quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

APONTAMENTOS DE DIREITO DAS SUCESSÕES

Noções Preliminares



1. O conceito de sucessão
a) A sucessão como um efeito jurídico mortis causa
A sucessão é um efeito jurídico, mais concretamente uma aquisição (ou vinculação) mortis causa. Quer isto dizer que a morte de alguém é, em conjugação com os chamados factos designativos, o facto gerador ou determinante, “a causa ou concausa” da aquisição de bens (ou da vinculação) de sucessíveis. De acordo com a noção analítica e vincadamente estrutural, a sucessão mortis causa, dá-se quando a pessoa falecida é substituída por uma ou mais pessoas vivas na titularidade das suas relações jurídico patrimoniais, com a consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, através de um processo escalonado ou progressivo que se concretiza por quatro elementos distintos:
1) A morte do titular das relações jurídicas patrimoniais, como pressuposto necessário da substituição operada;
2) O chamamento (ou vocação do sucessor);
3) A subsequente devolução dos bens;
4) A manutenção da identidade das relações jurídico-patrimoniais compreendidas na herança, a despeito da mudança operada nos seus titulares.
A sucessão mortis causa, aberta com a morte do de cuius, principia realmente por um acto de chamamento do sucessor, que o art. 2024º CC[i][1], caprichou em destacar, para afastar decididamente a ideia de que a sucessão hereditária seja considerada pelo Direito como uma simples transmissão ou transferência de bens de uma pessoa (falecida) para outra (que lhe sobrevive).
b) A sucessão: noção de transmissão
A transmissão é uma transferência de direitos e obrigações da esfera jurídica do titular para a de outro, direitos e obrigações que mantêm na esfera do transmissário a sua identidade jurídica.
2. A transmissibilidade por morte (ou inereditibilidade) de certas situações jurídicas patrimoniais
Embora a regra, no tocante Às situações jurídicas patrimoniais, seja a transmissibilidade por morte (art. 2024º CC), a verdade é que existem casos de intransmissibilidade por morte decretada por lei, concomitantemente ou não com a intransmissibilidade em vida (exs. Arts. 1485º; 1488º, 1490º CC). Mas, os direitos de natureza patrimonial, porque disponíveis, podem ainda extinguir-se, no momento da morte, voluntariamente e dentro dos limites legais, “por efeito de acto ou contrato”. Nesse caso, a fonte de intransmissibilidade por morte estaria na vontade dos interessados. Ou seja, “a lei declara a intransmissibilidade sem todavia a impor, e, por isso poderão os interessados afastá-la ou restringi-la”.
3. Objecto da sucessão
O art. 2025º CC[ii][2], indica genericamente, as relações jurídicas encabeçadas na pessoa falecida, a cuja titularidade ninguém é chamado.
E ninguém é chamado, a suceder em relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, seja em virtude da natureza da relação, seja do disposto na própria lei.
A lei ao falar na adjudicação de certos direitos aos parentes, e ou, herdeiros, utiliza, frequentemente, a expressão legitimidade para a adopção de certas providências ou para a prossecução e transmissão da acção, parecendo óbvio que o direito conferido, ainda que moldado sobre o do autor da sucessão, não é o mesmo que existia na esfera jurídica daquele. Bastará atentar em que umas vezes esse direito está condicionado ao sentido do seu exercício pelo de cuius, não podendo os familiares indicados na lei, por exemplo, desistir da instância ou do pedido.
4. A designação sucessória: conceito e modalidades
A designação será, a indicação virtual dos sucessíveis feita em vida do de cuius, através de factos juridicamente relevantes; e de entre os factos juridicamente relevantes é possível distinguir os factos designativos negociais (testamento, pacto sucessório) e os não negociais (vínculo conjugal, parentesco, adopção) que vão estar na base, respectivamente, das duas grandes modalidades de sucessão quanto à fonte do chamamento: a sucessão voluntária e a sucessão legal.
5. A sucessão legitimária: noção
A sucessão legitimária constitui incontestavelmente um limite à liberdade de testar, a verdade é que ela representa, claramente e também, uma modalidade de sucessão que obedece a regras próprias, sem dúvida justificativas da sua indiscutível autonomia. É que, para além da injuntividade da sucessão legitimária, há tantas outras regras específicas nesta modalidade da sucessão, tais como: as respeitantes à determinação dos sucessíveis legitimários; à medida das legitimas respectivas; ao modo de calcular a legítima, objectiva e subjectiva; ao princípio da intangibilidade da legítima, qualitativa e quantitativamente relevante e, bem assim, ao regime de redução por inoficiosidade.
A sucessão legitimária decorre da lei, que determina a transmissão de uma quota da herança do de cuius para certos parentes próximos (descendentes, ascendentes, cônjuge), quota de que o autor da sucessão não pode dispor.
6. Os sucessíveis legitimários
São pois sucessíveis legitimários (art. 2157º CC), o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima (arts. 2131º[iii][3] segs. CC).
O cônjuge (sobrevivo), é colocado à cabeça de todos os herdeiros, quer em concorrência com os descendentes, quer por maioria de razão em competição com os ascendentes, nos termos do art. 2133º CC, surge no art. 2157º CC, no núcleo dos herdeiros legitimários, e, dentro desse grupo, aparece justificadamente colocado no primeiro lugar dos chamados.
A legítima objectiva ou global, corresponde, à quota indisponível da herança, só que esta expressa a perspectiva (indisponibilidade) do autor da sucessão, enquanto aquela atende à sua afectação aos herdeiros legitimários. A parcela que dentro dessa quota indisponível ou legítima objectiva cabe a cada sucessível legitimário será a legítima subjectiva.
7. Modalidades legais de protecção do sucessível legitimário em vida do de cuius
Nos termos do art. 2162º CC, a legítima ou quota indisponível da herança é um valor líquido, para cujo cálculo de deve ter em linha de conta, para além dos bens existentes à data da morte (ius relictum), o valor dos bens doados em vida (ius donatum) pelo autor da sucessão (incluindo as despesas sujeitas a colação – art. 2110º CC).
A legítima (objectiva) é uma porção de bens de que o testador não podia dispor, convindo precisar a natureza dessa indisponibilidade.
Dos arts. 2163º segs. CC, decorre que “o testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devam preencher contra a vontade do herdeiro”. E em torno desse preceito, articulando-o com o art. 2156º CC, e com os arts. 2164º, 2165º e 2168º CC.
O instituto da inoficiosidade, consiste em o autor da sucessão não poder fazer liberalidade em vida (ou por morte) que atinjam a legítima. Quer isto dizer que, sendo as doações em vida englobáveis para o cômputo da herança, e indirectamente da quota indisponível (art. 2162º CC), necessário se torna fazer a sua imputação para efeitos de partilha. Se excederem então o valor da quota disponível, haverá inoficiosidade (arts. 2168º segs. CC), sendo as liberalidade redutíveis, na medida do necessário e segundo uma ordem legalmente estabelecida (arts. 2171º e 2173º CC), dentro do prazo de caducidade fixado no art. 2178º CC, nos termos indicados no art. 2174º CC.
8. A sucessão contratual: a sua admissibilidade excepcional
Há sucessão contratual (art. 2028º CC) quando, por contrato, alguém renúncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro ainda não aberta.
O contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos na lei, sendo nulos todos os demais.
Modalidades dos pactos sucessórios
Uma referência fugaz à tipicização dos pactos ou contratos sucessórios feita no art. 2028º/1 CC. Como que se esboça nesse preceito uma classificação tripartida dos pactos sucessórios: os pactos sucessórios renunciativos, através dos quais “alguém renuncia à sucessão de pessoa viva”; os pactos sucessórios designativos, pelos quais se “dispõe da própria sucessão”; e, finalmente, os pactos sucessórios dispositivos, que implicam a disposição “da sucessão de terceiro ainda não aberta”.
Depois de dar no art. 2027º CC, a noção genérica de sucessão legal e de distinguir as duas variantes nela compreendidas, é no art. 2028º CC, depois de enumerar também as três variantes da sucessão pacífica ou contratual, define o regime jurídico dos chamados pactos sucessórios, que podem decompor-se em quatro soluções distintas:
1) A regra da nulidade, fundada na hostilidade da lei a qualquer limitação ao princípio da livre revogabilidade das disposições mortis causa;
2) A excepção aberta para as doações de parte ou da totalidade da herança admitidas nas convenções antenupciais (arts. 1700º a 1702º, 1705º e 1706º CC);
3) A ressalva da partilha em vida, a favor dos presuntivos herdeiros legitimários, prevista e regulada no art. 2029º CC;
4) O regime de conciliação entre a nulidade da sucessão contratual e a plena validade das disposições unilaterais da última vontade, traçado no art. 946º CC.
Ao lado dos pactos sucessórios, duas figuras próximas, ou afins deles, se encontram ainda previstas e reguladas na disposição (art. 2028º CC).
A primeira delas, a que se pode chamar partilha em vida, (art. 2029º CC) onde explícita ou declaradamente se afirma que a liberalidade aí retractada não é havida como disposição sucessória.
A segunda é a figura híbrida ressalvada na parte final do art. 2028º/2 CC, através da qual, não obstante a nulidade do pacto sucessório, o legislador reconhece à atribuição patrimonial do doador o valor de testamento, desde que tenham sido observadas as formalidades destes, isto é, desde que a doação tenha sido feita por escritura pública.
9. A protecção legal dos sucessíveis contratuais em vida do autor da sucessão
Os arts. 1701º e 1702º CC, traçam o quadro legal do regime da sucessão contratual. Da articulação do art. 1071º/1 CC, com o art. 1758º (também art. 1755º/2 CC), parece enunciar três princípios fundamentais quanto aos pactos sucessórios:
- “Não podem ser unilateralmente revogados depois da aceitação” e de que “nem é lícito ao doador prejudicar o donatário por actos gratuitos de disposição” (art. 1701º/1, 1ª parte CC).
- O segundo princípio, relativo apenas aos pactos sucessórios feitos por terceiro a qualquer dos esposados ou vice-versa (arts. 1701º/1, 2ª parte, 1705º/1 CC), que não são unilateralmente revogáveis nem prejudicáveis por actos gratuitos de disposição por força do primeiro princípio, será o de que eles “podem ser revogados a todo o tempo por mútuo acordo dos contraentes”.
- O terceiros princípio, decorrente dos arts. 1755º/2 e 1758º CC, é o de que “as doações entre esposados não são revogáveis por mútuo consentimento dos contraentes”, abrangendo tal proibição as doações por morte para casamento.
Quanto ao herdeiro-donatário da totalidade da herança, o art. 1702º/2 CC, determina uma correcção ao âmbito dessa doação por morte, por eventuais razões de indevida ponderabilidade do teor e dos efeitos do acto pelo doador, criando, assim, uma “reserva legal” de uma terça parte da herança relativamente à qual o doador continuaria a deter plenos poderes de disposição em vida ou por morte.
10. Sucessão testamentária: noção e caracterização do testamento
No art. 2179º/1 CC, declara-se uma primeira noção de testamento tomado como “acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”.
Resulta pois, dessa definição legal que é da essência do testamento, não só a unilateralidade, ou seja, a existência de “uma única parte”, de um “único centro de interesses”, como também a livre revogabilidade (arts. 2311º segs. CC), a qual legítima a afirmação de que o testamento é uma “disposição de última vontade”.
Mas o testamento é também um negócio jurídico. Negócio jurídico mortis causa, unilateral, mas também singular (art. 2181º CC). É ainda a salvaguarda da liberdade de testar que está em causa nesta proibição dos chamados testamentos de mão comum.
O testamento é ainda um negócio pessoal, “insusceptível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem, quer pelo que toca à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer pelo que respeita ao objecto da herança ou do legado, quer pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento das suas disposições (art. 2182º/1 CC).
O testamento é ainda um negócio eminentemente formal, formalismo que ainda surge como garantia da expressão livre e “última” da vontade; com efeito, o testamento pode ser público, quando é escrito pelo notário no seu livro de notas, dando azo nomeadamente à intervenção testemunhal (art. 2205º CC[iv][4]); ou cerrado, quando feito pelo testador ou por outrem a seu rogo e por ele assinado e sujeito a uma aprovação notarial de índole meramente formal (art. 2206º CC[v][5]).
O testamento é naturalmente um negócio não receptício, ou seja, no testamento não há verdadeiramente um destinatário. Os sucessíveis instituídos apenas podem aceitar aquilo que lhes é proposto pelo autor da sucessão, ressalvadas certas excepções de divisibilidade da vocação (arts. 2055º; 2250º; 2306º CC), acrescendo que não há efectivo encontro no tempo das vontades do autor da sucessão e dos sucessíveis instituídos, se bem que a permanência dos bens estabeleça a conexão negocial necessária.
A livre revogabilidade do testamento como negócio jurídico unilateral, o coloca no plano da hierarquia dos factos designativos negociais, após a designação contratual. Os pactos sucessórios não podem ser unilateralmente revogados (art. 1701º/1 CC), nomeadamente através de testamentos ulteriores. Por seu turno, os testamentos serão naturalmente revogáveis expressa ou tacitamente por um acto designativo (arts. 2312º e 2313º CC).
11. O autor do testamento: incapacidade, inabilidade e ilegitimidade testamentária activa
A regra no tocante à capacidade testamentária é a de que “podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer” (art. 2188º CC). Reportada a pessoas singulares (“indivíduos”), a capacidade testamentária é, entretanto, uma capacidade de exercício e não de gozo.
Diversa é a figura da indisponibilidade relativa recortada nos arts. 2192º segs. CC, determina a lei a nulidade.
As pessoas relativamente às quais a lei cria situações de indisponibilidade podem ser chamadas, por exemplo, por sucessão legítima, se for caso disso, já que a indisponibilidade se cinge à sucessão testamentária.
O art. 2192º/3 CC, aplicável à situação prevista no art. 2194º CC, ex vi do art. 2195º-b CC, também aponta para a incidência no lado activo da sucessão testamentária da indisponibilidade relativa na medida em que ela não operará nesses casos, apesar da identidade da facti species normativa, por se estar ante descendentes, ascendentes, colaterais até ao terceiro grau ou o cônjuge do testador.
A própria expressão legal “indisponibilidade relativa”, parece acentuar que o que está fundamentalmente em causa são as circunstâncias conexas com a facultas agendi por morte do testador.
A lei admite (arts. 2297º e 2298º CC), que o progenitor, que não estiver inibido do poder paternal substitua aos filhos os herdeiros ou legatários que bem lhe aprouver, para o caso do filho falecer sendo menor (substituição pupilar) ou em situação de interdição por anomalia psíquica (substituição quase-pupilar).
A substituição pupilar e quase-pupilar caducam, entretanto, se o filho adquirir ou readquirir capacidade testamentária (arts. 2297º/2. 2298º/2 CC) e ainda se o substituído falecer deixando descendentes ou ascendentes.
12. Aspectos gerais do regime do negócio testamentário
Reportado à lei, o conceito lacuna importa a existência de uma situação que nem a letra da lei, nem o sentido daquela comportariam (art. 10º CC). Transplantada para o campo negocial, e do testamento em especial, e sendo o sentido deste a vontade real do testador (art. 2187º CC), ainda que em conjugação com a relevância de aspectos formais, a lacuna não pode deixar de se situar sempre no campo de uma vontade real do testador (art. 2187º CC[vi][6]), ainda que em conjugação com a relevância de aspectos formais, a lacuna não pode deixar de se situar sempre no campo de uma vontade hipotética (art. 239º CC[vii][7]). Acresce que a lacuna não pode incidir, crê-se, no acto dispositivo qua tale (art. 2182º/1 CC[viii][8]), devendo circunscrever-se a aspectos instrumentais ou secundários do mesmo.
São quatro as coordenadas fundamentais através das quais a lei define a interpretação da disposição testamentária.
1º O intérprete deve procurar o sentido mais ajustado à vontade do testador;
2º Manda-se entender, na interpretação de cada disposição, ao contexto do testamento. É por virtude do carácter global que o testamento tende a assumir que o art. 2187º CC, manda considera, na interpretação de cada disposição, não apenas o texto da respectiva cláusula, mas todo o contexto do testamento;
3º O art. 2187º/2 CC[ix][9], abre declaradamente as portas à prova complementar, ou seja, aos elementos exteriores à declaração testamentária, mas capazes de auxiliar a determinação da vontade real do testador;
4º Na parte final do art. 2187º/2 CC, estabelece o limite de que o carácter formal do testamento não prescinde para a relevância da última vontade do testador.
13. A sucessão legítima: regime geral
Supletivamente embora, a lei admite no domínio da sucessão legítima, ou seja, daquele conjunto de regras que se aplicam na falta, invalidade ou ineficácia da disposição testamentária quando a todos ou parte dos bens do de cuius, que sejam chamados, para além do cônjuge, parentes do de cuius, não apenas na linha recta, mas na linha colateral, até ao 4º grau dessa linha (arts. 1578º a 1581º CC).
Três regras fundamentais, aliás avocadas pela sucessão legitimária por força do art. 2157º CC, dominam a sucessão legítima: a da preferência de classes (art. 2134º CC[x][10]); a preferência de graus de parentesco dentro de cada classe (art. 2135º CC[xi][11]) e a divisão por cabeça (art. 2136º CC[xii][12]).
Quanto à regra da preferência de classes (art. 2137º/1 CC) e no que toca à posição do cônjuge (que integra as duas primeiras), remete-se para a sucessão legitimária (art. 2141º e 2144º CC).
No que toca, à regra da preferência de graus de parentesco dentro de cada classe, ela só pode ser posta em causa pelo instituto do direito de representação (arts. 2039º; 2042º; 2140º; 2160º e 1999º/2 CC).
A regra da divisão por cabeça, pode ser afastada: em caso de concurso do cônjuge com descendente, por força do art. 2139º/1 CC – 2131º CC; em caso de concurso de cônjuge com ascendentes (art. 2131º CC) em caso de concurso de irmãos germanos e irmão consanguíneos ou uterinos (art. 2146º CC); por força do direito de representação uma vez que opera por estripes (art. 2042º e 2044º CC).
14. A hierarquia dos sucessíveis
A designação (sucessão) legitimária prevalece sobre qualquer outra (arts. 2156º, 2162º segs., 2168º e 2171º CC), prevalece, nomeadamente sobre a designação (sucessão) contratual (arts. 1705º/3 e 1759º CC); por sua vez, esta sobrepõe-se à designação (sucessão) testamentária (art. 1701º/1, 1ª parte, e arts. 2311º segs. CC), a qual, por seu turno, afasta a designação (sucessão) legítima (art. 2131º CC).
15. O herdeiro e o legatário
A instituição de herdeiro se traduz, em princípio, no chamamento do sucessor à totalidade ou a uma quota (parte) alíquota do património do falecido, enquanto o legado se traduz na atribuição por morte de determinados bens, a título singular ou particular ou de certo valor existente no mesmo património.
Considera-se expressamente como legatário o simples usufrutuário de todo o património do finado, e, por maioria de razão, o usufrutuário de parte apenas da herança, em obediência à concepção do herdeiro como continuador da personalidade do de cuius.
O art. 2030º/2 CC, terá, pretendido tão só indicar um critério programático, ainda que formal, para distinguir os tipos de sucessores. Critério que denúncia incompleições, a maior das quais será que a definição de herdeiro não é complementar da de legatário.
Noção de quota
A quota da herança (art. 2030º/2 CC) é uma fracção ainda que não alíquota (quer dizer que não tem de caber um número exacto de vezes nela), representativa de uma relação numérica com o todo hereditário.
16. Determinação, determinabilidade e especificação
O legatário, é aquele que sucede em bens ou valores determinados, no dizer da lei.
Importa notar que bens determinados não é a mesma coisa que objectos especificados ou designados concretamente.
O legado pode ter por objecto bens não determinados mas meramente determináveis, crê-se que no momento da abertura da sucessão a mera determinabilidade e não apenas a concreta especificação é critério suficiente para aferir da existência de um legado. São aqueles bens e não quaisquer outros que serão adjudicados ao legatário.

17. A qualificação legal da deixa do remanescente e a deixa do usufruto na totalidade ou de uma quota-parte da herança
A deixa do remanescente dos bens do falecido, qualificada pela lei como herança, salvo havendo especificação de bens (art. 2030º/3 CC). O remanescente normalmente representa uma atribuição por morte em que depois de haverem sido deixados legado ou instituídas quotas, o testador vem declarar que a parte restante é detenda a determinada pessoa.
Não se deve confundir o conceito de remanescente dos bens, buscado em função do ius relictum, e o da quota disponível, valor líquido apurado após o recurso à regra do art. 2162º CC, de que o autor da sucessão pode dispor, nomeadamente a título gratuito, e que apenas surge na sucessão legitimária com o intuito de circunscrever o âmbito da imputação das liberalidades feitas normalmente a terceiros em vida ou por morte.
O art. 2030º/4 CC, qualifica a deixa do usufruto da totalidade ou de uma quota da herança como legado.
Quanto à partilha, é inegável que o usufrutuário de uma quota a ele tem de recorrer para apuramento dos bens sobre que fica recaindo o usufruto de coisa comum, ajustado aos casos de determinação do objecto do legado.
Daí que o usufrutuário (de quota) “deva ter legitimidade para requerer inventário, pois é interessado na partilha, tanto como o proprietário de raiz.”
18. O teor da relevância da vontade do testador
Determina o art. 2030º/5 CC, que “a qualificação dada pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos números anteriores”. Este preceito procurou, pois, clarificar o problema da relevância da vontade do testador no que concerne à instituição dos seus sucessores.
Pode acontecer que o de cuius indique, concretamente, os bens que vão preencher a quota do herdeiro (art. 2264º CC), ou, diversamente, indique os bens que serão atribuídos, por sua morte a certa pessoa, acrescendo que valerão como quota da sua herança correspondente à proporção do respectivo montante, concretamente apurado, com a totalidade do património, verificando-se nesse caos uma perfeita coincidência entre o montante da quota e o valor dos bens que determinadamente a preenchem.
19. Explicitação do critério legal do art. 2030º/2 CC[xiii][13]
O legislador fez no art. 2030º/2 CC, terá sido transpor critérios da sucessão legal para a sucessão testamentária, procurando uma uniformização dos mesmos, na pressuposição de que não deveria haver apenas herdeiros legais e de que deveria ser consentido, por disposição de última vontade, ao autor da sucessão instituir herdeiros. Mas fê-lo de uma forma claramente infeliz.
Na sucessão legal só existem herdeiros, sendo chamadas as classes de sucessíveis (arts. 21333º e 2134º CC) e dentro delas os graus de parentesco mais próximo (art. 2135º CC), e, caso existam vários herdeiros, a divisão far-se-á por cabeça (art. 2136º CC).
Ora foi exactamente esse critério, fundamentalmente ajustado à sucessão legal, que foi transposto para a sucessão testamentária, por força da sua consagração no art. 2030º/2 CC. Suceder na totalidade ou na quota era a característica indeclinável do herdeiro legal; logo, essa característica passou a identificar, simultaneamente, o herdeiro testamentário, propiciando-se ao de cuius, designar testamentariamente herdeiros.
20. Os estatutos legais do herdeiro legatário: o direito de exigir partilha
A primeira diferença respeita ao direito de exigir partilha, reconhecido, nos termos do art. 2101º/2 CC, aos co-herdeiros, exercível quando lhes aprouver, podendo, porém, convencionar-se o protelamento da indecisão por um prazo não superior a cinco anos renovável uma ou mais vezes (art. 2101º/2 CC).
A partilha pode ser feita extrajudicialmente, por acordo dos interessados, ou judicialmente, através do processo especial de inventário (art. 1326º CPC – art. 2053º CC), e ainda nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência ou de incapacidade permanente, outorgar em partilha extrajudicial (art. 2102º/2 CC).
O disposto no art. 2101º CC[xiv][14], facultando a qualquer dos co-herdeiros ou ao cônjuge meeiro requerer a todo o momento a partilha da herança, significa que o co-herdeiro não tem apenas o direito de exigir a todo o momento a sua saída da comunhão hereditária.
Qualquer dos co-herdeiros ou o próprio cônjuge meeiro pode impor a partilha ou divisão a todos os demais, mesmo que eles constituam maioria. E por isso mesmo o pedido de partilha se há-de considerar como deduzido contra a colectividade dos co-herdeiros e não apenas contra os co-herdeiros uti singuli.
A herança só se manterá indivisa quando, findo o prazo máximo legalmente prescrito para a indivisão e convencionalmente estabelecido por todos os interessados, não surja uma única voz, entre todos os interessados, a requerer a partilha.
Além de irrenunciável, nos termos definidos no art. 2101º/2 CC[xv][15], o direito de exigir a cessação da comunhão hereditária é, logicamente imprescritível.
21. Responsabilidade pelos encargos da herança
O art. 2071º CC[xvi][16], vem estabelecer o regime geral da responsabilidade dos herdeiros pelos encargos da herança, limitando-a às forças da herança: a aceitação pelo herdeiro a benefício de inventário gera uma inversão do ónus da prova que incumbirá aos credores da herança, no sentido de se demonstrar que na herança existem outros bens a responder pelo passivo para além dos inventariados; ónus da prova que caberá aos herdeiros na herança aceite pura e simplesmente (art. 2052º/1 CC), embora também aí a regra seja a de autonomia patrimonial da herança, ou seja, a responsabilidade do herdeiro cingida às forças da herança, sem qualquer confusão patrimonial.
O art. 2071º CC, trata da delimitação dos bens que correspondem pelos encargos da herança, focando a diferença que sob esse aspecto separa as duas espécies de aceitação distinguidas no art. 2052º CC. As obrigações do autor da sucessão se transmitem para o herdeiro, passando a ser dívidas do herdeiro logo que se opera a devolução da herança, o art. 2071º CC, alude na sua epígrafe à responsabilidade do herdeiro, como que pressupondo a existência no património do herdeiro, a partir do momento da devolução da herança, de duas massas distintas de bens; uma, que suporta encargos da herança; outra, que, não respondendo já por esses encargos, apenas responde, em princípio, pelos débitos próprios de herdeiro.
Os herdeiros actuam como verdadeiros liquidatários da herança pagando prioritariamente o passivo da herança, depois os legados e, no fim, as próprias heranças.
Os legatários responderão pelo passivo da herança, no caso da herança toda distribuída em legados (art. 2277º CC); para além disso, os herdeiros poderão reduzir rateadamente a parte atribuída a título de legado, se as deixas a título de herança forem insuficientes para o pagamento do passivo (art. 2278º CC), por fim, pode, inclusive, acontecer que os legados sejam onerados modalmente com encargos (art. 2276º CC), entre os quais parece poder estar eventualmente o pagamento do passivo da herança.
O regime sobre a responsabilidade dos encargos da herança decorrente dos arts. 2068º, 2071º, 2097º e 2098º CC, e no que concerne aos herdeiros, poderá também ser afectado nos termos do art. 2244º CC. Pode assim um testador que institui três herdeiros testamentários estabelecer que apenas um deles suportará o passivo. A relevância desse encargo, que funciona como cláusula modal, não obsta a que externamente os credores da herança se dirijam aos herdeiros (art. 2091º CC) e que, no plano das relações internas entre os sucessores, os herdeiros não onerados tenham naturalmente direito de regresso sobre o especialmente onerado, regime (art. 2276º CC).
22. O direito de acrescer
O acrescer opera, circunscritamente, dentro do respectivo “título de vocação sucessória”, enformado naturalmente pela própria qualidade de herdeiro ou legatário.
O direito de acrescer pressupõe uma vocação conjunta de dois ou mais sucessíveis e a recusa ou impossibilidade de aceitação por parte de qualquer deles.
O direito de acrescer vem regulado nos arts. 2301º segs. CC, a propósito da sucessão testamentária, e nos arts. 2137º/2 e 2143º CC, aplicáveis à sucessão legítima e, também, por força do já referido art. 2157º CC, à sucessão legitimária.
O direito de acrescer é também uma forma de vocação sucessória indirecta, ou seja, uma espécie de chamamento à herança de alguém que inicialmente ou directamente não era chamado a essa parte ou quota da herança e que só o é mercê de qualquer vicissitude ocorrida em momento posterior à abertura da sucessão.
O fenómeno do direito de acrescer, como junção, no património de alguém, de certo já existente na sua titularidade, transcende a área das sucessões, passa esporadicamente pela área das doações (art. 944º CC) e encontra terreno firme de aplicação no usufruto da favor de duas ou mais pessoas, quer o direito anterior tenha sido constituído por testamento, quer por meio de contrato.
Em contrapartida, não existe direito de acrescer na sucessão contratual, porque a lei trata o direito de acrescer como um instituto próprio da sucessão testamentária.
Atente-se na real extensão e significado do direito de acrescer definido no art. 2301º CC[xvii][17]. Sempre que haja herdeiros testamentários, ainda que só em parte da herança, nessa parte hereditária, deliberadamente excluída do domínio da sucessão legítima, o direito de acrescer só refere em favor dos herdeiros testamentários – dos outros herdeiros instituídos – e não também dos herdeiros legítimos eventualmente existentes.
A parte da herança afectada a herdeiros testamentários considera-se assim, definitivamente afastada da área da sucessão legítima, enquanto houver entre os herdeiros instituídos alguém que possa e queira aceitá-la.
1) O direito é um instituto genérico, mas essencialmente unitário, confinado à amplitude do próprio facto designativo ou título de vocação;
2) O direito de acrescer está condicionado na sua configuração e regime pela expressividade e riqueza do conteúdo da designação subjacente, nomeadamente no que concerne às deixas oneradas (testamentariamente) por encargos;
3) O direito de acrescer não é, por isso, um instituto que auxilie ou clarifique decisivamente a diferença de situação e regime do herdeiro e do legatário;
4) Por fim, frequentemente aparecem confundidas situações de direito de acrescer com outras que se reconduzem, tão só, ao chamamento do sucessível subsequente (art. 2032º CC[xviii][18]).
23. Instituição a termo
Decorre do art. 2243º CC[xix][19], a inoponibilidade de termo inicial à instituição de herdeiro mas não à de legatário, pois, neste último vaso, apenas se suspende a execução de disposição, não se impedindo que o nomeado adquira direito ao legado (art. 2243º/1 e 2, 1ª parte CC); quanto ao termo final ou resolutivo, tanto na instituição de herdeiro como na de legatário, tem-se por não inscrito, excepto quanto ao legado incidente sobre o direito de natureza temporário (art. 2243º/2 CC).

[i][1] Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.
[ii][2] 1. Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.
2. Podem também extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis.
[iii][3] Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos.
[iv][4] É público o testamento escrito por notário no seu livro de notas.
[v][5] O testamento diz-se cerrado, quando é escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado.
[vi][6] Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
[vii][7] Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvesse previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
[viii][8] O testamento é acto pessoal, insusceptível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem, quer pelo que toca à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer pelo que respeita ao objecto da herança ou do legado, quer pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento das suas disposições.
[ix][9] É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
[x][10] Os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes imediatas.
[xi][11] Dentro de cada classe os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado.
[xii][12] Os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais, salvas as excepções previstas neste código.
[xiii][13] Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.
[xiv][14] 1. Qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver.
[xv][15] 2. Não pode renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos; é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção.
[xvi][16] 1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.
[xvii][17] 1. Se dois ou mais herdeiros forem instituídos em partes iguais na totalidade ou numa quota dos bens, seja ou Não conjunta a instituição, e algum deles não puder ou não quiser aceitar a herança, acrescerá a sua parte à dos outros herdeiros instituídos na totalidade ou na quota.
2. Se forem desiguais as quotas dos herdeiros, a parte do que não pôde ou não quis aceitar é dividida pelos outros, respeitando-se a proporção entre eles.
[xviii][18] 1. Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade.
2. Se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente; a devolução a favor dos últimos retrotrai-se ao momento da abertura da sucessão.
[xix][19] 1. O testador pode sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial; mas este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado.
2. A declaração de termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a declaração de termo final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação de legatário, têm-se por não escritas, excepto, quanto a esta nomeação, se a disposição versar sobre direito temporário.






























Da Sucessão em Especial: A Sucessão Legitimária


42. Cálculo da legítima[xix][38]
Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art. 2156º CC).
Quota da herança imperativamente atribuída aos sucessíveis legitimários, quota indisponível que varia em função destes e/ou dos seu número (arts. 2158º a 2161º - 2157º CC).
Dispõe o art. 2162º CC, que “para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte (relictum), a valor dos bens doados (donatum), às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança”.
A legítima ou quota indisponível é assim apurada sobre um valor hereditário ficticiamente alargado pela soma ao relictum e para além disso, líquido.
43. Efectivação do direito à legítima
A natureza injuntiva da sucessão legitimária, é inerentemente intangível da legítima objectiva e subjectiva, sendo obstáculos a uma livre disposição dos bens por morte por forma a conseguir-se a sua afectação ao sucessível legitimário mais apto a geri-los, ou por forma a evitar-se a pulverização da sucessão através do mecanismo da imputação, se bem que sempre na dependência da vontade dos legitimários.
44. O legado por conta da legítima
Vem expressamente contemplada na lei, no art. 2163º CC[xix][39], que estatui que “o testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devam preencher, contra a vontade do herdeiro”.
A intangibilidade qualitativa da legítima não se circunscreve a uma faculdade de aceitar ou repudiar um legado que é feito por conta da legítima, em suma por conta de uma quota.
A atribuição de um legado por conta da legitima não denúncia à priori da parte do autor da sucessão e testador, a inequívoca intenção de, caso o legado exceda o valor da legítima subjectiva, beneficiar aquele sucessível legitimário.
O legado por conta não deve alterar, se e na medida do possível, a identidade ou proporção das quotas hereditárias legais, o que se consegue pela imputação do legado por conta não apenas na legítima, mas precisamente na quota hereditária legal do sucessível legitimário em causa, não devendo o excesso do valor do legado sobre o da legitima subjectiva valer como pré-legado.
45. O legado em substituição da legítima
Tem a sua sede legal no art. 2165º CC. E a essência da figura parece radicar-se numa opção, numa alternativa que é colocada ao sucessível legitimário pelo autor da sucessão. Este atribui-lhe testamentariamente bens, que se o sucessível legitimário aceitar, implicam a perda do direito à legítima, independentemente da relação de valor legado atribuído e da legítima subjectiva.
O princípio da intangibilidade da legítima permite ao sucessível legitimário repudiar o legado, mantendo o direito à legítima.
A aceitação do legado em substituição da legítima (ou em vez da legítima) pelo sucessível no tocante à quota legitimária, mas nada impede que ele cumule a sua qualidade de legatário, no âmbito da vocação legitimária, com a de herdeiro, no âmbito da vocação legítima e no que se refere à quota disponível, até porque o facto designativo em que se apoia a sua vocação legítima evidentemente que permanece e releva.
46. As doações ou liberalidades em vida
As liberalidades em vida e, mais concretamente, as doações são tidas para o cálculo da herança “legitimária” (art. 2162º, 2109º CC) e, inerentemente, das quotas indisponível e disponível.
Sendo assim, e para efeitos de partilha, haverá que imputá-las, ou seja, enquadrá-las e deduzi-las nas quotas disponível e indisponível, alargadamente quantificadas por força desse valor suplementar (o donatum).
47. Imputação
É uma operação de cariz intelectual que procede a partilha quando existam sucessíveis legitimários, e que pretende, fundamentalmente, atender e salvaguardar a vontade do autor da liberalidade, em ordem a “enquadrá-la” adequadamente adentro do âmbito hereditário, legitimário ou não. Há no fundo, que perscrutar se as liberalidades visam beneficiar, avantajar, o sucessível legitimário relativamente aos demais, caso em que a imputação será feita na quota disponível, possibilitando ao dito sucessível, além disso, a efectivação do seu direito à legítima.
Uma doação feita em vida a um herdeiro legitimário não prioritário, ou seja, a um herdeiro que não ocupe o lugar prevalecente na hierarquia dos sucessíveis legitimários (arts. 2134º e 2135º - 2157º CC), deve ser tratada jurídico-sucessoriamente como se feita a um terceiro, posição que tal herdeiro “ocupava” afinal no momento da doação, e por conseguinte imputável também na quota disponível.
48. Colação (art. 2104º CC[xix][40])
É a restituição, feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste.
Tem por fim a igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança.
Além de só os descendentes, e não todos os herdeiros legitimários, se encontrarem sujeitos à colação, acrescente-se que nem todos os descendentes participantes na sucessão ficam obrigados à restituição própria do instituto.
Traços gerais do regime:
A colação corresponde, a uma operação intelectual de restituição fictícia dos bens doados, para efeito de cálculo e igualação da partilha.
Devem ser conferidas todas as doações, como tal sendo havidas as despesas referidas no art. 2110º/1 –2111º e 2113º/3 CC.
“Estão sujeitos à colação os descendentes que eram à data da doação presuntivos herdeiros legitimários do doador”, ou seja, sucessíveis legitimários prioritários (arts. 2133º/1a, b; 2157º segs. CC).
“O valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da doação”, princípio que é a afloração da regra geral da relevância do momento da abertura da sucessão (art. 2109º/2 CC).
49. A partilha em vida (art. 2029º CC)
Abrange todos ou parte dos bens do futuro autor da sucessão, e exigindo a intervenção no acto de todos os sucessíveis legitimários prioritários, busca, pois, assegurar-lhes “o valor das parte que proporcionalmente lhes tocariam nos bens doados”.
A partilha em vida, não obstante o teor do art. 2029º/3 CC, dir-se-ia ter um cariz tendencialmente definitivo, sucessoriamente relevante, salvo a superveniência de um outro herdeiro legitimário (art. 2029º/2 CC).
O que significa que o objecto da partilha em vida seria, em princípio, sucessoriamente respeitado, qualquer que fosse o valor dos bens à data da abertura da sucessão, somente podendo dar azo à exigência de tornas pelo sobrevindo herdeiro legitimário, único nexo post mortem da partilha em vida.
50. Redução por inoficiosidade
São inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários (art. 2168º CC[xix][41]). Tais liberalidades são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, no que for necessário para que a legítima seja preenchida (art. 2169º CC[xix][42]). A redução abrange, em primeiro lugar, as disposições testamentárias a título de herança; em segundo lugar, os legados, e, por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão (art. 2171º CC[xix][43]).













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O Fenómeno Jurídico-sucessório


24. A abertura da sucessão: a morte como pressuposto da sucessão
A abertura da sucessão corresponde, em termos técnico-jurídicos, a uma situação de ruptura, de cisão, de perda relativa, que a morte de alguém vai necessariamente gerar quanto às situações jurídico-patrimoniais de que esse alguém era titular.
É evidente que a morte é pressuposto, é causa da sucessão (art. 2024º CC).
O direito das sucessões está confinado ao estudo das consequências jurídicas provocadas pela morte física. Excluem-se, assim, do âmbito do fenómeno sucessório as consequências da extinção de uma pessoa colectiva, aspecto regido, nomeadamente, pelo art. 166º CC.
A afirmação regra de que o direito das sucessões tem a ver, fundamentalmente, com a morte em sentido físico, há, porém, uma situação que a lei faz aproximar, na sua configuração jurídica, da morte física. Reporta-se à morte presumida, adentro do instituto da ausência (artos. 114º e 115º[xix][20] CC).
25. O momento da abertura da sucessão (art. 2031º CC)
O art. 2031º CC[xix][21], diz que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor, ou seja, no primeiro momento de ausência de vida.
É no momento da abertura da sucessão que a designação sucessória se fixa na vocação: o chamado a suceder é o titular da designação sucessória prevalecente, no momento da abertura da sucessão.
O conceito de vocação não é, um conceito unívoco, ele implica, por força conjugada da actuação de um facto designativo e da morte, a atribuição ao sucessível ou sucessíveis chamados, portanto aos sucessores virtuais, do direito de suceder, o chamado ius delationis, ou seja, um direito potestativo, originário e instrumental de aceitar ou repudiar a herança ou o legado que lhes compete.
O exercício do direito de suceder, o direito potestativo de aceitar ou repudiar, esse exercício retroagirá na sua eficácia jurídica, à data da abertura da sucessão.
26. O lugar da abertura da sucessão
Estatui, também o art. 2031º CC, que o lugar da abertura da sucessão é o último domicílio do autor da sucessão. O sistema de situar espacialmente a abertura da sucessão no último domicílio do de cuius tem não só a vantagem de juridicamente, para efeitos vários, unificar o fenómeno sucessório, como também de o reportar a um local normalmente mais conhecido por todos aqueles que têm interesses ligados à herança (credores, fisco) do que, por exemplo, o domicílio dos herdeiros ou o lugar da situação dos bens.
27. A vocação sucessória: conceito de vocação
Aberta a sucessão de alguém, pela eficácia conjugada dos factos designativos prevalecentes e da morte concretiza-se a vocação dos sucessíveis prioritários.
Embora a sucessão seja normalmente uma transmissão, o conteúdo jurídico da vocação é um poder originário, através de cujo exercício se concretiza, ou não (pelo repúdio), a aquisição sucessória. É um poder instrumental que se extingue automaticamente pelo seu exercício.
A vocação, pode ser olhada pelo prisma não dos sucessíveis chamados, mas dos bens ou parte da herança a que os mesmos são chamados.
A vocação sucessória é o chamamento à sucessão, no momento da morte do de cuius, feita pela lei ou por força do negócio jurídico, do(s) titular(es) da designação sucessória prevalecente. No caso de vocação de herdeiro, este é chamado a suceder na totalidade das relações de herdeiro do de cuius, ou numa quota alíquota destas; o legatário é chamado a suceder em relações jurídicas certas e determinadas.
28. Os pressupostos da vocação sucessória
A concretização da vocação pressupõe a observância de requisitos. São pois, esses requisitos os pressupostos da vocação sucessória, que o art. 2032º/1 CC, genericamente enuncia quando estatui que: “aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade”. Deste preceito pode inferir-se que são pressupostos do chamamento ou vocação sucessória são a prioridade na hierarquia dos sucessíveis, a necessária capacidade, e, a existência do chamado.
29. A existência do chamado
A existência do chamado como pressuposto da vocação sucessória pode distinguir-se dois aspectos: o regime da herança deixada a um ausente, a sobrevivência do chamado ao de cuius, que tem de ocorrer, nem que seja por um instante temporal.
A propósito da sobrevivência como pressuposto da vocação sucessória. A presunção de comoriência (art. 68º/2[xix][22] CC). Presume a lei que, havendo dúvidas quanto ao momento do falecimento de duas ou mais pessoas, a respectiva morte ocorre simultaneamente, concomitantemente, daí decorrendo, desse modo para a comoriência, o campo sucessório, o mesmo regime da pré-morte, uma vez que não existirá sobrevivência do chamado.
A figura da transmissão do direito de suceder (ius delationis), a que se reporta o art. 2058º CC[xix][23], e que é ainda reafirmação do pressuposto da vocação sucessória da existência de chamado, mostra bem a relevância jurídica do art. 68º/2 CC, uma vez que a presunção de comoriência vai gerar, por si, o chamamento a dada sucessão do sucessível subsequente do comoriente, e não dos respectivos herdeiros, porque não se concretizou qualquer vocação.
Outro ponto de referência, a propósito da existência do chamado como pressuposto da vocação sucessória, é o regime da herança (ou legado) deixada a um ausente, tomando-se aqui a ausência em sentido técnico-jurídico.
Serão chamados os sucessíveis subsequentes, encontrados de acordo com os mecanismos sucessórios do ausente, que naturalmente não foi chamado (art. 120º CC).
A existência do chamado pressupõe inerentemente a respectiva personalidade jurídica. Mas aqui não pode deixar de colocar-se, desde logo um problema, já que a lei reconhece capacidade sucessória aos nascituros concebidos (art. 2033º/1 CC) e também aos nascituros não concebidos ou concepturos (art. 2033º/2-a CC).
30. A titularidade da designação prevalecente
Decorre do art. 2032º/1[xix][24] CC, que é pressuposto da vocação sucessória a titularidade da designação prevalecente, quer dizer,. A titularidade do facto designativo prevalecente adentro da hierarquia dos factos designativos.
E é-o relativamente à parte (ou inclusive, à totalidade) de herança ou do património do de cuius face à qual opera essa prevalência.
Quer isto dizer que relativamente às mesmas situações jurídico-patrimoniais da herança do autor da sucessão não pode concretizar-se mais do que uma vocação.
31. A capacidade sucessória: indignidade e deserdação
Para ser chamado à sucessão, o titular da designação sucessória prevalecente tem de ser capaz perante o de cuius.
Capacidade sucessória, é a aptidão para ser chamado a suceder em relação a uma certa pessoa, como herdeiro ou legatário (art. 2033º CC).
A capacidade sucessória é no fundo, a personalidade jurídica ou a capacidade de gozo (activa) de adquirir o direito de suceder mortis causa a outrem. Uma coisa é capacidade sucessória, e outra, a capacidade de testar ou para fazer testamento (arts. 2188º segs. CC); para intervir na partilha, etc.
O momento da apreciação da capacidade sucessória é o da abertura da sucessão (arts. 2033º/1 – 2035º CC).
Do outro lado tem-se a incapacidade, nomeadamente a chamada incapacidade sucessória por indignidade.
As incapacidades sucessórias estão reguladas pelo art. 2034º CC[xix][25]. Tratam-se de incapacidade relativas, que funcionam só em relação ao autor da sucessão, e que se fundam, numa ideia de indignidade do sucessível, em virtude da prática de actos deste, directa ou indirectamente, contra o autor da sucessão.
O carácter relativo da indignidade é só por si inconciliável com uma verdadeira incapacidade. O indigno não é um incapaz de suceder, porque pode adquirir verdadeiramente por sucessão e assim concorrer à sucessão de outras pessoas. Substancialmente a indignidade é uma ilegitimidade, o que é apontado pelo seu carácter de relação.
O art. 2034º CC, indica pois, as causas de incapacidade sucessória, por motivo de indignidade, que podem reconduzir-se, de um ponto de vista sistemático, a quatro tipos distintos: decorrentes do atentado contra a vida do testador (arts. 2034º-a CC); contra a honra do testador (art. 2034º-b CC); contra a liberdade de testar (art. 2034º-c CC); e contra o próprio testamento (art. 2034º-d CC).
O herdeiro e o legatário indignos, podem readquirir a capacidade sucessória. O instituto da reabilitação pode revestir duas modalidades: a reabilitação expressa (art. 2038º/1 CC), feita pelo autor da sucessão, em testamento ou escritura pública, relativamente ao que tiver incorrido em indignidade, mesmo que esta já tenha sido judicialmente declarada; e a reabilitação tácita (art. 2038º/2 CC), que decorre do facto de o indigno ser contemplado em testamento quando o testador já conhecia a causa da indignidade.
A deserdação é um instituto específico da sucessão legitimária, regulado nos arts. 2166º e 2167º[xix][26] CC, cujas causas não são coincidentes com as da indignidade.
O art. 2166º[xix][27] CC, admite a privação do direito à legítima por determinação da vontade do autor da herança (a chamada deserdação), fixa o seus respectivos pressupostos e traça o seu regime jurídico.
A legítima, que é um direito sucessório atribuído por lei a determinadas pessoas, independentemente da vontade do autor da herança, em atenção ao vínculo familiar que as une a o falecido, pode afinal ser afastada, por declaração expressa da vontade do finado, quando actos excepcionalmente graves do sucessível o justifiquem.
É precisamente ao acto de privação da legítima, determinado pelo testador em alguma das circunstâncias excepcionais taxativamente descritas na lei, que esta dá o nome de deserdação.
A deserdação não priva apenas o sucessível legitimário da respectiva legítima (subjectiva). Com efeito, sendo a legítima subjectiva parte da quota indisponível, aquela que o autor da sucessão não pode tanger.
A deserdação é, um acto jurídico impugnável, por via de uma acção judicial, que caduca no prazo de dois anos a contar do testamento.
32. Modalidades de vocação
A vocação originária, é a que se verifica no momento da abertura da sucessão (art. 2032º/1, no princípio CC), por força conjugada da actuação de um facto designativo e da morte como facto causal principal, já que a aceitação se limita a concretizar a transmissão que a vocação como que põe à disposição”, desde logo, do sucessível chamado (art. 2050º CC).
A vocação subsequente, só se concretiza em momento posterior ao da abertura da sucessão (ex. arts. 2229º, 2237º, 2239º CC).
Também se pode falar na vocação subsequente dos nascituros concebido ou não concebido, em que o nascimento, e apenas ele, concretiza a vocação (art. 66º/2 CC).
Refira-se ainda a situação do fideicomisso (arts. 22876º segs. CC), em que alguém é instituído, mas com obrigação de conservar os bens e os fazer reverter por sua morte para outrem.
A existência possível de uma vocação subsequente importa, via de regra, da parte do legislador a adopção de medidas de protecção ou tutela da mesma, podendo normalmente configurar verdadeiras situações de expectativa jurídica.
Tal como o negócio jurídico, designadamente os negócios unilaterais entre vivos e os contratos, também as disposições testamentárias, quer consistam na instituição como herdeiro, quer na nomeação de legatários, podem ser sujeitas a cláusulas, limitativas da sua validade ou da sua eficácia (arts. 2229º a 2248º - arts. 270º segs. CC).
33. Vocação una e múltipla
A distinção entre estas modalidades de vocação assenta na circunstância de um sucessível ser chamado a suceder com base num único título de vocação ou em mais, ou com base numa única qualidade – herdeiro ou legatário – ou em ambas.
Excepções à regra da indivisibilidade
· Se alguém é chamado à herança simultânea ou sucessivamente por testamento desconhecia a existência do testamento (art. 2055º/1 CC[xix][28]);
· O sucessível legitimário, que também é chamado há herança testamentariamente, pode repudiá-la quanto à quota disponível e aceitá-la quanto à legítima (art. 2027º CC[xix][29]);
· O legatário pode aceitar um legado e repudiar outro, contanto que este último não esteja onerado por encargos impostos pelo testador (art. 2250º/1 CC[xix][30]);
· O herdeiro que seja ao mesmo tempo legatário tem a faculdade de aceitar a herança e repudiar o legado, ou vice-versa, se a deixas repudiada não estiver sujeita a encargos (art. 2250º/2 CC).
34. Vocação directa e indirecta
Se a vocação directa é a regra, a indirecta dá-se quando alguém é chamado à sucessão “não apenas em atenção à relação existente entre o sucessível e o de cuius, mas também em função da sua posição perante um terceiro, que não entra na sucessão mas serve de ponto de referência para a devolução”.
Na vocação indirecta não há nenhum fenómeno de dupla vocação, mas que o que se passa é, tão-só, que a vocação do sucessível prioritário, que não pode ou não quer aceitar, vai moldar, a vocação de outrem que, como que vai ocupar a sua posição sucessória.
Quer dizer, a vocação indirecta chama naturalmente, também, um sucessível subsequente. Só que a vocação deste não é autónoma, pois se justapõe à do sucessível, que não pôde, ou não quis aceitar, o qual lhe serve de ponto de referência.
São tradicionalmente apontadas como modalidades de vocação indirecta, a substituição vulgar ou directa (art. 2281º segs. CC); o direito de representação (arts. 2039º segs. CC) e o direito de acrescer (arts. 2301º segs. CC).
O ius delationis, é um direito instrumental potestativo, naturalmente susceptível de avaliação pecuniária, integrante do património do transmitente, ainda que reportado à herança de um outro de cuius.
Os herdeiros do transmitente detêm, uma vocação directa face ao transmitente, mas indirecta relativamente à sucessão a que este chegou a ser chamado.
35. Vocações anómalas: a substituição directa ou vulgar
Vem regulada nos arts. 2281º[xix][31] segs. CC, e consiste na designação pelo testador de alguém que, se substitua ao sucessível prioritário instituído, para o caso de este não poder ou não querer aceitar a herança ou o legado (arts. 2285º/2 – 2302º CC).
O substituto acaba por ser um sucessível instituído sob condição suspensiva, pois a sua vocação dependerá sempre da resolução ou da não concretização da vocação do substituído, à qual terá que sobreviver. O substituto é, assim, um sucessível subsequente, pois o seu chamamento só se concretiza num momento ulterior à data da abertura da sucessão, embora retroagindo a esse momento.
Pode ser: singular, plural (art. 2282º CC), recíproca (art. 2283º/2 e 3 CC) e de um ou mais graus.
No caso do substituto não poder ou não querer aceitar, e se tiver descendentes, parece ser de aplicar analogicamente o art. 2317º-b CC, que impedirá o funcionamento do direito de representação se a vocação do substituto não tiver chegado a existir.
A substituição directa em princípio, não parece dever operar, se a vocação do substituído tiver chegado a concretizar-se, dando azo à transmissão do direito de suceder; salvo talvez, se puder interpretativamente (art. 2187º CC) vislumbrar-se na cláusula testamentária uma intenção institutiva de uma substituição fideicomissária, pois de outro modo não se vê que possa o testador “predeterminar” uma sucessão já alheia.
36. O direito de representação
Dá-se quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daqueles que não pôde ou não quis aceitar o legado (art. 2039º CC).
O art. 2040º CC, define o âmbito do direito de representação, que considera aplicável tanto à sucessão legítima e legitimária, como à sucessão testamentária.
O direito de representação constitui uma excepção à regra da sucessão legítima de que o parente mais próximo exclui o parente mais afastado de cada classe (art. 2135º CC). No direito de representação, o parente mais afastado substitui o parente mais próximo que não quis ou não pôde suceder, sucedendo em vez dele.
Pressupostos do direito de representação:
a) Sucessão legal, depende de dois pressupostos (art. 2042º CC[xix][32]): o primeiro é a falta de um parente na primeira ou na quarta classe de sucessíveis do art. 2133º CC (descendentes do de cuius ou irmãos e descendentes). A noção de falta de um parente, compreende as hipóteses de pré-morte, incapacidade por indignidade, deserdação, ausência e repúdio. O segundo pressuposto, é a existência de descendentes do parente excluído da sucessão.
b) Sucessão testamentária, segundo o disposto no art. 2041º CC, a representação dá-se na sucessão testamentária, no caso de pré-morte, de repúdio e de ausência (art. 120º CC), mas já não no caso de incapacidade. A representação não admite na sucessão testamentária em qualquer das circunstâncias previstas no art. 2041º/2 CC:
· O testador designou um substituto para o herdeiro e legatário (art. 2041º/2-a CC);
· Se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a herança, fica sem efeito a substituição, e a titularidade dos bens hereditários considera-se adquirida definitivamente pelo fiduciário desde a morte do testador (art. 2041º/2-b CC);
· A representação não se verifica no legado de usufruto ou de outro direito pessoal (art. 2041º/2-c CC).
Não haverá lugar ao direito de representação “se tiver sido designado substituto ao herdeiro ou legatário” (art. 2041º/2-a CC), sendo que parece admissível, que a substituição possa relevar no âmbito da sucessão legítima, onde afastaria igualmente o direito de representação.
Não haverá também lugar ao, direito de representação (art. 2041º/2-b CC) “em relação ao fideicomissário, nos termos do art. 2293º/2 CC”. O fideicomissário, herdeiro ou legatário testamentariamente instituído para quem reverter os bens do fiduciário por morte deste, tem, para concretizar a sua vocação sucessória, que lhe sobrevier, facto futuro e incerto, que desse modo, acondiciona (arts. 2293º/1 e 2294º CC).
Quanto ao fiduciário que não possa ou não queira aceitar e que eventualmente tenha descendentes. Ainda aqui não funciona o direito de representação, por força do conversão do fideicomisso em substituição directa ditada pelo art. 2293º/3 CC.
Não se verifica também o direito de representação relativamente ao legado de usufruto ou de outro direito pessoal, o que se entende facilmente, porque a natureza vitalícia ou pessoal desse tipo de situações jurídicas, ainda que de cunho patrimonial, não se harmonizará evidentemente, com o efeito jurídico da ocupação pelo representante da posição sucessória detida pelo representado.
A sucessão testamentária também não revelará o direito de representação na hipótese de instituição de herdeiro ou legatário sob condição suspensiva (arts. 2229º segs. CC).
O direito de representação origina três tipos fundamentais de efeitos:
1) Chama à sucessão quem, de outro modo, não sucederia, por não ser um sucessível prioritário, nem testamentário, nem legal (arts. 2135º e 2138º CC);
2) Opera por estripes (linha recta descendente – art. 1580º CC – do sucessível prioritário que não pôde ou não quis aceitar) ou por subestripes (art. 2044º/1 e 2 CC);
3) Confinadamente à sucessão legal, dispõe o art. 2045º CC, a referência ao parentesco, facto designativo legal é, realmente, explícita da especialidade desse efeito, pelo que, a circunstância de o direito de representação operar no caso de estripe única só releva em sede de sucessão legal, nomeadamente legitimária.
37. Direito de acrescer[xix][33]
Este instituto visa regulamentar a hipótese de dois ou mais herdeiros terem sido instituídos na totalidade ou numa quota de bens, fosse ou não conjunta a instituição, e algum deles não poder ou não querer aceitar a herança.
O direito de acrescer, com o preenchimento da quota vaga que o caracteriza, importa, realmente, numa verdadeira substituição do herdeiro instituído ou do legatário nomeado pelo sucessor titular daquele direito e, por conseguinte, na transmissão de uma posição jurídica.
O acrescer opera dentro de cada título de vocação sucessória. Tal decorre do art. 2301º CC, que se reporta ao acrescer “aos outros sucessíveis da mesma classe sem prejuízo do disposto no art. 2143º CC”.
38. A substituição fideicomissária
Como decorre do art. 2286º CC, a substituição fideicomissária ou fideicomisso gera duas vocações distintas: a do fiduciário e a do fideicomissário, realmente ambas anómalas.
O fideicomisso é, “ a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem”; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição.
É um facto que, sendo o fiduciário um proprietário (art. 2293º/2 CC), ainda que fortemente restringido nos poderes de disposição e oneração dos bens objecto do fideicomisso (art. 2291º CC), juridicamente e por sua morte, o fideicomissário suceder-lhe-ia.
39. A herança jacente
Diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (art. 2046º CC).
Com a abertura da sucessão concretiza-se, a vocação ou chamamento dos sucessíveis (art. 2032º CC) e a inerente atribuição aos mesmos de um direito originário, potestativo de natureza instrumental, de aceitar ou repudiar a herança ou o legado, em que por lei ou testamento foram designados.
Enquanto esse direito não for exercido dir-se-á que a herança está jacente. Três elementos em torno dos quais a lei fixa os limites da jacência da herança.
1º Por um lado, é necessário que tenha havido abertura da sucessão.
2º Em segundo lugar, exige-se que não tenha havido ainda aceitação da herança, mesmo que o herdeiro (chamado) seja conhecido e os bens hereditários se encontrem detidos por ele.
3º Por último, é essencial que a herança ainda não tenha sido declarada vaga.
40. Aceitação e repúdio
A aquisição dos bens postos à disposição do chamado opera-se mediante a aceitação deste.
A aceitação (art. 2050º CC[xix][34]) é um direito potestativo, podendo o chamado exercê-lo ou não livremente. Acto jurídico unilateral e não receptício. São-lhe aplicáveis, com algumas modificações, os princípios gerais dos negócios jurídicos quanto à capacidade, vícios da vontade etc.
A aceitação pode ser expressa ou tácita, pura e simples, ou a benefício de inventário.
A aceitação é expressa quando, em documento escrito, o chamado declara aceitar a herança, ou assuma o título de herdeiro com a intenção de adquirir (art. 2056º/2 CC); é tácita, quando resultar de factos concludentes (art. 217º/1 CC).
A aceitação pura e simples (art. 2052º/1 CC) porque nenhuma reserva acrescenta à declaração de adesão ao chamamento da lei ou do autor da sucessão.
A aceitação a benefício de inventário (art. 2052º/1 CC), o proveito que pode retirar do instrumento jurídico (inventário) que identifica com precisão os bens – e também as dívidas – do de cuius.
O repúdio da herança, é o acto pelo qual o chamado responde negativamente ao chamamento, declarando que rejeita os bens colocados à sua disposição (art. 2062º CC[xix][35]).
O repúdio é um direito potestativo, com eficácia retroactiva em relação ao momento da abertura da sucessão. Isto permite que o chamado subsequente, que aceite, seja considerado herdeiro desde o momento da abertura da sucessão, data em relação à qual se reportam os efeitos da aceitação.
41. Administração, liquidação e partilha da herança
Ela compete ao cabeça-de-casal até à liquidação e partilha da herança.
A administração pelo cabeça-de-casal abrange a totalidade do património hereditário (art. 2087º/2[xix][36] CC), podendo o cabeça-de-casal “pedir aos herdeiros ou a terceiros a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas a sua gestão ou a ela restituído” (art. 2088º/1[xix][37] CC).
O herdeiro, diversamente do cabeça-de-casal, é fundamentalmente um liquidatário da herança, sendo os seus poderes de gestão do património hereditário muito diferentes dos de mera administração do cabeça-de-casal, contudo a lei confere-lhes ainda a possibilidade de, conforme o disposto nos arts. 2047º e 2048º CC, praticarem, em certas circunstancias, actos ou, inclusive, de pedirem a nomeação de um curador à herança jacente.











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