institucional, sobre a regência
do Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, Universidade de Lisboa, Lisboa, 1998, pág. 18.
198
Por outro lado, não se pode negar que, em 1787, na Filadélfia, os debates
para redação da Constituição Americana estivesse nitidamente imbuídos
do princípio da subsidiariedade. Isso se via na vontade de repartir funcionalmente
as competências estatais e de assegurar aos níveis mais baixos de autoridade
a sua plena autonomia. Além disso, a idéia de que o governo não devia
intervir deliberadamente na sociedade teria sido reiterada por ABRAHAM LINCOLN,
em 1854, e, posteriormente, desenvolvida MADISON, que confiavam na limitação
do poder federal como forma de garantir aos cidadãos a regência de suas
vidas (131).
Nos dias de hoje, contudo, apesar de sua origem inspirada no princípio da
subsidiariedade, o federalismo americano assiste a um processo de grande centralização,
com a atribuição cada vez maior de poderes ao seu Governo central.
A engendrada teoria dos poderes implícitos, a fazer uma nova leitura da Constituição,
vai ocasionando um tendencial fenômeno centralizador e, com isso, a
inversão do sentido do princípio da subsidiariedade, contido na Necessary and
Proper Clause (132).
1.2. Subsidiariedade na Alemanha
A figuração do princípio da subsidiariedade na Constituição tem dividido a
doutrina européia (133). Iremos aqui, a título do que já foi dito entre o princípio
e o federalismo, delinear superficialmente alguns aspectos pertinentes ao caso.
Pode-se intuir que a Lei Fundamental, tal qual a nos EUA, inspirou-se no
princípio da subsidiariedade, em virtude da necessidade de se harmonizar competências
em um Estado regionalista.
Entretanto, parece ser pacífico que o princípio em causa não se encontra consagrado
de forma expressa na Constituição, no tocante à relação vertical entre a
Bund e os Lander. Ele surgiria suin implícito em alguns preceitos normativos,
delimitando equilíbrio de competências entre a Federação e os Estados federados
e sendo ministrado, essencialmente, como um critério de aferição de eficácia
e de necessidade das políticas públicas.
Esse entendimento pode ser extraído da cláusula residual de competências,
contida no artigo 30 da Constituição alemã, onde verifica-se uma presunção de
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(131) Idem.
(132) Veja TRIBE, Laurence H., American Constitutional Law, New York, 1988, págs. 300
e segs.
(133) Cf. LECHELER, Das Subsidiaritätsprinzip, Strukturprinzip einer europäischen Union, Berlim,
1993, págs. 29 e segs., apud HIRSCH, Günther, Le Príncipe de Subsidiarité dans une perspective
comparatiste, in Le Principe de Subsidiarité, obra coletiva organizada por Francis Delpérée,
Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, Bruxelas, 2002, pág. 56.
199
competência favorável aos Estados no exercício de suas funções estatais, excepcionando-
se, por óbvio, disposições constitucionais ao contrário.
Ao lado disso, o artigo 72, em matéria de poder legislativo concorrencial,
também invoca o conceito de subsidiariedade, ao dizer que o legislador federal
terá preferência sobre o local, quando esse não exercer suas prerrogativas de
maneira eficiente ou quando, excepcionalmente, estiver em jogo o interesse
coletivo e a unidade jurídica e econômica. Aqui, embora o artigo não mencione
expressamente o principio da subsidiariedade, acreditamos se tratar de
sua maior expressão no direito positivo alemão (134).
Nessa linha, CONSTANTINESCO (135) considera-o como um princípio constitucional
imanente no quadro definido pela Lei Fundamental de Bona. Enquanto
para ISENSEE (136), a quem se deve a primeira obra de densidade sobre a matéria,
a subsidiariedade encontra-se no ponto de interseção de dois legados tradicionais
do direito público alemão: o federalismo e o liberalismo.
Todavia, não é demais lembrar que, apesar de abalizada doutrina em sentido
contrário, e dos dois artigos que aqui mencionamos, há quem ainda sustente
que a Constituição alemã não contempla subsidiariedade no plano interno e sim
do próprio princípio do federalismo. Essa discussão ainda ganhou mais vulto com
a inserção do artigo 23 na Grundgesetz, que menciona expressamente a subsidiariedade
como principio reitor das relações entre o Estado alemão e a União
Européia. Para alguns, essa subsidiariedade apenas se reportaria ao plano externo,
ou seja, o comunitário, enquanto para outros também simbolizaria a sua consagração
dentro do ordenamento constitucional interno da Alemanha (137).
Apesar de toda essa celeuma, o que não se discute é que o Estado alemão
persegue a descentralização administrativa e todas as demais exigências que o princípio
da subsidiariedade enuncia. Se o princípio, discutivelmente, não se encontra
explícito no texto constitucional para reger a organização jurídico-política
interna do Estado, certamente figura implicitamente como idéia inspiradora
daquele sistema.
Esse tem sido um permanente debate dentro da federação alemã que, nos
últimos tempos, assiste a um crescente processo de erosão das competências dos
estados face ao intervencionismo federal de um lado e a ação comunitária de
outro.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(134) DUARTE, Maria Luísa, op. cit., pág. 785.
(135) CONSTANTINESCO, Vlad, Subsidiarität: magishes Wort oder Handlungsprinzip der Europaïschen
Union?, in Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, Vol. 18, 1991, pág. 561, apud idem.
(136) ISENSEE, Joseph, Subsidiaritätsprinzip und Verfassungrecht, Berlim, 1968, pág. 35,
apud idem.
(137) Veja, sobre o assunto, MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., págs. 361-371.
200
1.3. O caso brasileiro
A recepção da subsidiariedade no ordenamento jurídico brasileiro se mostra
de forma clara. Buscou-se nela a legitimação para a descentralização política,
por meio da repartição de atribuições entre União, Estados-membros e
Municípios, a iniciativa privada e as comunidades (138).
Não se pode dizer que o princípio da subsidiariedade esteja presente em um
dispositivo expresso na Constituição Federal do Brasil, mas, sim, que ele surja
como um pano de fundo inspirativo de todo o federalismo do país.
O Brasil republicano, na esteira da tradição estadunidense, adotou o sistema
federativo e, a partir daí, sempre arrolou nas suas Constituições quais
seriam os poderes expressos da União, deixando os remanescentes ou residuais
para os Estados-membros.
Descentralizando o poder de decisão estatal, em cada função e através de
diversos níveis territoriais — o que é rigidamente previsto na Constituição atual,
por exemplo — o sistema federativo teria a vantagem de permitir que as forças
políticas, econômicas e sociais, em determinada região, não fossem asfixiadas.
A História Política do país demonstra que a causa principal da queda do
Império não foram as aspirações republicanas, mas a urgência de restringir o poder
central, que, na prática, permitia o domínio das oligarquias regionais. E importante
destacar que a manutenção da integridade territorial do Brasil, herdada do
centralismo colonial lusitano, sempre foi a principal questão política, mesmo
antes do 7 de Setembro.
Com a instauração da federação no país, o que se pretendia era permitir o
exercício do poder pelos grupos regionais e atender à diversidade social, econômica
e cultural nas diversas províncias. Muito embora, concretamente, ela não
resolvesse, em definitivo, a questão da dominação de grupos oligárquicos nos Estados
mais fracos (139).
Não obstante, no Brasil, os Estados dotados de grande território exigiam a
descentralização administrativa e legislativa, pois, de regra, parecia razoável que
as decisões importantes não fossem praticadas longe dos fatos que as fundamentassem
(140).
Apesar de seu longo trajeto, a federação brasileira se tomou mais complexa
com a promulgação da Constituição de 1988. Isso correu, basicamente,
com o alçamento do Municiplo à condição de ente federativo, detentor agora de
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(138) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 242.
(139) Certo é que, no Brasil, o desenvolvimento das desigualdades se operou, basicamente,
em função do imobilismo das oligarquias regionais, do excesso de centralização da asfixia das liberdades
de atuação das comunidades regionais.
(140) SLAIBI FILHO, Nagib, Anotações à Constituição de 1988, Rio de Janeiro, 1992.
201
poder político (legislativo), exercitado, nos termos do artigo 29, de forma plenamente
autônoma. Ao seu lado, o artigo 35 estabeleceu estritas razões para intervenção
dos Estados-membros nos seus Municípios, reforçando a importância
da autonomia municipal e endossando a sua qualidade institucional autônoma.
No Brasil, a autonomia municipal é tão expressiva que seu princípio é consagrado
em sede Constituição. Por essa razão, lei alguma, nenhum poder,
nenhuma autoridade (inclusive judiciária), poderá, direta ou indiretamente, às
claras ou sub-repticiamente, mediante ação ou omissão, derrogá-la ou, de algum
modo, amesquinhá-la.
Em regra, no país, ao governo central competirão as atividades gerais de
regulamentação de toda a sociedade, de representação da União, entre outras
atribuições (artigos 21 e 22). Ao governo estadual incumbirão os interesses
que não chegam a ser gerais, mas que transcendem o interesse puramente local
(artigo 25), sobrando, enfim, ao governo municipal a defesa do interesse local,
expressão que está no artigo 30, incisos I, V e IX, da vigente Constituição (141).
Em todos os casos, evidentemente, haverá interesses comuns aos diversos níveis
da federação (artigos 23 e 24), bem como proibições constitucionais (artigo 19)
dirigidas a todos os entes federativos (142).
Na nossa opinião, a autonomia municipal é um assunto extremamente caro
ao tema da subsidiariedade, pelo que, mais amiúde, iremos explorá-lo.
No Brasil, o ascendimento do Município ao status de ente federal demonstra
a tentativa do constituinte de privilegiar as instâncias inferiores de decisão política,
que, em última análise, se traduz na idéia alçada pelo princípio da subsidiariedade.
Para além, buscou-se estabelecer um poder municipal efetivo,
assentado sobre bases que resgatem a integridade do Município, na maioria das
vezes construída sobre uma identidade econômica, cultural e histórica.
Desde logo, entretanto, convém concluirmos que, embora o artigo 1.º, da
Constituição estabeleça que a República brasileira é “formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios (…)”, estes, na prática, não integram a Federação,
isto é, não fazem parte do “pacto federal”. E isso se passa por um motivo
muito simples: a própria Carta se encarrega de desmentir o que solenemente
proclama em seu artigo 1.º Vejamos. Os Municípios não influem, nem muito
menos decidem, no Estado Federal. Dito de outro modo, não participam da
formação da vontade jurídica nacional. Além disso, não integram o Congresso,
já que não possuem representantes nem no Senado (Casa dos Estados), nem na
Câmara dos Deputados (Casa do Povo). E, como se isso não bastasse, a auto-
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(141) Essa última, ao se referir ao “interesse local”, optou por substituir a tradicional expressão
“peculiar interesse”, que constava da Lei Maior revogada (artigo 15).
(142) SLAIBI FILHO, op. cit.
202
nomia municipal não é uma cláusula pétrea. O Congresso Nacional, no exercício
de seu poder constituinte derivado, pode, querendo, aprovar emenda constitucional
que venha a diminuir ou mesmo a eliminar a autonomia dos Municípios.
De qualquer modo, porém, da forma como disciplinado o assunto na atual
Carta Constitucional, os Municípios ocupam posição sobranceira e privilegiada
no cenário jurídico brasileiro, pelo fato de que são pessoas políticas dotadas de
grande autonomia, que extraem suas competências da própria Constituição.
Concretamente, todavia, algumas dificuldades podem surgir na apreensão do
conteúdo do conceito “autonomia municipal”, enunciado pela Carta Política.
Não obstante a essa vagueza, parece-nos correto sustentar, desde logo, que a
autonomia municipal, sob a óptica do Direito, seria a faculdade que a pessoa política
do Município tem de, dentro do círculo de competência pré-traçado pela Constituição,
organizar, sem interferências, seu governo e estabelecer suas normas jurídicas.
Hoje em dia, no Brasil, nota-se que a autonomia dos Municípios é razoavelmente
grande, já que elegem livremente seus Prefeitos e têm um Poder Legislativo
capaz de prescrever, “por direito próprio”, normas jurídicas obrigatórias,
obedecidos, evidentemente, os princípios da Constituição.
O conceito de autonomia fixou-se, assim, em duas características essenciais:
a) provimento privativo dos cargos governamentais; e b) competência
exclusiva no trato de assuntos de seu peculiar interesse (Hans Kelsen) (143).
Seria este, então, o local adequado para indagarmos: quais são assuntos de
interesse local, ou de “peculiar interesse”, que, lastreados nas regras de repartição
de competências da Carta Política e na ideía de subsidiariedade, justificam
grande parte da autonomia municipal?
Responderíamos, sem medo de parecermos tautológicos, que tais interesses
se cingem aos assuntos do próprio Município ou, por outras palavras, às questões
eminentemente locais. Pela síntese da Constituição, cada Município é livre
para organizar-se, em função dos seus interesses particulares, observadas, apenas,
as restrições constitucionais e legais de divisão de competências entre as
pessoas políticas.
A inspiração que o principio da subsidiariedade opera na federação brasileira
e na legitimação da autonomia municipal não tern-úna aqui. A Constituição
Federal determina no artigo 30, inciso II, que aos Municípios competirá
“suplernentar a legislação federal e a estadual no que couber”, lhes sendo permitido
legislar suplementarmente, tendo em vista apenas o seu interesse local.
Podem também, na ilação do mesmo artigo, legislar sobre os assuntos da comunidade
que circunscreve; instituir e arrecadar tributos de sua competência, apli-
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(143) KELSEN, Hans, op. cit., págs. 448-451.
203
cando suas rendas; criar, organizar e suprimir distritos; promover o ordenamento
territorial urbano, entre outras atribuições.
Na verdade, o rol do artigo 30, que se reporta ao interesse local para estabelecer
a competência do Município, é meramente exemplificativo. Ele corresponde
a temas que — hoje mais do que nunca — são, no Brasil, considerados
de interesse local. Essa enumeração que, ressalte-se, não é taxativa,
tão-somente traduz a atenção e o cuidado do Constituinte em relação àquelas
matérias que constituem, concretamente, os pontos básicos da autonomia municipal.
Como se isso não bastasse, os Municípios também estarão aptos, nos termos
do artigo 23 da Lei Maior, em competência comum com os demais entes
federativos: I — zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público; II — cuidar da saúde e assistência
pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III — proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico
e cultural, os monumentos, as paisagens naturais e os sítios arqueológicos;
IV — impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V — proporcionar os meios
de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI — proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas; VII — preservar as florestas,
a fauna e a flora; VIII — fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar; IX — promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X — combater as
causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração
social dos setores desfavorecidos; XI — registrar, acompanhar e fiscalizar as
concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais
em seus territórios; e, XII — estabelecer e implantar política de educação para
a segurança do trânsito.
Pelo que se demonstrou, não seria equivocado dizer que, no Brasil, os
Municípios podem cuidar livremente dos assuntos de interesse local, sem qualquer
dependência a uma autoridade estranha.
A verdade é que foi o artigo 23 da Carta, que instituiu a competência
comum entre os entes federados (incluindo a figura do Município), quem deu a
maior sinalização da presença do princípio da subsidiariedade no ordenamento
brasileiro (144). Sua ilação valorizou a cooperação entre os entes e atribuiu
merecida importância a entidade que, como se sabe, se situa na escala mais
baixa da organização federal e, portanto, encontra-se mais próxima dos interesses
locais.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(144) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 243.
204
Dentro da sistemática estabelecida pela Constituição brasileira, que estabelece
o critério do interesse local para atribuir grande parte das competências
municipais, não raramente, surgem alguns conflitos. Será nessa hora, portanto,
em situações concretas, que o princípio da subsidiariedade pode oferecer alguns
balizamentos.
Vejamos, por exemplo, o caso da polícia administrativa (145), que é desempenhada
por União, Estados e Municípios, concorrentemente. Haverá situações
em que, nessa seara, se torna muito difícil saber o campo de atuação de cada um
desses entes.
Sendo assim, em um primeiro plano, pode-se dizer que o ente competente
para a polícia administrativa será aquele também competente para legislar sobre
a matéria (146), como dedução lógica do critério de repartição de competências
esboçado na Constituição Federal.
Isso posto, a União exercerá em caráter exclusivo polícia administrativa
sobre o que estiver arrolado no artigo 22 da Constituição e concorrentemente com
Estados e Distrito Federal sobre o que consta do artigo 24. Os estados irão
exercitá-la em caráter exclusivo nas hipóteses abrigáveis no § 1.º do artigo 25
ou em concorrência com a União, nas do artigo 24 precitado. Os Municípios têm
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(145) Segundo BANDEIRA DE MELLO, “pode-se definir a polícia administrativa como a atividade
da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar,
com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos,
mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva ora repressiva impondo coercivamente aos
particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos
interesses sociais consagrados no sistema normativo” A polícia administrativa se mostra em
diversos campos. Apenas para exemplificar a sua incidência, nos referimos aos seguintes setores,
ainda dentro da sistemática traçada pelo autor precitado: “polícia de caça, destinada à proteção
dafauna terrestre; polícia de pesca, volvida à proteção da fauna aquática; polícia de divertimentos
público, visando à defesa dos valores sociais suscetíveis de serem feridos por espetáculos
teatrais, cinematográficos; polícia florestal, destinada à proteção da fora; polícia de pesos e
medidas, para a fiscalização dos padrões de medida, em defesa da economia popular; polícia de
tráfego e trânsito, para garantia da segurança e ordem nas vias e rodovias, afetável por motivo
de circulação nelas; polícia de logradouros públicos, destinada à proteção da tranquilidade
pública; polícia sanitária, voltada à defesa da saúde pública e incidente em vários campos, tais
a polícia de medicamentos, das condições de higiene nas casas de pasto, dos índices acústicos toleráveis,
polícia da atmosfera e das águas para impedir suas respectivas poluições; polícia edilícia,
relativa às edificações, etc”. Em síntese, “pode-se dizer que a polícia administrativa propõe-se
a salvaguardar os seguintes valores: a) de segurança pública; b) de ordem pública; c) de tranquilidade
pública; d) de higiene e saúde públicas; e) estéticos e artísticos; f) históricos e paisagísticos;
g) riquezas naturais; h) de moralidade pública; i) economia popular” (BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, 2002, págs. 712 e 719). Veja
também, MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo, Curso de Direito Administrativo Brasileiro, Rio de
Janeiro, 2002, págs. 387-400.
(146) MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., págs. 112-130.
205
seu campo exclusivo de polícia administrativa no que disser respeito ao seu
peculiar interesse, notadamente sobre as matérias previstas no artigo 30. O Distrito
Federal, a quem competem, por força do artigo 32, § 1.º, atribuições correspondentes
às dos Municípios e às dos Estados (salvo no que conceme ao
§ 1.º do artigo 25), exercerá polícia administrativa em caráter exclusivo no
mesmo caso em que os Municípios a exercem e concorrentemente nas hipóteses
do artigo 24 (147).
Esse critério, contudo, exige algumas precisões. De fato, há multas matérias
relacionadas como sendo de competência da União, que, quanto ao fundo,
só a ela são pertinentes, mas que repercutem diretamente sobre interesses peculiares
do Município e por isso mesmo são suscetíveis de serem por ele reguladas
e asseguradas, nos aspectos atinentes à vida e as problemáticas municipais.
Assim o Município exercerá sua atividade de Polícia na salvaguarda dos
interesses pertinentes ao seu âmbito de ação, mesmo quando à primeira vista,
em exame menos arguto, pudesse fazer parecer tratar-se de um problema afeto ao
Estado ou União, nos termos da preceituação constitucional (148). Exemplificamos,
com uma situação pensada por BANDEIRA DE MELLO. “Incumbe à União, nos
termos do artigo 22, I, legislar sobre Direito Comercial. Então, efetivamente,
nem Estados, nem Municípios poderão dispor sobre tal matéria, nem mesmo para
qualificar quem é ou deixa de ser comerciante. Entretanto, o horário de exercício
do comércio, os locais onde é vedado o estabelecimento de casas comerciais,
por interessarem peculiarmente ao Município, são objeto de legislação deste, conquanto,
como é óbvio, tal fato interfira com o exercício da atividade comercial.
Em razão desta competência do Município, este é o habilitado para conceder o
alvará de funcionamento de casa comercial e fiscalizar o seu funcionamento” (149).
Haverá competências concorrentes quando os interesses de pessoas políticas
diferentes se justapõem. Para esses casos, o princípio da subsidiariedade, no
nosso entender, ajudaria legitimar a competência preponderante para aquele ente
representativo da esfera mais próxima dos indivíduos e, por conseguinte, dos chamados
interesses locais. Desde que, por óbvio, não haja vedação expressa da
Constituição, o ente local estará sempre habilitado a tratar dos assuntos que lhe
sejam afetos, sem que outro ente federado lhe possa sonegar esse direito. Isso
se dá, basicamente, em respeito ao princípio democrático e o da descentralização
preconizados na Carta Política brasileira.
Para além dessas questões de descentralização, pode-se dizer também que,
aos influxos de uma sociedade mais coordenada e participativa, e sob a égide da
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(147) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., pág. 720.
(148) Idem.
(149) Idem.
206
subsidiariedade (em outros dos seus significados), o constituinte procurou estruturar
uma relação mais harmônica entre os setores público e privado, inserindo
no Texto Maior várias previsões de co-participação social.
Para o que se afirma, dentre outros exemplos, citamos a área de saúde
(artigos 197 e 198, III), da assistência social (artigo 204, I), da educação (artigos
205 e 206, III), da cultura (artigo 216, § 1.º), do meio ambiente (artigo 225),
da criança e do adolescente (artigo 227, § 1.º) e da ordem econômica (artigos 170
e 173).
Por todos, para ilustrar, destacamos o artigo 205, que estabelece que a Educação
é um dever da família, da sociedade e do Estado, que juntos devem visar
o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da plena
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Com isso, podemos identificar a
prioridade que o legislador constitucional dá aos corpos sociais intermédios, na
persecução de bem comum e do ideal do Estado subsidiário.
Esse ideal, em suma, é um desafio que a comunidade brasileira deve enfrentar.
Há de haver uma permanente vontade de superar o passado centralizador do
Estado brasileiro, que guarda herança de um federalismo originalmente centrífugo,
com passagem por negros períodos ditatoriais, para que se possa por em
prática um verdadeiro estado democrático de direito, um dia erigido à cláusula
pétrea de sua Lei Maior.
2.0. Subsidiariedade e Estado Unitário
O principio que aqui tratamos não e uma prerrogativa exclusiva do sistema
federal. Podemos detectar a sua influência noutros sistemas que detenham uma
pluralidade de centros de decisão, seja no quadro das relações Estado versus
regiões políticas, seja no âmbito da descentralização administrativa.
Sendo assim, a subsidiariedade encontra guarida também no âmbito do
Estado unitário, por figurar neste, uma ampla e crescente política de descentralização
e de restituição de poderes às comunidades regionais que se aproxima
mesmo, em algumas estruturas unitárias, como França, Itália e Espanha, de um
modelo federativo. Tal fenômeno corresponde, em uma palavra, à necessidade
de estabelecer subsistemas de poderes providos de uma melhor capacidade de
decisão, por que mais próximos dos cidadãos e das coletividades locais (150).
Além do mais, se tido como princípio fundamental para o Estado democrático
de direito, na medida que conduz ao pluralismo social e à concretização dos
valores de liberdade e justiça, a subsidiariedade não pode deixar de ser uma
diretriz para os Estado unitários, notadamente os regionais, que, para além das
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(150) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 262.
207
precitadas premissas perseguem o ideal de uma descentralização político-administrativa
(151).
2.1. O caso Português
Como exemplo de um estado unitário que consagra o princípio da subsidiariedade
em sua organização político-constitucional temos o caso de Portugal.
Primeiramente, o país, na revisão extraordinária de sua Constituição
(artigo 7.º, n.º 6), em 1992, adotou uma dimensão externa do principio, como
sendo o parâmetro o material do “exercício em comum” dos poderes necessários
à construção da União Européia (152), da qual o país é parte integrante.
Isso se deu em vista da adaptação da Lei Fundamental ao Tratado da União
Européia, que prevê expressamente, no art. 3-B, o princípio como cláusula geral
e meio de repartir competências entre os Estados-membros e a União.
Já na revisão constitucional operada em 1997, o mesmo princípio foi novamente
consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição portuguesa. Só que, a partir
daí, no dizer de BLANCO DE MORAIS (153), dentro do quadro de uma dimensão
jurídica puramente interna, como um entre vários parâmetros constitucionais que
presidem às relações entre o Estado, as regiões autônomas insulares e as autarquias.
Para além disso, Portugal é signatário da Carta Européia de Autonomia
Local. O referido instituto, no seu artigo 4.º, n.º 3, reconhece às autarquias
locais um direito fundamental a sua autonomia e, incorporado no ordenamento
português, detém caráter de norma supraconstitucional, por força do artigo 16,
n.º 1, da própria Constituição (154).
A subsidiariedade em Portugal é, portanto, um principio constitucional,
colocado ao nível dos demais princípios e integrante do corpo da Constituição,
em face de quem todos os atos jurídicos devem ser confrontados (155). Não se
trata de um conceito vago, como sói ocorrer, por exemplo, com o de justiça, mas
de um conceito cuja densificação é descortinada pela idéia de pluralidade contemplada
pelo Tratado da União Européia (156).
A bem da verdade, a noção de subsidiariedade sempre permeou o ordenamento
português e é um dos conceitos inspiradores da proposta estatal de uma
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(151) Ibidem, pág. 263.
(152) MORAES, Carlos Blanco, O Princípio da subsidiariedade na Ordem Constitucional
Portuguesa, in Direito Constitucional — Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, São Paulo, 1999, pág. 39.
(153) Idem.
(154) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 32.
(155) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 402.
(156) Idem.
208
descentralização administrativa, mormente no que respeita à repartição de tarefas
atribuídas às entidades autônomas (157). Não obstante, ela viabiliza a noção
constitucional de autonomia político-administrativa das regiões insulares portuguesas,
no que toca, por exemplo, à delimitação do poder legislativo regional em
virtude do interesse específico local (158).
MARGARIDA MARTINS resume que a consagração do princípio da subsidiariedade
no Estado português tem os seguintes condões: “1.º — o princípio da subsidiariedade
não foi meramente transposto para o direito interno, com o sentido
e a interpretação que lhe foram ou venham ser dados a nível comunitário,
admitindo-se, ao invés, um sentido e uma interpretação nacionais diversos daqueles.
Trata-se, pois, de um principio próprio do direito constitucional nacional;
2.º — Em segundo lugar, a função da subsidiariedade no texto constitucional é
a de limitar, cumulativamente, com a exigência da reciprocidade e do objetivo
programático da coesão económica e social, a norma constitucional que habilita
ou que autoriza o Estado português, como Estado-membro da Comunidade européia,
a convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção
da união européia. A ‘subsidiariedade constitucional’ surge assim não como
critério de delimitação da capacidade de exercício de competências entre a
Comunidade e os Estados, que deverá ser respeitado por aquela (seja por controlo
‘ex ante’, seja por controlo pela instâncias jurisdicionais comunitárias ainda
que por intervenção estatal — controlo ‘ex post’), mas sim como limite à transferência
de poderes soberanos do Estado português à medida da evolução do processo
de integração comunit” sem necessidade de se proceder a uma revisão
constitucional por cada transferência que se venha a operar no futuro através de
tratado modificativo aos tratados instituidores, a começar pelo próprio Tratado
de Maastricht.” (159)
Tal qual no ordenamento brasileiro, sobre as demais dimensões que o conceito
de subsidiariedade carrega, podemos enxergar na Carta Magna portuguesa,
o princípio da qual nos dedicamos espraiado, implicitamente, em vários outros
dispositivos, como, por exemplo, no artigo 48, n.º 1, que garante aos cidadãos
o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(157) VITAL MOREIRA ressalta a necessária distinção entre o princípio da subsidiariedade e
o princípio da descentralizaçâo. Uma coisa estaria relacionada à descentralização estatual e a
participação dos interessados nos assuntos público, outra à idéia de que o Estado só deve ocupar-se
daquilo que não pode cuidar adequadamente por si próprias as coletividades territoriais e profissionais
(MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997,
pág. 251). Veja-se, ainda, sobre o conteúdo da autonomia regional em Portugal, JORGE MIRANDA,
Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Coimbra, 1998, págs. 313 e segs.
(158) MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira, op. cit., pág. 330-331.
(159) Ibidem, págs. 353-354.
209
país; no artigo 61, que assegura a livre iniciativa privada, no artigo 64, que
estipula o dever do todos em promover à proteção da saúde; no artigo 66, n.º 1,
que conclama a todos o dever se promover um ambiente sadio, dentre outros dispositivos
legais.
Não resta assim dúvidas, portanto, que o princípio da subsidiariedade ganhou
foro privilegiado também dentro do sistema constitucional português, passando
a lançar nessa nação o desafio de vencer sua cultura tradicionalmente centrafizadora
e de promover o pluralismo da vida social. Ao nosso ver, só mesmo
assim, o Estado cumprirá a sua missão de promover o progresso e o desenvolvimento
humano, quer seja dentro do limite de suas fronteiras territoriais, quer
no seja compromisso firmado perante a comunidade européia.
3.0. A subsidiariedade no direito comunitário
A proposta do presente trabalho não contempla a perspectiva do Direito
comunitário, no qual também se insere o princípio da subsidiariedade. Todavia,
a par de todas as referências já feitas a esse cenário ao longo do texto, entendemos
ser de todo ilustrativo discorrer sobre o assunto, ainda que de forma brevíssima,
a fim de situar melhor o leitor na sua importante problemática.
Um dos grandes problemas do processo de integração europeu deu-se em
função da necessidade de se equacionar a questão da soberania inalienável e
indivisível dos Estados-membros na criação da União européia, que, para muitos,
se assemelha a uma organização pré-federalista. É um modelo onde parte
dos poderes dos Estados é transferida para as instâncias comunitárias, com a
instituição de uma moeda única, a permissão de livre circulação de mercadorias
no espaço dos países integrantes, na adoção de planos econômicos uniformes, etc.
Em paralelo, se busca a criação de um quadro institucional que integre politicamente,
socialmente e economicamente os Estados formadores do bloco, na
criação de uma política externa comum, na cooperação educacional e na formação
profissional, na assistência à juventude, na proteção do ambiente, no desenvolvimento
do mercado interno, entre outras metas.
Nesse cenário, se procurou uma fórmula que permitisse estabelecer um
limite fronteriço entre a atuação comunitária e as competências nacionais, sem
incorrer no risco da União Européia se tomar um super Estado, centralizador e
aniquilador da diversidade cultural e humana no continente.
Então, para solucionar a questão da limitação de competências e reduzir
as chances de concentração de poder da UE em detrimento dos Estados-membros
e dos próprios cidadãos, foi inserido no Tratado de Maastricht constitutivo
da União, o princípio da subsidiariedade, explícitado, como já referimos, no
artigo 3-B. Assim, dispõe o aludido dispositivo: “A comunidade atuará nos
limites das atribuições que lhe são conferidas e dos obletivos que lhe são come-
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
14 — F.D.U.L.
210
tidos pelo presente Tratado. Nos domínios que não sejam de suas atribuições
exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade,
se e na medida em que os objetivos das ação encarada não possam
ser suficientemente realizados pelos Estados-membros, e possam, pois, devido à
melhor dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados ao nível
comunitário. A ação da Comunidade não pode exceder o necessário para executar
os objetivos do presente Tratado”.
Então, na UE, a subsidiariedade guarda uma conexão com o princípio de atribuição
de competências, embora entre ambos exista diferenças de funções.
Enquanto o último determina que a comunidade só aja nos limites das competências
que implícita e explicitamente lhe são conferidas para a realização dos
objetivos assinalados nos Tratados, o outro, o da subsidiariedade, define a extensão
dessas competências, almejando a maior eficiência da medida, que deverá ser
tomada, se possível, da maneira mais próxima do cidadão (160).
O Tratado impõe que a Comunidade evite uma tendência centralizadora,
utilizando o princípio da subsidiariedade para exigir que se privilegie o exercício
das competências comunitárias sempre no nível mais baixo possível.
Além do artigo 3-B, outras passagens do Tratado de Maastricht consagram
a subsidiariedade, destacamos aqui, como exemplo, o preâmbulo, que conclama
a necessidade das decisões serem tomadas no nível mais próximo possível dos
cidadãos, de acordo com o princípio em comento.
Assim, pelo exposto, verificamos que o principio em tela no direito comunitário
aplica-se à repartição do exercício de competências entre os Estados-membros
e a Comunidade, conservando para aqueles as competências que são capazes
de exercer de forma mais eficaz que a União e conservando para esta os
poderes que não realizam eficazmente. Desse modo, a competência nacional
figura como regra e a comunitária a exceção (161).
O problema que poderá surgir nessa fórmula é saber o que se traduz no conceito
de eficiência, a justificar esferas maiores e menores de intervenção.
Nesse contexto, observamos que a preceituação do princípio no Tratado é
um tanto ambíguo e impreciso, a permitir uma intervenção da Comunidade e a
conservar a autonomia estatal. Certo é que, tal qual precisado no artigo 3-B, a
subsidiariedade consiste na soma de dois elementos, um negativo, representado
pela insuficiência dos Estados, e um positivo, fundado na capacidade da Comunidade
para melhor prosseguir os objetivos pactuados (162). Ela exerce, no
direito comunitário, a função jurídica de delimitar o exercício de competências
FABRIZIO GRANDI MONTEIRO DE TANCREDO
(160) TORRES, Sílvia Faber, op. cit., pág. 196.
(161) Ibidem, pág. 199.
(162) QUADROS, Fausto de, op. cit., pág. 42.
211
concorrentes e orienta a política que legitima a intervenção da União Européia.
Sobretudo essa última, carece de um grande esforço dos órgãos políticos europeus
em estabelecer, casuisticamente, o momento apropriado de se ampliar ou
restringir a interferência comunitária ou de negociar os mecanismos de repartição
de responsabilidades.
No quadro da União Européia, a subsidianiedade, como o federalismo, tem
o potencial de acomodar a necessidade e o desejo de uniformidade, por meio de
uma cooperação supranacional, sem asfixiar o controle local (163).
VIII — CONCLUSÃO
1. Como tivemos a oportunidade de verificar no presente trabalho, a idéia
inserida no princípio da subsidiariedade é muito antiga e remonta à noção aristotélica
de uma organização social plural e justa. Seu conceito evolui ao longo
da história, com a contribuição dada pela ideologia apregoada por vários pensadores,
tais quais Tomás de Aquino, Althusíus, Tocqueville, Hegel, Locke,
Proudhon, Taine, Stuart MilI, Kant, Ketteler, Von Mohl e George Jellineck, mas
foi somente com a Doutrina Social da Igreja Católica que a sua construção dogmática
se deu de forma definitiva.
2. No discorrer das idéias aqui apresentadas, procuramos conceituar o princípio
dentro de sua evolução histórica e de sua concepção atual. Para tanto, traçamos
alguns critérios para sua fundamentação valorativa, bem como, dentro
das premissas principiológicas que ele conclama, intentamos visualizar a sua
inserção no plano jurídico-político.
3. Com efeito, o princípio da subsidiariedade está, intimamente, associado
às idéias de liberdade e justiça e estruturado sobre os princípios do bem comum,
da dignidade humana, do pluralismo social e da responsabilidade social.
4. No plano jurídico-político a subsidiariedade é um princípio fundamental
da ordem do moderno Estado Social de Direito e, no federalismo, temos a sua
expressão formal mais bem acabada. Nele, como nos demais Estados que buscam
a descentralização, não se reduz à repartição de competências, mas no própria
idéia de democracia.
5. A subsidiariedade nega o monopólio da Administração pública na realização
do interesse público e leva à concretização do princípio da participação,
que deflui da idéia de Democracia. Nessa abordagem, o princípio em tela
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: AS ORIGENS E ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
(163) CASS, Deborah Z., The World that saves Maastricht? The Principle os subsidiarity and
the division ofpowers wilhin the european community, in Common Market Law Review, n.º 29,
Holanda, 1992, pág. 1108; Veja também sobre o caráter pluralista do princípio e a sua inserção
na União Europeia DELORS, Jacques, Le Nouveau Concert Européen, Paris, 1991, págs. 163-176.
212
tem aplicação tanto nos Estados unitários, Regionais e Federados, como também
no Direito Comutuitário. Em paralelo, seus ditames inspiram uma repartição de
atribuições entre a comunidade maior e a comunidade menor, em termos que o
principal componente do seu conceito seja a descentralização. Em termos clássicos,
essa comunidade maior será o próprio Estado ou, na vertente comunitária,
a União Européia.
6. Para além, a subsidiariedade tem sempre um duplo sentido de exigência
e pode-se mesmo dizer que ela seja a sede de um paradoxo. Ela opera, no
plano negativo imponde que as autoridades não devem impedir a autonomia
das pessoas e dos grupos sociais, estabelecendo um limite à ação do poder
público; por outro lado, no sentido positivo, exige que cada autoridade tenha por
missão incitar, sustentar, suprimir e finalmente socorrer, quando necessário, os
atores insuficientes.
7. O princípio apela também à sociedade civil para acompanhar as tarefas
de interesse geral e contribui para organizar, de maneira diferente, as competências
e atribuições do que é privado e do público. Ainda, por intermédio do seu
dogma, tem se exigido que o Estado renuncie a certas tarefas de interesse geral
para confiá-las às coletividades próxima.
8. A subsidiariedade pressupõe a redefinição das relações entre o Estado e
os cidadãos, não apenas no domínio institucional, mas no âmbito das ações que
visam atender os interesses gerais. Não cabe mais ao Estado ser indiferente, como
no liberalismo clássico, ou ceritralizador e interventivo, como se deu no socialismo,
mas ser promotor da diversidade e da cidadania plena e participativa.
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