domingo, 8 de março de 2009

APONTAMENTOS DE DIREITO COMERCIAL II - PROF, MENEZES CORDEIRO

Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito












DIREITO COMERCIAL
Manual de Direito Bancário

Prof. Doutor Menezes Cordeiro











Luís Nascimento/ João Castilho/ Vera Correia
2005/2006
Introdução

● Direito da banca e do dinheiro

O direito bancário abrange normas e princípios jurídicos conexionados com a banca, abarcando o universo relativo aos bancos, às instituições de crédito, às sociedades financeiras e, em geral, à actividade desenvolvida por essas entidades, com os seus clientes.
Atentemos no REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (D.l. n.º 298/92, de 31 de Dezembro), art. 2.º:

São instituições de crédito as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito.
São também instituições de crédito as empresas que tenham por objecto a emissão de meios de pagamento sob a forma de moeda electrónica.

As instituições de crédito comportam diversas espécies: desde os bancos às entidades enumeradas no art. 3.º do RGIC, realizando os bancos a generalidade das operações reservadas às instituições de crédito. Às restantes instituições de crédito cabe realizar as actividades que se lhes apliquem por via legal.
As sociedades financeiras podem, também, realizar apenas operações que lhes sejam especialmente facultadas e não são instituições de crédito (art. 5.º RGIC),sendo que o legislador enumera quais as sociedades financeiras (art. 6.º, n.º1 e 2 RGIC).

O Direito Bancário regula duas grandes áreas:

Direito bancário institucional ou Organização do sistema financeiro: debruça-se sobre os bancos e demais instituições, as condições de acesso à sua actividade, a regulação ou supervisão, a fiscalização e as diversas regras conexas.
Este dispõe de uma forte delimitação:
- Direito público: tem a ver com a função e actuação financeira do Estado. Entre nós esse papel é, de modo alargado, assegurado pelo Banco Central o BANCO DE PORTUGAL (Lei Orgânica – Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro). A este cabe-lhe gerir as disponibilidades externas do País; agir como intermediário nas relações monetárias internacionais do Estado; velar pela estabilidade do sistema financeiro nacional; aconselhar o Governo nos domínios económico e financeiro (art. 12.º da LOBP).
Compete-lhe como banco emissor, emitir moeda (art. 6.º LOBP e art. 106.º TCE), ser entidade fiscalizadora (art. 17.º LOBP), detendo ainda poder normativo através da publicação de avisos (art. 99.º RGIC).
Acrescentemos ainda o poder de superintendência do Governo (art. 91.º do RGIC)
- Direito das sociedades comerciais.
- Direito privado: cumpre referir o Título VI do RGIC, atinente a regras de conduta, onde surgem importantes deveres.
- Direitos instrumentais e acessórios: Por exemplo, regras de registo (art. 65.º e ss RGIC) ou regras contra-ordenacionais (art. 201.º RGIC).

Direito bancário material ou Actividade das instituições de crédito e sociedades financeiras: relações que se estabeleçam entre a banca e os particulares.
O dinheiro é a razão de ser do direito bancário, pois sendo este a bitola de valor das coisas e meio geral de trocas implica a intervenção de entidades especializadas, a banca («intermediação financeira»).
À partida é um direito contratual, reportando-se a determinados contratos comerciais, submetendo-se ao Direito das obrigações, com as particularidades ditadas pela sua natureza comercial.
Os actos bancários não esgotam, contudo, o universo do Direito bancário material:
- Vinculações extranegociais: deveres de informação e de lealdade assentes na lei ou no princípio geral da confiança (pré-negociais ou pós-eficazes).
- Responsabilidade bancária: instituto geral de responsabilidade civil.
- Deveres legais e as situações jurídicas absolutas que devem ser particularmente aplicáveis nas situações bancárias.
Dogmática Bancária Geral

Capítulo I – ORGANIZAÇÃO DA MOEDA

SISTEMAS FINANCEIROS

● A moeda

Moeda: bem divisível ao qual determinada sociedade atribua a qualidade de instrumento geral de troca.

Reconstruções históricas descrevem-nos sociedades primitivas nas quais cada unidade humana seria auto-suficiente. Uma diferenciação subsequente levou certos agregados detivessem excedentes os quais seriam directamente trocados.
De instrumento geral de trocas passou a ser bitola de valor dos bens (permitia determinar o quantum necessário para determinada troca). A organização humana apercebeu-se que não seria necessário a efectiva circulação material de metais, bastando que o depositário entregasse ao seu dono um documento representativo da mesma, que habilitasse o seu portador a proceder ao seu levantamento.
O Estado e o direito terão papel importante na moeda fiduciária dado que esta assenta no depósito da moeda metálica e na emissão dos títulos representativos.
Por fim cabe fazer referência à moeda bancária (emissão de ordens de pagamento sobre o crédito de determinada pessoa na instituição bancária).

● O sistema financeiro

Sistema financeiro material: conjunto ordenado das entidades especializadas no tratamento do dinheiro. Será o conjunto ordenado dos bancos e entidades similares e das instâncias que, sobre eles, exerçam um controlo.

Sistema financeiro formal: conjunto ordenado das entidades que o Estado entende incluir na noção de direito bancário institucional.

Os dois sistemas tendem a coincidir, doutro modo o Estado iria abdicar de regular entidades que, materialmente, se ocupam do dinheiro ou iria tratar como financeiras entidades estranhas ao fenómeno subjacente.

● Organização internacional

O Direito bancário é assunto interno de cada País soberano. Não obstante, há diversas regras que se ocupam das relações financeiras internacionais.
Na origem da cooperação entre sistemas financeiros estão o G.A.T.T. e G.A.T.S.
Cumpre recordar a Conferência de Bretton Woods, em 1944, levada a cabo por 44 nações aliadas e que criou o FMI e BIRD.
O primeiro é uma agência das nações unidas com incumbências indicadas no art. 1.º do Acordo FMI. Este tem cumprido a sua tarefa, no tocante à cooperação internacional e à correcção de desequilíbrios. NO entanto, o seu papel mais directo na defesa da estabilidade cambial e na eliminação das restrições perdeu-se com o termo da convertibilidade do dólar nos anos 70. Hoje tal é garantido pelos grandes centros financeiros mundiais no que se poderá chamar uma privatização de certas funções do Fundo[1].
O segundo é uma instituição vocacionada para promover o desenvolvimento dos países mais necessitados[2].

SISTEMA FINANCEIRO PORTUGUÊS e ELEMENTOS EUROPEUS

● Das origens ao Banco de Portugal (1846)

Em Portugal, o surgimento de bancos, no sentido actual do termo, data do sec. XIX.
Na Idade Média os cambistas já operavam. Faziam-no de forma circunstancial, nalgumas feiras. Os juros estavam proibidos pela lei canónica, embora tal pudesse ser contornado por várias vias (cedência de capital a troco de uma renda).

Os descobrimentos provocaram um afluxo de capitais ao País, bem como a prática de certos actos bancários. As letras de câmbio eram usadas para financiar navios, havendo agentes de diversos bancos europeus.

A restauração e o esforço de guerra subsequente motivaram alguma agitação pró-bancária. O irlandês David Preston propôs a D. João IV a formação de um banco; apesar de aceite em 1653, a proposta não terá tido seguimento. EM 1688 surgiu em Portugal a moeda de papel.

O primeiro banco aparece em 1821, como Banco de Lisboa. Em 1841 criou-se a Companhia de Crédito Nacional, depois transformada, em 1844 na Companhia Confiança Nacional. Em 1846 verifica-se uma fusão entre o Banco de Lisboa e a Companhia Confiança Nacional donde resulta o Banco de Portugal (com exclusivo de emissão de notas ou obrigações no continente).

Em 1894 estabeleceu-se o primeiro quadro normativo geral da actividade bancária em Portugal. Em 1911 organizou-se o crédito agrícola.

Em 1957 uma novo DL vem reservar para o Estado e para as instituições de crédito, o exercício das funções de crédito e demais actos inerentes à actividade bancária.

Com a revolução de 1974-1975 dá-se a nacionalização da banca, sendo o diploma mais relevante a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, a qual veda a empresas privadas e outras entidades da mesma natureza a actividade económica em determinados sectores.
Só em 1983 se vem reabrir à iniciativa privada a actividade bancária. Já em 1992 dá-se a reforma que aprovaria o RGIC.

●Tratado da União Europeia

A construção europeia tem um pilar importante na livre circulação de capitais: arts. 56.º a 60.º do TUE.
No que toca ao Direito bancário teve a maior importância a prática do direito de estabelecimento, regulado nos arts. 43.º e ss. este pressupõe a supressão gradual das restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado membro, no território de outro Estado membro.

● União Monetária

PAGS. 81-89




















Capítulo II – A CIÊNCIA JURÍDICO-BANCÁRIA

CARACTERÍSTICAS DO DIREITO BANCÁRIO

● Direito privado

O Direito bancário é direito privado. O qualificativo público ou privado não cabe a normas isoladamente tomadas, mas apenas a sistemas ou subsistemas (uma mesma regra pode ser pública ou privada, consoante a sua inserção: uma obrigação pecuniária, por exemplo, será pública se corresponder a um dever tributário; será privada quando preencha um mútuo).

Direito bancário material é privado: assenta em contratos comerciais, em cláusulas contratuais gerais e na autonomia das partes.

Direito bancário institucional é privado: nasceu como Direito público e ainda hoje postula poderes dele derivados (supervisão ou fiscalização por poderes públicos). Todavia, o tecido bancário repousa em instituições que, por lei, devem assumir o tipo de sociedade anónima. Compreende também diversos deveres genéricos estruturalmente privados (competência técnica, dever de informação e dever de segredo – arts. 73.º, 75.º, 78.º a 84.º RGIC).

O direito privado é subsidiariamente aplicável nas áreas públicas. No campo bancário, esse fenómeno surge mais flagrante, podendo falar-se numa aplicação directa: veja-se o art. 64.º, n.º1 da LOBP.

●Direito funcional específico

O direito bancário não é valorativamente neutro. Este acompanha a lógica do dinheiro e da sua circulação. Os seus vectores e as suas soluções empenham-se na salvaguarda do valor da moeda e dos créditos a ela relativos, bem como no fenómeno do lucro.

Funcionalização de um sector: quando, além do pano de fundo civil, ocorram valores sectoriais prosseguidos pelo ramo normativo visado. No campo do direito bancário tal é evidente:
Art. 105.º TCE: objectivo primordial do SEBC é a manutenção da estabilidade dos preços.
Art. 101.º da CRP: o sistema visa garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.
Art. 12, al. c) º LOBP: comete ao BP velar pela estabilidade do sistema financeiro.

Estamos perante um sistema que vê atribuído a tarefa de assegurar um sistema financeiro estável, em economia de mercado.

● Direito técnico

O Direito bancário pode ser apresentado como Direito técnico. A expressão tem alguma ambiguidade; poderia exprimir uma de duas ideias:
A de que o estudo e aplicação implicariam conhecimentos de técnica bancária.
A de que o Direito bancário exige um estudo especializado.

Tal ideia é redutora, pois uma aplicação sábia implica o conhecimento da realidade subjacente.

● Direito fragmentário e dependência científica

O Direito bancário tem natureza fragmentária, embora encontremos alguns institutos que dispõem de regimes bastantes completos (como o regime do BP).
Para além disso recorre-se a institutos civis ou comerciais preexistentes, cuja regulação acolhe na íntegra, introduzindo depois algumas especificidades.




DELIMITAÇÃO DE OUTRAS DISCIPLINAS

Na fixação das coordenadas jurídico-bancárias, cumpre proceder a uma delimitação de disciplinas próximas. Podemos, por razões de articulação formal e de fundo, distinguir:
Delimitação vertical: ligada às disciplinas com as quais o Direito bancário mantém relações de especialidade: fundamentalmente, o Direito civil e Direito comercial.
Delimitação horizontal: perante disciplinas que versem matéria vizinha: os seguros e os valores mobiliários.
Delimitação instrumental: que opera face ás disciplinas que assegurem a concretização de institutos bancários: o registo, o processo e o Direito penal.

INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO BANCÁRIO

● A realização do Direito como decisão unitária

Na interpretação e na aplicação do Direito bancário há que ter presente as regras gerais, tal coo apuradas na actualidade pelo Direito civil.

Em traços gerais, podemos considerar que os cânones de interpretação correspondem aos fixados por Savigny no séc. XIX: Letra, espírito e vontade da lei e legislador.
Para além disso, a função de realizar o direito é volitivo-cognitiva, onde a acresce aos factos e à lei, temos a escolha humana do aplicador, baseada em múltiplos factores normativos. Assim, o intérprete deve ponderar o elemento sistemático (a norma faz parte de um sistema) e teleológico (os comandos valem como instrumentos para alcançar uma ordenação de valores e de interesses).

● Interpretação funcional

O Direito bancário assume uma natureza funcional específica: para além do Direito comum, ele está envolvido na problemática do crédito e do dinheiro, cabendo-lhe salvaguardar os valores subjacentes. Esta dimensão poderá ter consequências interpretativas: as fontes bancárias deveriam ser interpretadas num sentido conducente à realização óptima da sua função.
Contudo, o Direito bancário apresenta áreas diferenciadas (por ex: a contratação onde está em causa a tutela do consumidor de produtos financeiros), cabendo, por isso, ao intérprete posicionar dentro do subsistema jurídico bancário, o problema que se lhe depara.

● Os tópicos do investimento, da transparência, do consumo e os direitos de personalidade

Pergunta-se se a interpretação do Direito bancário não deveria prosseguir certos valores?

Primeiro: tutela do investimentos dos depositantes. Subjaz ao art. 101.º da CRP e aos arts. 2.º, n.º1; 4.º, n.º1, al. a, n.º2 e 5; 200.º todos do RGIC.
Segundo: transparência. Desenvolvido com base na boa fé vigente no campo das cláusulas contratuais gerais (arts. 5.º, n.º1 e 6.º, n.º1 da LCCG; 75.º, n.º1 RGIC; 176.º do RGES; 7.º a 12.º do CVM que impõem que o banqueiro deveria comunicar todas as cláusulas ao seu cliente-aderente, assegurando-se de que ele as entendeu).
Terceiro: defesa do consumidor (art. 60.º da CRP).














Capítulo III – AS FONTES DO DIREITO BANCÁRIO

FONTES INTERNAS e FONTES EUROPEIAS

● A Constituição e a Lei Orgânica do Banco de Portugal

Na própria Constituição encontramos regras básicas de Direito bancário [institucional] (arts. 101.º e 102.º CRP), as quais se encontram viradas para a captação e para a segurança dos depósitos dos particulares e para a sua aplicação produtiva.
A Constituição contém, ainda, outras regras importantes para o sector bancário, como as que consagram o direito à reserva da intimidade da vida privada (26.º, n.º 1), base do segredo bancário, o direito de acesso aos tribunais (20.º, n.º1) e os princípios fundamentais da Administração Pública: legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé (266, n.º2).
A nível infraconstituiconal temos a LOBP (Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro).

●O Código Comercial e legislação extravagante

A Direito bancário material dispõe de uma fonte unitária, mesmo incompleta: o Direito da actividade bancária, designadamente no tocante às relações entre o banqueiro e o seu cliente, deve ser reconstruído com recurso a uma multiplicidade de fontes.
Desde logo, cumpre referir o Cód. Comercial de 1888, no seu título IX, livro II (contratos especiais de comércio) com quatro arts: 362.º a 365.º.
O Cód. Comercial incluíra ainda, no seu título VI (das letras, livranças e cheques – arts. 278.º a 343.º) a matéria atinente aos títulos de crédito. Temos ainda uma série de leis extravagantes referentes a actos bancários (pag. 124).

● O regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras

Como diploma nuclear (principalmente no campo institucional) surge o RGICeSF (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
Temos ainda uma série de Legislação diversa no campo das instituições de crédito e das sociedades financeiras (pag. 126).

● Os usos bancários; as cláusulas contratuais gerais

Cabe aqui papel importante como fonte mediata. Os actos bancários assentam na autonomia privada. Não é contudo imaginável que, aquando da prática de cada acto bancário, se proceda a uma actividade criativa. Daqui resulta uma prática reiterada, ou seja, um uso.
Os usos bancários podem ser juridificados por uma de três vias:
Autonomia privada: aqui remete-se directamente para os usos, sendo estes positivados pela vontade das partes. Muitas vezes ocorre através da «codificação», em cláusulas contratuais gerais, de práticas bancárias consagradas.
Pela lei: referimos o art. 3.º, n.º1 CC no Direito civil e no art. 407.º do Cód. Comercial. O depósito bancário surge, muitas vezes, integrado em séries negociais complexas, que incluem, como exemplos, abertura de conta, concessão de créditos entre outros. Podemos admitir a vigência, ex lege, de usos que abarquem todo esse negócio complexo, via interpretação extensiva do 407.º Cód. Comercial.
Pela convicção da sua obrigatoriedade: aqui temos direito consuetudinário, embora no direito português a falta de consagração legal para o costume frusta a eficácia das normas consuetudinárias.

No campo do Direito bancário material, surgem as cláusulas contratuais gerais, que acolhem muitos usos bancários dando-lhe jurisdicidade.

● Códigos de conduta e fontes privadas

Trata-se de regras estabelecidas, por aviso, pelo BP, nos termos do art. 17.º da LO e do art. 77.º, n.º1 do RGIC (códigos de conduta).
As regras gerais e abstractas aprovadas pelo BP são leis em sentido material cuja positividade deriva das normas que instruam o poder regulamentar do BP. Estas regras não podem, sob pena de ilegalidade ser contrárias às leis fixadas por órgãos de soberania, não se aplicam a entidades que não estejam sujeitas à supervisão do BP e não podem transcender o âmbito da sua supervisão.
Para além disso, não podem ser constitutivas de direitos para particulares (não é possível constituir direitos para uns sem se onerar outros). Porém, a violação das regras aprovadas pelo BP, designadamente por parte dum banqueiro, quando provoque danos num particular, dá azo a um dever de indemnizar, por via da 2.ª parte do art. 483.º, n.º1 CC [3](a violação de regras aprovadas pelo BP é a violação de regras que visam a protecção de interesses alheios, garantida pelos poderes de autoridade do BP).

O art. 77.º, n.º2 do RGIC prevê a elaboração de códigos de conduta pelas associações representativas das instituições de crédito, os quais serão submetidos à aprovação do BP.
No âmbito estritamente associativo, compete às referidas associações aprovar regras de conduta para os seus membros, cuja jurisdicidade depende da livre adesão aos estatutos que as legitimem.

● As directrizes institucionais

Pags. 135 a 137.

● As directrizes materiais

Pags. 137 a 138.

● Os regulamentos

Pag. 138 a 139.
































Capítulo IV – OS PRINCÍPIOS BANCÁRIOS GERAIS

GENERALIDADES; A DIFERENCIAÇÃO CONCEITUAL

● Os princípios no Direito

Os princípios correspondem a proposições que resultam de valorações operadas por diversas normas. Distinguem-se destas por não assentarem numa previsão e numa estatuição[4].
Os princípios têm, ainda, diversos papéis. A saber:
Papel ordenador.
Papel programático.
Papel regulativo.

O PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE

● A simplicidade bancária

A ideia de simplicidade impôs-se, no Direito comercial, por oposição a exigências de formalidade e de solenidade No Cód. Comercial, a ideia de simplicidade daria corpo às regras seguintes:
· Liberdade de escrituração (art. 30.º).
· Liberdade de língua (art. 96.º).
· Liberdade de forma do mandato geral (art. 249.º).
· Possibilidade de provar o empréstimo mercantil por qualquer modo (art. 396.º).
· Possibilidade de celebrar penhor com entrega meramente simbólica da coisa (art. 398.º).

Simplicidade bancária: A actividade bancária deverá reduzir-se ao mínimo exigível para a sua consubstanciação e para a sua ulterior prova. Esta exigência tem sido prosseguida com recurso a três sub princípios: consensualismo e reformalização normalizada; uso da informática e unilateralidade.

● Consensualismo e reformalização normalizada

No direito bancário a vontade dos intervenientes produzirá os seus efeitos, seja qual for a forma por que se revele. Podemos apontar, nalguns negócios, uma caminhada para a simplificação formal. Quanto ao Mútuo:
· Direito civil: mútuo superior a 2.000Î exige documento assinado pelo mutuário; sendo superior a 20.000Î exige escritura pública (art. 1143.º CC).
· Direito comercial: mútuo celebrado entre comerciantes, seja qual for o valor, admite todo o género de prova (art. 396 Cód. Comercial).
· Direito bancário: mútuo, mesmo que a outra parte contratante não seja comerciante e seja qual for o seu valor, pode provar-se por escrito particular (art. único do D.L. n.º 32.765, de 29 de Abril de 1943).
Um percurso similar pode ser seguido no caso do Penhor. Assim:
· Direito civil: exige-se a entrega efectiva da coisa (art. 666.º, n.º1 CC).
· Direito comercial: entrega meramente simbólica (art. 398.º Cód. Comercial).
· Direito bancário (1.º do D.L. n.º29.833, de 17 de Agosto de 1939).

No direito bancário a simplificação formal não dispensa a forma escrita ou equivalente.

● O uso da informática

Em traços largos poderemos considerar que a informática simplifica:
· Contratação e a prática de diversos actos bancários: revelo para o DL n.º 7/2004, de 7 de Janeiro. Muitas vezes os contratos por escrito só se tornam eficazes após tratamento informático.
· Execução de deveres de informação e de comunicação.
· Manutenção da contabilidade e o exercício da supervisão.

● A unilateralidade

Muitas vezes os actos bancários são simplesmente cartas assinadas e não contratos formais.
A unilateralidade pode ser:
· Real: nas hipóteses de surgirem vinculações pura e simplesmente unilaterais.
· Aparentes: nos casos em que tenha havido um acordo de vontades normal (contrato) depois formalizado num texto assinado, apenas, por um dos intervenientes (DL n.º 343/98, de 6 de Novembro, determina que o mútuo de valor superior a 2000Î, mas inferior a 20000Î, só seja válido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário. O mútuo não deixará de ser contratual, embora, formalmente, surja apenas um interveniente).

Através de forma convencional ou voluntária recorre-se a um documento, assinado apenas por uma das partes, para exprimir um acordo de vontades a que ambas chegaram. Aqui acresce uma exigência de boa fé e lealdade de informação.
Há também a hipótese de actos realmente unilaterais, os quais podem ocorrer (dogmaticamente ultrapassou-se as ideias de que: ninguém pode ser beneficiado sem vontade, admitindo-se a renuncia à vantagem; e da natureza contratual da remissão e da doação, dobrada pela proibição de doação de bens futuros, através da construção histórica destes institutos – 863.º e 940.º CC).
Temos ainda de considerar o dispositivo do art. 457.º do CC: a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei. Deste preceito tem-se procurado inferir uma regra de tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais. O Prof. Cordeiro discorda, pois esta regra só daria azo a tipicidade quando as regras relativas às diversas figuras unilaterais se mantivessem dentro do que se espera venha a ser uma tipicidade normativa. Isso não sucede: as categorias de actos unilaterais surgem na lei, em termos genéricos, de modo a permitir, nelas, a inclusão dum número indeterminado de figuras.
De todo o modo, assinalamos as figuras da promessa de cumprimento e do reconhecimento de dívida (art. 458.º CC), com larga aplicação bancária.

O PRINCÍPIO DA RAPIDEZ

● A rapidez bancária ; a normalização substancial

Rapidez bancária: trata-se de ao actuar na própria substância de actos, facilitar a tomada de decisão conducente à sua celebração. Exige normalização substancial.

Normalização bancária: trata-se da pré-definição de negócios tipo oferecidos pelos banqueiros aos clientes. Resulta daqui que, apesar de lidarmos, com um numerus apertus de actos, estes, na prática, obedecem a tipos predeterminados. Podemos ainda falar de normalização a nível de negócios preconizados, estando os clientes ordenados por segmentos em função do rendimento, sendo-lhe propostos negócios em função desse segmento.

● O recurso a cláusulas contratuais gerais

Trata-se de um recursos muito importante que a seu tempo irá ser estudado. Como já foi dito colige os usos do sector e dão corpo a contratos básicos que não dispõem de regimes legais supletivos ou que, a esse nível, apenas desfrutam de leis muito elementares.

● A desmaterialização

Desmaterialização: possibilidade de representação e de comunicação das realidades atinentes à banca através de suportes automáticos e electrónicos.


O PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO BANCÁRIA

● Essência do princípio ; a prevalência das realidades

Ponderação bancária: Modo de realizar o Direito, próprio do comércio bancário. Implica, fundamentalmente: uma fórmula de contratar; um esquema de interpretar; as garantias do cumprimento.

●A interpretação segundo o primeiro entendimento

A interpretação dos actos bancários deveria efectivar-se segundo as regras contidas nos arts. 236.º CC. O recurso a cláusulas contratuais gerais implica, nos termos do art. 10.º da LCCG, a utilização dessas mesmas regras.
Às declarações proferidas, todos devem dar o mesmo sentido. Isso conduz a uma interpretação objectiva das declarações bancárias. Assim, vale a regra do primeiro entendimento: a declaração negocial vale com o sentido codificado que dela resulte ou, na falta dele, com o do primeiro entendimento que, dela, o operador venha retirar. Essencial é que todos dêem, à declaração, o mesmo sentido.

● A eficácia sancionatória

No Direito bancário, pergunta-se se estamos perante um sector especialmente dominado pela confiança. No desenvolvimento das concretas relações bancárias, estabelece-se, em regra, uma relação unilateral de confiança, do cliente para com o banqueiro. O contrário já não é certo pois o cliente tem melhor conhecimento da sua situação do que o banqueiro. Daí a multiplicação de garantias que, muitas vezes, envolve o tráfego bancário. Contudo o banqueiro não procura a garantia mais forte: a hipoteca. Dá antes preferência a garantias pessoais.
A sanção mais eficaz é a hipótese do corte do crédito, em casos de incumprimento injustificado (o que significa o paralisar para a maioria das empresas). O sistema auto-sustenta-se até porque os esquemas coercivos do Estado, quando eficazes, funcionam em tempos e por preços proibitivos.


























Capítulo V – A RELAÇÃO BANCÁRIA GERAL

● Apresentação e razão de ordem

O Direito bancário pode ser apresentado pelo prisma das operações de crédito ou pela via da regulação prudencial. No limite, porém tudo tende para reger situações de pessoas e, mais precisamente : as situações das pessoas que, no âmbito do comércio bancário, se venham a relacionar com instituições de crédito.
A situação típica a partir da qual se estruturam as realidades jurídico-bancárias é a de um relacionamento duradouro entre o banqueiro e o seu cliente, em cujo decurso se inscrevem os mais diversos actos : abertura de conta, emissão de cheques, emissão de cartões bancários, depósitos, depósitos em dinheiro, depósitos em valores, pagamentos, transferências e créditos, entre outros. É a relação bancária geral.
Uma dogmática bancária deve inscrever, no topo das suas preocupações, a relação bancária geral.

AS TEORIAS CLÁSSICAS

● A doutrina do contrato bancário geral

Entre o banqueiro e o seu cliente não ocorre, em regra, apenas um único negócio jurídico. Pelo contrário, iniciada uma relação, ela tende a prolongar-se no tempo, intensificando-se mesmo, com a prática de novos e mais complexos negócios.
Esta “relação bancária”, de natureza complexa, mutável mas sempre presente, constitui um dos aspectos mais marcantes e mais característicos do Direito bancário.
Têm surgido diversas teorias explicativas. De entre elas, a mais marcante e clássica é a doutrina do “contrato bancário geral”.
A ideia de basear a relação estabelecida entre o banqueiro e o cliente num contrato unitário próprio, a tanto dirigido, remonta ao séc.XX. O contrato bancário tinha o duplo mérito de explicar a relação complexa entre o banqueiro e o cliente e de esclarecer a natureza das próprias cláusulas contratuais gerais.
A relação bancária complexa estabelecida entre o cliente e o banqueiro teria a virtualidade de provocar o aparecimento de novos contratos: daí o considerar-se o invocado contrato bancário como um contrato de angariação de negócios, um contrato-promessa ou um contrato normativo.
A questão em aberto, no tocante ao contrato bancário geral, tinha a ver com um eventual dever de contratar, por parte do banco.E designadamente: mercê do contrato em causa, ficaria o banqueiro obrigado a conceder crédito futuro ao cliente? A resposta era negativa: mesmo no auge da concepção do contrato bancário, sempre se entendeu que o banqueiro era livre de celebrar contratos futuros.

● A doutrina da relação de negócios

Nas relações de negócios que se prolongam no tempo verificar-se-ia que em vez de um único negócio isolado, antes surgiriam sequências de negócios encadeados no tempo. A relação (duradoura) assim expressa – a relação de negócios – teria um início e um termo, representando um valor autónomo acrescido, no comércio.
A doutrina da relação de negócios perdeu importância, acabando por ser substituída por institutos mais precisos, como a culpa in contrahendo e as diversas vias de tutela da confiança.

● A doutrina da relação legal e de confiança

Em substituição do contrato bancário geral surgiu a doutrina da relação legal, base de responsabilidade pela confiança. Em traços largos podemos dizer que, pactuada uma obrigação comum, as partes assumem, uma perante a outra, determinadas prestações – as prestações primárias. Mas para além disso, a regra da boa fé implica que elas fiquem adstritas a certos deveres de cuidado e de protecção , de modo a que não sejam provocados danos nas respectivas esferas. Tais deveres são claros na pendência contratual.
Pela nossa parte, rejeitámos em tempo essa construção, à luz do Direito português.



● Desenvolvimentos recentes

Desde o momento em que o cliente e o banqueiro concluam um primeiro negócio significativo – normalmente, a abertura de conta – estabelece-se, entre eles, uma relação social e económica. Essa relação tenderá a ter continuidade.
Ambas as partes terão deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos ou de acordos parcelares que venham a concluir.
Todos esses deveres surgem num conjunto que tem uma unidade económica e social evidente . há uma relação bancária contínua, susceptível de ser preenchida com os mais diversos negócios.
Devemos assinalar que, no final do séc.XX renasceu um apelo ao contrato bancário geral, numa opção tomada pela jurisprudência.
O grande problema que tolhe os estudiosos do Direito bancário é o de lidarem com concepções não actualizadas dos fenómenos contratuais e de deixarem de lado a dogmática das relações duradouras.
Antes de passar à reconstrução da relação bancária geral, impõe-se fazer o ponto em relação:
- à contratação mitigada;
- às relações duradouras.

DEVERES BANCÁRIOS MITIGADOS

● A negociação mitigada

Perante uma esquematização de tipo tradicional, a postura dos interessados em face de um eventual contrato só poderia ser de aquiescência ou de recusa.
As necessidades do tráfego vieram determinar outra hipótese : a de os interessados, não querendo ainda o contrato, se obrigarem, no futuro, a concluí-lo. Teremos, então, o contrato-promessa. Dentro desta possibilidade abriram-se, depois, outras sub-hipóteses e, designadamente : a de haver contratos-promessa com e sem execução específica. No primeiro caso, ocorrendo o incumprimento, o promitente fiel poderia sempre obter, do tribunal, uma sentença que suprisse a abstenção do faltoso ; em suma: celebrado o contrato-promessa, as partes teriam meios de fazer surgir o contrato definitivo. No segundo caso, o incumprimento do contrato-promessa apenas poderia dar lugar a medidas compensatórias.
O espaço que fica entre a completa ausência de compromissos e o contrato-definitivo foi-se densificando. Poderiam, pelas partes, ser estabelecidos vínculos mais lassos, de conteúdo variável e que teriam em vista uma futura composição de interesses. Chamaremos a essas figuras “contratação mitigada”.
A contratação mitigada surge consignada pela prática dos negócios. Diversas figuras têm sido automatizadas. A saber:
- a carta de intenção: trata-se duma declaração, normalmente em forma epistolar e que consigne uma vontade já sedimentada de, em determinadas condições, concluir certo contrato, embora sem se obrigar a tanto;
- o acordo de negociação: ocorre em negociações complexas e consigna uma vontade comum das partes de prosseguir negociando, dentro de determinados parâmetros;
- o acordo de base : também em negociações complexas, podem as partes, obtido um acordo em área nuclear, formalizá-lo desde logo; as negociações prosseguirão, depois, a nível técnico, para aplainar os aspectos secundários;
- o acordo – quadro : em negociações tendentes a originar múltiplos contratos, as partes assentam num núcleo comum a todos eles;
- o protocolo complementar : tendo em vista um contrato nuclear, as partes concluem um convénio acessório, tendente a completá-lo.
Um exemplo de contrato preparatório frequente entre nós e que podemos reconduzir à contratação mitigada é o do “contrato de reserva”.
A grande dúvida tem a ver com o incumprimento: pode a parte faltosa ser coagida ao acatamento? Tudo dependerá de saber se o acordo mitigado tem um conteúdo suficientemente explícito ou se se limita a obrigar as partes a prosseguir nas negociações. Sendo bastante, o conteúdo deve ser acatado. Não o sendo, a parte faltosa apenas poderá ser condenada em indemnização, por interrupção injustificada das negociações.




● Acordos de cortesia e de cavalheiros

Ao longo de uma relação que se prolongue no tempo, é inevitável o aparecimento de obsequiosidades, de gentilezas e de atenções que podem dar azo a declarações de cortesia ou, até a acordos de cavalheirismo. Antes de mais há que fixar a terminologia.
Chamaremos acordo de cortesia ao convénio relativo a matéria não-patrimonial e que releve do mero trato social. Ele poderá recair sobre a hora e o local de um encontro, sobre questões protocolares.
O acordo de cortesia não se distingue do contrato (apenas) por as partes o terem colocado fora do Direito : ele recai, antes, sobre uma matéria que, não tendo conteúdo patrimonial, não releva para o Direito.
O acordo de cavalheiros é um convénio que as partes pretenderam colocar fora do campo do Direito. Pode teoricamente, recair sobre quaisquer assuntos, patrimoniais e pessoais : tem apenas a particularidade de assentar na palavra dada e na honra de quem a dê.
Põe-se o problema de saber se, ao concluir um acordo de cavalheiros, as partes podem abdicar, desde logo, de qualquer protecção jurídica. Não podem, a não ser no plano do cavalheirismo. Visto o disposto no art. 809º do Código Civil, as obrigações naturais só são possíveis nos casos admitidos por lei. Além disso funcionam numerosas outras regras, como a nulidade das obrigações indetermináveis – art. 280º/1 – a proibição de doar bens futuros – art. 942º/1 – ou a possibilidade de fixar prazos às obrigações – art. 777º/1, todos do Código Civil. Assim:
- o acordo de cavalheiros pelo qual alguém compra um automóvel pagando ao vendedor o preço que entender justo ou é nulo – art. 280º/1 – ou encontrará um preço fixado nos termos do art. 883º/1, ambos do Código Civil;
- o acordo de cavalheiros pelo qual alguém empresta uma quantia a outrem que este pagará quando puder será cumprido nos termos do art. 778º, do Código Civil:
- o acordo de cavalheiros pelo qual as partes irão celebrar certo contrato : ou satisfaz os requisitos de forma e de subsistência do contrato-promessa e vale como tal, ou não existe.

● Acordos bancários mitigados

No âmbito de um relacionamento bancário complexo, é frequente o banqueiro prontificar-se para estudar propostas e ponderar soluções. Quando o faça, poderemos estar perante declarações de intenções, perante acordos de negociações ou, até, perante acordos de base.
A relação bancária complexa poderá compreender tais deveres mitigados.
Pergunta-se, porém, se tais declarações têm, necessariamente conteúdo jurídico – não têm.
Finalmente, uma relação bancária complexa pode incluir acordos não-jurídicos, que as partes pretenderam manter no cavalheirismo. Quando alguma das partes o queira, tais acordos regressam ao campo não do jurídico.

A RELAÇÃO BANCÁRIA DURADOURA

● Ponto básico e evolução

A relação bancária geral, como relação de negócios, é uma clara obrigação duradoura.
A distinção das obrigações em instantâneas e duradouras remonta a Savigny. Este clássico põe em destaque o facto de, nas primeiras, o cumprimento se efectivar num lapso juridicamente irrelevante; pelo contrário, nas segundas, o cumprimento prolongar-se-ia no tempo, correspondendo à sua natureza.
Otto Von Gierke chama a atenção para :
- nas obrigações instantâneas, o cumprimento surge como causa de extinção,
- nas duradouras, o cumprimento processa-se em termos constantes, não as extinguindo.
Um dos aspectos significativos das regras próprias das obrigações duradouras estaria nas formas da sua cessação:
- a determinação inicial da sua duração, seja pela aposição de um termo certo, seja pela de um termo incerto ( p.ex., a vida de uma pessoa);
- a indeterminação inicial , podendo, então, sobrevir a denúncia, prevista na lei ou no contrato ; a denúncia poderia operar com um prazo (pré-aviso) ou ser de efeitos imediatos;
- a impossibilidade superveniente




● Dogmática geral

Nas obrigações duradouras – ao contrário das instantâneas – o cumprimento vai-se realizando num lapso de tempo alongado, em termos de relevância jurídica.
Na obrigação duradoura, ainda podemos encontrar duas situações :
- ou a prestação permanente é contínua, exigindo uma actividade sem interrupção;
- ou essa prestação é sucessiva, quando implique condutas distintas, em momentos diversos.
As obrigações duradouras apresentam algumas regras ditadas pela natureza das coisas. Desde logo, elas não se extinguem por nenhum acto singular de cumprimento. Tão-pouco elas podem dar lugar à repetição, na hipótese de ser anulado ou declarado nulo o contrato em que assentem : ou se restitui o valor ( art. 289º/1 do Código Civil) ou não há quaisquer restituições.

● A denúncia ; a longa duração

As obrigações duradouras são, ainda sensíveis à denúncia. Uma vez que elas não se extinguem pelo cumprimento, há que prever outra forma de extinção, diversa da resolução (unilateral, justificada e retroactiva), como vimos a de revogação, que exige mútuo acordo. E aqui ocorre a figura da denúncia.
A denúncia estará, em princípio, prevista por lei ou pelo próprio contrato Direito preocupa-se com a matéria no âmbito de situações em que, de modo tipificado, procede à tutela da parte fraca: como no Direito do trabalho, do arrendamento ou no contrato de agência, regulado pelo Decreto-Lei nº 178/86 de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 118/93 de 13 de Abril : art. 28º. Trata-se de um esquema aplicável, por analogia, à concessão e à franquia e que redunda no seguinte:
- na falta de prazo, qualquer das partes pode fazer cessar o contrato de agência;
- para tanto, há que fazer uma denúncia com pré-aviso : tanto maior quanto mais longa tiver sido a duração do contrato;
- na falta de pré-aviso, a denúncia é eficaz, mas há responsabilidade.
Põe-se o problema de saber o que sucede perante obrigações duradouras de duração indeterminada, quando as partes nada tenham dito sobre a denúncia e quando elas não possam ser reconduzidas a nenhum tipo contratual que preveja essa figura.
A proibição de relações perpétuas – que justificaria sempre a denúncia – surge apoiada na regra constitucional da liberdade de actuação. Isso possibilitaria a livre denunciabilidade de relações duradouras de duração indeterminada, o que poderia atentar contra legítimas expectativas de continuação e de estabilidade e contra a regra do respeito pelos contratos.
O problema tem conhecido uma abordagem recente diversa, graças à doutrina dos contratos de longa duração. As partes podem, ao abrigo da sua autonomia privada, concluir contratos que durem ilimitadamente; basta que fixem uma associação de interesses que tenha essa aspiração.
Nessa eventualidade, o facto de elas não terem previsto uma cláusula de denúncia, ainda que com pré-aviso alongado, poderia significar:
- ou que houve erro ou esquecimento, seguindo-se o seu regime próprio;
- ou que há lacuna contratual, a integrar pela interpretação complementadora.
Não se verificando nenhuma dessa hipóteses – ou , a fortiori, quando as partes excluam expressamente a denúncia ou equivalente – quedará o recurso à alteração das circunstâncias.

O DIREITO PORTUGUÊS : ABERTURA DE CONTA

● A flexibilidade das explicações contratuais

Quando se inicie um relacionamento bancário – normalmente pela abertura de conta – ambas as partes têm uma clara intenção de prosseguir. O banqueiro existe, justamente, para desenvolver a sua actividade e, por isso, tem uma vontade explícita de celebrar novos negócios bancários, enquanto o cliente, estando satisfeito, pretende precisamente obter do banqueiro os inúmeros produtos de tipo bancário.
Pois se ambas as partes já concluíram um negócio, com uma relação duradoura dele subsequente e com a vontade comum de completar essa relação com outros negócios, há uma clara fenomenologia contratual.
É certo que desta relação bancária, não resulta, para nenhuma das partes, o dever de celebrar novos contratos. E isso num duplo sentido:
- observados os limites contratuais ou ex bona fide, qualquer das partes pode, a todo o tempo, pôr cobro à relação;
- o novo negócio que uma das partes proponha à outra pode ser objecto de livre rejeição.
Mas daqui não se impõe o afastamento dogmático do contrato bancário geral.
Uma das características da moderna contratação é a de admitir deveres de diligência, de acompanhamento, de disponibilidade para negociar e mesmo de negociação sem que, por este último, se entenda a obrigação de concluir qualquer contrato.
Estes deveres podem ter natureza contratual, surgindo como obrigações mitigadas.
Além deste aspecto, qualquer contrato é acompanhado de deveres acessórios, isto é, de deveres cominados pela boa fé e que adstringem as partes a regras de segurança, de informação e de lealdade e que,no nosso Direito, resultam genericamente do art. 762º/2 do Código Civil.
Finalmente, um contrato comercial – e, para mais bancário – é sempre complementado pelas cláusulas contratuais gerais e pelos usos.
Com os apontados elementos, parece-nos possível indicar uma orientação e traçar uma construção para a relação bancária geral. Dois pontos básicos podem ser demonstrados pela observação : tal relação existe e ela tem origem contratual, embora seja complementada pela lei e pelos usos.
A relação existe : consumado um contrato duradouro entre o banqueiro e o cliente há, entre ambos, deveres de lealdade, com especial incidência sobre o profissional : justamente o banqueiro.
A relação tem origem contratual. Tudo se inicia porque as partes o quiseram e exteriorizaram vontades livres e válidas nesse sentido.

● Abertura de conta

Restam três questões: quando surge o tal “contrato bancário geral”, qual a sua extensão e que regime lhe aplicar?
A relação bancária geral surge com o contrato de abertura da conta. Ou noutros termos: o contrato de abertura da conta, tipicamente bancário embora sem desenvolvimento legal, compreende, entre os seus efeitos, o surgimento de uma relação bancária duradoura.
A abertura de conta deriva da adesão a determinadas cláusulas ou “condições” contratuais gerais preconizadas ou utilizadas pelo banqueiro.
De acordo com a prática geral da banca portuguesa, existem “condições” distintas – embora não muito diferentes – consoante o cliente seja uma pessoa singular – ou um “particular”, na linguagem bancária – ou seja uma pessoa colectiva – por vezes dita “empresa”.
As “condições gerais” definem-se como aplicáveis à abertura, à movimentação, à manutenção e ao encerramento de contas de depósito junto do banco.
Elas admitem estipulações em contrário, acordadas por escrito, entre as partes. E no omisso, elas remetem para os usos bancários, e para a legislação bancária.
O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, com assinatura e pela aposição da assinatura num local bem demarcado.
As cláusulas contratuais gerais regulam o envio de correspondência: para o local indicado pelo cliente, considerando-se recebida com o seu envio.
O banqueiro pode alterar as cláusulas contratuais gerais, remetendo as alterações ao cliente. Não havendo oposição do cliente, dentro de determinado prazo, a alteração tem-se por aceite.
As cláusulas contratuais gerais atinentes à abertura de conta prevêem , ainda, três negócios subsequentes:
- a convenção de cheque;
- a emissão de cartões;
- a concessão de crédito por descobertos em conta.
A convenção de cheque fica na disponibilidade do banqueiro: todas as “condições” reservam, a este, o direito, de não emitir cheques.
A emissão de cartões – de débito, de crédito ou outras – fica dependente de um acordo paralelo ou ulterior, com a intervenção de novas cláusulas contratuais gerais.
A concessão de crédito por descobertos em conta depende duma decisão a tomar pelo banqueiro.
A primazia do contrato de abertura de conta como fonte da relação bancária geral subsequente foi recentemente acolhida no ordenamento bancário português.








Capítulo VI – TÓPICOS EVOLUTIVOS DA BANCA

DIVERSIFICAÇÃO E APROFUNDAMENTO DA ACTIVIDADE BANCÁRIA

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REORGANIZAÇÃO DA BANCA: FUSÕES E OUTSOURCING

● Reorganização e fusões

A necessidade de investir leva a fenómenos de concentração bancária. Mais rápido e, por, vezes, mais barato do que montar uma rede de agências será adquirir um banco que já as tenha. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a instituições especializadas. Têm-se verificado nos últimos tempos megafusões.
A concentração bancária coloca problemas. Desde logo ao nível da concorrência : nas economias de mercado, um ponto sensível, quer perante as entidades reguladoras quer em face da opinião pública.
Num prisma de gestão, surgem também dificuldades. O sobredimensionamento obriga a burocratizações e a esquemas de gestão descentralizada, com riscos de disparidade e de eficiência. Verifica-se ainda que se as fusões permitem , num primeiro momento, baixar nos custos, a dimensão conduz, num segundo momento, a novos custos e a perdas contingentes.
De todo o modo, a (excessiva) dimensão,resultante das fusões modernas vem a ser compensada pelo fenómeno do outsourcing.

● Outsourcing

A expressão inglesa outsourcing, retirada da economia, resulta da junção dos vocábulos outside, resource e using : a utilização de recursos do exterior.
O outsourcing designa o fenómeno pelo qual as grandes empresas abdicam de algumas das suas valências, entregando-as a entidades exteriores com as quais contratam, depois, a prestação dos correspondentes serviços. Na origem, o outsourcing atingirá actividades instrumentais, que não tenham a ver com o negócio em jogo.
Os motivos que podem levar ou justificar o outsourcing centram-se, em princípio, numa questão de eficiência. Podemos, além disso, apontar:
- a limitação de custos;
- aproveitamento de know-how;
- concentração no cerne do negócio.
Todavia, para além de vantagens, o outsourcing poderá implicar riscos. Apontam-se, como típicos, os seguintes:
- os perigos na fase de transferência;
- os riscos de dependência;
- as dificuldades de avaliar a relação custos/benefícios da operação, não esquecendo os custos da transacção.
O outsourcing tem, na base, um contrato do mesmo nome. Será um contrato atípico, complexo, basicamente de prestação de serviço e do qual emerge uma relação duradoura. Por vezes, o contrato de outsourcing assume as feições de um contrato-quadro, no âmbito do qual serão, depois, concluídos acordos concretizadores.
Em certos casos, na origem da operação estará uma prévia operação de cisão : a empresa exterior resultará da cisão de um estabelecimento antes pertencente à empresa principal. Esta poderá manter um domínio directo ou indirecto sobre a empresa prestadora o que, como é natural, facilitará a coesão subsequente.
Torna-se ainda importante sublinhar que o outsourcing poderá - ou não – implicar regimes de exclusivo.

● Segue ; questões específicas no sector bancário

No sector bancário, para além dos problemas acima aludidos, o outsourcing apresenta certas especificidades. Desde logo, ele pode respeitar :
- a serviços técnicos periféricos;
- a serviços técnicos nucleares;
- a serviços bancários.
Na primeira hipótese teremos outsourcing de serviços de limpeza, de segurança ou de restauração.
No segundo caso estão envolvidos, como exemplos, serviços informáticos ou serviços jurídicos.
Na terceira hipótese, estão externalizados vectores bancários ; p.ex. , o crédito automóvel, o crédito ao consumo ou a locação financeira são entregues a instituições especializadas, ligadas à casa – mãe.

A TUTELA DO CONSUMIDOR DE PRODUTOS FINANCEIROS

● Aspectos gerais do Direito do consumo

O Direito de consumo é matéria civil. À partida, podemos dizer que o Direito do consumo vem dispensar ao consumidor, tomado como elo terminal do sector económico ( portanto :depois do produtor e depois do distribuidor), um regime especial, tendencialmente mais favorável.

● O Direito europeu e as leis nacionais

O Tratado de Roma, na versão de 1957, não continha nenhum preceito relativo aos consumidores.
Em 1975, o Conselho adoptou um “programa preliminar da CEE para uma política de protecção e de informação do consumidor”, assente em cinco direitos fundamentais, a ele reconhecidos:
- o direito à protecção das suas saúde e segurança
- o direito à protecção dos seus interesses económicos
- o direito à reparação dos danos sofridos
- o direito à informação e à formação
- o direito à representação ou de ser ouvido
A consagração comunitária em conjunto com a divulgação dos temas dos consumidores levaram à aprovação da Lei nº 29/81 de 22 de Agosto : o primeiro regime de defesa do consumidor.
Verificava-se um amadurecimento que justificou o passo seguinte: a Revisão Constitucional de 1982 introduziu um art. 110º - hoje 60º - relativo aos “direitos dos consumidores”.
A prática colhida e os elementos comunitários recomendavam uma revisão mais aprofundada da Lei de Defesa do Consumidor, de 1981. Surgiu uma autorização legislativa : a da Lei nº 60/91 de 13 de Agosto.
Apenas cinco anos mais tarde, a Lei nº 24º/96 de 31 de Julho, fixou o regime legal aplicável á defesa dos consumidores (lei de defesa dos consumidores ou LDC).

● A tutela no sector financeiro

O Direito bancário visa proteger o crédito.Mas a partir daí visa, também, a tutela dos clientes do banqueiro. As regras que prosseguem essa tutela estão dispersas por todo o Direito bancário. Adiantando a referência a certas rubricas, podemos apresentar o seguinte quadro :
- regras institucionais;
- regime das cláusulas contratuais gerais;
- regime da responsabilidade bancária;
- regime do crédito ao consumo e das transferências bancárias.
No domínio institucional, encontramos diversas regras que visam a tutela do consumidor.
Uma referência especial ao fundo de garantias de depósitos – artigos 154º e seguintes do RGIC : um fundo que tem por objecto garantir o reembolso de depósitos constituídos em instituições de crédito que nele participem ( art. 155º/1 ), sendo que, entre outras, participam nele, obrigatoriamente, as instituições de crédito com sede em Portugal ( art. 156º/1).
O regime das cláusulas contratuais gerais foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro. O artigo 22º/2 e 3 da LCCG reporta-se a aspectos bancários, isentando-os de algumas regras. De todo o modo, o grosso das proibições específicas relativas a cláusulas contratuais gerais aplica-se ás condições dos banqueiros, sendo as dos artigos 20º, 21º e 22º precisamente visados para os consumidores finais.
A responsabilidade bancária é, na actualidade, um capítulo clássico nas exposições de Direito bancário. Em pontos importantes, ele tende a concretizar-se em torno de danos causados aos pequenos clientes ou “ a consumidores finais” de produtos financeiros : assim sucede, designadamente, no campo da culpa in contrahendo, no domínio da responsabilidade pelo uso permitido do cheque ou no da violação de deveres profissionais – art. 73º e seguintes do RGIC.

● O provedor bancário

A figura do provedor remonta à experiência sueca de 1809. Consiste numa figura independente, sem poderes de decisão, mas com a possibilidade de, junto dos diversos departamentos administrativos, se inteirar do andamento de processos., propondo determinadas soluções.
A ideia teve êxito, sendo acolhida, no campo estadual, pelo art. 23º da Constituição.

O PROGESSO TECNOLÓGICO

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Direito Bancário Material

Capítulo III – A SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA

Secção I – DETERMINAÇÃO E CONTEÚDO GERAL

NOÇÃO, MODALIDADES E FACTOS

· Noção

A situação jurídica bancária traduz pois, se se quiser, a realização do Direito bancário.
O recurso à ideia de situação jurídica bancária recusa uma definição subjectiva do tipo: situação bancária é a que implique a presença de um banqueiro ou de uma instituição de crédito ou sociedade financeira. Os bancos podem desenvolver actividades não-bancárias. Estas, quando sejam pelo Direito comum não devem ser consideradas como situações bancárias. Haverá, no entanto, que verificar se a presença, numa situação jurídica comum, de uma instituição de crédito não irá conduzir à aplicação de normas específicas que lhe confiram feição bancária.
Um mútuo, só por si, poderá ser ou não bancário: sê-lo-á quando concedido por um banqueiro, ao abrigo de regras bancárias.

● Modalidades

A situação jurídica bancária pode ser classificada em função do facto constitutivo ou do seu conteúdo, de acordo com as classificações das situações jurídicas e dos negócios jurídicos.
Em regra, é possível afirmar que as situações jurídicas bancárias são patrimoniais, contratuais ou onerosas: mas com excepções, designadamente no campo gerador da responsabilidade civil. Perante o disposto no art. 362.º do Código Comercial, as situações bancárias – já de si subjectivamente comerciais, porquanto exigindo, por norma, a presença do banqueiro – são ainda objectivamente comerciais. Daí resulta a aplicação, às situações bancárias, do regime geral dos actos comerciais.
Classificação tipicamente bancária seria a contraposição entre operações activas e passivas. Trata-se à partida da classificação comum das situações em activas e passivas: nas primeiras, os efeitos dependem da vontade do sujeito a quem assistem; nas segundas isso não sucede. Mas com adaptações: ela visualiza as situações pelo prisma da instituição de crédito e simplifica-as, em função do seu teor económico, uma vez que na grande maioria dos casos todas elas têm elementos activos e passivos. De todo o modo, são consideradas passivas as situações em que o banco se apresenta devedor – as contas e o depósito – e activas aquelas em que ele é credor – concessão e abertura de crédito, locação financeira, etc.
Outra classificação bancária clássica distingue as operações bancárias comerciais das operações de investimento. Na origem encontramos a contraposição anglo-saxónica entre commercial banking e investment banking : o 1º tem a ver com simples entregas de dinheiro enquanto o 2º se reporta já à aquisição de produtos financeiros e à actuação no mercado de capitais. Não obstante parece-nos preferível, perante a realidade do Direito bancário português, optar por uma classificação de actos mais imediatamente funcional: teremos a abertura de conta e os actos a ela especialmente ligados (depósito, giro bancário, emissão de cheque e emissão de cartão), os câmbios e a moeda estrangeira, os actos de crédito ( do mútuo bancário ao reporte), as garantias ( do penhor bancário às cartas de conforto) e os serviços e produtos financeiros ( da administração aos empréstimos CRISTAL).

●Os factos constitutivos; a autonomia privada

Fontes das situações jurídicas privadas são os seus factos constitutivos.
Em princípio podemos utilizar, no Direito bancário, o mapa das fontes que nos advém do Direito das obrigações e que opera também no Direito comercial.
Na base temos o evento relevante para o Direito: facto em sentido amplo. Depois, distinguimos os actos dos simples factos stricto sensu, consoante o Direito considere os factos constitutivos subjacentes como produto da vontade humana ou como eventos a ela alheios. Será acto bancário uma abertura de conta, enquanto a destruição de um bem dado em locação financeira é, à partida, um facto em sentido estrito.
Os actos podem ser lícitos ou ilícitos, subdividindo-se os 1ºs em unilaterais – a emissão de um título – ou em contratuais – um mútuo bancário.
No tocante aos factos em sentido estrito é possível, no domínio bancário, recorrer à tradição civilística: teremos espaço para diversas manifestações de responsabilidade objectiva, para a gestão de negócios e para o enriquecimento sem causa.
O Direito bancário material é totalmente dominado pela autonomia privada: as partes podem determinar a existência de efeitos – liberdade de celebração – a natureza das desses efeitos – liberdade de estipulação – e o modo por que eles ocorram – liberdade de forma. Tudo isso se verificará nas margens em que não surjam normas restritivas. Deve ficar claro que em Direito bancário é possível efectuar todos os actos que a lei não proíba.
Em concreto, há limitações de ordem prática. As instituições de crédito tornam-se centros de contratação maciça. Os diversos actos são realizados por funcionários habilitados, que agem em representação dos bancos: por razões de ordenação funcional eles têm instruções para efectuar certas categorias de actos, predeterminadas. Apenas as administrações dos bancos dispõem de latos poderes de estipulação, reservando-os, em regra, para os contratos de maior vulto. Além disso, a generalidade da actuação bancária subordina-se a cláusulas contratuais gerais. Por isso, a liberdade de estipulação está muitas vezes limitada em termos práticos. A autonomia privada mantém-se, porém, como fonte de juridicidade dos actos e de legitimação das soluções a que se chegue.
Temos pois 1 afirmação jurídica da liberdade económica ( empresa e trabalho) subjacente ao Direito bancário material.

●Comportamentos concludentes

Cabe depois perguntar pelo âmbito da autonomia privada e designadamente: a vontade jurígena das partes manifesta-se apenas através da contratação e de actividades unilaterais formalmente jurídicas ou admite-se, ainda, uma actuação puramente material mas juridicamente concludente, como fonte de situações bancárias? Na sequência das análises a que ficou ligado o nome de Gunther Haupt alguma doutrina apurou a existência de relações de tipo contratual sem que surgisse qualquer contrato a antecedê-las. Assim sucederia em situações de contratos sociais típicos (por ex culpa in contrahendo) ou de prestação de serviços e bens essenciais (por ex água e electricidade) que se iniciaram independentemente de qualquer acordo de vontades. Novas categorias de relações de facto forma apuradas pela dourina ( relações contratuais de facto).
Fica-nos como núcleo impressivo relevante o dos comportamentos concludentes. Neste domínio o Direito bancário tem uma experiência importante. Muitos actos bancários correntes, designadamente os praticados através de autómatos, completam-se sem uma manifestação de vontade. Os protagonistas limitam-se a aderir a esquemas sociais de comportamentos predeterminados sem formarem qualquer vontade consciente, seja do acto, seja dos seus efeitos. A tais ocorrências aplica-se o regime negocial. Mas haverá contrato?
O pensamento jurídico-privado actual inclina-se para admitir uma concretização da autonomia não apenas através da vontade mas também através da adesão a esquemas sociais de comportamentos concludentes. Se o acto jurídico, por definição for apenas o facto humano voluntário, já não haverá aqui negócio mas apenas uma relação negocial de facto. Sucede, no entanto, que o negócio jurídico é, na realidade, sempre uma combinação entre a autonomia privada e a tutela da confiança; basta ver que o negócio vale enquanto vontade expressa e com o alcance em que o seja e não como pura volição.
No comportamento concludente dominará a vertente da confiança sempre que falte uma vontade conformada ( o que por definição, in concreto não é verificável).
Em suma: a doutrina clássica do negócio jurídico pode ainda reduzir dogmaticamente o fenómeno dos comportamentos concludentes. A necessária sindicância do Direito é assegurada através do controlo das cláusulas contratuais gerais.


OS SUJEITOS E O OBJECTO

●O banqueiro e o seu cliente

Como sujeito surge necessariamente uma instituição de crédito, uma sociedade financeira ou uma empresa de investimento, na enumeração hoje resultante do RGIC. São entidades legalmente habilitadas a praticar , em termos profissionais actos bancários. Daqui para a frente designadas como banqueiro.
O Código Comercial referia, simplesmente os “bancos” (art. 362.º). Abrangia assim quer as entidades singulares, quer as colectivas que se dedicassem profissionalmente à actividade bancária.
O RGIC, simplificando a situação anterior, adoptou uma bipartição em instituições de crédito e sociedades financeiras depois completada, por influência comunitária, com as empresas de investimento. Os bancos são apenas um dos tipos admitidos de instituições de crédito.
A ideia de prática profissional deixa-se precisar com recurso aos seguintes parâmetros:
¾ é uma prática habitual: o banqueiro não se limita – como em qualquer profissão – a praticar actos ocasionais ou isolados; antes os leva a cabo em cadeia, numa sequência articulada;
¾ é uma prática lucrativa: o banqueiro pretende cobrir os custos da sua actividade e ainda realizar um determinado lucro; mesmo quando por razões conjunturais ou de fundo haja prejuízos, a actuação desenvolve-se com uma mira da benefício; por isso toda a organização do banqueiro assume, de modo necessário, uma feição empresarial;
¾ é uma prática tendencialmente exclusiva e isso em 2 sentidos: só o banqueiro pode, profissionalmente, praticar actos bancários (art. 8.º/2 do RGIC); o banqueiro só deve, pelo menos em termos nucleares, desenvolver actividades bancárias (art. 14.º/1,c) do RGIC).
A lei portuguesa tipifica as formas que pode assumir o banqueiro: instituições de crédito (art. 3.º) e sociedades financeiras (6.º). Surgem os bancos e equiparados com uma capacidade bancária genérica e depois as diversas outras entidades com um teor especializado (arts. 4.º/2 e 7.º todos do RGIC).
A pessoa que contacte com o banqueiro é tradicionalmente designada cliente. Os clientes podem ser classificados em função da sua própria natureza. Teremos clientes singulares e colectivos e dentro destes associações, sociedades ou instituições de diversa natureza, pública ou privada. Tem actualidade uma contraposição entre pequenos e grandes clientes: aos primeiros é dispensada uma tutela pelas regras de protecção do consumidor.
A actividade bancária pelo prisma do cliente é hoje pura e simplesmente instrumental. Assim, podemos considerar que quem tenha capacidade para a prática de determinado acto patrimonial tem, salvo excepção, capacidade para o fazer em modo bancário, por ex. abrir uma conta.
Tanto basta para proclamar como princípio que pode ser cliente qualquer pessoa, singular ou colectiva, que tenha capacidade patrimonial privada.

●Os menores

O princípio acima enunciado tem uma aplicação tendencial às pessoas singulares. Os menores, os interditos e os inabilitados podem aceder à banca na medida em que estejam em causa actos ao alcance da sua capacidade de exercício. Quando isso não suceda deverão ser representados ou assistidos nos termos legais.
No tocante aos menores a regra básica é a da incapacidade (art. 123.º do CC). Os menores devem ser representados junto do banqueiro (art.124.º) numa regra que, nos termos prescritos e com as devidas adaptações, se aplica aos interditos (art. 138.º) e aos inabilitados (art, 153.º) aqui através da assistência de um curador.
Contudo, há excepções a ter em conta (art. 127.º do CC). Poucos actos bancários poderão ser considerados “…próprios da vida corrente do menor…” (art. 127.º/1,b); provavelmente, apenas seriam admitidas, por essa via, pequenas operações de câmbio. No entanto:
¾ o menor de 16 anos poderá praticar os actos bancários relativamente a bens que haja adquirido pelo seu trabalho (art. 127.º/1,a) CC)
¾ o menor autorizado a exercer determinada actividade, relativamente aos bens que lhe advenham por essa via, poderá igualmente fazê-lo (127.º/1,c) do mesmo diploma; recorde-se que a idade mínima de admissão para prestar trabalho é de 16 anos (art. 55.º/2 do Cód. Do Trabalho).

●O objecto

O objecto (imediato) da situação jurídica bancária é o complexo de direitos e deveres emergentes do concreto acto bancário considerado. Normalmente o complexo em causa é sinteticamente designado pelo facto jurídico que o origine. Assim, podemos falar na situação jurídica “abertura de conta” para exprimir os direitos e os deveres que emergem para as partes – cliente e banqueiro – da celebração dum contrato de abertura de conta.
A situação bancária, à semelhança do que ocorre com as diversas situações de tipo profissional, não se define apenas pelos seus sujeitos. Exige-se ainda um objecto especificamente bancário.
Por influência comunitária encontramos no RGIC uma enumeração de operações consideradas bancárias (art. 4.º/1). A lista é meramente exemplificativa.

●Situações bancárias sem banqueiro; o abusivismo

Este tipo de situações são excepcionais.
Uma melhor exposição de conjunto requer a antecipação duma classificação de actos bancários em função da entidade apta a praticá-los. Encontramos:
¾ actos de natureza bancária absoluta;
¾ actos de natureza bancária relativa;
¾ actos de natureza bancária eventual.
O acto de natureza bancária absoluta só pode ser praticado por instituições de crédito; é o que sucede nos casos do art. 8.º/1 do RGIC.
O acto de natureza bancária relativa só pode ser praticado, a título profissional, pelas instituições de crédito e sociedades financeiras; é o que sucede com as actividades referidas nas alíneas b) a i) e r) do nº1 do RGIC (art. 8.º/2 do RGIC.
Finalmente e por exclusão de partes serão eventualmente bancários os actos referidos nas alíneas j) a r) do art. 4.º/1 do RGIC.
Perante essa classificação podemos apontar as seguintes situações bancárias sem banqueiro: qto aos actos de natureza bancária absoluta, os praticados pelas entidades do art. 8.º/3; quanto aos actos bancários eventuais, por razões estruturais não será possível imaginá-los sem banqueiro.
Os actos bancários sem banqueiro seguem o regime próprio dos actos bancários. Apenas haverá que excluir:
¾ as regras afastadas ou substituídas por preceitos específicos: é o que sucede, em especial, pelos actos bancários praticados por entidades publicas;
¾ as regras que, por sua natureza ou finalidade, tenham exclusivamente a ver com a profissão de banqueiro.
O abusivismo bancário consiste na prática de actos bancários vedados. Em abstracto, temos 2 hipóteses: ou a prática, por não banqueiro, de actos de natureza bancária absoluta ou a prática profissional de actos relativamente bancários.
A 1ª hipótese é objecto de incriminação: é o que resulta do art. 200.º do RGIC. A 2º tem a ver com ilícitos de mera ordenação social com relevo para o art. 211.º,a) do RGIC que prevê, a tal propósito, uma infracção especialmente grave.


O CONTEÚDO GERAL

●Elementos normativos e voluntários: os tipos bancários

Os actos bancários implicam um conjunto de efeitos a que podemos dar a designação global de conteúdo. Podemos distinguir diversos elementos e, designadamente, os normativos e os voluntários, consoante advenham de normas jurídicas ou de actos, normalmente contratos, celebrados pelas partes.
Os elementos normativos são injuntivos ou supletivos, conforme possam, ou não, ser afastados pela vontade das partes.
Por seu turno, os elementos voluntários são necessários e eventuais. Os necessários devem ser providenciados pelas partes, sob pena de não se consubstanciar o negócio ou de surgirem irregularidades irreparáveis. Pense-se, por exemplo, num contrato de câmbio em que as partes não indicassem as moedas em presença. Os eventuais limitam-se a afastar normas supletivas.
O Direito bancário faculta ainda diversas subclassificações. Assim os elementos normativos podem ser legais, regulamentares ou usuais: a sua origem estará, respectivamente, na lei, em regulamentos ou nos usos bancários.
Por seu turno, nos elementos voluntários podemos distinguir os voluntários gerais dos voluntários específicos: os primeiros advêm de cláusulas contratuais gerais, provindo os segundos de acordos especificamente concluídos.
O conjunto representado pelos elementos normativos e pelos elementos voluntários necessários constitui o tipo contratual e, para o caso, o tipo bancário.
O especial papel da autonomia privada, particularmente quando vertida em cláusulas contratuais gerais, permite distinguir os “tipos sociais”, em aproveitamento de terminologia habitual: trata-se de actos configurados por elementos repetidamente vertidos em cláusulas contratuais.




●Conteúdo positivo

No estudo do conteúdo dos actos bancários podemos distinguir um conteúdo positivo e um negativo. O conteúdo positivo tem a ver com normas de imposição, isto é, com regras que prescrevem, para os actos bancários, determinados efeitos. O conteúdo negativo liga-se a normas de proibição: sem definir, precisamente, o espaço próprio dos actos bancários tais normas fixam para este limites inultrapassáveis.
A existência de um conteúdo positivo de relativa extensão tem a ver, no sector bancário, com as preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema e, mais recentemente, de tutela dos consumidores que nele dominam. Os poderes de supervisão concretizam todos esses elementos.
Dada a natureza predominantemente relativa das situações bancárias, o conteúdo positivo dos diversos actos configura-se, prevalentemente, através de deveres cominados ao banqueiro.

●Os deveres de competência, adequação e eficiência

O RGIC tem um Título VI relativo às regras de conduta do banqueiro. Aí, no tocante a deveres gerais, surgem-nos 4 figuras:
¾ a competência técnica: art. 73.º
¾ as relações com os clientes: art. 74.º
¾ o dever de informação: art. 75.º
¾ o critério de diligência: art. 76.º

A competência técnica dá azo a deveres de qualidade e de eficiência. Esta norma é importante. A actividade bancária é dominada por parâmetros tecnológicos e culturais em permanente ascensão. Podemos apontar exigências físicas (instalações, acesso,etc) e exigências bancário-culturais (disponibilidade de produtos, criação de novos serviços). A prossecução destes objectivos obriga o banqueiro a um esforço permanente de reorganização do trabalho e métodos e de formação de seu pessoal. Para oferecer boas condições ao seu cliente, o banqueiro terá de racionalizar os custos o que, no limite, poderá pôr em causa o objectivo pretendido. Trata-se, em suma, da eterna tensão entre a qualidade e o preço, num drama que sendo já bem conhecido da indústria convencional chega agora à banca.
A competência técnica, assim entendida, deve ser aproximada dos deveres prescritos no RGIC quanto às relações com os clientes (art. 74.º) e quanto ao critério de diligência (art. 76.º).
As relações com os clientes levam o legislador a referir deveres de diligência, lealdade, descrição, e de respeito consciencioso dos interesses confiados ao banqueiro.
O critério de diligência, aparentemente orientado para os administradores e para o pessoal dirigente mas, no fundo, destinado ao próprio banqueiro, enquanto instituição, aponta para a bitola do banqueiro criterioso e ordenado. Trata-se da recuperação, com fins bancários, da figura do bonus pater famílias.
Pergunta-se se os arts 73.º, 74.º e 76.º do RGIC com o conjunto de deveres de adequação e de eficiência que deles resultam, se podem considerar como verdadeiras normas de conduta, fontes de direitos para os clientes, ou, se pelo contrário, serão meras regras programáticas. Se bem se atentar, apenas o mercado poderá, em ultima instância afirmar se o banqueiro cumpre ou não os seus deveres de adequação e de eficiência.
Os arts 73.º, 74.º e 76.º do RGIC são, assim, meras normas programáticas e de enquadramento. Na prática, eles terão de ser completados por outras regras, de natureza legal ou contratual, de modo a dar azo a verdadeiros direitos subjectivos ou, de todo o modo, a regras precisas de conduta, susceptíveis de, quando violadas, induzirem responsabilidade bancária.

●Conteúdo negativo; conformação legal: possibilidade e determinabilidade

O conteúdo das situações das situações jurídicas bancárias deve obedecer às regras jurídicas dos negócios jurídicos.
O acto bancário deve ser física ou legalmente possível, conforme com a lei e determinável (art. 280.º/1 do CC).
A conformidade com a lei é um requisito óbvio. No campo bancário múltiplas regras de ordem pública, desenvolvidas designadamente pelo poder regulamentar do Banco Central, podem inviabilizar diversos actos ferindo-os de nulidade. Um papel importante é ainda o desempenhado, neste domínio, pela legislação relativa à lavagem de dinheiro e ao branqueamento de capitais.
A determinabilidade obriga a recordar a distinção entre actos indeterminados e actos indetermináveis. No 1º caso encontramos uma actuação desconhecida aquando da celebração do negócio mas dotada de elementos que podem proporcionar a sua determinação antes do cumprimento, como nos casos dos arts. 400.º e 883.º do CC. No 2º caso o acto é indeterminável porquanto na celebração não é de todo configurável a feição que este irá assumir afinal. Trata-se, em suma, de um acto aleatório que pode facultar largas margens de arbítrio e que inclusive pode ser configurado como doação de bens futuros, vedada pelo art. 942.º/1 do CC. A jurisprudência tem vindo, e bem, a invalidar negócios bancários de conteúdo indeterminável.

●Segue; bons costumes e ordem pública

O conteúdo bancário deve ser conforme com os bons costumes e a ordem pública (art. 280.º/2). Podemos avançar que os bons costumes abrangem 2 áreas:
¾ a das regras de comportamento pessoal, sexual e familiar, que embora não explicitadas no CC, são reconhecidas e observadas na sociedade;
¾ a dos códigos de conduta e deontológicos, a observar em determinadas profissões.
A 1ª categoria de actuações contrárias aos bons costumes não é de fácil configuração no Direito bancário. Em princípio, o Direito bancário move-se num plano estritamente patrimonial sendo-lhe indiferente o que se passa nas esferas das pessoas intervenientes.
A 2ª categoria tem um papel crescente. Os códigos de conduta exprimem uma deontologia bancária que autolimita o banqueiro. A inobservância de regras deontológicas significativas é indutora de nulidade, por via da violação da regra dos bons costumes, prevista no art. 280.º do CC. Repare-se: a não ser esta construção, os códigos de conduta poderiam ser aproveitados como normas de protecção para efeitos de indemnização. Podemos ainda fazer aqui intervir a ética bancária, manifestação especializada da ética dos negócios.
A ordem pública exprime, por seu turno, o conjunto de princípios injuntivos que não podem ser postergados pela autonomia privada. No Direito bancário surgem importantes vectores de ordem pública, por exemplo, no tocante aos limites existentes para a remuneração do capital.
O art. 281.º do CC configura a hipótese de apenas o fim do negócio jurídico ser contrário à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.
A doutrina e a jurisprudência têm apontado a existência de um dever de não-ingerência, por parte do banqueiro, nos negócios com o seu cliente. Assim, na prática dos diversos actos bancários, o banqueiro teria mesmo a obrigação de não indagar o fim último dos actos praticados. Trata-se de um dever que serve o cliente mas, em simultâneo, o próprio banqueiro: este não poderia ser responsabilizado por finalidades que deveria desconhecer.
O raciocínio afigura-se correcto, com 2 precisões: ele é válido para operações de caixa - portanto operações passivas e conexas tais como recepção de depósitos ou realização, na base destes, de pagamentos – e conhece excepções legais, designadamente as induzidas das regras sobre branqueamento de capitais.
Noutras operações, designadamente na concessão de créditos significativos, a finalidade do negócio consta, mesmo e em regra, do próprio contrato. Nestas hipóteses o art. 281.º é claramente aplicável no domínio bancário.


Secção II – SEGREDO E INFORMAÇÃO BANCÁRIOS

O SEGREDO BANCÁRIO E A JUSTIFICAÇÃO

●O segredo em geral

Diz-se obrigação de segredo o dever de não revelar determinados conhecimentos ou informações. Trata-se de um dever de non facere; o seu cumprimento poderá, todavia, num plano acessório exigir actuações positivas: fechar portas e gavetas, usar cofres, etc. No campo contratual o dever de segredo é, à partida, um dever acessório cominado pela boa fé. Todas as informações ou conhecimentos que um co-contratante obtenha, por via do contrato, não devem ser usadas, fora do âmbito do contrato, para prejudicar a outra parte ou fora das expectativas dela.
A regra do sigilo contratual corresponderá a uma concretização da tutela da confiança. Pode dizer-se que a confiança é tanto mais forte quanto maior for a personalização da relação.
O enunciado geral do dever de segredo não pode fazer esquecer que neste domínio, como noutros, os institutos abstractos são precedidos por manifestações periféricas ditadas pelas mais diversas necessidades: económicas, culturais, religiosas ou deontológicas.
O segredo deixa, assim, de ser uma exigência da tranquilidade contratual e da confiança bilateral, surgida entre os contratantes. Ele assume a dimensão de uma exigência pública necessária para o funcionamento das instituições. Ninguém confiará no seu advogado se tiver a ideia que este poderá revelar, fora do que exija a defesa dos interesses, quanto lhe confiar.
O passo seguinte tem a ver com oponibilidade do sigilo a 3ªs. Desta feita, o problema põe-se não já perante indiscrições do co-contratante mas em face de outras entidades que, a qualquer título, tenham ou possam ter acesso às informações. Nessas condições está, desde logo, o Estado.
O segredo aproxima-se, desta forma, do direito à intimidade sobre a vida privada e, mais latamente, dos direitos fundamentais relativos à personalidade. Estes, por seu turno, também sofreram uma evolução. No 1º tempo eram essencialmente destinados a deter o Estado; posteriormente eles vieram a mostrar-se eficazes na tutela das diversas posições erga omnes.

●O regime do RGIC

Deu-se um enfraquecimento do segredo bancário mas tal enfraquecimento deu-se perante o Estado, por exigências policiais e fiscais e não propriamente perante os particulares.
O RGIC dedicou ao segredo profissional o capítulo II do título VI (arts. 78.º e 79.º).
Tem interesse relevar os preceitos penais, art. 195.º do CP.

●A defesa do segredo bancário

O segredo bancário deve ser preservado nas nossas sociedades. Em termos jurídico-positivos, o segredo bancário começa por se apoiar na própria Constituição e designadamente nos seus arts. 26.º/1 e 25.º.
O Direito bancário acompanha hoje quase todas as operações patrimoniais praticadas pelas pessoas. O banqueiro pode através da análise dos movimentos das contas de depósitos ou dos movimentos com cartões, seguir a vida dos cidadãos. O banqueiro, até por ter muitos milhares de clientes, não o fará: não o deve fazer. Mas facultar tais elementos a 3ºs é pôr cobro à intimidade das pessoas.
Além do problema da intimidade privada, o desrespeito pelo segredo bancário põe ainda em causa a integridade moral das pessoas atingidas. A revelação de depósitos, movimentos e despesas pode ser fonte de pressão, troça ou suspeição.
Sendo assim, o segredo bancário só cessa com o consentimento do cliente: é o que resulta do art. 79.º/1 do RGIC e 195.ª do CP. Tal consentimento equivale a uma limitação voluntária de um direito de personalidade ( o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, art. 80.º do CC com cobertura constitucional dos arts. 25.º/1 e 26.º/1. Há por isso que lhe aplicar o regime do art. 81.º do CC.
O segredo bancário deriva, ainda, da existência de uma relação jurídica bancária, de base contratual. Ao concluir a abertura de conta o banqueiro e o seu cliente, explícita ou implicitamente, assentam em que o sigilo será respeitado. Quando não o façam: o sigilo sempre se imporia como dever acessório, imposto pela boa fé (art. 762.º/2 do CC).
O banqueiro, ao quebrar o sigilo, viola a relação bancária básica. Além disso não vemos a que título poderá um 3º, seja ele o Estado, imiscuir-se numa relação contratual, quebrando o segredo. Os contratos são também “propriedade privada”: devem ser respeitados pelo Estado.
Temos, ainda, razões públicas que recomendam a defesa do segredo bancário. Hoje os “activistas” reivindicam-se de democracia. Todavia é ingenuidade pensar que, por via bancária, se vão descobrir as grandes manigâncias e os grandes tráfegos. Umas e outros podem ser mascarados de movimentos legítimos e titulados ou deslocalizados para paraísos sem interferência. Apanham-se, sim, os (pequenos) incautos e incomoda-se muita gente por puro sensacionalismo ou por retorção pessoal ou pública.


LIMITAÇÕES AO SEGREDO BANCÁRIO: BRANQUEAMENTO E FISCALIDADE

●O regime processual do levantamento

O segredo bancário conhece algumas excepções. Perante o Direito privado o segredo só cede em face de quem tenha um direito bastante relativo ao bem que esteja, ou possa estar, na posse do banqueiro. É o que sucede em face dos sucessores do cliente ou os seus credores em processo executivo.
No Direito público, para além dos casos específicos do branqueamento e da fuga fiscal, a quebra do segredo exige imperiosas razões de interesse geral a confirmar pelo tribunal.
A lei de processo penal pôs a maior dignidade na quebra do segredo, art. 135.º do CPP. O art. 519.º/4 do CPC remete a quebra do sigilo para o disposto no processo penal.
Resta sublinhar que a “prevalência do interesse preponderante” deve ser tomada em termos substantivos e valorativos: apenas os interesses subjacentes a um crime prevalecem sobre os bens de personalidade em jogo no segredo. Ela deve limitar-se ao minimum necessário enquanto o segredo se mantém como tal, fora do processo onde foi revelado.

●O branqueamento de capitais

O branqueamento designa, em geral, a utilização de banqueiros para dissimular a origem criminosa da obtenção de fundos. O problema liga-se ao crime organizado e ao tráfico de droga, mas também a outros (art. 368.º-A do CP, aditado pela Lei 11/2004).
A Directriz nº 2001/97, de 4 de Dezembro foi transposta pela Lei 11/2004, de 27 de Março, entre outros aspectos, o diploma prevê o seguinte:
¾ uma obrigação do banqueiro de identificar o seu cliente habitual ou o ocasional que efectue uma transacção que atinja ou ultrapasse os 12.500 euros e de apurar, na hipótese de actuação por conta de outrem, que é o dominus (art. 15.º);
¾ um dever do banqueiro de denunciar à autoridade judiciária competente suspeitas de operações capazes de implicar o crime de branqueamento (art. 18.º);
¾ um dever de não praticar actos de branqueamento (art. 4.º)
O Decreto-Lei nº 325/95, de 2 de Dezembro, viera punir o branqueamento de fundos provenientes de crimes de terrorismo, tráfico de armas, extorsão de fundos, rapto, lenocínio, corrupção e outras infracções. Além disso, no art. 3º, alargou a estas situações os deveres do banqueiro já impostos quanto à matéria dos fundos provenientes do tráfico de droga. Acabaria por ser revogado pela Lei nº 11/2004 que absorveu as suas regras.

●A fiscalização tributária

O segundo ponto que poderá exigir a quebra do sigilo fiscal é o da fiscalização tributária. Classicamente, apenas em casos muito pontuais, a Administração e a Fiscalização Tributárias tinham acesso a elementos bancários ou similares dos contribuintes.
Uma linha mais radical, quer por, do segredo bancário ter uma ideia francamente oposta à actual panorâmica da doutrina, contrária à da sua aproximação dos direitos fundamentais, quer por subscrever uma aplicação isolada do principio da tributação pelo lucro real, entende que os aludidos poderes limitam o segredo bancário.
Admitir que a Administração pudesse aceder, sem prévio controlo judicial, a tudo quanto respeite sem o prévio consentimento destes seria um extraordinário retrocesso na ideia de Estado de Direito e da separação dos poderes. Em suma: a defesa dos direitos de personalidade e dos direitos fundamentais requer, sempre, lei expressa e via jurisdicional como modo de limitar certos direitos, entre os quais o sigilo bancário e o que ele representa. Diversos preceitos constitucionais o exigem, com relevo para os arts. 32.º/6 e 34.º, além, naturalmente, 25.º/1 e 26.º/1, todos da CRP.
Processou-se depois todo um debate relativo a uma reforma fiscal que limitaria o segredo bancário. Seria a forma de reduzir uma alegada fuga fiscal, demagogicamente apresentada por forças políticas opostas como sendo a causa do défice das contas públicas.
Esta matéria foi alterada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro. O nº 1 do art. 63.º-B da LGT já permite à Administração Fiscal aceder aos elementos bancários que entender: dará as justificações que lhe aprouver sem hipótese do recurso judicial (nº 5, a contrario), nem mesmo devolutivo.
Trata-se de um preceito claramente inconstitucional: viola o art. 26.º/1. Mas além disso, viola o art. 19.º/1, pois há uma suspensão de direitos, liberdades e garantias fora do que permite a CRP, o art. 20.º/1, o art.º 103.º/2 (princípio da tipicidade tributária) e o art. 266.º/2 (princípio da proporcionalidade, todos da CRP. Esta não pode ser invocada quando convenha e esquecida nos restantes casos.








A INFORMAÇÃO BANCÁRIA


●O tema

As operações monetárias mais simples são, no fundo, actuações simbólicas dos operadores, uns perante os outros, actuações essas a que se associa o surgimento de vínculos abstractos.
Tudo isto só é possível através de comunicações permanentes entre todos os intervenientes ou, em termos muito analíticos, de informações. Seja para executar operações seja, simplesmente, para reconhecer as diversas posições dentro do sistema, há, na banca, uma permanente troca de informações.
Se o núcleo bancário mais duro, o do dinheiro e das operações a ele relativas, vive já sob o signo da informação, muito mais isso sucede com a restante actividade do banqueiro. A relação bancária duradoura, estabelecida
O Direito bancário é um Direito de informações. É certo que essa afirmação vale, em grande parte, para todos os sectores sócio-económicos das modernas sociedades pós-industriais. Mas no Direito bancário, em face da perfeita predeterminação dos intervenientes, banqueiro e cliente, e tendo em conta o valor das operações e a necessidade extrema da precisão, as informações redobram de valor e assumem um papel pioneiro, em termos de regulação. Digamos que, no direito bancário, as informações há muito perderam a sua natureza instrumental e acessória: antes surgem como objecto principal de muitas obrigações.
Um banqueiro dá informações inexactas a um cliente que, assim, adquire um mau produto e tem prejuízos. Um cliente engana o seu banqueiro quanto às suas possibilidades económicas. Banqueiros emitem informações preliminares ou trocam informações inexactas.
Nuns casos houve engano de boa fé; noutros, negligência; noutros finalmente uma vontade directa, necessária ou eventual de enganar. Em suma: temos, aqui, múltiplas hipóteses de responsabilidade cujos contornos devem ser previamente determinados.

●Modalidades

São vários os critérios possíveis.
De acordo com a fonte os deveres de informação podem resultar:
¾ de cláusulas gerais;
¾ de lei estrita.
No 1º caso o dever de informação decorre de prescrições indeterminadas, também ditas cláusulas gerais, com relevo para a boa fé in contrahendo ou para a observância da boa fé na execução dos contratos, arts. 227.º/1 e 762.º/1 ambos do CC.
No 2º o dever é inculcado por lei expressa a tanto dirigida: o art. 573.º do CC é o mais característico exemplo. Pode incluir-se aqui também o dever de informação que tivesse sido expressamente pactuado por contrato.
O dever de informação, proveniente de cláusulas gerais, pode ainda subdividir-se; temos.
¾ cláusulas gerais legais, quando a própria lei as prescreva directamente; tal a situação das remissões para a boa fé objectiva;
¾ cláusulas gerais honorárias ou doutrinárias, quando haja que recorrer a doutrinas tais como a dos deveres do tráfego, acima referenciados.
Também o dever derivado de lei estrita admite uma subdistinção. Assim, encontramos:
¾ lei estrita geral: o caso do art. 573.º, que prevê, em termos gerais, a hipótese de surgimento do dever de informar;
¾ lei estrita específica: as diversas hipóteses em que a lei manda comunicar, avisar ou informar alguém, de alguma coisa; no Direito bancário temos, como exemplo, o art. 75.º/1 do RGIC.
De acordo com o conteúdo, o dever de informação pode ser:
¾ indeterminado
¾ preciso
O dever de informação é indeterminado quando não seja possível determinar previamente o seu conteúdo. Tal a situação típica das informações in contrahendo.
O dever é preciso quando a sua predeterminação seja viável. Pense-se no caso do dever de comunicar a recepção tardia ou a cedência do locado, previstos, respectivamente, nos arts. 229.º/1 e 1038.º, g) ambos do CC.
Entre os 2 extremos apontados, há múltiplas graduações possíveis. Tendencialmente, poderemos considerar que os deveres de informação decorrentes de cláusulas gerais são indeterminados, enquanto os provenientes de leis estritas específicas são precisos. Mas não fatalmente: em certos contratos, por hipótese, a boa fé obriga a prestar informações predetermináveis, enquanto leis estritas específicas só in concreto permitem fixar o teor informativo a transmitir.
Ainda quanto ao conteúdo, é possível dostinguir:
¾ deveres de informação substanciais;
¾ deveres de informação formais.
Nos deveres de informação substanciais o obrigado está adstringido a veicular a verdade que conheça, descrevendo-a em termos explícitos; nos formais, o obrigado fica vinculado, apenas, a transmitir uma mensagem prefixada. Assim, no caso de boa fé in cotrahendo, o obrigado deverá descrever toda a realidade relevante para a contraparte procurando termos adequados para o fazer com fidelidade; já no do dever de comunicar uma recepção tardia o obrigado apenas dirá: recebi tarde ou fora de tempo.
Em princípio a substancialidade variará na razão inversa da precisão: quanto mais preciso for um dever, mais formal será o seu cumprimento; quanto mais indeterminado, maiores as exigências da substancialidade.
Surge, daqui, o critério da autoria da determinação dos deveres de informação. Temos 2 hipóteses básicas:
¾ determinação autónoma;
¾ determinação heterónoma;
Há determinação autónoma quando o próprio obrigado tenha o encargo de, à medida que a situação progrida, ir fixando os termos a informar e a matéria a que respeitam: pense-se na culpa in contrahendo.
A determinação é heterónoma sempre que a fixação da informação não caiba ao próprio. E então 2 são as sub-hipóteses:
¾ determinação automática;
¾ determinação pelo beneficiário;
A determinação é automática quando resulte, objectivamente, da situação em causa. Assim ocorre, por exemplo, na recepção tardia ou na própria boa fé contratual.
A determinação opera pelo beneficiário sempre que caiba, a este, proceder à configuração do dever de informar. Tal será o caso das informações a fornecer, pelos administradores, aos sócios das socs. Anónimas, em assembleia-geral (art. 290.º/1 do CSC).
Por fim encontramos o critério da inserção no vínculo. A informação pode ser objecto de prestação principal, de prestação secundária ou de deveres acessórios.
Perante um contrato cujo objecto seja, precisamente, o aconselhamento e a informação, esta vai surgir como objecto da prestação principal, a cargo do banqueiro. Num negócio com diversos elementos, por exemplo um contrato de engenharia financeira, é plausível a presença de cláusulas não dominantes que prevejam informações: a prestação é secundária. Finalmente em qualquer situação contratual, ou mesmo pré ou pós-contratual, a boa fé pode determinar a prestação de informações, trata-se de um dever acessório.
Estas diferenciações são relevantes para a determinação do âmbito e da intensidade da informação a prestar.

●Informações ao cliente

Numa situação bancária ambas as partes ficam, ou podem ficar, adstritas a trocar determinadas informações. Como base de estudo, devemos assentar em que o problema se põe, apenas, quando o banqueiro deva informar, a título principal, secundário ou acessório: integra-se assim o art. 485.º/2 do CC. Ora, à partida não há qualquer dever geral, por parte do banqueiro, de prestar informações: o banco não é, por profissão, uma agência de informações e mesmo esta teria de ser contratada para informar. Por isso o dever de informação só ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa fé o exija. Fora dessas hipóteses o banqueiro que preste uma informação coloca-se, como qualquer outra entidade, no âmbito do art. 485.º/1 do CC: só é responsável se agir com dolo.
No Direito comum a informação diz essencialmente respeito a questões de facto. Já no Direito bancário a informação requerida aos bancos é, no essencial, técnico-jurídica. Já o regime jurídico envolvido pode tornar-se mais complexo sobretudo por assentar muitas vezes em usos bancários ou em cláusulas contratuais gerais, de apreensão mais complexa.
A informação bancária contempla, em geral, a situação de especial carência em que se encontre o cliente do banqueiro. Além de atinente, principalmente, a questões jurídicas, ela deve ainda ater-se ao essencial. A instituição financeira tem conhecimentos tem conhecimentos e experiência para perante cada negócio reconhecer, de imediato, o ponto que deve ser informado ao cliente. Assim num processo tendente à concessão de crédito haverá que informar, com toda a clareza, que o banco se reserva o direito de, até à conclusão do contrato, não conceder qualquer crédito. As previsões que o banqueiro faça sobre a evolução de variáveis económicas só devem ser comunicadas ao cliente sob reserva, a menos que estejam disponíveis elementos muito seguros.
Em suma: a informação bancária distingue-se da comum por ser tendencialmente técnico-jurídica, simples, directa e eficaz. Ela é muito diversificada, segundo os produtos a que respeite dobrando-se, ainda, de deveres de acompanhamento e atingindo novos níveis com a automação.

●Informações do cliente

Outro ponto relevante das informações bancárias tem a ver com as contas que o banqueiro preste, ou possa prestar, sobre o seu cliente.
Mercê da amplitude hoje assumida pela actividade bancária, o banqueiro conhece os meandros da vida patrimonial e pessoal dos clientes. Além disso o cliente fornece, normalmente, ao seu banqueiro elementos pessoais de tipo confidencial: residências secundárias, telefones, etc.
Daqui resulta que o banqueiro, por vezes melhor do que a mais cuidadosa autoridade policial, está na posse de informações importantes sobre o cliente. Pode prestá-las?
Todas as informações relativas ao cliente estão a coberto do dever do segredo. O banqueiro só as poderá revelar:
¾ com autorização do cliente;
¾ nos casos previstos pela lei, mediante prévia autorização jurisdicional;
¾ limitadamente, no âmbito do Serviço de Centralização de Riscos de Crédito.
As informações relativas ao cliente são, por vezes, solicitadas no domínio dos negócios, particularmente no tocante às relações interbancárias. O cliente que inicie uma relação bancária nova poderá fornecer ao banqueiro diversas referências abonatórias e, designadamente, a indicação de contactos bancários anteriores com outros bancos. Nessa altura passamos a distinguir:
¾ informações de ordem geral sobre a existência e a normalidade de relações bancárias prévias;
¾ informações específicas sobre operações concretas, sobre os volumes envolvidos em relações bancárias ou sobre quaisquer outros elementos específicos do conhecimento do banqueiro.
Em relação às 1ªs deve entender-se que o cliente, ao dar como referência, um banqueiro está já a autorizar a sua revelação mas apenas ao destinatário da referência.
Em relação às 2ªs o cliente terá de contactar directamente o seu banqueiro e autorizá-lo a prestar a informação pretendida. Tudo isto que resulta, noutros ordenamentos, dos usos e das cláusulas contratuais gerais impõe-se entre nós por via do regime da limitação voluntária dos direitos de personalidade.
Este regime da informação sobre o cliente funciona no interesse de ambas as partes envolvidas: cliente e banqueiro. Este pode ser responsabilizado por informações incorrectas; além disso nenhuma vantagem directa lhe advém de prestar informações sobre os seus clientes para além do acréscimo de trabalho que isso representa. Por isso deve entender-se que o banqueiro não tem qualquer dever geral de prestar informações sobre o seu cliente. Mesmo quando autorizado o banqueiro só informa se o entender, para prestar um serviço ao cliente, por ex., ou se a isso for obrigado por contrato ou por lei.

●Informação ao mercado

A integração do mercado financeiro, com a aproximação crescente entre a banca, os seguros e o mercado mobiliário potencia novos deveres de informação, de âmbito diverso, art. 7.º do CVM.
As informações mobiliárias têm um campo lato. Além da área clássica das informações privilegiadas procede-se a um agravamento da responsabilidade por informações inexactas ao mercado de capitais, óbvia quando dolosamente propaladas nos meios de comunicação social.
Ficam abrangidas a responsabilidade dos emitentes, das sociedades e dos titulares dos órgãos das sociedades.
Os banqueiros surgem como agentes privilegiados, no tocante a informações a prestar ao mercado. Para além das indicações mais directas que dêem aos seus clientes directos, os banqueiros são operadores activos na confecção da opinião pública do mercado.





Secção III - RESPONSABILIDADE BANCÁRIA

A RESPONSABILIDADE DO BANQUEIRO

· O problema em geral

No decurso da sua actividade profissional, o banqueiro pode, como qualquer outro interveniente, perpetuar factos ilícitos. Quando isso suceda, e uma reunidos os demais requisitos legais, ele é responsável (responsabilidade civil em geral).
A responsabilidade bancária é a responsabilidade profissional do banqueiro, i.e., a área correspondente ao não cumprimento, pelo banqueiro, dos seus específicos deveres: seja no plano contratual, seja no plano legal. Hipótese marginal seria a do banqueiro provocar danos em virtude da lesão de direitos absolutos pela inobservância de normas genéricas. À partida, a profissão do banqueiro não parece ser de molde a provocar especiais danos: ele não envolve perigos para a integridade das pessoas e dos bens.
Por vezes, porém, a actividade da banca pode surgir associada a diversos prejuízos, particularmente no aspecto característico da concessão de crédito. Assim, nas diversas ocorrências de insolvência ou similares, que traduzam danos para o devedor ou para os seus credores, seja como entidades cuja intervenção, a dar-se, poderia evitar ou retardar a insolvência. A essa presença da banca soma-se a ideia difundida da força económica das instituições de crédito às quais, em nome de uma equidade informe, poderiam ser pedidos sacrifícios, ainda que carecidos de clara base jurídica.

· Um serviço público? O Direito Português

Afasta-se a existência de uma responsabilidade pública dos bancos pela concessão de crédito. Os bancos, movem-se em Portugal, no seio do Direito Privado. (+ pág. 309 a 311).

CONCRETIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE BANCÁRIA

· Responsabilidade obrigacional e aquiliana: a causalidade

Na concretização do banqueiro, perante o Direito positivo português, é hoje fundamental a contraposição entre a responsabilidade obrigacional e aquiliana.
No direito francês, a responsabilidade exige que alguém pratique um dano. No alemão, requer-se um dano ilícito e com culpa. O esquema português é misto:
- na responsabilidade contratual domina a “culpa” e traduz, em simultâneo, a ilicítude;
- na responsabilidade aquiliana a culpa e ilicítude estão contrapostas;
A demonstração jurídico-positivista mais clara, do exposto, resulta do confronto entre os arts 483º/1 e 799º/1 do CC. No primeiro preceito, há uma clara contraposição entre a culpa e a ilicítude. No artigo 799º/1 surge, porém, uma denominada “presunção de culpa”, contra o devedor inadimplente.
A natureza híbrida da responsabilidade civil portuguesa tem consequências importantes, na responsabilidade bancária. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a simples falha do resultado normativamente prefigurado implica presunções de ilicítude de culpa e de causalidade. Competirá, pois, ao devedor inadimplente apresentar alguma causa de extinção de obrigação ou de justificação do inadimplemento. Já se estivermos perante a inobservância de deveres genéricos, tudo fica nas mãos do prejudicado que deverá provar os diversos pressupostos de responsabilidade civil.

· Aplicação perante o dever de informar

Numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado: joga, contra ele, a presunção de “culpa”/ilicítude prevista no artigo 799º/1 do CC. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestara a informação ou que beneficiara dalguma causa de justificação ou de escusa.
Já numa situação de tipo aquiliano, a mera falta de informação a nada conduz. O prejudicado terá de provar todo o condicionalismo que originaria o dever de informar por parte de outrem e, depois, de demonstrar que o visado não cumprira, com culpa, tal dever.
A responsabilidade por questões ligadas às informações prestadas pelo banqueiro domina boa parte do panorama da responsabilidade bancária. A responsabilidade bancária concretiza-se, como hipóteses clássicas: perante o banqueiro que atesta factos inexactos ou que dá falsas indicações a um terceiro, perante a administração de património, perante o giro bancário, perante os cheques, perante elementos de que tenha conhecimento que possam pôr em jogo um mútuo que vai celebrar, perante recomendações de produtos arriscados a clientes inexperientes, perante informações que determinem importantes decisões, mesmo em clientes experientes. A responsabilidade bancária pode alargar-se a situações nas quais o banqueiro remeta o cliente para outros prestadores de serviços. O banqueiro responde ainda, em geral, pelo risco de falsificações (+ pág. 317). “churning”

· Jurisprudência portuguesa
(pagina 319 a 323).





















































Capítulo II - DOS ACTOS BANCÁRIOS EM GERAL

Secção I - PRINCÍPIOS GERAIS

A AUTONOMIA PRIVADA

· Numerus apertus e normalização bancária

O direito bancário material, enquanto direito privado, é dominado pela autonomia privada, genericamente consignada no artigo 405º/1 do CC e, designadamente:
- escolher um tipo legal previsto na lei;
- eleger um tipo social que, embora sem previsão legal específica, esteja consagrado pelos usos e pela prática do comércio;
- remeter pura e simplesmente para um modelo estrangeiro ou na prática estrangeira, ainda que submetendo-se, no que as partes não regulem, à lei nacional;
- associar, num mesmo contrato, regras provenientes de dois ou mais tipos legais ou sociais;
- inserir, junto de cláusulas típicas, preposições inteiramente novas, de sua lavra;
- engendra figuras contratuais antes desconhecidas;
- adoptar contratos comerciais apenas consignados em leis estrangeiras, quando as normas de conflitos o permitam.
As partes podem, pois, celebrar os contratos que entenderem. Vigora, por isso, um postulado de numerus apertus: o número de actos bancários teoricamente possíveis é ilimitado. Isto permite dois corolários significativos:
- as descrições legais relativas a contratos bancários não são contratualmente típicas;
- as regras bancárias são susceptíveis de aplicação analógica;
Essa ambiência de grande configurabilidade dos actos bancários é contrabalançada pelas necessidades de normalização bancária. No tráfego bancário dominam exigências claras de normalização, no tocante a actos correntes (ver cláusulas contratuais gerais). Além disso, a própria aderência da comercialidade bancária a regras económicas obriga a uma concretização de actos por vias preestabelecidas. Compreende-se, deste modo, que a autonomia surja restringida na sua efectivação prática.

· Actos Mistos

Em rigor, seria possível distinguir:
- contratos típicos: aqueles cuja regulamentação geral consta da lei;
- contratos mistos em sentido estrito; aqueles que resultem da junção, num único instrumento contratual, de cláusulas retiradas de dois ou mais contratos típicos;
- contratos mistos em sentido amplo: aqueles que correspondam a um conjunto de cláusulas próprias de tipos contratuais legais e de cláusulas engendradas pelas partes;
- contratos atípicos (em sentido estrito): aqueles que surjam como total criação da vontade das partes;
Em sentido amplo, todos os contratos mistos são atípicos.

Uma vez que resultam da autonomia privada, os contratos mistos podem-se multiplicar até ao infinito. Cabe referir os mais habituais:
- contratos múltiplos ou combinados: uma das partes está vinculada a prestações específicas de vários tipos contratuais enquanto a outra está obrigada a uma prestação própria de um único tipo;
- contratos de tipo duplo ou geminados: uma das partes está ligada à prestação típica dum contrato enquanto a outra deve realizar a prestação própria do outro;
- contratos mistos em sentido estrito, indirectos ou cumulativos: as partes escolhem um certo tipo contratual mas utilizam-no de tal modo que, com ele, prosseguem o escopo próprio do outro;
- contratos complementares: a obrigação própria de um contrato é acompanhada por obrigações retiradas de tipos contratuais diferentes;
O contrato misto rege-se, em princípio, pelas regras pretendidas pelas partes. Deve entender-se que apenas por excepção a lei interfere na liberdade contratual associando, aos negócios por elas celebrados, cláusulas ou regras da sua autoria. Nos contratos mistos, este princípio é, ainda, mais ponderoso. De facto, o contrato misto é, por definição, atípico ou não previsto na lei. Não obstante, pode suceder que as partes estabeleçam um contrato misto, mas sem prever, para ele, um particular e explícito regime. Nesta ocasião, poderá ser necessário recorrer à lei, ainda que a título supletivo.

Têm sido apresentadas três teorias para explicar regime aplicável aos contratos mistos: a teoria da absorção, a teoria da combinação e a teoria da analogia:
- pela teoria da absorção haveria que determinar, em cada contrato misto concretamente surgido, qual o elemento tipicamente prevalente; esse elemento ditaria, depois, o regime do conjunto;
- pela teoria da combinação impor-se-ia uma dosagem entre os regimes próprios dos diversos tipos contratuais em presença; todos eles contribuiriam para fixar o regime final do contrato misto e integrar;
- pela teoria da analogia considerar-se-ia que o contrato misto, por definição, seria um contrato não regulado na lei; assim sendo, liderar-se-ia com uma lacuna que não poderia deixar de ser integrada, nos termos gerais.
A teoria da combinação aplicar-se-ia a contratos múltiplos e aos geminados, ficando a da absorção para os contratos cumulativos e para os complementares.
Na verdade, o essencial terá de residir sempre na autonomia privada: quando esta seja omissa, impõe-se recorrer aos princípios gerais da integração dos negócios jurídicos, com relevo para a vontade hipotética das partes e para a boa fé. Este último aspecto tem vindo, na doutrina mais recente, a dar um certo fôlego à teoria da absorção.
Trata-se de um ponto com relevo específico no direito bancário. As necessidades de normalização, de simplicidade e de previsibilidade económica levam a que, as partes, mesmo quando acrescentem determinadas cláusulas atípicas, tenham em vista determinado padrão típico a que, apesar de tudo, ainda seja possível reconduzir o contrato. As regras típicas mais próximas serão, assim, aplicáveis, quando, in concreto, não se imponham outros esquemas.

· As coligações ou uniões de contratos

Os contratos em coligação ou em união distinguem-se dos contratos mistos: nas primeiras, diversos negócios encontram-se associados em função de factores de diversa natureza, mas sem perda da sua individualidade; nos segundos, assiste-se à presença dum único contrato que reúne elementos próprios de vários tipos contratuais.
Nas uniões de contratos, distinguem-se:
- a união externa;
- a união interna;
- a união alternativa.
Na união externa, dois ou mais contratos surgem materialmente unidos, sem que entre eles se estabeleça um nexo juridicamente relevante. Na união interna, dois ou mais contratos surgem conectados porquanto alguma das partes – ou ambas – concluem um deles subordinadamente à conclusão de outro ou em função desse outro. Na união alternativa, a concretização dum contrato afasta a celebração do outro. Este quadro afastaria a relevância jurídica das uniões externas; pelo contrário, nas uniões internas e nas alternativas, haveria uma interacção capaz de interferir no regime das figuras em presença.
Outros autores apresentam quadros ordenados segundo linhas diversas ( Michele Giorgiani):
- conexões funcionais
- conexões causais
- conexões unitárias
Nas conexões funcionais, verifica-se uma união entre dois ou mais contratos para melhor prosseguir certo fim; nas conexões causais , um dos contratos estabelece uma relação donde deriva, depois, o outro; nas conexões unitárias, uma figura aparentemente una releva, a uma análise mais atenta, vários negócios.
Francesco Messineo contrapõe, no essencial:
- situações de dependência ou interdependência;
- conexões genéticas ou funcionais;
- conexões económicas
Numa tentativa mais abrangente, é possível apresentar um novo quadro. Deixando de parte as uniões externas e as alternativas, verifica-se, no tocante às internas, que elas podem ser arrumadas em função de vários critérios. Assim, de acordo com o tipo de articulação, podem-se distinguir:
- uniões processuais
- uniões não-processuais
As primeiras ocorrem quando vários negócios se encontrem conectados para a obtenção de um fim ( p. ex: um pacto quanto à forma, um contrato - promessa e o contrato definitivo) ; as segundas, nos restantes casos. De acordo com o conteúdo surgem:
- uniões homogéneas;
- uniões heterogéneas.
Nas primeiras, os vários contratos em presença são do mesmo tipo (p. ex: várias compras e vendas); nas segundas, eles reconduzem-se a tipos diferentes ( p. ex: mútuo e compra e venda).
O modo de relacionamento entre contratos coligados permite apurar:
- uniões hierárquicas
- uniões prevalentes
- uniões paritárias
Nas uniões hierárquicas, um segundo contrato encontra-se subordinado a um primeiro, porquanto encontra neste a sua fonte de legitimidade; tal será o caso, p. ex: da agência/ subagência. Nas uniões prevalentes, um contrato especifica o objecto, o conteúdo e o regime de um certo espaço jurídico o qual irá, depois, ser retomado, por remissão pelo segundo; por ex., uma compra mercantil e a subsequente revenda. As uniões prevalentes são frequentes nas situações em que um contrato de base seja servido por vários contratos instrumentais ou, simplesmente, em que tal contrato seja concretizado por outros – p. ex., contrato - promessa e contrato definitivo. Às uniões prevalentes também se pode chamar uniões com subordinação. Nas uniões paritárias, vários contratos surgem conectados internamente, mas em pé de igualdade; p. ex., várias compras e vendas.
O tipo de articulação, por fim, permite distinguir:
- uniões horizontais ou em cadeia
- uniões verticais ou em cascata.
Na união horizontal ou em cadeia, vários contratos conectam-se na horizontal, celebrados em simultâneo ou sem que, entre eles, se estabeleçam espaços de tempo relevantes. Na união vertical ou em cascata, os contratos articulam-se na vertical, dependendo uns dos outros ou justificando-se, nessa linha, entre si, de modo a dar corpo a uma ideia de sucessão.
As diversas classificações, acima apresentadas, podem interpenetrar-se.
Temos que ter em conta alguns aspectos jurídicos em que as coligações de contratos relevam. Desde logo, no domínio da validade.
Nas uniões verticais, pode suceder que os contratos posteriores vejam a sua validade dependente da dos anteriores. E isso por uma de três vias:
- a da legalidade;
- a do vício na formação da vontade;
- a da ilicítude.
Uma coligação de contratos pode estruturar-se tal modo que a legitimidade para a celebração de um segundo contrato dependa da idoneidade de um primeiro. Por ex., a invalidade da agência determina, ipso iuri, a ilegitimidade da subagência.
Numa segunda combinação verifica-se que, em certos casos, um dos contratos é celebrado na convicção da existência válida de outro; uma falha a nível deste último abre brechas no primeiro, por vício na formação da vontade. Tal o caso radical do contrato - promessa/ contrato definitivo.
Um terceiro caso traduz ocorrências nas quais um primeiro contrato inviabilize a celebração de certos negócios. Pense-se num pacto de não concorrência.
As coligações revelam, depois no conteúdo. E por isso, por algum dos três caminhos seguintes:
- por remissão;
- por condicionamento;
- por potenciação.
Há remissão quando um contrato, de modo implícito ou explícito, apele para outro, no tocante às regras que estabeleça.
Há condicionamento nos casos em que o contrato não possa, na sua regulamentação ir além se certos limites prescritos em contrato anterior ou, muito simplesmente deva seguir vias por eles predeterminadas.
Há potenciação sempre que os contratos unidos sejam necessários para a obtenção de objectivos comuns, os quais ficarão perdidos na falha de algum deles.

·Consensualismo e formalismo

A liberdade de forma dos actos jurídicos, genericamente prevista no artigo 219º do CC, é ainda um corolário do princípio da autonomia privada: as partes podem obrigar-se livremente, pela forma que bem escolherem, salvo regra em contrário.
Dum modo geral, podemos considerar que, no Direito comercial, as exigências formais são menores. Por isso, encontramos derrogações na forma exigida para certos actos: normas comerciais específicas prescrevem, para certos actos, um formalismo menos exigente do que o requerido no direito civil. Por ex., o penhor bancário dispensa qualquer entrega – artigo 1º DL n.º 29/833.
A desformalização dos actos bancários é, como se disse, contraditada pelas necessidades de rapidez e de segurança que reinam nesse sector.
(+ página 336/337).

PRINCÍPIOS COMERCIAIS
· Os actos bancários como actos de comércio

Os princípios de direito comercial são aplicáveis aos actos bancários; apenas se exceptuará, naturalmente, a hipótese de alguma regra especial determinar outra solução.
Os actos bancários serão, pois, actos comerciais. Assim teremos:
- actos bancários objectivamente comerciais: “actos especialmente neste Código” – artigo 2º C. Com.;
- actos bancários subjectivamente comerciais: os actos praticados pelo comerciante – aqui pelo banqueiro - salvo se, por natureza, não puderem ter natureza comercial e se tiverem sido praticados no exercício da sua actividade comercial, segundo o referido artigo 2º;
O direito bancário material é o direito da profissão especializada no dinheiro. Inferimos daqui que os actos bancários são, no essencial, actos subjectivamente comerciais. Muitos deles são-no, porém, também a título objectivo. (+ página 339).

· O uso de línguas estrangeiras

A natureza comercial dos actos bancários implica as disposições gerais relativas aos contratos de comércio, contidas nos arts 96º e ss. do C. Com.
O primeiro princípio resulta do artigo 96º do C. Com e pode ser formulado como o da liberdade de língua: os títulos comerciais são válidos qualquer que seja a língua em que estejam exarados.
O artigo 365º do CC, reconhece a validade dos documentos passados no estrangeiro (exarados em língua estrangeira). Por outro lado, os actos públicos praticados em Portugal, mesmo no domínio comercial, devem sê-lo em português (139º/1 CPC). Quanto aos actos civis particulares praticados em Portugal não conhecemos nenhum preceito que obrigue ao uso do português. Dois estrangeiros que contratem em Portugal usarão a sua língua; um estrangeiro e um português recorrerão à língua em que ambos se entendam; finalmente, dois portugueses poderão querer aproveitar um texto já elaborado em língua estrangeira, nenhuma razão havendo , em última instância, para os descriminar em relação aos estrangeiros.
O uso de línguas estrangeiras vem, assim a ser permitido nos contratos comerciais. Impõe-se, contudo, algumas delimitações e restrições.
Nos contratos comerciais internacionais, os usos tendem a impor a língua inglesa. Nos contratos comerciais concluídos em Portugal, com recurso a cláusulas contratuais gerais, a língua portuguesa impõe-se.
Com efeito, segundo o art. 7º/3 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, a actual lei de defesa dos consumidores – informação ao consumidor é prestada em língua portuguesa.
De todos estes preceitos, com relevo especial para o art. 3º do Decreto-lei nº 238/86, de 17 de Agosto retiramos a regra de que, perante consumidores finais - e logo, sempre, tratando-se de cláusulas contratuais comuns – deve ser usada a língua portuguesa.
Os preceitos aqui em causa que impõem o uso do português, têm contudo, a ver coma tutela do consumidor: não com a validade dos actos. Assim, a violação do Decreto-lei nº 238/86 não é sancionada com a nulidade dos contratos prevaricadores, mas o titulo de contra-ordenação.
Havendo dados, ela pode dar azo a deveres de indemnizar por violação de normas de protecção, nos termos do art. 483º/1 , 2ª parte, do código Civil. Inferir uma nulidade por via do art. 294º do Código Civil pode redundar num dano maior para o consumidor, que se pretende proteger.
O direito bancário institucional tem, ainda, uma regra da maior importância e que contradita a aparente liberdade de uso de línguas estrangeiras. PO artigo 55º do RGIC obriga as instituições de crédito com sede no estrangeiro, quando estabeleçam sucursais no País, a usar língua portuguesa na escrituração de livros: uma regra sem paralelo no Direito comercial comum. Resulta daqui um vector geral a ter em conta: a primeira preocupação do direito bancário é a de que os diversos operadores se entendam… o que, em Portugal, obriga o uso do Português.
· As comunicações à distância

O art. 97º do Código Comercial fixava o valor da “ correspondência telegráfica”. Em síntese, era o seguinte:
- os telegramas cujos originais houvessem sido assinados pelo expedidor ou mandados expedir por quem figure como expedidor valem como documentos particulares;
- o mandato e “ toda a prestação de consentimento” transmitidos telegráficamente com a assinatura reconhecida “... são válidos e fazem prova em juízo...”
O art. 97º em causa surgiu logo no início das telecomunicações. As leis tem tardado a adaptar-se. Apenas cumpre assinalar o Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, que veio admitir o uso de telecópia na prática de actos processuais. Simplesmente veio exigir que fosse utilizado ou o serviço público de telecópia ou equipamento de advogado ou solicitar.
Na fixação das regras relativas a comunicações negociais à distância, cumpre distinguir entre a prática do acto em si e a sua prova. Um documento escrito e assinado não deixa de o ser pelo facto de ser enviado por cópia à distância. Assim, e retomando em termos actualistas, o velho art. 97º do Código Comercial, vamos entender que os documentos telecopiados, cujos originais tenham sido assinados pelo próprio, valem como documentos particulares.
Documentos autênticos ou autenticados remetidos por telecópia valem enquanto actos; a telecópia é um documento particular que atesta a sua existência, podendo ser exibidos, em juízo, os originais, para se fazer prova plena ou melhor prova.

· Solidariedade e regime conjugal de dívidas

O art. 100º estabelece a regra supletiva de solidariedade, nas obrigações comerciais. Recorde-se que no Direito comum, por via do art. 513º do Código Civil, vigora a regra inversa.
O único número do art. 100º afasta essa regra, nos contratos mistos quanto aos não-comerciantes: aí a exigibilidade terá de ser convencionada, nos termos do referido art. 513º do Código Civil.
O art. 101º estabelece uma solidariedade do fiador da obrigação mercantil, mesmo que não - comerciante. Desde logo temos uma manifestação da natureza acessória da fiança: esta será comercial quando a obrigação principal o seja. De seguida, ocorre um afastamento do benefício da excussão previsto no art. 638º/1 do Código Civil. Desenha-se, aqui, no entanto, um tipo contratual próprio da fiança comercial.
As obrigações comerciais originam um regime especial, no tocante à responsabilidade dos cônjuges. Segundo o art. 1691º /1, al. d) do Código Civil, ambos são responsáveis: “ pelas dividas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício de comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou seja vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens”.
Este preceito, ao contrário da primitiva solução do código permite evitar a comunicabilidade das dívidas comerciais através da elisão da presunção de proveito comum.

OS PRINCÍPIOS BANCÁRIOS

· Remissão

Num sentido de crescente concretização aos princípios comerciais dever-se-iam seguir os princípios bancários. Teríamos, assim:
- o princípio da simplicidade;
- o princípio da rapidez;
- o princípio da ponderação bancária;
O princípio da simplicidade dá azo a subprincípios do consensualismo e da reformalização normalizada, da informatização e da unilateralidade;
O princípio da rapidez faculta a normalização substancial, o recurso a cláusulas contratuais gerais e a desmaterialização.
O princípio da ponderação bancária origina a prevalência das realidades, a interpretação segundo o primeiro entendimento e a eficácia sancionatória.




Secção II - A CELEBRAÇÃO

A CULPA IN CONTRAHENDO EM GERAL

· Deveres bancários prévios

A culpa in contrahendo é um instituto geral do direito privado. Dada, porém, a sua concretização preferencial através de deveres de informação, ela apresenta-se, cada vez mais, como um instituto vocacionado para actuar no campo dos serviços e, dentro deste, dos serviços bancários.
Nas negociações preliminares, as partes devem respeitar os valores fundamentais da ordem, jurídica pautando-se pela boa fé.
O Código Civil Português di-lo, de modo expresso no seu art. 227º.
A culpa in contrahendo ocorre quando, na fase preparatória de um contrato, as partes – ou alguma delas – não acatem certos deveres de actuação que sobre elas impedem. E tais deveres analisam-se em três grupos:
- deveres de protecção: as partes devem abster-se atitudes que provoquem danos nos hemisférios pessoais ou patrimoniais umas das outras; quando não, há responsabilidade;
- deveres de informação: as partes devem mutuamente, presta-se todos os esclarecimentos e informações necessários À celebração de um contrato idóneo;
- deveres de lealdade: a necessidade de respeitar, o sentido das negociações preparatórias não se esgota num nível informativo; podem surgir deveres de comportamento material.
Em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo, ancorado no princípio da boa fé, recorda que a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos limites e sob as valorações próprias do Direito; em consequência, são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta dum eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma, são vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.

· A jurisprudência portuguesa

A jurisprudência portuguesa, dado a sua dimensão, tem, efectivamente concretizado a culpa in contrahendo. E fê-lo, com especial acuidade, no domínio dos deveres de lealdade pré-negociais , e no do dever, também pré-negocial , duma completa e exacta informação. Curiosa e sugestivamente, as decisões emblemáticas sobre a culpa in contrahendo giram em torno de questões comerciais. Temos assim três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- Acórdão de 5 de Fevereiro de 1981
- Acórdão de 14 de Outubro de 1986
- Acórdão de 4 de Julho de 1991
O sentido da jurisprudência acima sumariada é bastante claro; deve , no entanto, ser precisada. Em principio – e salvo a presença de normas legais aplicáveis que a tal conduzem – não há nas negociações preliminares, um dever de celebrar o contrato visualizado. Mas há, por certo, um dever de negociar honestamente.
Isso implica, desde logo:
- que a parte que não tenha a intenção de levar por diante as negociações o deva de imediato comunicar à contraparte de modo a não provocar, nela, esperanças vãs que induzam danos;
- que a parte que detenha nas negociações informações vitais para a outra parte, as deva, também de imediato comunicar à contraparte, de modo a evitar contratos distorcidos e , posteriormente dados; se não o quiser fazer basta-lhe não contratar;

· Sentido e consequências

A violação do art. 227º /1 do Código Civil dá lugar a responsabilidade obrigacional e não, apenas, aquiliana. Foram violadas obrigações legais e não, somente, o dever genérico de respeito implícito no art. 483º/1 do Código Civil.
Sendo obrigacional, presume-se a culpa, sempre que ocorra uma inobservância (objectiva ) da boa fé: dispõe neste sentido, o art. 799º /1 do Código Civil. A culpa envolve, aqui, a ilicítude e a causalidade.
Consumada a violação há um dever de indemnizar por todos os danos verificados (483º CC). Deve entender-se que, violada a boa fé in contrahendo, devem ser ressarcidos todos os danos causados. Ficam envolvidos tanto os danos emergente – incluindo todas as despesas perdidas - como os lucro cessantes.

· A codificação da culpa in contrahendo
(página 355 a 357)

A CULPA IN CONTRAHENDO NO SECTOR BANCÁRIO

· A conformação do dever de informar; outros deveres prévios

À partida, o dever de informação tenderá a abranger tudo quanto, pela natureza da situação considerada, não seja conhecido pela contraparte. Em termos descritivos, o dever de informar poderá recair:
- sobre o objecto do contrato: há que evitar que, por acção ou por omissão , a contraparte caia em erro quanto ao objecto material do contrato;
- sobre aspectos materiais conexos com esse objecto: por vezes o contrato revela não apenas pelo objectivo estrito sobre que recaí, mas ainda por determinados aspectos a ele ligados;
- sobre a problemática jurídica envolvida: os contratos em estudo assumem, por vezes implicações jurídicas conhecidas por uma das partes e, designadamente pela preponente; à que leva-las ao conhecimento do parceiro nas negociações;
- sobre perspectivas contratuais ou sobre condutas relevantes de terceiros: aquando da contratação de acordo com as circunstâncias, há que transmitir, à outra parte, dados correctos sobre o futuro do contrato e sobre condutas relevantes de terceiros;
- sobre a conduta do próprio obrigado: a pessoa adstrita à formação deve esclarecer a outra parte sobre a sua intenção de contratar e, e designadamente, sobre o seu empenho a levar a bom termo a contratação.
O dever de informar não é apenas, conformado pelos elementos objectivos acima enunciados. A Doutrina e a jurisprudência tem vindo a focar o relevo da pessoa da contraparte nessa conformação.

· Aspectos evolutivos
(página 359 a 362)

· Outros deveres bancários prévios

Além do dever de informar ocorrem ainda, in contrahendo, outros deveres tipicamente bancários. Paradigmático é o dever de sigilo. Logo no campo pré-negocial, pode suceder que as partes troquem informações na perspectiva da (hipotética) relação subsequente. Independentemente desta vir a surgir, o sigilo deve ser respeitado, nos termos legais.
Também in contrahendo e no campo bancário faz sentido referir deveres de lealdade. O banqueiro não pode agir em função de elementos colhidos nas negociações, fora do âmbito que a estas respeite. Assim sucede com a informação privilegiada, que poderá chegar ao banqueiro.


















Secção III - A ADESÃO A CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

· As cláusulas e a banca; Dogmática básica

As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de preposições pré-elaboradas que preponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar.
A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim:
- a generalidade: as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por preponentes indeterminados
- a rigidez: as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por que as subscreva ou aceite; os intervenientes não têm, no plano dos factos a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas alterações.
Não havendo generalidade, assistir-se-ia a uma simples proposta feita por alguém decidido a não aceitar contra-propostas enquanto, na falta de rigidez, se assistiria a um comum exercício de liberdade negocial.
Além das características apontadas outras há que não sendo necessárias, surgem, contudo e com frequência nas cláusulas contratuais gerais; assim:
- a desigualdade ente as partes : o utilizador das cláusulas contratuais gerais goza em regra, de larga superioridade económica e juridico-científica em relação ao aderente
- a complexidade: as cláusulas contratuais gerais alargam-se por grande número de pontos;
- a natureza formulária: as cláusulas constam com frequência, de documentos escritos extensos onde o aderente se limita a especificar escassos elementos de identificação.
As CCG devem-se à necessidade de rapidez e de normalização ligadas às modernas sociedades técnicas, sendo por isso, uma necessidade. A realização efectiva de negociações pré-contratuais em todos os contratos iria provocar um retrocesso na actividade jurídico económico em geral.

·Evolução; a necessidade de leis específicas
(página 369 a 373)

· A doutrina do consumidor e a influência europeia
(página 373 a 376)


A LEI PORTUGUESA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

· O regime aprovado pelo DL 446/85; A influência do Direito europeu do consumo

O Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, aprovou o regime das cláusulas contratuais gerais. Com a lei das cláusulas contratuais gerais em plena aplicação, surgiu a Directriz nº 93/13/CEE de 5 de Abril de 1993, “relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores”.
Os dois primeiros artigos da Directriz fixam o âmbito de aplicação e apresentam definições
O art. 3º/1 define o que seja uma “ cláusula abusiva”. A apreciação é efectuada tendo em conta as diversas circunstâncias relevantes e o conjunto das cláusulas – art. 4º. As cláusulas devem ser redigidas com clareza – art. 5º.
Segundo o art. 7º da Directriz, os Estados-membros deverão providenciar para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas.
Eles podem – art.8º - adoptar ou manter disposições mais rigorosas, para assegurar um nível de protecção mais elevado para o consumidor.
Provavelmente, nem teria sido necessário alterar o Decreto-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, para satisfazer a Directriz nº 93/13/CEE, mas assim foi feito, surgindo o Decreto –Lei nº 220/95 de 31 de Outubro.
Por indicação comunitária, foram estabelecidas regras especiais para determinados contratos bancários- art. 22º/2, al. a) e 3, al. a) e b).




A CONTRATAÇÃO POR ADESÃO A CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

· Âmbito e a inclusão nos negócios singulares

A lei das cláusulas contratuais gerais visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas – art. 1º; o art. 2º especifica que elas ficam abrangidas independentemente:
- da forma da sua comunicação ao público; tanto se abrangem os formulários como, p. ex., uma tabuleta de aviso ao público;
- da extensão que assumem ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem;
- do conteúdo que as enforme, isto é, da matéria que venham regular;
- de terem sido elaboradas pelo preponente, pelo destinatário ou por terceiros.
Algumas matérias ficariam, no entanto, necessariamente excluídas da disciplina das cláusulas contratuais gerais, seja por razões formais – art. 3º /1, alíneas a) e b) – seja em função da matéria – art. 3º /1, alíneas c), d) e e), na redacção hoje em vigor.
As alíneas a) e b) – portanto: cláusulas aprovadas pelo legislador e cláusulas resultantes de convenções internacionais – são fáceis de entender: têm a ver com a hierarquia das fontes. As alíneas c), d) e e), já têm a ver com a problemática do consumo.
A excepção do art. 3º/1, al. c) – “contratos submetidos a normas de direito público” – deve ser limitada ao preciso alcance dessas normas: um contrato que tenha aspectos públicos e privados incorrerá, nestes últimos, na LCCG.
A excepção do art. 3º/2, al. d) – “ cláusulas de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” – não tem por efeito o remover a LCCG, em absoluto, do Direito do trabalho; garante apenas que os níveis laborais colectivos não sejam limitados pelo dispositivo da LCCG.
O recurso a cláusulas contratuais gerais não deve fazer esquecer que elas questionam, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.
Assim, elas incluem-se nos diversos contratos que as utilizem – os contratos singulares – apenas na conclusão destes, mediante a sua aceitação – art. 4º da LCCG: não são, pois, efectivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não tenha havido acordo de vontades.
As CCG inserem-se, no negócio jurídico, através de mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados, como os restantes, à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental.
Mas dada a delicadeza do modo de formação em jogo, não basta a mera aceitação exigida para o Direito comum : é necessária, ainda, uma série de requisitos postos pelos artigos 5º e seguintes da LCCG.
De facto, a inclusão depende ainda:
- de uma efectiva comunicação – art. 5º
- de uma efectiva informação – art. 6º
- da inexistência de cláusulas prevalentes – art. 7º
A exigência de comunicação vem especificada no art. 5º, que referencia:
- a comunicação na íntegra – nº1;
- a comunicação adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as circunstâncias – nº2
O grau de diligência postulado por parte do aderente – e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação – é o comum – art. 5º/2, in fine: deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso.
O art. 5º/1 melhor precisado pela alteração introduzida pelo Decreto-lei nº 220/95 de 31 de Agosto, dispõe sobre o melindroso ponto do ónus da prova: ao utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais cabe provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar – art. 342º do Código Civil.
E como tal dever, ainda que legal, é especifico, o seu incumprimento envolve presunção de culpa, nos termos do art. 799º/1 de código Civil.
O dispositivo do art. 7º determina uma prevalência das cláusulas específicas sobre as gerais.
Segundo a LCCG, segue-se a pura e simples exclusão dos contratos singulares atingidos – art. 8º, al. a) e b).
As alíneas c) e d) penalizam, por seu turno, as “ cláusulas – surpresa”.
A inserção, no contrato singular, das cláusulas referenciadas no art. 8º de LCCG, põe o problema do contrato em causa.
O princípio básico, no domínio das cláusulas contratuais gerais, é o do maior aproveitamento possível dos contratos singulares: estes são, muitas vezes, de grande relevo ou mesmo vitais para os aderentes, os quais seriam prejudicados quando o legislador, querendo pôr cobro a injustiças, viesse multiplicar as nulidades. O princípio em causa aflora nos artigos 9º e 13º.

· Interpretação e integração

O art. 10º da LCCG dispõe sobre a interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais, remetendo implicitamente para os artigos 236º e seguintes do Código Civil.
Esse preceito releva a dois níveis:
- impede as próprias cláusulas contratuais gerais de engendrarem outras regras de interpretação;
- remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o contrato singular.
A primeira tendência exigiria que as cláusulas contratuais gerais fossem interpretadas em si mesmas – sobretudo quando forem completas – de modo a obter soluções idênticas para todos os contratos singulares que se venham a formar com base nelas; a segunda, pelo contrário abriria as portas a uma interpretação singular de cada contrato em si, com o seguinte resultado, paradoxal na aparência: as mesmas cláusulas contratuais gerais poderiam propiciar, conforme os casos, soluções diferentes.
O art. 10º da LCCG aponta para a segunda solução. O art. 11º da LCCG precisa a temática das cláusulas contratuais ambíguas remetendo, para o entendimento do aderente normal.

CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NULAS E PROIBIDAS

· Proibição e Nulidade

O cerne da LCCG reside na proibição de certas cláusulas. A LCCG sentiu a particular necessidade de reafirmar o principio geral da nulidade das cláusulas que contundam com a proibição – art. 12º. Mas desde logo se previu a hipótese de novos desvios. Esses desvios inserem-se no regime da nulidade (“… nos termos deste diploma”).
A nulidade de cláusulas incluídas em contratos singulares deveria acarretar a invalidade do conjunto, salvo a hipótese de redução - art. 292º do Código Civil.
Os inconvenientes para o aderente poderiam multiplicar-se, como se viu a propósito da não inclusão de certas cláusulas. Por isso se fixou o regime esquematizado que se segue – art. 13º/1 e 2 e art. 14º da LCCG:
- o aderente pode escolher entre o regime geral ( nulidade com hipótese de redução) ou a manutenção do contrato;
- quando escolha a manutenção, aplicam-se, na parte afectada pela nulidade, as regras supletivas;
- caso estas não cheguem, faz-se apelo às normas relativas à integração;
- podendo, tudo isto, ser bloqueado por exigências da boa fé, posto o que se seguirá o esquema da redução, se for, naturalmente, possível; caso contrário, terá de se perfilhar a nulidade.
Em termos gerais, os dispositivos que determinam a nulidade das CCG proibidas e que, depois, intentam a recuperação dos contratos singulares atingidos, só funcionarão perante negócios de vulto. No domínio dos negócios correntes do dia-a-dia, nenhum consumidor iria mover uma custosa e sempre incerta acção para fazer valer a nulidade de alguma cláusula.

· Sistema geral das proibições

A LCCG ficaria impraticável se não concretizasse, em moldes materiais, as cláusulas que considera proibidas.
A lei portuguesa distinguiu, para efeitos de proibições:
- as relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica – art. 17º
- as relações com consumidores finais e genericamente, todas as não abrangidas pela caracterização acima efectuada – art.20º.
Deve ainda notar que a LCCG utilizou a categoria de empresários e não comerciantes.
Na proibição das cláusulas, a lei, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto, adoptou o seguinte sistema:
- isolou as disposições comuns por natureza, aplicáveis a todas as relações;
- elencou determinadas proibições relativas às relações entre empresários ou entidades equiparadas;
- passando às relações com consumidores finais, a lei determinou a aplicação de todas as proibições já cominadas para as relações entre empresários e, além disso, prescreveu novas proibições.
Temos, assim, um princípio comum, assente na boa fé. O teor geral das proibições segue as linhas seguintes:
- nas relações entre empresários deixa-se, às partes, a maior autonomia, apenas se previndo, nesse domínio, que elas se exoneram da responsabilidade que, porventura, lhes caiba;
- nas relações com consumidores finais, houve que ir mais longe: para além da intangibilidade da responsabilidade, foram assegurados outros dispositivos de protecção.
Outro aspecto tecnicamente importante tem a ver com a estruturação das cláusulas contratuais gerais proibidas e assenta numa contraposição entre cláusulas absolutamente proibidas e cláusulas relativamente proibidas:
- as cláusulas absolutamente proibidas não podem, a qualquer título, ser incluídas em contratos através do mecanismo de adesão- art.18º e 21º de LCCG.
- as cláusulas relativamente proibidas não podem ser incluídas em tais contratos desde que, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza; tal juízo deve ser formulado pela entidade aplicadora, no caso concreto, dentro do espaço para tanto indiciado pelo preceito legal em causa – art. 19º e 22º de LCCG.
A diferenciação fica clara perante o conteúdo das normas em presença; assim:
- o art. 18º da LCCG proíbe, na alínea a), as cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas; sempre que apareça uma cláusula com o teor, ela será proibida e daí, nula:
- o art. 19º da LCCG proíbe, também na alínea a), as cláusulas que estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para a aceitação ou rejeição das propostas; apenas em concreto e perante uma realização dos valores aqui figurados, se poderá afirmar a “ excessividade de determinado prazo”.
O núcleo do diploma é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé – art. 15º; art. 16º procura precisar um pouco essa remissão. Surgem referenciados os dois aspectos, próprios da boa fé : a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

· As cláusulas proibidas

O sistema geral acima sumariado desenvolve-se, depois, em catálogos de proibições específicas. Das combinações dos diversos parâmetros resultam as quatro hipóteses básicas contempladas na lei:
- cláusulas absolutamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 18º
- cláusulas relativamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 19º
- cláusulas absolutamente proibidas nas relações com consumidores finais – art.21º
- cláusulas relativamente proibidas nas relações com consumidores finais – art.22º
Deve-se ter presente que as proibições fixadas para as relações entre empresários e equiparados se aplicam, também, nas relações com consumidores finais.
O art.18º da LCCG começa, nas suas alíneas a), b) e d) por proibir as chamadas cláusulas de exclusão ou da limitação da responsabilidade.
A alínea e) visa evitar que se procure conseguir, por via interpretativa, aquilo que o utilizador não pode directamente alcançar, com os seus esquemas.
As alíneas f), g), h) e i) têm a ver com os institutos de excepção do não cumprimento do contrato (art. 428º), da resolução por incumprimento (art.432º), do direito de retenção (art. 754º) e das faculdades de compensação ( art. 847º) e da consignação em depósito (art. 841º e ss), todos do Código Civil.
A alínea j) visa evitar obrigações perpétuas ou – o que seria ainda pior – obrigações cuja duração ficasse apenas dependente de quem recorra às cláusulas contratuais gerais.
A alínea l) pretende prevenir que, a coberto de esquemas de transmissão do contrato, se venha a limitar, de facto, a responsabilidade.
O art. 19º da LCCG reporta-se a proibições relativas no quadro das relações entre empresários.
As alíneas a) e b) têm a ver com prazos dos contratos. No decurso desses prazos, uma das partes fica submetida à vontade da outra.
A alínea c) proíbe cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
A rapidez do tráfego de massas justifica que , por vezes, se dispensem formais declarações de vontades, substituindo-as por outros indícios . Os comportamentos concludentes têm aqui particular relevo: caso a caso será necessário indagar dessa suficiência: tal o sentido da alínea d).
A garantia das qualidades da coisa cedida ou de serviços prestados pode ser posta na dependência do recurso a terceiros: caso a caso, nos termos da alínea e) haverá que o demonstrar.
A alínea f) trata da denúncia, isto é, da faculdade de, unilateralmente e sem necessidade de justificação, se pôr termo a uma situação duradoura.
O estabelecimento de um tribunal competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, em razão da distância ou da língua, por exemplo, deve ser justificado por equivalentes interesses da outra parte. Quando isso não suceda, a competente cláusula é nula, nos termos da alínea g).
As limitações das alíneas h) e i) têm a ver com a concessão de poderes excessivos e exorbitantes a uma das partes.
Nas relações com consumidores finais aplicam-se as proibições acima referidas e, ainda as constantes dos art. 21º e 22º , com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto.
As proibições absolutas inseridas nas alíneas a), b), c) e d) do art.21º, visam assegurar que os bens ou os serviços pretendidos pelo consumidor final, sejam , de facto os que ele vá alcançar. Por seu turno, as alíneas e), f), g) e h) pretendem garantir a manutenção eficaz duma tutela adequada, prevenindo a possibilidade de recurso a vias oblíquas para defraudar a lei.
As proibições relativas do art. 22º/1 acentuam também esta mesma via.

· O problema dos contratos pré-formulados

O contrato pré-formulado é aquele que uma das partes proponha à outra, sem admitir contrapropostas ou negociações. Aproxima-se das cláusulas contratuais gerais pela rigidez; distingue-se delas pela falta de generalidade.
Quando apresentado a um consumidor, o contrato pré-formulado coloca problemas semelhantes aos das cláusulas contratuais gerais. Por isso, o art. 9º/3 da LDC mandava aplicar a esse tipo de contratos o regime das cláusulas contratuais gerais, através duma ponderação feita nos termos do seu nº 2.
Verifica-se que o tema dos contratos pré-formulados veio a ser encarado, pela Directriz nº 93/13 de 5 de Abril.

Secção IV – O ACTO NUCLEAR : A ABERTURA DE CONTA

ABERTURA DE CONTA : ELEMENTOS E NATUREZA

· Generalidades

A abertura de conta é um contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Trata-se do contrato que marca o início de uma relação bancária complexa e duradoura.
A abertura de conta não deve ser tomada como um simples contrato bancário, a ordenar entre diversos outros contratos dessa natureza: ela opera como um acto nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos diversos actos bancários subsequentes.
A abertura de conta não dispõe de qualquer regime legal explícito. Ela assenta, no essencial, nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários.
A abertura de conta é um negócio jurídico complexo e corresponde a um negócio tipicamente bancário.

· Conteúdo necessário

Antes de quaisquer considerações tendentes a definir a relação bancária complexa ou a qualificá-la, impõe-se verificar qual o seu conteúdo, isto é: qual o regime que, dela, deriva para as partes.
A análise subsequente assenta nas cláusulas contratuais gerais.
À partida, existem “condições” distintas – embora não muito diferentes- consoante o cliente seja uma pessoa singular – ou um “particular”, na linguagem bancária – ou uma pessoa colectiva – por vezes dita “empresa”.
As “ condições gerais” definem-se como aplicáveis à abertura , à movimentação, à manutenção e ao encerramento de contas de depósito junto do banco. Elas admitem estipulações em contrário, acordadas por escrito, entre as partes. E no omisso, elas remetem para os usos bancários e para a legislação bancária.
O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, com assinatura e pela aposição da mesma assinatura, num local bem demarcado.
As cláusulas contratuais gerais regulam o envio de correspondência : para o local indicado pelo cliente, considerando-se recebida com o seu envio.
O banqueiro pode alterar as cláusulas contratuais gerais, remetendo as alterações ao cliente. Não havendo oposição deste, dentro de determinado prazo, a alteração tem-se por aceite.
A abertura de conta prevê um quadro para a constituição de depósitos bancários que o banqueiro se obriga, desde logo, a receber. Além disso, ela regula dois aspectos da maior importância prática :
- a conta-corrente bancária : quanto à conta-corrente, ficam assentes os termos em que a conta, em termos de crédito e de débito é movimentada
- o giro bancário : ela prevê regras sobre os seus movimentos, incluindo as taxas de juros, comissões e despesas que o banqueiro poderá debitar e sobre os extractos.

Implicitamente, temos aqui uma assunção , pelo banqueiro , de todo o serviço de caixa, relacionado com a conta aberta. De notar que, nalgumas cláusulas contratuais gerais , a própria celebração do contrato de abertura de conta depende de um depósito inicial, enquanto noutras , isso não sucede.

· Conteúdo eventual

As cláusulas contratuais gerais atinentes à abertura de conta podem prever, ainda três negócios subsequentes :
- a convenção de cheque : esta fica na disponibilidade do banqueiro: todas as “condições” reservam, a este, o direito de não emitir cheques. De todo o modo, os aspectos essenciais relativos à convenção de cheque constam, logo das cláusulas relativas à abertura de conta.
- a emissão de cartões : de débito, de crédito ou outras fica dependente de um acordo ulterior, com a intervenção de novas cláusulas contratuais gerais.
- a concessão de crédito por descobertos em conta : pela admissão dum saldo favorável ao banqueiro e não ao cliente depende duma decisão a tomar pelo banqueiro, na altura devida.

As cláusulas contratuais gerais regulam diversas modalidades de depósito. Por vezes, reconhecem ao banqueiro o direito de compensar, com o saldo favorável ao cliente, quaisquer outros créditos que sobre ela detenha, isto é : de “debitar tais créditos na conta”.

· Terminologia e natureza

A abertura de conta tem surgido com diversas denominações que escondem, por vezes, flutuações dogmáticas.
Entre nós já se falou, para a designar, de “contrato de depósito” e de “ conta-corrente bancária”. Todavia, esses termos têm sentidos conceituais próprios, que se não confundem com a abertura de conta. Aparece “conta bancária”, preferível a “conta de depósito” : pode não haver qualquer depósito e funcionar uma abertura de conta na base, apenas do crédito.
Pela nossa parte, ficamos por “contrato de abertura de conta”, usado pelas cláusulas contratuais gerais dos nossos bancos.
A abertura de conta tem características difíceis de reduzir. Ela surge como contrato normativo, uma vez que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa. Tem, pois, traços do que acima chamámos contratação mitigada. Embora o banqueiro não fique obrigado a celebrar contratos ulteriores, ele compromete-se a ficar disponível para examinar quaisquer propostas que lhe venham a ser formuladas, respondendo, em termos de razoabilidade, às questões que lhe sejam postas.
A abertura de conta deve ser tomada como um negócio materialmente bancário, por excelência. É um contrato a se : próprio, com características irredutíveis e uma função autónoma. Sem prejuízo por esse factor, ela articular-se como negócio misto, com elementos da conta-corrente e de outros negócios, típicos (p. Ex., a convenção de cheque ) ou atípicos (p. Ex., giro bancário).
Quanto à sua essência última : é a de uma prestação de serviço. Em última instância, ela deverá ser colmatada, com recurso ao regime do mandato, nos termos do art. 1156º do Código Civil.

A CONTA-CORRENTE BANCÁRIA

· Generalidades

Na abertura de conta inclui-se, como elemento necessário, um conjunto de regras atinentes a uma conta-corrente : a conta-corrente bancária.
O Direito comercial conhece e regula um contrato comum de conta-corrente. Fica ressalvado que a conta-corrente bancária não tem autonomia e que, provavelmente, ela terá antecedido a própria conta-corrente comum.

· A conta-corrente comercial ; origens e evolução

A conta-corrente comercial (ou comum, por oposição à bancária) surge como um negócio típico i nominado.
Trata-se de um contrato concluído em torno de uma técnica contabilística com raízes na mais alta Antiguidade.
No séc. XX, acabaria por se passar de simples conta-corrente contabilística ao contrato de conta-corrente, propriamente dito.
Na autonomização do contrato de conta-corrente formaram-se, no séc. XIX, duas grandes tradições :
1) a francesa : a doutrina chama a atenção para três dos seus elementos e sucessivamente : as entregas recíprocas, o efeito novatório e a compensação mútua. Partindo de entregas mútuas de bens ou de valores, as partes abdicariam da individualidade de cada uma delas, novando as respectivas obrigações em vínculos obrigacionais de sinal contrário ; no final, através de compensações, apurar-se-ia o saldo : apenas este seria devido.
2) a alemã: esta tradição vê na conta-corrente, uma simples posição de crédito ou de débito, consoante a parte que detenha um saldo positivo.

A orientação italiana surgiria como um misto das duas anteriores.
O Código de Comércio italiano de 1882 influenciou o nosso Código Veiga Beirão quanto ao contrato de conta-corrente, no art. 344º

· Dogmática actual

De acordo com o sistema de Canaris , podemos ajustar três funções para a conta-corrente:
- uma função de simplificação e de unificação;
- uma função de segurança;
- uma função de crédito.

O contrato de conta-corrente implica, antes de mais, uma obrigação assumida pelas partes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabílistica duma conta-corrente. Resulta daí, uma simplificação e uma normalização no modo de apresentar um conjunto complexo de operações.
A conta-corrente tem, de seguida, a virtualidade de consignar determinados valores à satisfação de certos débitos. Em termos práticos, resulta daqui que o credor de parcelas incluídas em conta-corrente, pelo maquinismo da compensação , vai ser preferencialmente satisfeito pelo desaparecimento dos seus próprios débitos para com o devedor : em relação a elas, não há concurso de credores.
Finalmente, a conta-corrente tem, ínsita, uma função de crédito : consoante o sentido do saldo e, até ao encerramento da conta, as partes poderão ficar, reciprocamente, na situação de credor e de devedor.

· O regime de Veiga Beirão

Vigora entre nós, o dispositivo inserido no Código Comercial de 1888. Se atendermos na definição do art. 344º, veremos que o objectivo aí apontado à conta-corrente é o de só permitir a exigibilidade do saldo : “ ... de sorte que só o saldo final da sua liquidação seja exigível”. Trata-se de um aspecto que prevalece sobre o iter : “...obrigam a transformar os seus créditos...”.
O objecto da conta-corrente é muito lato : “todas as negociações entre pessoas domiciliadas ou não na mesma praça...” e “... quaisquer valores transmissíveis em propriedade...”, segundo o art. 345º. Ou seja : a conta-corrente pode recair sobre operações patrimoniais e sucessivas, em dinheiro ou em outros bens.
Os efeitos vêm enumerados no art. 346º. Assim:
1º A transferência de propriedade do crédito indicado em conta-corrente para a pessoa que por ele se debita: em rigor, a titularidade aí visualizada foi proporcionada pelo acto subjacente à remessa e não pela conta-corrente em si, que apenas a exprime;

2º A novação entre o creditado e o debitado da obrigação anterior, de que resultou o crédito em conta-corrente : a novação permitiria explicar a conversão em dinheiro – ou noutra realidade homogénea equivalente – dos bens levados à conta-corrente : de outra forma, não haveria compensação possível : porém, essa conversão terá de resultar do negócio subjacente à conta e não da própria conta em si.

3º A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta-corrente : trata-se do efeito fundamental da conta-corrente : no encerramento ou fecho, extinguem-se, até ao ponto em que se sobreponham, os créditos e os débitos recíprocos, ficando apenas o saldo.

4º A exigibilidade só do saldo resultante da conta-corrente : trata-se duma decorrência da compensação : tudo o mais se extinguiu.

5º O vencimento de juros das quantias creditadas em conta-corrente a cargo do debitado desde o dia do efectivo recebimento : estamos no domínio comercial ; este preceito opera como uma concretização da regra geral do art. 102º do Código Comercial.

Nos termos do parágrafo único do art. 346º do Código Comercial, o lançamento em conta-corrente de mercadorias ou títulos de crédito presume-se sempre feito com a cláusula “salva cobrança”.
A conta-corrente não visa só por si modificar as relações jurídicas – “...remuneração...” e “...reembolso das despesas das negociações...” nas palavras do art. 397º do Código Comercial. há que respeitá-las, como resulta desse mesmo preceito. A conta-corrente é uma forma de extinção de obrigações sucessivas, por compensação : não faculta por si, outras extinções ou beneficiações.
Cumpre depois distinguir:
1º ) o encerramento ou fecho: é o facto e o efeito de actuar a compensação por ela prevista, com vencimento do saldo. Desaparecem assim, os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua concorrência, sobejando um saldo, que se torna exigível. Nos termos do disposto no art. 350º do Código Comercial, antes do encerramento, nenhum dos correntistas é considerado como credor ou devedor do outro; com o encerramento fixam-se as relações entre as partes e determina-se, sendo esse o caso, as pessoas do credor e do devedor.
Segundo o art. 348º do Código Comercial, o encerramento e subsequente liquidação da conta operam no termo fixado pelas partes ou, supletivamente, no fim do ano civil. O legislador não dispôs para a hipótese de, expirado o prazo, as partes prosseguissem na relacionoação da conta-corrente, sem procederem à liquidação e pagamento do saldo.
A conta prossegue até ao termo do (próximo ) ano civil, funcionando o saldo anterior como o primeiro movimento do novo ciclo.

2º) o termo do contrato: põe cobro ao próprio relacionamento em termos de conta-corrente. Ela acarreta necessariamente o fecho da conta, com aplicação dos arts 348º e 350º do Código Comercial ; além disso, ele impede a retoma de um novo ciclo, salvo celebração, expressa ou tácita, de novo contrato.
O termo do contrato ocorre – art. 349º do Código Comercial – no prazo estipulado pelas próprias partes ou por morte ou interdição de alguma delas : trata-se , como se vê, de um contrato intuitu personae. Na hipótese de nada se ter estipulado, qualquer das partes pode pôr-lhe fim, no que surge como concretização da regra do art. 777º/1 do Código Civil. Mas com dois limites:
- havendo prazo estipulado para o encerramento da conta, nenhuma parte pode pôr cobro ao contrato em termos que contundam com o acordado;
- o termo imediato que apanhe a outra parte desprevenida em termos de a prejudicar, atentando contra a sua confiança legítima, é contrário à boa fé; seria então de exigir um pré-aviso minimamente razoável.

· Conta-corrente bancária

A conta-corrente bancária é uma espécie da conta-corrente comum que se integra, com outros elementos, num contrato de abertura de conta.
Vamos distinguir claramente das seguintes situações:
- abertura de conta: é um contrato nuclear do Direito bancário; dá azo à relação bancária duradoura e complexa e integra diversos elementos , eventuais – como o depósito bancário – ou necessários, como a conta-corrente;
- conta-corrente : trata-se de regras próprias do contrato de conta-corrente, celebrado com o banqueiro, e com determinadas especificidades, abaixo examinadas e que se integra no contrato mais vasto de abertura de conta;
- depósito bancário : é um depósito especial, celebrado com um banqueiro e sujeito a regras próprias e que, em geral, se inclui na execução de um contrato de abertura de conta.

Ficamos com a noção estrita de conta-corrente bancária: é uma conta-corrente no sentido do art. 344º do Código Comercial, mas celebrada entre o banqueiro e o seu cliente e incluída num negócio mais vasto : a abertura de conta.
Como especificidades, notaremos as seguintes:
- ela reporta-se, apenas , a movimentos em dinheiro;
- ela inclui-se num negócio mais vasto – a abertura de conta;
- ela postula uma emissão contínua de saldos : estes surgem sempre que alguma remessa seja levada à conta;
- salvo convenção em contrário, o banqueiro nunca surge como credor: o saldo deve ser favorável ao cliente ou, no máximo, igual a zero;
- o cliente pode, assim, dispor, permanentemente do seu saldo;
- ela pressupõe um dever a cargo do banqueiro, de a organizar e apresentar;
- ela dá lugar a extractos, a emitir pelo banqueiro e cuja aprovação pelo cliente, em regra tácita, consolida os movimentos dele constantes.

O GIRO BANCÁRIO

· Noção geral e integração na abertura de conta

Giro bancário: é o conjunto das operações escriturais de transferência de fundos , realizados por um banqueiro, a pedido do seu cliente ou a favor dele.
O giro bancário deriva de um contrato de abertura de conta, cujo conteúdo integra, como elemento necessário.

· Operações incluídas e sistemas de pagamentos

O contrato de giro bancário pressupõe a prévia celebração de uma abertura de conta, com a inerente conta-corrente bancária. A partir daí, ele faculta, ou pode facultar, as operações seguintes:
- transferências bancárias simples: são deslocações de fundos de uma conta bancária para uma conta diferente.
- transferência internacionais: quando a deslocação de fundos se faça para um banco no estrangeiro, a transferência é internacional
- pagamentos por conta bancária: é uma transferência expressamente destinada a solver uma divida (ex.: pagamento da renda da casa)
- cobranças por conta bancária: na cobrança, o movimento é inverso : o banco recebe em conta bancária e vindos de outra conta, fundos destinados a satisfazer um crédito do seu cliente (ex. facturas relativas ao fornecimento de electricidade, água ou gás)
- outras operações de transferência de fundos

O giro bancário assenta em suportes técnicos consideráveis capazes de canalizar e operar um número crescente de operações. No conjunto fala-se, a seu propósito, em sistemas de pagamento.

· Construção e regime jurídicos

O cliente do banqueiro, ao abrir a conta, tem acesso imediato a diversos produtos e, designadamente, às múltiplas transferências e recepções de fundos, por via escritural.
Há, pois, uma “convenção de giro”, implícita na abertura de conta, pela qual o banqueiro põe à disposição dos seus clientes, esses produtos, mediante as competentes retribuições.
As cláusulas contratuais gerais portuguesas, na parte relativa à abertura de conta, são pouco explícitas. Referem, de todo o modo e em termos latos, a ocorrência de débitos d e de créditos, nas contas : aflora aí, pelo menos, a ideia duma convenção tácita de giro.
Os actos concretos de transferência de fundos não estão sujeitos a qualquer forma específica.
As ordens concretas de transferência são actos de execução do contrato de giro bancário.
O banqueiro não deve recusar a ordem de transferência que o cliente lhe transmita, salvo justa causa : proibição administrativa ou prudencial, dúvidas quanto à operação ou à sua legalidade ou dificuldades técnicas.

Pergunta-se depois quando e onde se efectiva uma determinada transferência - Os usos bancários e a própria interacção dos princípios gerais levam a concluir que uma transferência se tem por efectuada no local de destino dos fundos e no momento em que eles fiquem, efectivamente, na disponibilidade do beneficiário. Consequência prática é a de que a ordem de transferência pode ser revogada, antes de produzir esses efeitos ; o mandante, porém, terá de pagar ao banqueiro as despesas ocasionadas. A prática leva ainda a que o banqueiro, logo que receba a ordem, retire os fundos visados da disponibilidade do mandante; há assim, um período durante o qual os fundos já não pertencem ao mandante, mas ainda não ingressaram na disponibilidade do beneficiário.

A quem pertencem os rendimentos processados nesse período ? os usos atribuem-nos ao banqueiro.

As cláusulas contratuais gerais dos bancos procuram, por vezes, isentar o banqueiro de responsabilidades. Cumpre distinguir:
- na hipótese de haver um erro puro e simples do sistema de transmissões alheio ao banqueiro, este não é responsável. A não se demonstrar outra fonte de imputação, o risco será do utente.
- Havendo erro do banqueiro e responsabilidade já será dele.

As ordens bancárias são unilaterais, quando a débito do mandante. Alguém pode ser surpreendido com um crédito em conta inesperado e cuja origem desconheça. Pelas regras civis, poderá rejeitá-lo, dando-lhe outro destino ou pedindo ao banqueiro que o devolva.
A doutrina reconhece, no contrato de giro bancário, uma variedade de mandato sem representação. Efectivamente, o banqueiro adstringe-se a praticar determinados actos jurídicos, por conta do seu cliente.

· Transferências transfronteiriças ; o Decreto –lei nº 41/2000 de 17 de Maio

A matéria das transferências bancárias veio suscitar diversos problemas. Assim surgiu a Directriz nº 97/5/CE do parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de janeiro, relativa às transferências transfronteiras.
Entre nós , a Directriz nº 97/5/CE foi transposta pelo Decreto – Lei nº 41/2000 de 17 de Março.
Segundo o regime adoptado por esse decreto-lei, são visadas as transferências em euros, no espaço económico europeu, de valor inferior a 50 000 euros. Cominam-se deveres de informação a cargo do banqueiro – art.3º e 4º - e regras sobre indemnizações – arts 6º e seguintes. Elas permitem inferir que o risco da operação corre, em geral, contra o banqueiro. De todo o modo, a responsabilidade é excluída em caso de força maior – art. 14º.

CELEBRAÇÃO DA ABERTURA DE CONTA E MODALIDADES

· Formalidades

A abertura de conta é um contrato de fácil celebração. Não obstante, ele postula algumas formalidades. Assim, por via da legislação destinada a combater o branqueamento de capitais, o banqueiro é obrigado a identificar devidamente o seu cliente, através do bilhete de identidade ou equivalente, aquando da abertura : art. 3º do D.L nº 313/93 de 15 de Setembro e art. 3º do D.L. nº 325/95 de 2 de Dezembro . è ainda necessário a apresentação do cartão contendo o número fiscal : o “cartão de contribuinte”.
Tratando-se de pessoas colectivas, essas mesmas operações são devidamente adaptadas : escritura de constituição ou exemplar do DR onde tenha sido publicada ; alterações a esse contrato ; nomeação de administradores, por fotocópia notarial da acta, quando não resultem do contrato ; Fotocópia do cartão de pessoa colectiva; procurações quando existam ; fotocópias do bilhete de identidade.

· O Aviso nº 11/2005 do Banco de Portugal

O aviso nº 11/2005 de 21 de julho do BP veio, segundo o sumário oficial regular “as condições gerais de abertura de contas de depósito bancário”.
O Aviso nº 11/2005 ordena-se em três capítulos, dos quais um subdividido em secções. Nos termos seguintes:
Capítulo I – Disposições gerais ( 1º a 3º)
Capítulo II – Procedimentos de identificação :
Secção I – Princípios gerais ( 4º a 8º);
Secção II – Abertura presencial de contas de depósito (9º e 10º);
Secção III – Abertura não presencial de contas de depósito (11º e 12º)
Capítulo III – Disposições finais (13º a 17º)

Como disposições gerais temos as regras seguintes:
- o aviso dirige-se aos bancos, às caixas económicas, à Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e às caixas de crédito agrícola mútuo ( art. 1º);
- as instituições de crédito devem actuar com “elevado grau de cuidado”, na identificação das pessoas e na verificação dos poderes de representação (art. 2º);
- previamente., elas devem disponibilizar as “condições gerais” que irão reger o contrato a celebrar, em papel ou outro suporte duradouro eficaz (art. 3º/1), cabendo-lhes fazer prova do cumprimento deste dever (art. 3º/2).

Os procedimentos de identificação devem assentar em documentos comprovativos idóneos (art. 4º), deles sendo extraídas e conservadas cópias legíveis (art. 5º ). O empregado bancário deve exarar, no processo, a data e a sua própria identificação (art. 6º). As entidades do sector financeiro têm um regime mais aligeirado ( art. 7º). Enquanto não estiverem reunidos os requisitos necessários para a abertura de conta, não pode haver movimentos ( art. 8º).

O Aviso nº 11/2005 distingue:
- a abertura presencial de “conta de depósito”: são fixados os elementos de identificação ( art. 9º) e os meios de comprovação (art. 10º)
- a abertura não presencial de “ conta de depósito”: especifica-se a forma de comprovar os elementos exigidos ( art. 12º).

No domínio das disposições finais, surgem vários preceitos. Assim:
- a exigência da comprovação do número fiscal (art. 13º);
- a proibição de celebrar convenção de cheque na falta, quando exigível, do número de pessoa colectiva ( art. 14º);
- o dever de actualizar os registos e os ficheiros, a cargo das instituições de crédito ( art.15º/1 a 3), acrescentando o art. 15º/4 o dever, dessas mesmas instituições de “...prever expressamente, nas condições gerais que regem os contratos de depósito, a obrigação de os seus clientes lhes comunicarem quaisquer alterações verificadas nos elementos de identificação previstos no art. 9º do presente aviso”.

As dúvidas que surjam podem ser dirigidas ao Departamento de Sistemas de Pagamento do Banco de Portugal (art. 16º).

· Modalidades

Desde logo, temos contas de pessoas singulares e de pessoas colectivas. Perante sociedades em formação, associações não reconhecidas, sociedades civis, comissões, condomínios ou similares, surge-nos, na prática bancária, a figura da “entidade equiparada a pessoa colectiva” : as contas são abertas com referência a essa situação ; exige-se então, que fique bem expresso quais as pessoas autorizadas a movimentar a conta e como se procederá à sua substituição.
Há ainda que observar as competentes regras de representação, na hipótese de contas de menores ou de interditos. Os próprios menores podem, de resto, abrir conta.
As contas dos cônjuges gozam, ainda do regime especial do art. 1680º do Código Civil.
Quanto à titularidade , a conta pode ser individual ou colectiva, consoante seja aberta em nome de uma única ou de várias pessoas: neste último caso pode falar-se em contitularidade da conta. Na referida hipótese, a conta pode ser, ainda solidária, conjunta ou mista, nos seguintes termos:
- conta solidária :qualquer dos titulares pode movimentar sozinho livremente a conta; o banqueiro exonera-se , no limite, entregando a totalidade do depósito a um único dos titulares;
- conta conjunta : só pode ser movimentada por todos os seus titulares em simultâneo;
- conta mista : alguns dos titulares só podem movimentar a conta em conjunto com outros.
Perante uma conta – solidária, pode ter sido estipulado entre os titulares qual a quota-parte ideal que a cada um compita. Nada se dizendo ou sabendo sobre o tema, funciona a presunção do art. 516º do Código Civil: presume-se que todos os titulares têm idênticas percentagens sobre o saldo.
Questão suplementar põe-se quanto a entregas fiduciárias para a conta bancária alheia : uma pessoa entrega a outra uma quantia em dinheiro para depósito na conta da segunda e com o encargo de a restituir quando solicitado. Pois bem : feito o depósito, a propriedade do dinheiro transfere-se para o banqueiro, tendo o titular da conta um mero crédito ao saldo. Esse crédito é fiduciário : postula um acordo entre o titular da conta e o “dono” dos fundos, pelo qual este receberá o saldo em causa. O acordo fiduciário não é, em princípio, oponível ao banqueiro, dada a regra da relatividade dos contratos.

REGIME DA ABERTURA DE CONTA

· Um contrato misto socialmente típico

Como foi visto, a abertura de conta traduz um contrato a se, misto, socialmente típico e com uma função nuclearmente bancária.
Descendo mais profundamente nos elementos que condicionam o seu regime, temos:
- preceitos legais injuntivos: estão, nesse caso, as regras que impõem a identificação pessoal e fiscal dos beneficiários;
- cláusulas contratuais gerais, eventualmente expurgadas de cláusulas proibidas, por força da LCCG;
- disposições legais supletivas.

As disposições legais supletivas exigem que se determine a composição típica da abertura de conta. Ela envolve:
- elementos da conta-corrente comercial (art. 14º e seguintes do Código Comercial);
- elementos do giro bancário ( Decreto- Lei nº 41/2000 de 17 de Março e outros elementos);
- eventualmente, elementos do depósito ( art. 1185º e seguintes do Código Civil) , da convenção de cheque ( art. 3º da Lei Uniforme do Cheque e outra legislação) e do cartão bancário;
- elementos de prestação de serviços, aplicando-se-lhes o mandato (art. 1157º e seguintes do Código Civil).

· Direito à conta ?

Na actualidade, quase todos os cidadãos economicamente activos têm uma ou mais contas bancárias. Entendemos contudo, que ninguém é obrigado a abrir uma conta bancária.
Questão diversa e bastante curiosa é a de saber se o banqueiro é obrigado a abrir conta a qualquer pessoa que se lhe dirija.
Em Portugal, não conhecemos nenhuma regra que obrigue o banqueiro a contratar. Este poderá recusar a abertura de quaisquer contas. Como limite, apenas teremos as regras da concorrência e mais precisamente o disposto no art. 4º do D.L. nº 370/93 de 29 de Outubro, que proíbe determinadas práticas individuais restritivas do comércio.
O nº3 do mesmo artigo alinha causas justificativas para a recusa, em termos bastante latos. O banqueiro que pretenda recusar uma abertura de conta terá, pois, de invocar e provar uma dessa causas e, designadamente, a da alínea g).
De todo o modo, o legislador decidiu intervir : aprovou o D.L. nº 27-C/2000 de 10 de Março, relativo a “serviços mínimos bancários”. Este diploma veio prever que as instituições de crédito que se mostrassem interessadas pudessem celebrar com o BP e com o “membro do Governo responsável pela área de defesa do consumidor” um protocolo pelo qual elas aceitariam celebrar contratos de abertura de conta, com determinadas pessoas singulares.
Essa conta permitiria apenas serviços mínimos : depósito à ordem, cartão de débito e serviço de caixa. O interessado não deverá ter qualquer outra conta bancária e o banqueiro só poderá cobrar custos muito limitados – art. 3º/1 do D.L. nº 27-C/2000.

· Cessação e bloqueio

A cessação de uma conta bancária provoca o termo dos diversos negócios dela dependentes. Encerrada a conta, caducam as convenções de cheque, os contratos de depósito, os acordos relativos a cartões e os outros acordos acessórios.
As cláusulas contratuais gerais dos bancos atribuem, ao banqueiro, o direito de cancelar livremente as “contas à ordem”.
O cancelamento por iniciativa do banqueiro, depende dum pré-aviso, feito com 8, 15 ou 30 dias de antecedência, consoante os bancos.
Tecnicamente temos, aqui, uma hipótese de denúncia com pré-aviso, e portanto : de cessação unilateral, discriminatória e não retroactiva.
O cliente pode a todo o tempo denunciar a conta, por aplicação directa ou analógica dos artigos 349º do Código Comercial e 777º/1 do Código Civil.
Para além da denúncia, a conta pode cessar por acordo das partes ( revogação ou distrate).
A conta bancária pode ainda ser bloqueada – o bloqueio é decidido pelo banqueiro, podendo advir de múltiplas razões : a pedido do próprio cliente, por ordem do tribunal ou por morte do cliente.

Secção V – A COMPENSAÇÃO NO DIREITO BANCÁRIO

COMPENSAÇÃO BANCÁRIA EM GERAL

· Generalidades

A compensação é um instituto geral, previsto no art. 847º/1 do Código Civil. Quando duas pessoas sejam, reciprocamente, credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação, através da compensação com a obrigação do seu credor, verificados que sejam certos requisitos, depois referenciados. O crédito da pessoa que invoca a compensação é o crédito compensatório ou activo ; o da pessoa contra a qual ele é invocado é o compensado ou passivo.

· Compensação convencional

O primeiro problema é constituído pela aplicabilidade, no campo bancário, da compensação convencional.
O banqueiro pode, livremente, ajustar com o seu cliente a realização de operações de compensação fora de quaisquer requisitos legais : com ressalva, todavia, das regras imperativas que, porventura, possam ocorrer.
Esse tipo de convenção pode ser implícito : resulta, muitas vezes, de regras de funcionamento da conta – corrente, resultantes de cláusulas contratuais gerais.
A lei das cláusulas contratuais gerais – art. 18º, alínea h) – impede o afastamento da compensação (legal). Ela não veda a sua facilitação.

· A compensação em conta – corrente

Independentemente de compensações convencionais, cumpre ter em conta a compensação em conta – corrente.
Um dos elementos básicos da conta-corrente é, precisamente, o fluxo contínuo de compensações anómalas que permite, em cada momento, disponibilizar um saldo. O próprio Código Comercial, no seu art. 346º, 3º refere a compensação como um dos efeitos da conta – corrente comum. Tal compensação é generalizada, na conta – corrente bancária, não tendo de aguardar pelo fecho. Tem um regime diferenciado, como vimos : mas não deixa de ser compensação.

A COMPENSAÇÃO NOS DIVERSOS TIPOS DE CONTAS BANCÁRIAS

· Contas diferentes do mesmo titular

O primeiro problema põe-se perante a existência, junto de um mesmo banqueiro e de um mesmo titular, de contas diferentes. Pode haver compensações entre elas?
De acordo com as regras próprias da abertura de conta, o cliente do banqueiro pode dispôr, em permanência, do saldo. Assim sendo, ela estará sempre em condições de efectuar as compensações que entender, desde que dê as ordens correspondentes à declaração de compensação.
O banqueiro só poderá operar as compensações próprias da conta – corrente desde que efectue movimentos de uma conta para a outra. Saber se o pode fazer é questão de interpretação do contrato de abertura de conta. Se este nada disser, somos levados a pensar que o banqueiro não pode empreender a miscegenação de contas bancárias : uma vez que aceitou aberturas separadas, tem que respeitar essa separação.
O expendido significa que, na falta de outra convenção, o banqueiro não pode operar movimentos entre contas , de modo a fazer funcionar a “compensação” automática própria da conta – corrente.
Mas esse tipo de compensação anómala não se confunde com a compensação civil regulada nos artigos 847º e seguintes do Código Civil. Esta compensação funciona sempre, dependendo dos seus requisitos. Uma abertura de conta, só por si, não envolve qualquer renúncia à compensação comum. Tal renúncia sempre seria de resto, nula, por via do art. 18º, al.h) da LCCG.

· Débitos avulsos do titular de conta

As considerações acima expendidas podem ser transpostas para a hipótese de compensação entre o saldo do cliente ( débito do banqueiro) e um crédito avulso do banqueiro sobre o mesmo cliente, isto é, um crédito que não se inserisse, ab initio , numa conta –corrente bancária.
Por exemplo : o cliente parte uma cadeira numa agência bancária : pode o banqueiro compensar o valor do crédito da indemnização com o saldo que deva ao cliente?
Reunidas as condições da compensação (civil) nada o impede. A ideia de que o depósito envolveria o afastamento da compensação – e que ainda surgia no art. 767º/4 do Código de Seabra – não se aplica ao “depósito” irregular pressuposto pela abertura de conta.
Queda agora, interpretar o contrato de abertura de conta, para saber se o banqueiro pode, pura e simplesmente, debitar na conta – corrente o crédito que quer compensar ou se deve, primeiro ( ou em simultâneo) proceder à declaração do art. 848º do Código Civil.
No silêncio do contrato, optamos por esta última hipótese.

· Depósitos com regimes diferenciados ; depósito a prazo

O problema seguinte coloca-se perante depósitos em regime diferenciado : poderá o banqueiro compensar débitos de depósitos sujeitos a regimes diferenciados com créditos que detenha sobre clientes seus?
Em tese, a solução é a seguinte : quando se esteja em face de um depósito sujeito a um regime diferenciado, faltará, em regra, o requisito de homogeneidade previsto no art. 847º/1, al. b) do Código Civil. A compensação não será possível, por essa via. Já assim não será quando o banqueiro possa “ modificar” unilateralmente a natureza do depósito, designadamente tornando-o mobilizável. É o problema que se põe nos casos dos depósitos a prazo.
No chamado depósito a prazo, a solução favorável à compensação resulta directamente da lei. Como vimos, parte da doutrina vê, nele um verdadeiro mútuo. Pela nossa parte, temo-lo como “depósito bancário” no qual, todavia haverá que aplicar as regras do mútuo e na medida do possível – art. 1206º do Código Civil.
O banqueiro, que recebe os fundos e deve o capital e os juros é o “mutuário”, o cliente, que entrega os fundos e recebe os juros , o “mutuante”. O prazo é estabelecido em benefício dos dois : todavia, o art. 1147º permite ao mutuário antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro. Pois bem: desde que satisfaça tais juros, o banqueiro pode pagar antecipadamente; podendo pagar, os créditos tornam-se homogéneos, nenhum obstáculo existe a que o faça por compensação.
Podemos concluir que, no tocante a depósitos a prazo, o banqueiro pode usar o correspondente crédito para efeitos de compensação:
- sem condicionalismos, logo que o prazo se tenha vencido;
- pagando antecipadamente os juros, antes do vencimento, por via dos artigos 1147º e 1206º do Código Civil.

· Contas solidárias

Como vimos, pode haver contas bancárias colectivas ou com mais de um titular – serão:
- solidárias quando qualquer dos titulares possa movimentar sozinho e livremente a conta, exonerando-se o banqueiro entregando a totalidade do saldo a quem o pedir;
- conjuntas quando os movimentos exijam a intervenção simultânea de todos os seus titulares

O problema da compensação põe-se nestes termos: quando o banqueiro seja credor de apenas um dos titulares, poderá ele operar a compensação com o saldo de uma conta colectiva?
A jurisprudência é, aparentemente algo restritiva. Nalguns casos, parece responder pela negativa : a compensação não seria, de todo possível , na falta de autorização de todos os contitulares.
Noutros casos, a jurisprudência assume uma posição intermédia : a compensação seria possível, mas apenas nos limites do depósito que couberem ao devedor do banqueiro.
Noutros finalmente, a jurisprudência aceita a compensação de débitos de um cliente em conta solidária, sem restrições.

· Segue ; o regime aplicável

As contas bancárias solidárias têm um regime que resulta das respectivas aberturas de conta.
Como ponto de partida, importa refutar a ideia de que a solidariedade, nos depósitos bancários, tenha sido estabelecida “no interesse dos depositantes”.
Nos depósitos bancários, a solidariedade é uma cláusula de funcionamento da conta : opera seja no interesse dos depositantes, seja no interesse do banqueiro.
Outra ideia a afastar é a de que os bancos não teriam a faculdade de escolher perante qual dos depositantes solidários se poderiam exonerar. O art. 528º do Código Civil não se lhes aplicaria. Não é, de todo, assim. O banqueiro não pode, de facto escolher perante qual dos depositantes solidários se pode exonerar porque, em regra, ele não pode ... exonerar-se, pura e simplesmente.
O banqueiro pode prevalecer-se do art. 528º/1 para entregar o saldo a algum dos depositantes solidários, assim se exonerando

· Contas conjuntas

Numa situação de conta conjunta, o problema é diverso. Aí só se torna viável movimentar a conta com a assinatura de todos os seus titulares. Admitir uma compensação pelo débito de apenas um deles iria forçar a vontade das partes, quando foi concluída a abertura de conta.
Não se infira, daqui, que a conta conjunta se torna indisponível, impenhorável ou intangível, por força das dívidas de apenas um dos seus contitulares.
Nesta hipótese funcionará a presunção de igualdade das participações – art. 534º, 1403º/2 e 1404º, todos do Código Civil. O banqueiro poderá, então operar a compensação, mas apenas na parte que cabe ao contitular devedor.































Capítulo III – ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL

Secção I – ACTOS BANCÁRIOS SIMPLES

DEPÓSITO BANCÁRIO

● O depósito comum

O contrato de depósito vem definido no art. 1185º do Código Civil como : “o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa móvel ou imóvel, para que a guarde e restitua quando for exigida”.
O art. 1186º por remissão para o mandato, presume a gratuitidade do depósito.
Segundo o art. 1187º do Código Civil, o depositário fica essencialmente obrigado :
a) A guardar a coisa depositada;
b) A avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante;
c) A restituir a coisa com os seus frutos

O dever de custódia suscita algumas dúvidas. Desde logo, ele não pode ser reconduzido a um dever de protecção : trata-se de um dever principal, ex contractu e não de um dever acessório, ex bona fide.
O dever de aviso previsto no art. 1187º, al.b) do Código Civil não se confunde com o dever de defesa da coisa. Basta ver que ele funciona sempre que o depositante desconheça o perigo e não, apenas, quando o depositário não possa assegurar, ele próprio, a defesa.
O dever de restituição opera ex contractu. Por isso, o depositário não pode recusar a restituição da coisa com o fundamento de que o depositante não é o verdadeiro titular : art. 1192º/1 do Código Civil. Os números 2 e 3 desse preceito exceptuam, em certos termos, as hipóteses de se tratar de coisa objecto de reivindicação por terceiros ou de coisa supostamente proveniente de crime. Segundo o art. 1194º do Código Civil, o prazo de restituição presume-se estabelecido a favor do depositante : este pode, pois a todo o tempo – e mesmo havendo prazo – pedir a imediata restituição da coisa ; porém sendo o depósito remunerado, o depositário tem, nessa hipótese direito à remuneração convencionada por inteiro, salvo justa causa – idem. A coisa é restituída, no silêncio das partes, no local onde encontrar – art. 1195º- ficando as despesas a cargo do depositante – art. 1196º, ambos do Código Civil.
O depositário não pode usar a coisa nem subdepositá-la, sem autorização do depositante – art. 1189º. Ele pode guardar a coisa de modo diverso do convencionado quando deva supor que o depositante concordaria, perante as circunstâncias; o exercício de tal ius variandi deve ser comunicado ao depositante, logo que possível – art. 1190º, ambos do Código Civil.
O depósito cerrado não pode ser devassado pelo depositário, presumindo-se a culpa deste quando o invólucro ou recipiente que contenha a coisa de mostre violado – art. 1191º.
Finalmente, o depositante tem os deveres de – art. 1199º do Código Civil:
- pagar a retribuição devida, quando esse seja o caso ; quanto à retribuição dispõe o art. 1210º do Código Civil.
- reembolsar o depositário das despesas;
- indemnizá-lo do prejuízo , salvo se o depositante tiver agido “sem culpa”.

● O depósito irregular

Pela natureza das coisas, o depositário não pode consumir a coisa depositada : nessa altura a restituição não seria possível.
Desde a Antiguidade se tem verificado a transposição linguística e, depois, conceptual, das categorias do depósito para os casos em que o “depositário” recebe algo com o dever de restituir (apenas) o equivalente.
Desde o início surgiu, um depósito particular : aí, o depositário, em vez de restituir a própria coisa depositada, teria de devolver o equivalente. A esta figura vieram os comentadores chamar depósito irregualar.
O Código Civil vigente tem uma secção expressamente aplicável ao depósito irregular, dedicando-lhe dois preceitos : os arts 1205º e 1206º.
O primeiro define depósito irregular como o “…que tem por objecto coisas fungíveis”. Trata-se duma definição deficiente : as partes podem perfeitamente celebrar um depósito comum relativo a coisas fungíveis :nessa altura o depositário não as poderá consumir, devendo restituir precisamente o que recebeu, de acordo com as regras normais do depósito.
O art. 1206º manda aplicar, ao depósito irregular, na medida do possível, as regras do mútuo. São aplicáveis, por esta via, os artigos 1143º (forma), 1444º (transferência da propriedade para o depositário), 1148º (prazo da restituição) e 1149º (falta de género, não se tratando do dinheiro). São inaplicáveis, entre outras, as regras relativas ao mútuo oneroso – arts 1145º e ss, todos do Código Civil.
O depósito irregular não é um verdadeiro depósito. Basta ver que não se lhe aplicam as regras existenciais relativas ao dever de custódis. Mas também não é um mero mútuo : o depósito, mesmo irregular, é celebrado no interesse do depositante que, assim, quer beneficiar da conservaçãodaquele preciso valor, mantendo, sobre ele, uma permanente disponibilidade.
Temos, por nós, que é um contrato misto, com elementos do depósito e do mútuo e que, por estar há muito nominado e autonomizado, podemos apresentar como tipo próprio : precisamente o do depósito irregular.

● Depósito mercantil e depósito bancário

Antes de abordar directamente o depósito bancário, cabe ainda referir o depósito mercantil, regulado nos arts 403º e ss do Código Comercial. Esse preceito dispõe, logo à cabeça, que o depósito é considerado mercantil quando “…seja de géneros ou de mercadorias destinadas a qualquer acto de comércio”. Trata-se , pois, de um acto objectivamente comercial.
No tocante ao regime, verifica-se que o depósito mercantil, ao contrário do comum, dá, como regra, azo a remuneração – art. 404º do Código Comercial. Estando em causa um depósito de “papéis de crédito com vencimento dejuros”, o depositário é obrigado à cobrança e demais diligências necessárias para a conservação de um valor e efeitos legais, sob pena de responsabilidade – art. 405º.
Na vida do comércio, pode suceder que a celebração de um depósito mercantil seja acompanhada de permissão expressa para o depositário se servir da coisa, seja para sí próprio, seja em operações recomendadas pelo depositante ; nessa altura, por via do art. 406º, aplicam-se , respectivamente, as regras do empréstimo mercantil ou da comissão ou, ainda, do contrato que ao caso couber.
No omisso aplicam-se, ao depósito mercantil, as regras relativas ao depósito comum. O contrato de depósito apresenta uma extraordinária versatilidade. Ele vem, apresentar múltiplas hipóteses de actuação, designadamente no campo bancário.
O art. 408º do Código Comercial refere os depósitos feitos em bancos ou sociedades os quais “… reger-se-ão pelos respectivos estatutos em tudo quanto não se achar previndo neste capítulo e mais disposições legais aplicáveis”.
Temos, aqui, uma primeira alusão ao depósito bancário. De todo o modo e para maior clareza, definiremos depósito bancário como o depósito feito, em dinheiro, por um cliente – o depositante – junto de um banqueiro – o depositário.

● Modalidades

O Decreto – Lei nº 430/91 de 2 de Novembro, apresenta-se como aprovando o “regime geral das contas de depósito” O seu art. 1º distingue “depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito”, referindo as seguintes modalidades:
- depósitos à ordem : são os exigíveis, a todo o tempo, pelo cliente;
- depósitos com pré-aviso : são exigíveis apenas após um pré-aviso escrito, feito com a antecedência fixada no contarto ;
- depósitos a prazo : são exigíveis no fim do prazo para que forem acordados ; as instituições de crédito podem conceder uma mobilização antecipada, nas condições acordadas;
- depósitos a prazo não mobilizáveis : não admitem tal antecipação;
- depósitos em regime especial : todos os outros; a sua criação é livre devendo, contudo, ser dado conhecimento das suas características, com 30 dias de antecedência, ao BP – art. 2º.

Os depósitos a prazo e os depósitos a prazo não mobilizáveis dão azo a um título normativo, a emitir pelas instituições depositárias, nos termos e com as características referidas no art. 3º. O art. 4º do Decreto – Lei nº 430/91 refere, ainda, depósitos constituídos ao abrigo de legislação especial.
Os depósitos constituídos em instituições de crédito podem ser “representados” por certificados de depósito nominativos , emitidos pelas instituições depositárias – art. 1º do Decreto –Lei nº 372/91, de 8 de Outubro. Estes certificados – ao contrário dos títulos nominativos relativos a depósitos a prazo, com ou sem possibilidade de mobilização antecipada – são transmissíveis por endosso, com ela se transmitindo todos os direitos relativos aos depósitos que representem – art. 2º/1, do Decreto –Lei nº 372/91 de 8 de Outubro. Este diploma regula, ainda os prazos remetendo-os para o acordo das partes contratantes, os juros, o depósito de certificados, os elementos obrigatórios que eles devem conter e as condições a fixar pelo BP – arts 3º a 7º, respectivamente.
Diversa legislação especial fixa, ainda, outros tipos de depósito bancário. Os diplomas falam em “contas” e associam, por vezes, outros contratos aos depósitos em jogo. Assim, temos:
- contas poupança-habitação : Decrteto – Lei nº 27/2001 de 3 de Fevereiro : trata-se dum depósito com o prazo mínimo dum ano, com benefícios fiscais e cujo saldo só pode ser mobilizado para a aquisição ou beneficiação de habitação própria;
- contas poupança-reformados : Decreto-Lei nº 138/86 de 14 de Junho: reportam-se a depósitos a constituir por reformados com pensões médias/baixas e que apresentem alguns benefícios fiscais, prazos a fixar pelas partes e juros vantajosos;
- contas emigrantes : Decreto-Lei nº 323/95 de 29 de Novembro : trata-se de contas facultadas apenas a emigrantes e que visem o financiamento de habitação ou da instalação e desenvolvimento de actividades industriais, agro-pecuárias ou piscatórias – art. 4º;
- contas poupança-condomínio: Decreto –Lei nº 269/94 de 26 de Outubro : são depósitos construídos pelos condomínios de prédios em propriedade horizontal, exclusivamente destinadas a financiar obras em partes comuns e que têm (ligeiros) benefícios fiscais.

● Regime e natureza

O depósito bancário em sentido próprio é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro, como de viu. Trat-se de uma operação que surge sempre associada a uma abertura e conta, de tal modo que, aquando da efectivação, o banqueiro já deu o seu assentimento genérico : ele mais não pode fazer do que aceitar as diversas manifestações da sua concretização.
Perante depósitos à ordem, podemos falar numa única convenção de depósito, anexa à abertura de conta e que obriga o banqueiro a receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.
A forma dos depósitos bancários está, por vezes, condicionada, por cláusulas contratuais gerais, ao preenchimento de impressos ou à actuação de esquemas informáticos. Cumpre distinguir entre a forma dos actos e a prova de que tal forma foi seguida. Nos termos gerais, a forma em causa é ad substantiam e não ad probationem. Observada a forma, o acto é válido ; a sua prova subsequente pode ser feita por qualquer via admitida pelo Direito.
O depósito bancário à ordem tem sido considerado , entre nós, na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência, como um depósito irregular : o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor.
O risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro.
Também pelo banqueiro corre o risco do aparecimento de cheques falsificados, com a assinatura muito semelhante à autêntica.
Já os depósitos a prazo – os depósitos de poupança – distinguir-se-iam dos depósitos a prazo : teriam a natureza de mútuos e não de depósitos irregulares. Na verdade, aí já falta a ideia de restituição/disponibilidade.

CONVENÇÃO DE CHEQUE

● Generalidades ; a Lei Uniforme

O cheque é um documento em regra normalizado e do qual consta uma ordem, dada por um cliente ao seu banqueiro, de efectuar um determinado pagamento a um terceiro , ao portador ou, até, ao próprio mandante .O cliente diz-se sacador ; o banqueiro diz-se sacado ; o beneficiário diz-se terceiro beneficiário ou, simplesmente beneficiário.
Após a iniciativa de Haia, em 1912, chegar-se-ia às Convenções de Genebra que aprovam as leis uniformes e, em especial, a Lei Uniforme sobre Cheques, de 7 de Junho de 1930.
O cheque, enquanto documento normalizado, deve conter os elementos explicitados no art. 1º da LUCh.
O cheque pode, ainda, indicar a pessoa do beneficiário; quando não o faça, é considerado cheque ao portador – art. 5º da LUCh. O cheque pagável a determinada pessoa pode ser transmitido por endosso, tenha ou não a cláusula “à ordem” – art. 14º da LUCh. Quando o endosso não designe o beneficiário ou consista, simplesmente, na assinatura do endossante, considera-se em branco ; o endosso garante, de todo o modo, o pagamento – art.18º da LUCh.
O cheque é pagável à vista , mesmo quando pós-datado – art. 28. Deve ser apresentado no prazo de oito dias, quando pagável no país em que foi passado – art. 29º/I – podendo ser revogado depois desse prazo – art. 32º/I ; porém, se não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo – art. 32º/II. A eficácia do cheque não é prejudicada pela morte ou pela incapacidade superveniente do sacador – art. 33º, todos da LUCh.
O portador de um cheque pode demandar o sacador, os endossantes e outros co-obrigados quando, tendo apresentado, em tempo útil, o cheque a pagamento, este não lhe for pago e a recusa for verificada : ou por um facto formal (protesto); ou por uma declaração do sacado, datada e exarada sobre o cheque ; ou por uma declaração equivalente duma câmara de compensão – art. 40º da LUCh.

· Elementos do cheque ; aspectos cambiários

No cheque, surgem, muito claros, dois elementos que, directamente, ditam a sua natureza:
- uma ordem de pagamento dirigida ao banqueiro;
- uma obrigação cartular do sacador, caso o banqueiro recuse a pagamento.
No tocante à ordem de pagamento trata-se de uma ordem, em sentido técnico. O sacador tem o “direito” de dar ordens de pagamento a um banco em virtude de um contrato celebrado entre ambos. A obrigação cambiária traduz-se no facto de o beneficiário poder exigir o pagamento ao sacador, caso o banco o recuse.
Além disso e enquanto obrigação cambiária, ela está incorporada no próprio cheque que, assim, funciona como título de crédito. Surgem as conhecidas qualidades da literalidade, da autonomia e da abstracção. Literalidade por a letra do título ser decisiva para a determinação do conteúdo, dos limites e das modalidades do direito ; autonomia por o seu adquirente, de acordo com as regras da circulação , estando de boa fé, ser havido como titular originário do direito ; abstracção por ser independente da relação jurídica que esteve na sua origem.
A característica da abstracção anda ligada à da literalidade ; ambas, por seu turno, têm a ver com o factor título de crédito, implicado no cheque. Esse factor tem força própria e dá azo a dúvidas : quanto a saber se o cheque prescrito vale como título executivo e quanto a essa mesma qualidade , havendo revogação : aparentemente, se revogado antes do prazo, tal qualidade mantém-se; revogado depois : perde-se.
Trata-se de aspectos que emergem da LUCh e mais precisamente do seu art. 12º - o sacador garante o pagamento. Considera-se como não escrita qualquer declaração pela qual o sacador se exima a esta garantia, recordando-se ainda, que, segundo o art. 28º da LUCh, o cheque é pagável à vista. Tem-se como não escrita qualquer menção em contrário.

· A convenção de cheque e o seu conteúdo

Cumpre ter presente o art. 3º da LUCh: “ o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos a disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por um meio de cheque. A validade do título como cheque não fica, todavia, prejudicada no caso de inobservância destas prestações”.
Na sua simplicidade, este preceito é claro. São partes no contrato ou convenção de cheque, necessariamente, um banqueiro e o seu cliente ; o primeiro deve ter fundos à disposição do segundo; a convenção pode ser expressa ou tácita ; a convenção tem, como conteúdo, atribuir ao sacador o direito de dispor dos fundos por cheque.
Se o primeiro elemento da convenção de cheque – o relativo às partes – não oferece dúvidas, os restantes requerem algumas explicações suplementares. O banqueiro deve ter fundos à disposição do cliente : é a chamada relação de provisão. Tais fundos à disposição podem resultar de prévia obrigação assumida pelo banqueiro de um crédito concedido ou que o banqueiro se tenha obrigado a conceder ou de decisão livremente tomada pelo banqueiro.
A convenção pode ser expressa ou tácita. Nesta última hipótese, a convenção resultará, designadamente, de o banqueiro pôr uma caderneta de cheques à disposição do cliente ou de ele facultar impressos para operar a sua requisição.
A convenção de cheques tem, por fim, o conteúdo de atribuir ao cliente o direito de dispor de fundos por cheque. Normalmente, a convenção reporta-se ao uso de um número indeterminado de cheques, na disponibilidade do cliente.
O direito de dispor de fundos por cheque equivale ao direito de sacar cheques. Tal direito envolve o livre exercício das diversas possibilidades conferidas, aos cheques, pela LUCh : sacar cheques ao portador ou a beneficiário determinado ; cruzar cheques com ou sem menção do banqueiro, de modo a produzir os efeitos previstos no art. 38º da LUCh e designadamente : o de o cheque só poder ser pago a um banqueiro ou ao banqueiro determinado ; preencher o cheque, nos termos que entender e nos limites da lei ; apor, nele, a menção “em conta” – art. 39º da LUCh.
Finalmente o direito de sacar cheques envolve o direito de os revogar, expirado o prazo da apresentação, tal como vimos resultar da LUCh.

· Regime e natureza ; a tutela do cheque

O cheque é, à partida, uma ordem de pagamento, dada a um banqueiro. Porém, essa ordem fica corporizada, num título de crédito – o próprio cheque – que funciona como instrumento de pagamento e que, como tal circula. A confiança no cheque é um ponto importante, nas modernas economias.
Particularmente grave é a emissão de cheque sem provisão, cujo pagamento será, em princípio, recusado pelo banqueiro. A lei tipifica, assim, o crime de emissão de cheque sem provisão – art. 11º do Decreto –Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro.
A tutela do cheque tem, contudo, uma dimensão comercial, que se repercute na convenção de cheque. Isso está previsto nas cláusulas contratuais gerais. Cláusulas do tipo : “ O Banco reserva-se o direito de não emitir cheques em nome do cliente”.
O art. 8º/1 do Decreto - Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro, obriga a instituição de crédito sacada a pagar, não obstante a falta ou a insuficiência da provisão, qualquer montante não superior a 5.000$00. O banqueiro é pois co-responsável pelos cheques emitidos pelo seu cliente, o que justifica a sua liberdade de aceitar convenções de cheque.
Resulta do art. 1º do Decreto – Lei nº 454/91 um dever de rescisão da convenção de cheque, com todo um regime subsequente.
Segundo o art. 3º/1 do Decreto - Lei nº 454/91, versão em vigor , as entidades que “tenham sido objecto de rescisão de convenção de cheque” são incluídas numa lista de utilizadores que oferecem risco, a comunicar pelo BP a todas as instituições de crédito. As outras instituições de crédito devem rescindir as convenções existentes – nº2. Apenas passados dois anos poderão ser celebradas novas convenções, salvo antecipação decidida pelo BP – art. 4º. A rescisão da convenção permite, contudo “cheques avulsos” e, portanto : a celebração duma convenção relativa a um único cheque – art. 6º.
O banqueiro que forneça módulos de cheques em violação do dever de rescisão deve pagá-los, quando emitidos – art. 9º/1 do regime aprovado pelo Decreto – Lei nº 316/97 de 19 de Novembro.
A não-rescisão da convenção de cheque constitui contra-ordenação punível com coima – art. 14º/2 – assim se reforçando o dever do banqueiro.

MOEDAS ESTRANGEIRAS E CÂMBIOS

· Generalidades ; obrigações pecuniárias

Segundo o art. 4º/1 do RGIC, os bancos podem efectuar, entre outras :
e) “Transacções por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado mobiliário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários”.
Interessa revelar as referências ao mercado cambial e às operações sobre divsas, isto é, sobre moeda estrangeira ou valores similares expressos em moeda estrangeira. Por seu turno, as operações de câmbio implicam a conversão – normalmente por compra ou por venda – de moeda nacional em moeda estrangeira e vice-versa.
Não parece possível abordar um tema de moeda estrangeira sem recordar a matéria atinente às obrigações pecuniárias. São obrigações pecuniárias aquelas cuja prestação consista numa entrega em dinheiro.
O Código Civil trata das obrigações pecuniárias de forma tripartida. Distingue:
- obrigações de quantidade : o seu objecto traduz-se apenas por uma determinada quantidade ou soma de dinheiro, por exemplo, 100 euros;
- obrigações de moeda específica : o seu objecto é expresso não só numa determinada quantidade mas também na quantidade particular da moeda considerada, por exemplo, 100 euros em moedas de 2
- obrigações com curso legal apenas no estrangeiro: o seu objecto consiste em dinheiro que tenha curso legal noutro espaço jurídico.
Esta classificação, que resulta dos artigos 550º e ss, 552º e ss, 558º e ss, do Código Civil dá lugar a termos impernetráveis.
A regra relativa às obrigações de quantidade vem referida no art. 550º do Código Civil, como princípio nominalista.
Em primeiro lugar o princípio nominalista move-se no seio dos diversos “valores” atribuídos à moeda. Recorde-se que tais valores podem ser:
- valor nominal ou valor extrínseco : imposto por lei a cada moeda, e constando, de modo publicitado, dos exemplares que, em concreto, traduzam a moeda considerada;
- valor metálico ou valor intrínseco : que corresponde ao valor da matéria – do metal – incluída nas espécies monetárias, quando se pretendesse dar-lhe uma outra qualquer aplicação;
- valor de troca : que traduz o poder aquisitivo da moeda, isto é, a quantidade de mercadorias que a moeda considerada possa, efectivamente, proporcionar;
- valor corrente ou cambiário : que exprime a razão existente entre a moeda considerada e outras moedas estrangeiras.

O princípio nominalista diz, em primeiro lugar, que as moedas de quantidade releva, apenas o valor nominal ou extríseco.
A moeda legal tem um poder liberatório irrecusável pelo valor nominal ; efectivamente, quando, pelas regras económicas, surjam desvios entre o valor nominal da moeda e os outros valores acima referidos – o valor metálico, o valor de troca ou o valor corrente ou cambiário – apenas uma regra jurídica muito particular poderia dar uma certa consistência ao primeiro ; tal regra é a do poder liberatório, isto é, a faculdade reconhecida à moeda com curso legal de provocar, através do cumprimento, a extinção das obrigações que exprima, pelo seu valor nominal ou facial.
O valor nominal relevante é o do cumprimento ; pactuada uma obrigação por certo valor – ou tendo-se, ela, a qualquer título, constituído – e sobrevindo, depois, alterações no valor económico em jogo, é sempre pelo valor facial no momento do cumprimento que se afere o poder liberatório em jogo.
O risco das alterações no valor da moeda corre, indiferentemente, pelos devedores ou pelos credores, consoante o sentido da modificação.
Com o princípio nominalista prendem-se outros aspectos jurídicos de relevo.
Desde logo, há que contar com as denominadas excepções ao nominalismo, expressas em permissões legais de actualizar as prestações pecuniárias. O art. 551º do Código Civil remeteu, nessa eventualidade, para certos indicadores, procurando pôr cobro a uma viva discussão anterir.

● Obrigações em moeda estrangeira ; obrigações próprias e impróprias; juros

As obrigações em moeda estrangeira também são chamadas obrigações valutárias.
Na obrigação em moeda estrangeira ocorre, desde logo, um débito pecuniário, válido em face de determinada ordem jurídica; simplesmente o objecto desse débito recai sobre uma moeda diferente da do espaço correspondente à ordem jurídica considerada.
A possibilidade, perante a ordem jurídica portuguesa, de estipular em moeda com curso legal apenas no estrangeiro, resulta do art. 558º do Código Civil; esta disposição, embora não o disponha de modo directo, pressupõe a validade de cláusulas a tanto destinadas. A presença de obrigações em moeda estrangeira pode advir de estipulações directas ou indirectas: directas, quando as partes insiram, nos seus instrumentos negociais, cláusulas que imponham, como objecto de vínculo, uma moeda estrangeira; indirectas, sempre que o recurso à moeda estrangeira resulte de preceitos contratuais dirigidos a outras latitudes.
O recurso a obrigações em moeda estrangeira pode ainda assumir duas configurações bem distintas, na sua estrutura como no seu regime. Pode tratar-se de:
- Obrigações valutárias próprias ou puras : quando o pagamento deva ser realizado em moeda efectiva;
- Obrigações valutárias impróprias , impuras ou fictícias : quando as partes tenham pretendido utilizar a moeda estrangeira como bitola do valor da obrigação, podendo o cumprimento ter lugar na moeda nacional que equivalha ao quantitativo estrangeiro estipulado.

Manual de Andrade introduziu uma terceira categoria, algo intercalar em relação às impróprias, e a que chamou obrigações valutárias mistas.
Nestas, as partes pretendem um efectivo cumprimento na moeda estrangeira, mas admitiram, para o devedor, a faculdade de pagar na moeda nacional.
Quando as partes constituam obrigações valutárias próprias ou puras, não está em causa um pagamento a efectivar em moeda de certa nacionalidade: há, antes, uma verdadeira remissão para todas as regras aplicáveis á moeda estrangeira considerada, nos termos da ordem jurídica em que ela se integre e salvo, segundo os princípios gerais, a presença de conexões sectoriais mais fortes.
Quando, pelo contrário, as partes dêem lugar a meras obrigações impróprias impuras ou fictícias, apenas o valor da moeda estrangeira, em relação ao da nacional, está em causa ; em tudo o mais aplicam-se nos termos gerais, as regras próprias da ordem jurídica a que pertença a moeda nacional.
A determinação da natureza pura ou impura de certa obrigação pecuniária em moeda estrangeira constitui um comum problema de interpretação contratual. Trata-se, em concreto, de averiguar a intenção das partes que estipularam a moeda estrangeira como objecto das vinculações e, designadamente, se está em causa verdadeira moeda estrangeira ou apenas o seu valor.
As obrigações em moeda estrangeira vencem juros de acordo com a lei nacional respectiva. Se o pagamento ocorrer em moeda nacional, a jurisprudência tem apelado às taxas de juros do País. Em rigor, há que ver quando se faz a conversão : se for ab initio, vale a taxa nacional; se for no momento do pagamento, aplica-se a estrangeira.

● Operações cambiais ; evolução ; a liberalização

A noção de operação cambial deriva do art. 3º do Decreto – Lei nº 295/2003, de 21 de Novembro. As operações cambiais são fundamentalmente operações relativas a dinheiro não nacional, sendo-lhe ainda equiparadas operações com não residentes. O art. 8º do Decreto –Lei nº 205/2003 consagra a liberdade de contratação e de liquidação de operações económicas e financeiras com o exterior. O art. 10º do mesmo diploma apenas autoriza o comércio de câmbios às instituições de crédito e às sociedades financeiras para tanto habilitadas.
Uma efectiva liberalização das operações com moeda estrangeira foi alcançada pelo Decreto – Lei nº 295/2003, de 21 de Novembro.

EMISSÃO DE CARTÃO BANCÁRIO

● Cartões bancários ; evolução e modalidades

O cartão bancário é, simplesmente, introduzido na ranhura de um processador, que opera a sua leitura automática. A natureza e o montante da operação são digitados no processador ;este realiza automaticamente a operação – normalmente, levantamentos ou transferências – emitindo um talão. Ocorrem, aqui, duas modalidades :
- quando a operação ocorra a contado ( normalmente dita, na gíria quotidiana, “multibanco”), o portador do cartão autentica o acto, digitando o código pessoal – o PIN;
- quando opere o crédito ( normalmente, nessa gíria, “VISA” ), a autenticação é sumariamente feita pela comparação das assinaturas.

A primeira distinção a operar nos cartões bancários separa os cartões de levantamento, dos cartões de crédito.
O cartão de levantamento automático põe, frente a frente, simplesmente o banqueiro e o seu cliente : dá azo a uma denominada relação entre duas pessoas. O cartão é utilizado em terminais automáticos, denominados ATM ou CD : o portador insere o cartão na ranhura do terminal, que procede à sua leitura, pedindo, o número pessoal ou PIN.
Os levantamentos têm limites máximos diários. O ATM apreende, automaticamente, os cartões caducados, cancelados ou esquecidos na própria ranhura e, ainda, os cartões cujo portador, por três vezes consecutivas, se engane a introduzir o PIN.
O cartão de crédito relaciona três pessoas : o banqueiro, o cliente e um terceiro – normalmente : o comerciante ou fornecedor de bens e de serviços. Ajustado um negócio que implique um pagamento, o cliente vai realizá-lo por meio do cartão. Por via mecânica ou electrónica, a despesa vai ficar consignada em nome do cliente, vindo, depois a ser paga ao comerciante pelo banqueiro , que a debitará ao cliente. O comerciante pagará uma comissão ao banqueiro, outro tanto podendo suceder com o cliente.

● Condicionalismo legal

O Decreto – Lei nº 166/95 de 15 de Julho, reserva a emissão de cartões de crédito às instituições de crédito e instituições financeiras autorizadas para o efeito e às sociedades financeiras que tenham por objecto a emissão desses cartões – art. 2º. O seu art. 3º, sob a epígrafe “condições gerais de utilização”, dispõe:
1 - As entidades emitentes de cartões de crédito devem elaborar as respectivas condições gerais de utilização de acordo com as normas aplicáveis, nomeadamente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, e ter em conta as recomendações emanadas dos órgãos competentes da União Eurupeia.
2 - Das condições gerais de utilização devem constar os direitos e obrigações das entidades emitentes e dos titulares de cartões, designadamente a discriminação de todos os encargos a suportar por estes últimos.

A submissão ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais é importante. Há, de resto, extensa jurisprudêncis inibitória, nesse domínio. As “recomendações comunitárias” têm a ver com a recomendação nº 87/598/CEE, da Comissão, de 8 de Dezembro de 1987, relativa a pagamentos electrónicos, e a recomendação nº 88/590/CEE, da Comissão, de 17 de Novembro de 1988, sobre relações entre os titulares e os emissores de cartões.
Entre nós, há que lidar, ainda, com o Aviso nº 11/2001 de 6 de Novembro, do BP, que fixou regras referentes a cartões de crédito. Entre essas regras, relevamos, desde logo, a forma escrita a assmir pelo contrato – art. 3º - ainda que celebrado por adesão – art. 4º - a redigir em termos claros e em língua portuguesa – art. 5º
O contrato deve, nas palavras do aviso, estabelecer todos os direitos e deveres das partes – art. 6º.

● O contrato de emissão

Num prisma de Direito bancário, os cartões dependem dum contrato específico, destinado à sua emissão. O regime aplicável aos cartões bancários consta ente nós de cláusulas contratuais gerais.
No tocante a simples cartões de pagamento – cartões “ Multibanco” – verifica-se que a emissão depende da aceitação, pelo banqueiro, de uma proposta de adesão constante de um impresso normalizado, subscrito pelo cliente. Nessa impresso, entre outras indicações, o cliente deve indicar o nome que será gravado no cartão.
O cartão é considerado propriedade do banqueiro. Este tem o direito de “…proceder à retenção ou exigir a sua restituição…” quando : se verifique a sua inadequada utilização, nos termos das presentes condições gerais ; pretenda proceder à substituição do cartão.
O cliente poderá, por seu turno, renunciar, a todo o tempo, ao cartão, devolvendo-o ao banco : perderá, contudo, a anuidade que já tenha pago.
O cartão de crédito apresenta diversos pontos semelhantes ao cartão de pagamento. Simplesmente, ele permite o acesso à rede nacional (Multibanco) e à internacional (VISA, American Express). Funciona, desde logo, como cartão de pagamento. Além disso, ele permite aquisições a crédito, nos estabelecimentos aderentes, bem como levantamentos em numerário, mesmo no estrangeiro. As importâncias são debitadas na conta do cliente, em data acordada, mas com alguma dilação; pode, porém, ser apenas parcialmente debitada, de acordo com o que se tenha acordado.
O contrato de emissão de cartão de crédito corresponde a um tipo social vertido em cláusulas contratuais gerais.
Tecnicamente temos, aqui, um mandato sem representação, de conteúdo especial.

● Casuística

Temos a considerar decisões penais, que permitem aproximar o cartão de crédito da moeda. Assim, a falsificação e uso de cartão de crédito envolve crime de moeda falsa.
Surgiram algumas acções inibitórias quanto a cláusulas contratuais gerais usadas nos cartões. São nulas as cláusulas que façam correr contra o cliente uma presunção de culpa inilidível, perante o abuso de cartões. Igualmente nulas são as cláusulas que façam correr, apenas contra o cliente, o risco de extravio do cartão, bem como as que atribuam um poder probatório absoluto aos registos informáticos.
Quanto à responsabilidade dos clientes do banqueiro : tratando-se de cônjuges com cartões reportados à mesma conta, ela é solidária, por interpretação da vontade das partes.







Secção II – CRÉDITO BANCÁRIO

MÚTUO BANCÁRIO

● O mútuo civil

O art. 1142.º do CC define mútuo.
Na origem do mútuo encontramos relações simples de solidariedade e de convívio humanos: a pessoa, ou o grupo, que detivesse um excedente momentâneo de bens de consumo cedia-o a quem, na altura, estivesse necessitado; ultrapassada a dificuldade e invertidas as posições o beneficiário restituiria, em equivalente da mesma espécie, os bens que recebera.
O mútuo tem sido considerado real quoad constitutionem. Assim ele só produziria os seus efeitos pela entrega da coisa mutuada. Trata-se de uma concepção em clara regressão; de todo o modo não haverá dificuldades, tal como vimos com o depósito, em admitir ao lado do mútuo típico real, mútuos meramente consensuais.
O mútuo é um negócio consensual ou formal consoante o seu valor (art. 1143.º CC).
Celebrado o contrato e entregue a coisa ao mutuário torna-se este proprietário da mesma (art. 1144.º). No comodato sucede o inverso: a propriedade nunca deixa a esfera do comodante.
O mutuário fica essencialmente adstrito a:
¾ pagar a retribuição, os juros, quando a esta haja lugar;
¾ restituir o tantundem, isto é, coisa do mesmo género, quantidade e qualidade.
O art. 1149.º admite que o mutuário proceda, em alternativa, ao pagamento do valor da coisa quando o mútuo recaia sobre coisa que não seja dinheiro e, por causa que não lhe seja imputável, a retribuição se torne impossível ou extremamente difícil.
O mútuo é celebrado pelo prazo acordado pelas partes. Sendo o mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor da ambas as partes: o mutuário pode todavia antecipar o pagamento desde que satisfaça os juros por inteiro (art. 1147.º).
Não havendo estipulação de prazo a obrigação do mutuário, no mútuo gratuito, vence-se 30 dias após a interpelação (art. 1147.º/1); o próprio mutuário poderá operar a restituição a todo o tempo nos termos gerais do art. 777.º/1 do CC. Sendo o mútuo oneroso qualquer das partes pode pôr-lhe cobro operando a denúncia com 30 dias de antecedência ( art. 1148.º/1e2).
Caso o mutuário não pague os juros no seu vencimento pode o mutuante resolver o contrato (art. 1150.º).
Finalmente, no mútuo gratuito, o mutuante só responde pelos vícios ou limitações do direito ou pelos vícios da coisa se, expressamente, se tiver responsabilizado ouse tiver procedido com dolo: art. 1134.º, ex vi art. 1151.º ambos do CC.

● O empréstimo mercantil

O Código Comercial consagra três arts - 394.º, 395.º e 396.º- ao que denomina empréstimo comercial.
A natureza comercial do empréstimo surge quando “… a cousa cedida seja destinada a qualquer acto mercantil” (art. 394.º). Teremos, nessa hipótese, um acto comercial por via da teoria do acessório. Aparentemente teríamos aqui uma prefiguração do mútuo de escopo, figura fundamental no Direito bancário. O preceito comercial não exige, no entanto, que as partes estipulem um destino determinado para a coisa mutuada. O destino mercantil será, assim, um mero facto jurídico, na disponibilidade do mutuário, dono da coisa.
A natureza comercial do mútuo releva, essencialmente, em 2 pontos:
¾ o contrato é sempre retribuído (art. 395.º);
¾ quando celebrado entre comerciantes ele admite, seja qual for o seu valor, de todo o género de prova (art. 396.º), ambos do Código Comercial.
A retribuição “automática” tem hoje pouco mais sentido do que reforçar a presunção de onerosidade do art. 1145.º do CC. Na verdade, mesmo no Direito comercial, não vemos qualquer obstáculo a que entre comerciantes e no exercício do seu comércio sejam celebrados mútuos gratuitos.
A liberdade de prova consignada no art. 396.º do Cód. Comercial deve ser entendida como liberdade de forma. Não faria sentido sujeitar o mútuo comercial às pesadas formalidades prescritas na lei civil. Além disso seria pouco curial admitir a prova dum mútuo….nulo: nessa eventualidade, qualquer meio de prova legitimaria a obrigação de restituição.


● Os juros

A obrigação de juros, ou juros, está no cerne do mútuo e, mais largamente, de todo o comércio bancário. O CC inseriu-a como uma espécie, entre outras, de obrigações: arts. 559.º a 561.º. Compreende-se tal orientação: os juros não têm a ver apenas com o mútuo oneroso antes ligando-se a numerosas situações.
A obrigação de juros pressupõe uma outra, a de capital. Posto isso ela é determinada em função do montante desta, da sua duração e duma determinada relação que se estabelece entre elas: a taxa, em regra de base anual. A prestação de juros não tem de ser pecuniária mas é-o porém em regra.
Quanto aos limites das taxas de juros o art. 1146.º/1 do CC fixou a taxa legal, acrescida de 3% e de 5% consoante houvesse ou não garantia real, cifras essas que ascenderiam a 7% e 9% na hipótese de cláusula penal (nº 2).
No campo bancário devemos ainda lidar com algumas regras específicas de ordem pública.
O DL 344/78 de 17 de Novembro veio estabelecer critérios de classificação de prazos de vencimentos de créditos bancários, com as alterações introduzidas pelos DLs 83/86 de 6 de Maio e 204/87 de 16 de Maio: temos os juros remuneratórios ( art. 5.º) e os moratórios (art. 7.º). Os juros moratórios não podem exceder os remuneratórios em mais de 4% (art. 7.º/2).
O DL 220/94 de 23 de Agosto estabelece o regime das informações a prestar pelo banqueiro, aos seus clientes, no tocante a taxas de juros e outros custos.

● Modalidades; anatocismo

Os juros são susceptíveis de diversas classificações. Assim. Temos juros voluntários e juros legais consoante resultem da vontade das partes ou directamente da lei; juros remuneratórios e juros de mora conforme visem a retribuição do capital mutuado ou o ressarcimento dos danos criados pela mora na restituição; juros compensatórios e juros compulsórios quando pretendam, respectivamente, repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao pagamento; juros convencionado e juros legais stricto sensu em função da natureza pactuada ou não das respectivas taxas.
Classificação importante é a que separa os juros em civis, comerciais ou bacários em função dos intervenientes na operação.
Anatocismo é a prática que consiste em fazer vencer juros de juros. Trata-se de um esquema que permite multiplicar a taxa efectiva de certa operação pelo que ela é valorada com alguma reserva pela lei.
O art. 560.º do CC só permite o anatocismo por uma de 2 vias – nº 1:
¾ ou por convenção entre as partes, posterior ao vencimento;
¾ ou mediante notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização.
O nº 2 do mesmo preceito só admite a capitalização de juros correspondentes ao período mínimo de 1 ano. Porém o nº 3 considera inaplicáveis todas as apontadas restrições “… se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio”. Temos, por aqui, uma porta aberta ao anatocismo bancário. No sector cooperativo, dados os fins não lucrativos que devem imperar, o anatocismo é considerado vedado pela jurisprudência.

● O mútuo bancário

Desde logo ele distingue-se de quaisquer outros por ser celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão.
A forma escrita, assim exigida para os mútuos bancários, estende-se pelas regras gerais aos diversos elementos acessórios. De todo o modo e no tocante à taxa de juros ela sempre deveria ser fixada por escrito, visto o disposto no art. 102.º/1 do CCom.
De notar ainda a importante alteração introduzida no nosso ordenamento pelo DL 255/93 de 15 de Julho. Este diploma é referente à compra e venda com mútuo (art. 1.º) – pg. 877 da colectânea.
Pois bem:
¾ tais contratos podem ser celebrados por documento particular com reconhecimento de assinaturas (art. 2.º/1);
¾ ficando sujeitos a registo obrigatório (art. 3.º).

Temos aqui um 1º caso em que exigências do Direito bancário vêm alterar áreas jurídicas circundantes: princípios básicos e tradicionais do nosso ordenamento.
Os mútuos bancários dispõem de certas regras especificas. O DL 344/78 procede à sua classificação segundo o prazo e o regime de juros. Temos consoante o prazo do vencimento – arts. 1.º e 2.º:
¾ créditos a curto prazo, quando não exceda 1 ano;
¾ créditos a médio prazo, quando for superior a 1 ano e inferior a 5;
¾ créditos a longo prazo, quando exceda os 5 anos.

A prorrogação do prazo duma operação deve imputar-se no prazo global, para efeitos da referida classificação: assim não será, contudo, se ocorrer por circunstâncias imprevisíveis e insuperáveis, altura em que se pode, pelo banqueiro, ser considerada uma nova operação, contando-se novo prazo (art. 4.º).
Encontramos também regras específicas no tocante a juros. Actualmente as taxas de juros bancários estão praticamente liberalizadas nos termos do nº 2 do Aviso 3/93 de 20 de Maio.
Encontramos depois regras específicas para determinadas categorias de operações. De todo o modo e na falta de normas diversas funcionam os limites gerais vigentes no país quanto a taxas máximas.
As taxas de juro podem ser alteradas no decurso da operação mediante acordo prévio: é o que resulta do art. 6.º do DL 344/78. Os juros de mora bancários observam o dispositivo do art. 7.º/1 do DL 344/78. Elas consistem numa sobretaxa de 2% a aditar, em alternativa, à taxa de juro que seria aplicada à operação em causa, se tem sido renovada ou à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora.
O anatocismo tende ainda a ser admitido em função de um uso bancário. Tal uso deve, de todo o modo, ser alegado e provado em concreto.
O art. 5.º/6 do DL 344/78, a contrario, permite a capitalização de juros correspondentes a um período igual ou superior a 3 meses: nos termos gerais haverá que, após o vencimento, concluir um acordo nesse sentido.

● O mútuo de escopo

O mútuo bancário pode ter a particularidade importante de ser um mútuo de escopo, isto é, um mútuo no qual, contratualmente, o mutuário fica adstrito a dar um determinado destino à importância recebida. Trata-se de um aspecto que assumiu grande relevo no período do dirigismo bancário.
Em termos jurídicos, a consignação num contrato de mútuo de determinado escopo para a aplicação do financiamento redundava na assunção de um dever a cargo do mutuário. Esse dever tinha uma vertente pública – a adveniente de considerações dirigistas – e uma vertente privada – o banqueiro ficaria melhor garantido com uma utilização produtiva ou racional das importâncias mutuadas devendo, além disso, ser respeitado o acordo das partes. No caso de incumprimento o banqueiro poderia resolver o contrato provocando o vencimento imediato da obrigação de restituição.
Essa faculdade de resolução por desrespeito do escopo deve ficar contratualmente consignada. Alguns bancos têm assim o cuidado de inserir em CCGs relativas à concessão de crédito, uma cláusula resolutória correspondente à inobservância do escopo.
As necessidades de um escopo e do seu respeito absoluto, sob pena de resolução, têm vindo a atenuar-se com a recente liberalização da economia. Porém, perante créditos a médio e longo prazo com bonificações de juros ou com vantagens fiscais o escopo recupera o seu papel decisivo: deverá, quando contratualmente consignado, ser respeitado.

















CONTRATOS ESPECIAIS DE CRÉDITO

● Generalidades; a abertura de crédito

A prática e as necessidades da normalização bancária têm levado à autonomização de diversas figuras.
A lei portuguesa não regula de modo expresso a abertura de crédito. Não obstante ela vem referida no art. 362.º do CCom como uma operação de banco.
A abertura de crédito serve necessidades importantes do tráfego comercial. Muitas vezes o crédito bancário, expedito em si, requer negociações morosas. O banqueiro pretende ser habilitado com múltiplos elementos comprovativos da situação económica do cliente e ilustrativos da sua actividade; há que negociar taxas de juros e garantias.
A abertura de crédito é um contrato consensual por oposição a real quoad constitutionem: fica perfeito com o acordo entre as partes sem necessidade de qualquer entrega monetária ao contrário do que sucede no mútuo clássico. Além disso e quanto à forma: aplicam-se as regras próprias do mútuo bancário que exigem forma escrita. Mas poderá ser requerida escritura pública se a abertura de crédito incluir negócios que o exijam e, por exemplo, garantia hipotecária.
Existem diversas modalidades de abertura de crédito. A abertura de crédito é simples ou em conta-corrente: no 1º caso o crédito disponibilizado pode ser usado 1 vez; no 2º o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito solvendo as parcelas de que não necessite numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última hipótese há ainda que lidar com as regras da conta-corrente.
A abertura de crédito diz-se garantida quando seja acompanhada de uma garantia pessoal ou real, e a descoberto na hipótese inversa.
A abertura de crédito dá azo a uma disponibilidade que o cliente pode mobilizar através de actos subsequentes. Na hipótese de mobilização pode ainda pactuar-se que as importâncias a mobilizar o sejam por fatias de valor pré-estabelecido: por exemplo, uma abertura de crédito de 100.000 euros, podendo o cliente mobilizar parcelas de 10.000 euros ou múltiplos desse valor de cada vez. Os juros bem como a comissão de imobilização, quando exista, são debitados ora mensal ora trimestralmente, de acordo com o combinado.
A garantia, caso tenha sido acordada, é muitas vezes de ordem pessoal; na prática bancária portuguesa em que as aberturas de crédito operam a favor de sociedades recorre-se a livranças subscritas pela própria sociedade e avalizadas pelos sócios mais significativos. Fala-se então na gíria bancária em conta-corrente caucionada.
A cessação de uma abertura de crédito pode dar azo a dúvidas mas para a qual não há regime legal directo entre nós.
A solução desejável reside na regulação contratual: as partes devem prever com clareza o termo da operação e as condições da sua eventual renovação. Não o fazendo iremos aplicar as regras da conta-corrente em geral quando seja o caso; as regras do mandato quanto à disponibilidade; as regras do mútuo quanto ao saldo, havendo cessação de contrato. Por exemplo: na falta de prazos convencionados, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato por via do art. 349.º do CCom; o cliente já não poderá mobilizar mais importâncias mas disporá dos 30 dias previstos no art. 1148.º/2 do CC para pagar o saldo em dívida. Havendo prazo há que invocar a perda do respectivo benefício nos termos gerais (art. 780.º do CC) para o antecipar. O regime do mandato será sempre o Direito subsidiário.
Em todo o processo de renovação ou de cessação de aberturas de crédito há que manter contínuos fluxos de informação sob pena de se poderem criar situações de confiança que, depois a serem desamparadas, podem originar responsabilidade. Do mesmo modo na movimentação do crédito há que atender às exigências da boa fé.
A doutrina mais recente salienta que a abertura de crédito visa a disponibilidade do dinheiro. Constitui um bem autónomo, próprio, perfeitamente conhecido por todos os operadores e que não equivale a um crédito. Posto isso, o crédito surge, efectivamente, mas por via potestativa e em simples execuçaõ do contrato.
Trata-se, pois, dum contrato bancário nominado – recorde-se o art. 362.º do CCom – mas legalmente atípico e que corresponde, hoje, a um tipo social sedimentado nos usos e em CCG.

● O descoberto em conta

O descoberto em conta, também chamado facilidades de caixa, é a situação que se gera quando, numa conta-corrente subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro admita um saldo a seu favor, isto é, um saldo negativo para o seu cliente.
O descoberto pode advir dum negócio prévio com o banqueiro – abertura de crédito ou crédito pessoal. Pode também ser consequência automática de outros dispositivos, por exemplo, lançamento de despesas.
Na sua forma mais típica o descoberto é tolerado pelo banqueiro, por curto período, como modo de facilitar, momentaneamente, a tesouraria de certos de clientes.
Ao descoberto em conta aplicam-se, tendencialmente, as regras do mútuo bancário. Por vezes, a questão vem tratada nas CCGs relativas à abertura de conta.
De outra forma, os banqueiros evitarão conceder descobertos, nada os obriga a isso, com prejuízo para a tranquilidade social, pessoal e económica. Em casos-limites quando o corte do descoberto em conta opere de modo totalmente inesperado e contrário à boa fé poderá haver venire contra factum proprium.

●A antecipação bancária

Antecipação bancária é um contrato pelo qual um banqueiro concede, ao seu cliente, um crédito mediante um penhor equivalente de títulos, dinheiro ou outros bens. Digamos que o cliente, em vez de vender esses bens para realizar dinheiro se dirige ao banqueiro o qual “antecipa” o preço dando-lhe um crédito e recebendo os bens como garantia.
A antecipação bancária é um contrato de crédito caracterizado pela associação entre 2 elementos: um penhor ( normalmente de títulos) e a entrega duma quantia em dinheiro de valor proporcional ao da garantia constituída.
A antecipação bancária distingue-se do mútuo por não pressupor a entrega do dinheiro: é consensual, por oposição a real quoad constitutionem. Além disso ela está económica e funcionalmente ligada ao penhor “antecipado”. Mas ela distingue-se também do comum empréstimo sobre penhor por traduzir, na prática bancária, uma pré-realização do valor da garantia e não apenas uma garantia dum empréstimo.
De todo o modo, entre nós e na falta de regulação legal, resta tratá-la como um contrato misto de mútuo e penhor de títulos combinando os respectivos regimes com preponderância do penhor.

● O desconto bancário

O desconto bancário já terá sido o mais frequente e significativo contrato de crédito.
O desconto bancário é o contrato pelo qual o banqueiro entrega ao seu cliente uma determinada quantia em troca de um crédito, ainda não vencido, sobre um 3º. O banqueiro deduz uma parcela correspondente ao juro e a extinção opera salvo boa cobrança. Normalmente, porém, o desconto funciona sobre títulos de crédito, isto é, o cliente cede ao banqueiro um título que incorpora o débito do 3º. O desconto poderá assim ser afectado pelas vicissitudes que atinjam o título.
O desconto vem nominado no art. 362.º do CCom; no entanto não há, no Direito português, regras legais específicas. Trata-se, de todo o modo, duma figura claramente delimitada pela prática. Ela não está sujeita a nenhuma forma especial aplicando-se a exigência comum da forma escrita nos empréstimos bancários.
A natureza do desconto mantém aberta uma discussão. No essencial discute-se se, no desconto, há um mútuo garantido ou uma venda do crédito. Parecem dominar as orientações que vêem, no desconto, um mútuo com restituição pro solvendo, embora também se defenda a existência dum negócio sui generis.
O desconto apenas traduz o fenómeno do crédito mediante entrega do efeito ou do direito contra 3º. Assim ele não tem, necessariamente, natureza unitária: tudo depende do negócio que subjaza à entrega. Quando o banqueiro receba definitivamente o efeito ou o direito o desconto encobre uma venda. Quando o receba para se pagar com cláusula pro solvendo, há mútuo, com essa mesma cláusula.
Na prática portuguesa, o desconto tende a ser assimilado a um mútuo especial. Na verdade, entre o beneficiário do desconto ( o descontário) e o banco descontador, subsiste uma relação de empréstimo que pode ser accionada: teremos, em suma, um mútuo com datio pro solvendo. Ele pode, em alternativa, lançar mão da relação cambiária. No entanto, é essencial atender às cláusulas do concreto desconto considerado, invocando-as e interpretando-as.
Já não haverá desconto na operação em que o banco adiante importâncias à próprias subscritora: será um simples mútuo. Resta acrescentar que as posições jurídicas derivadas do desconto prescrevem, não havendo outro prazo, em 20 anos.



● O crédito documentário

Esta é a operação pela qual um banqueiro, a pedido do cliente, abre um crédito a favor dum 3º, crédito esse que o 3º em causa poderá mobilizar mediante a entrega ao banqueiro de determinados documentos.
Fundamentalmente, ele visava facultar pagamentos internacionais, ou pelo menos, à distância. Assim, o comprador duma mercadoria num local distante pedirá ao banqueiro que efectue um pagamento ao vendedor mediante a entrega por este de documentação que ateste a existência, a qualidade e a entrega da mercadoria acordada. O comprador, cliente do banqueiro, constitui-se perante este devedor da importância em causa suportando ainda, salvo cláusula em contrário, todas as taxas e encargos.
Numa situação jurídica de abertura de crédito documentário, do tipo acima descrito, o comprador diz-se ordenante; o banco diz-se emitente e o vendedor diz-se beneficiário.
A abertura de crédito documentário é revogável ou irrevogável conforme o ordenante se tenha, ou não, reservado o direito de revogar a ordem de pagamento, uma vez efectuada. O crédito documentário irrevogável funciona como uma verdadeira garantia, independente das vicissitudes ulteriores.
A abertura de crédito documentário tem assim uma função dupla. Não deixa de ser um negócio de crédito tipicamente bancário uma vez que nele o banqueiro disponibiliza uma importância em dinheiro que irá depois reaver com lucro. Contudo surge uma 2ª e clara função: a do pagamento à distância – transferência - e a da conferência de determinados documentos. Trata-se do cash against documents (CAD).
A abertura de crédito documentário tem dado azo a múltiplas teorias especulativas. Em rigor ela assenta em 2 contratos: o contrato entre o ordenante e o banqueiro, que tem a natureza duma abertura de crédito, dobrada por um mandato sem representação; o contrato entre o ordenante e o 3º que justificará o pagamento a efectuar. O crédito documentário pode, nos termos gerais, ser cedido.
Nessa base, a nossa jurisprudência tem vindo a aplicar a regra de que, sendo irrevogável, o crédito deve ser satisfeito; assim não será se o banqueiro for avisado de que os documentos que lhe são apresentados são falsos. O banqueiro deve proceder a um exame formal da documentação em causa.

● O crédito ao consumo

O crédito ao consumo foi, inicialmente, concedido pelo próprios vendedores sem juros: recorriam pois a capitais próprios e com o fito de melhor colocar a sua mercadoria. Mais tarde os banqueiros vieram associar-se à operação concedendo créditos especificamente destinados ao consumo ou lançando institutos ou departamentos especializados no financiamento de aquisições a prestações.
O crédito ao consumo exige assim redobrados deveres de informação: além da sua delicadeza intrínseca ele dirige-se, muitas vezes, a particulares sem experiência de contactos bancários.
Seria, no entanto, a legislação comunitária, e designadamente as Directrizes nº 87/102/CEE de 22 de Dezembro de 1986 e nº 90/88/CEE de 22 de Fevereiro de 1990, que aprovariam múltiplas regras de tutela no domínio do crédito ao consumo.
Entre nós as Directrizes comunitárias relativas ao crédito ao consumo foram transpostas pelo DL 359/91 de 21 de Setembro. Este diploma tem como linhas de força:
¾ a necessidade de informar o consumidor da “taxa anual efectiva global” ou TAEG que exprima os reembolsos e encargos por ele suportados, numa base anual;
¾ a celebração, por escrito, de contrato com determinados requisitos;
¾ a existência dum “ período de reflexão”: o consumidor pode, nos 7 dias úteis subsequentes, revogar a sua declaração negocial relativa ao contrato.

Encontramos estas regras vertidas nas CCGs praticadas pelos banqueiros mais cuidadosos.
O DL 359/91 prevê ainda medidas de tutela aos consumidores perante a concessão de crédito em conta-corrente (art. 13.º), e sob a forma de descoberto (art. 14.º). No fundamental, esses preceitos vêm concretizar deveres de informação que já se imporiam, nos termos gerais.
Recorrendo à jurisprudência podemos apurar algumas proposições práticas interessantes. Assim:
¾ comete venire contra factum proprium o particular que só ao fim de 3 anos invoca a nulidade de um contrato de crédito ao consumo por falta de indicação escrita do fornecedor do bem;
¾ do art. 12.º do DL 359/91 não se retira que a nulidade da compra e venda implique a do crédito ao consumo;
¾ todavia: revogada, por mútuo acordo a compra e venda, revogado fica o crédito ao consumo.
O crédito ao consumo é dobrado pela consignação de um regime especial de falência do consumidor, uma ideia particularmente acolhida pelo nosso Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas de 2004.
LOCAÇÃO FINANCEIRA

● Origem e vantagens

Locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade (o locador financeiro) concede a outra (o locatário financeiro) o gozo temporário duma coisa corpórea adquirida para o efeito pelo próprio locador a um 3º por indicação do locatário.
O esquema creditício encontra-se vertido nos moldes da velha locação: pretendendo adquirir um bem, para o qual não tenha disponibilidades imediatas, o interessado dirige-se a um banqueiro; acordam no seguinte: o banqueiro adquire o bem em causa e dá-o ao interessado em locação; este irá pagar uma retribuição que traduza a amortização do bem e dos juros; no final o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá ainda nada fazer.
A locação financeira tem diversas vantagens enquanto fórmula destinada a proporcionar crédito bancário. Em 1º lugar ela traduz um crédito de escopo bem delimitado: o financiador paga directamente o bem ao fornecedor. Ela está, ainda, muito aderente ao bem a financiar: acompanha o seu valor e a sua força produtiva. Do ponto de vista da facilidade de concessão as vantagens são claras: o financiador ficará a dispor da própria titularidade do bem, é a garantia por excelência.
Assim ele poderia dispensar maiores indagações sobre o cliente contentando-se com a existência do bem locado.
A locação financeira não surge, formalmente, como um débito, ou seja, as empresas que a ela recorrem não vêem aumentar o seu endividamento ao contrário do que sucederia perante um mútuo tradicional. Além disso a locação financeira permite diluir contabilisticamente os custos das aquisições com múltiplas e potenciais vantagens de ordem fiscal e no tocante à própria imagem da empresa. A sua expansão tem sido constante.
O problema de base derivado da locação financeira tem a ver com o destino dos bens no caso de incumprimento. Em princípio, o locador financeiro dispõe do domínio: a garantia máxima. Trata-se, porém, de uma entidade bancária que não poderá dar ao bem, de equipamento ou outro, que adquiriu para ceder ao locatário qualquer destino produtivo ou sequer útil. Salvo, naturalmente, o colocá-lo no mercado: mas com todas as contingências inerentes ao facto de estar em jogo um bem usado, muitas vezes mal conservado, e porventura demasiado especializado para colocações imediatas.
Os locadores pretendem, perante esse panorama, assegurar-se multiplicando as garantias. Estas encarecem o produto onerando o locatário com encargos não produtivos. Haverá pois que procurar um equilíbrio assente numa repartição razoável e equitativa dos riscos.

●Traços gerais e modalidades

A locação financeira postula uma intervenção de 3 sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário. Infere-se, daí, que ela surge em união com, pelo menos, um contrato de compra e venda. A própria locação financeira consigna depois, em regra, uma opção de compra a favor do locatário. Muitas vezes a locação financeira obriga a celebrar outros contratos: seguros e garantias.
A locação financeira ocorre, assim, como um núcleo apto a suportar os fenómenos da união de contratos e dos contratos mistos.
Tomando-a na sua globalidade a locação financeira é um contrato oneroso, sinalagmático, bivinculante, temporário mas originando relações duradouras e de feição financeira.
A locação financeira comporta múltiplas classificações. Na origem, cumpre apontar as seguintes: net-leasing e gros-leasing, consoante os custos das reparações, dos seguros e outros corram pelo locatário ou locador; short-leasing e long-leasing conforme dure menos de 10 anos ou 10 anos ou mais anos; first ou secondhand-leasing quando se reporte a bens novos ou usados; sale-lease-back-leasing quando o interessado venda o bem ao financiador o qual lho devolve em locação financeira; terme-leasing e revolving-leasing respectivamente para os contratos de duração pré-definida ou de duração indeterminada, à vontade do locatário; kommunal-leasing para os contratos contraídos por autarquias para equipamentos públicos.
Entre nós a distinção fundamental tem operado entre o leasing mobiliário e o imobiliário consoante a natureza dos bens locados seja móvel ou imóvel.






●O regime vigente

A locação financeira viu a sua 1ª regulamentação legal aprovada pelo DL 171/79 de 6 de Junho.
O regime de locação financeira foi depois regulamentado pelo DL 149/95 de 24 de Junho.
Fundamentalmente tratava-se de dar mais alguns passos na liberalização da figura de modo a acompanhar quer os progressos gerais do Direito bancário nacional quer a evolução do Direito europeu.
Assim, o próprio legislador enunciou, no preâmbulo, as inovações seguintes:
¾ alarga-se o objecto do contrato a quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação;
¾ simplifica-se a forma do contrato limitando-se a simples documento escrito;
¾ possibilita-se que o valor residual da coisa locada atinja valores próximos de 50% do seu valor total;
¾ reduzem-se os prazos mínimos da locação financeira podendo a locação de coisas móveis ser celebrada por um prazo de 18 meses e a de imóveis por um prazo de 7 anos;
¾ enunciam-se mais completamente os direitos e deveres do locador e do locatário de modo a assegurar uma maior certeza dos seus direitos e portanto a justiça da relação.

Podemos considerar que nestas simples proposições está, efectivamente, sintetizado o novo regiem da locação financeira.
Muito importante, em termos práticos, é o dispositivo do art. 21.º do novo diploma que estabelece um esquema expedito para o locador reaver o bem no caso de cessação do contrato. Trata-se duma providência cautelar especificamente adaptada que permite a rápida recuperação do bem. Visou-se assim responder às lições da prática: o locatário podia, através de diversos esquemas dilatórios frustrar o domínio do locador. Só por si o contrato de locação financeira não é, porém, título executivo. O art. 23.º veda operações similares ao leasing.
A publicação do DL 149/95 de 24 de Junho, o qual revogou expressamente o DL 171/79 deixou uma duvida: teria sido revogado o DL 10/91 de 9 de Janeiro?
Surgiu assim o DL 265/97 de 2 de Outubro. Visando esclarecer o problema este diploma revogou, de modo expresso o DL 10/91. Paralelamente, ele introduziu diversas alterações no DL 149/95 de 24 de Junho de modo a contemplar o leasing de imóveis para habitação.
Finalmente o DL 285/2001 de 3 de Novembro veio alterar novamente a locação financeira. Desta feita pretendeu-se, no essencial, reforçar a autonomia privada pondo termo a algumas regras restritivas.

●A prática da locação financeira; o incumprimento

Os contratos de locação financeira são concluídos na base de cláusulas contratuais gerais, bastante circunstanciadas, aprontadas pelas sociedades locadoras. Tais cláusulas sujeitam-se à fiscalização jurisdicional: desde cedo a jurisprudência entendeu que tal fiscalização não era afastada pelo facto de ocorrer uma aprovação pelo BP dos modelos dos contratos, de acordo com o depois revogado art. 4.º/2 do DL 171/79.
A locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito ainda que vertido nos moldes da velha locação. Assim não lhe são aplicáveis as regras da compra e venda e designadamente as regras da venda a prestações. O locatário é responsável pelas consequências advenientes do funcionamento da coisa designadamente pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil. A ele compete, por exemplo, obter os documentos da viatura locada, agindo no caso de vício da coisa.
De todo o modo a cepa da locação também faz valer o seu peso: o locador deve assegurar a entrega da coisa, ainda que só responda por dolo ou culpa grave; o locador é ainda o possuidor da coisa em termos de propriedade exercendo a sua posse através do locatário ( pode usar embargos para defender a sua posse. Transmitida, na pendência do contrato, a propriedade do bem locado o novo proprietário passa a locador por aplicação do art. 1057.º do CC.
O fornecedor é estranho à relação verificada entre locador e locatário não respondendo solidariamente pela situação criada. No termo da relação o locatário dispõe, segundo o tipo de leasing, duma opção de compra: é nula a cláusula que obrigue o locatário a comprar a coisa.
O incumprimento tende a colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso haverá dificuldades em colocá-lo no mercado visto tratar-se de um bem usado e normalmente em mau estado de conservação. O locador financeiro, através das suas cláusulas contratuais gerais, tende assim a rodear-se de garantias pesadas gizando ainda cláusulas penais de grande extensão. A jurisprudência tem actuado no sentido de moderar tais esquemas de protecção. Em especial ela veio a fixar-se em que o locador, como alternativa e perante o incumprimento, ou resolve o contrato ou faz vencer as obrigações vincendas. Esta última hipótese poderia estar contemplada no contrato, com juros. A locadora poderia ainda resolver o contrato por incumprimento independentemente de accionar o seguro-caução prestado por uma companhia seguradora.
Uma vez resolvido o contrato por incumprimento a jurisprudência tem entendido, dum modo geral, que não pode haver lugar à cobrança das prestações vincendas. Bem se compreende: se o locador recebe o bem locado, não se entenderia que recebesse também as rendas subsequentes a essa recepção. A resolução, que deve ser pactuada, é incompatível com a cláusula penal de recepção das rendas vincendas.
Assente esse ponto a jurisprudência encaminhou-se para admitir a inclusão de cláusulas penais. Seriam admitidas cláusulas que consignassem o pagamento, pelo locatário inadimplente, de 1/5 das rendas vincendas e do valor residual; com hesitações essa orientação veio a sedimentar-se na jurisprudência a qual acrescentaria ainda mais 20% do valor residual e os juros vencidos desde a resolução até ao efectivo pagamento. Trata-se duma opção consolidada nos últimos anos. A jurisprudência não aceita que, por via de cláusulas contratuais gerais, o locador ganhe mais com o incumprimento do que com a comum execução do contrato.
Quando recorra à resolução nenhuma norma limita a indemnização ao chamado interesse negativo, isto é, ao interesse que teria na não celebração dum contrato que seria incumprido e que é, em regra, substancialmente menor.
As dúvidas surgem por o CC não referir, directamente, a resolução por incumprimento mas apenas a resolução por impossibilidade culposa imputável ao devedor (art. 801.º/2). Esta norma é, porém, aplicável ao incumprimento culposo definitivo. A lei é clara: a resolução opera “… independentemente do direito à indemnização…”. Esta, nos termos gerais, deve colocar o credor na posição em que estaria se não fosse a violação, arts. 798.º e 562.º entre outros do CC. O interesse positivo deve ser considerado: danos emergentes e lucros cessantes.
Havendo resolução há uma limitação da indemnização mas por via diferente: recebendo o bem de volta o locador não poderá facturar, simultaneamente, o valor deste e o das rendas vincendas (haveria uma duplicação).
Contudo a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos investimentos que devem ser compensados. A sua actividade é puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais quando receba de volta o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável. Para além destas considerações haverá que ponderar, de acordo com o tipo de contrato em causa, o eventual excesso de cláusula penal.
O DL 149/95 precisou os termos da resolução: esta já não tem, assim, de ser pactuada. Segundo o art. 16.º a resolução é possível perante uma mora de 60 dias do locatário, salvo cláusula mais favorável a este. Notificada a resolução, o locatário pode precludi-la pagando o montante em dívida acrescido de 50%.
Registe-se, por fim, que a multiplicação de garantias, mesmo excessiva, não é só por si abusiva. Tudo depende de ter sido devidamente acatado o dever de informação e de esclarecimento aquando da conclusão do contrato.

●Aluguer de longa duração e renting

O art. 23.º do DL 149/95 proibiu a realização por qualquer entidade, de forma habitual, de operações de natureza similar ou com resultado equivalente aos da locação financeira.
No entanto, a prática levou à consagração do contrato de aluguer de longa duração (ALD). Trata-se de um produto relativo, na prática, a automóveis: o locador proporciona ao locatário, por um período longo, o uso e a fruição de um veículo. O contrato não teria natureza financeira antes visando directamente o que resulta de qualquer locação. Acresce que o locatário não tem o direito de opção final.
Uma 2ª fórmula contratual próxima da locação é o renting ou aluguer operacional. Desta feita temos igualmente uma locação de veículos ou equipamentos por uma longa duração mas associada a serviços: o locador deverá, por exemplo, assegurar a manutenção dos bens locados.
Estas figuras regem-se pela autonomia privada sendo patente, por parte da jurisprudência, uma orientação consistente em não lhes aplicar os regimes restritivos da locação.








CESSÃO FINANCEIRA

●Noção e papel

Contrato de cessão financeira, ou de factoring, é o contrato pelo qual uma entidade, o cliente ou o aderente, cede a outra, o cessionário financeiro ou o factor, os seus créditos sobre um 3º, o devedor ou debitor, mediante uma remuneração.
A cessão financeira é, antes do mais, uma forma de financiamento a curto prazo do aderente ou cedente financeiro. Nessa medida ela apresenta, entre outras, as seguintes vantagens:
¾ confere maior liquidez à empresa: uma vez que faculta a imediata realização das facturas, a cessão financeira dispensa meios de pagamento que, de outro modo, só lhe seriam atribuídos dentro de semanas ou meses;
¾ incrementa a sua rendibilidade: dispondo de liquidez a aderente pagará de imediato aos seus próprios fornecedores conseguindo com isso preços mais favoráveis; além disso pressionada pela lógica do factoring ela tudo fará para colocar no mercado rapidamente os seus produtos de modo a conseguir emitir as almejadas facturas;
¾ impulsiona a expansão: numa situação de perfeito equilíbrio, um contrato de factoring irá drenar, atrás das comissões e dos ágios, para o factor meios monetários que, doutro modo, ficariam no aderente; num cenário de expansão, porém, os custos do factoring serão repercutidos nas facturas emitidas (para o futuro) e imediatamente liquidadas pelo factor; compreende-se que o factoring interesse a empresas em expansão e, uma vez celebrado, impulsione essa mesma expansão;
¾ limita o endividamento: a empresa “factorizada” não recorre, em princípio, a créditos a curto prazo; liberta assim os seus patamares bancários para operações de fundo, como créditos imobiliários, para investimentos em bens duradouros;
¾ favorece o balanço: a apresentação das contas da empresa “factorizada” é favorecida pelo factoring; pense-se na diminuição ou supressão do passivo;
¾ aumenta o fundo de maneio: justamente pelo aumento de liquidez e pela maior rendibilidade;

A cessão financeira implica depois, ou pode implicar em função do clausulado adoptado, a transferência do risco para o factor. Daí resulta, como especial vantagem, a diminuição dos riscos para o aderente.
Temos mais precisamente:
¾ o aderente pode laborar sem a insegurança das facturas não pagas;
¾ o aderente fica dispensado de recorrer a outros esquemas destinados a enfrentar incumprimentos: seguros de crédito, provisões para incobráveis e especiais assistências jurídico-económicas;
¾ o aderente poupa nas medidas de emergência destinadas a enfrentar incumprimentos: não tem de recorrer, por ex. a créditos de emergência ou de manter activos esquemas como as contas-correntes caucionadas.

Por fim, a cessão financeira está crescentemente implicada na prestação de serviços. Nesse domínio a empresa factorizada tem, por exemplo, as seguintes vantagens:
¾ pode dispensar um departamento de cobranças: todas essas tarefas passam para o factor;
¾ também a gestão da carteira de clientes passa para o factor, nos aspectos materiais;
¾ a avaliação dos 3ºs credores é feita pelo factor que em princípio está melhor colocado para esse efeito: tem conhecimentos, tem experiência e tem, sobretudo, acesso a informações que lhe permitem uma melhor apreciação;
(para mais vantagens: pag 578)
A cessão financeira não é uma panaceia. Ela comporta alguns inconvenientes que será possível agrupar em:
¾ custos;
¾ desvantagens na gestão;
¾ problemas psicológicos;
No tocante aos custos, o factoring implica um produto relativamente caro. Desde logo, há que pagar a comissão geral ao factor sobre o volume das facturas tratadas; tal comissão oscila consoante os países, as empresas, os sectores e as próprias facturas falando-se de margens entre 1% e 3% e entre 3% e 5%. Depois computa-se uma margem ou comissão de garantia que funciona como prémio pelo risco assumido pelo factor. Por fim, há que contar com os juros relativos às antecipações de capital.
A gestão das sociedades factorizadas pode sofrer. A lógica das sociedades de factoring tenderá a ser financeira e comercial. A empresa factorizada pode ser levada a centralizar os seus produtos evitando novos mercados porventura mais avançados mas com riscos. Além disso, a empresa factorizada vai perder valências e experiências no tocante à gestão das facturas e dos clientes. Perde pois independência negocial face ao factor. Por fim o factoring é um contrato total e exclusivo que traduz uma associação duradoura entre o factor e o aderente. Este tende a ficar enfeudado ao grupo do factor sentindo dificuldades depois em dirigir-se a outros grupos de modo a, tirando partido das regras do mercado, obter melhores produtos. Em suma: a empresa factorizada pode perder autonomia.
Também se chama a atenção para problemas psicológicos colocados, ou eventualmente colocados, pelo factoring. Muitas vezes (por falta de informação) grassa a ideia de que recorrem ao factoring as empresas em dificuldades. Pode, por aí, diminuir a margem de manobra da empresa factorizada com perdas, inclusive, para a credibilidade dos seus produtos. Reflexos psicológicos negativos surgem também junto do 3º devedor. Tendo contratado com um fornecedor, por vezes até em termos de cordialidade pessoal, este deverá ficar desagradado quando, para o pagamento, seja interpelado por uma impessoal sociedade financeira. Em suma: podendo escolher o fornecedor preferirá trabalhar com uma empresa “normal” que com uma factorizada.
Algumas destas desvantagens podem ser suprimidas ou amenizadas com recurso a diversos esquemas contratuais. Por exemplo: pode-se recorrer a um factoring não aparente, não notificado ao 3º devedor, como modo de tornear os referidos problemas psicológicos.
De todo o modo, o jogo das vantagens e desvantagens do factoring confirma a existência de empresas factorizáveis. Assim:
¾ o factoring interessa a empresas de média dimensão; as de pequena dimensão não têm margens de absorção dos custos do factor enquanto as grandes têm departamentos de cobranças de contabilidade;
¾ o factoring atrai empresas equilibradas: os desequilíbrios estruturais ou sérios requerem medidas de saneamento que o factor, que actua apenas na franja do curto prazo e com conhecimentos de gestão limitados, não pode amparar;
¾ o factoring é apetecível para empresas com poucos capitais próprios, mas que escolham a via da expansão;
¾ o factoring opera nas áreas das vendas por grosso; as cobranças dirigidas a “consumidores finais” ou a pequenos clientes não são rendíveis;
¾ o factoring prefere os sectores com margens confortáveis de modo a absorver o acréscimo de custos que implica.

●A experiência portuguesa

O factoring vem referido, no espaço jurídico português, pela 1ª vez em diploma legal.
O DL 41 403 de 27 de Novembro de 1957 aprovara a organização bancária portuguesa. No seu art. 3.º ele vinha enumerar o que considerava as diversas instituições de crédito. Tinha em vista no seu art. 5.º embora sem as nomear as denominadas instituições parabancárias.
Em 18 de Março de 1986 foi publicado o DL 56/86 o qual, de acordo com o sumário oficial inserido no Diário da República, sistematiza as bases económico-jurídicas da actividade de factoring no país.
A sua regulamentação apresentava-se desnecessariamente restritiva. Assim, no âmbito das reformas subsequentes à publicação do RGIC, foi preconizada a pura e simples abolição da regulamentação legal do contrato de cessão financeira.
O legislador seguiu parcialmente essa indicação. O DL 171/95 relativo às sociedades de cessão financeira compreende 2 arts. sobre o contrato e o seu funcionamento: o 7.º e o 8.º.
Segundo o art. 7.º o contrato de cessão financeira deve ser celebrado por escrito e a transmissão de créditos ao abrigo da cessão deve ser acompanhada pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente.
O art. 8.º contém limitações quanto ao pagamento dos créditos transmitidos. Tais limitações serão aparentes.

●Estrutura e modalidades

O contrato de factoring é susceptível de se estruturar em termos duais ou em termos unitários. No 1º caso haverá um contrato-quadro que depois obrigará a celebrar diversas cessões de créditos; no 2º surgirá um único contrato de cessão de créditos futuros. Ambas as figuras são logicamente possíveis tudo dependendo da vontade das partes. Ponderados os interesses em presença parece, porém, que a solução dualista é a que melhor assegura a sua tutela (arts. 577.º e 578.º).
A cessão de créditos constitui, assim, um modo de transmitir obrigações, mais precisamente: uma transmissão dum crédito mediante um contrato entre o antigo credor e o novo credor, isto é, mediante o denominado contrato-base ou contrato-fonte. Distingue-se da sub-rogação que pressupõe um cumprimento da assunção de dívidas que tem a ver com o lado passivo da relação obrigacional e da cessão da posição contratual que se perde com a transmissão duma posição complexa que envolve direitos e obrigações.
Regressando à cessão financeira verifica-se, com estes elementos, que a operatividade da figura só se reforça distinguindo os 2 momentos que a animam. Num 1º momento as partes celebram entre si o denominado contrato de factoring pelo qual regulam o conjunto das suas relações.
Esse contrato ai estabelecer as diversas funções que, in concreto, irão operar e designadamente:
¾ a venda de créditos, com ou sem financiamento prévio;
¾ o regime do risco, com um eventual papel “segurador” do factor, mediante a competente remuneração;
¾ os serviços a prestar pelo factor.

O art. 7.º do DL 171/95, embora empiricamente, parece ter acolhido a estrutura dualista do factorig. Efectivamente o nº 1 deste preceito prevê uma regulação global das relações do factor com o aderente através do contrato de factoring. O nº 2 reporta-se, depois, a uma actividade jurídica ulterior.
O contrato de cessão financeira apresenta-se, antes do mais, como um contrato organizatório, isto é, um contrato que conduz a uma colaboração duradoura entre as partes com vista à satisfação de interesses respectivos. A natureza organizatória da cessão financeira explica a intensidade dos deveres de lealdade e de colaboração que dela ressaltam para as partes; além disso ela documenta as especiais precauções que acompanham a sua preparação e que precedem, ou devem preceder, a sua cessação.
O factoring é, ainda, um contrato oneroso, sinalagmático, consensual. Duradouro e de conteúdo atípico misto: oneroso por pressupor contrapartidas; sinalagmático por as prestações das partes operarem como contrapartida umas das outras; consensual por não implicar a entrega de qualquer coisa e ainda por não estar sujeito a qualquer forma; duradouro por perdurar no tempo, não se extinguindo com o seu cumprimento.
Quanto ao conteúdo atípico misto verifica-se que o factoring tem os seguintes elementos:
¾ uma promessa de venda de créditos futuros;
¾ uma asunção de risco;
¾ a prestação de diversos serviços.

É muito duvidoso que se possa descobrir, no factoring, um núcleo de contrato-promessa no sentido do art. 410.º/1 do CC. De facto, o factoring implica uma ulterior actividade jurígena, suficientemente determinada, mas não individualiza nenhum contrato no sentido habitual do preliminar. Pode, porém, falar-se numa promessa de celebrar futuros contratos, depois de feita a ressalva.
Resta concluir que o factoring se apresenta como um contrato-quadro organizatório, estruturalmente centrado em ulteriores vendas de créditos, com elementos do seguro e da prestação de serviços e com uma função predominantemente financeira. È tecnicamente atípico embora corresponda a um tipo social de actuação.
É possível estabelecer um quadro das modalidades da cessão financeira.
É possível distinguir:
¾ a cessão financeira própria;
¾ a cessão financeira imprópria.
Na cessão financeira própria o risco do incumprimento do 3º devedor transfere-se para o factor; na imprópria isso não sucede, seja porque o factor só pagará ao aderente após boa cobrança do crédito, seja que ele, na hipótese do incumprimento, dispõe dum regresso contra o próprio aderente. Aparentemente tudo estará em saber se o factoring concreto implica, ou não, a função seguradora com a consequente assunção do del credere, pelo factor. Tecnicamente há bastante mais: o factoring impróprio não traduz, afinal, uma verdadeira cessão de créditos; acabará, estruturalmente, por ser um mútuo com restituição atípica (doutrina alemã) ou um mandato (doutrina francesa). Ela segue boa parte do regime da cessão própria: basta ver que ele é celebrado por sociedades de factoring.
Ainda de acordo com as funções cumpre distinguir:
¾ a cessão financeira propriamente dita ou factoring “tout court”, também surge designada como factoring multi-serviços;
¾ a cessão financeira de serviços ou factoring de serviços;
¾ a cessão financeira sem serviços.

O factoring propriamente dito tem um núcleo centrado na cessão de créditos com escopo financeiro; normalmente agregará a transferência do risco e a prestação de serviços.
O factoring de serviços corresponde ao maturity factoring norte-americano e postula a eliminação das funções financeira e seguradora. O factor limita-se a assegurar a cobrança das facturas do aderente e a prestar-lhe os serviços de contabilidade, de consultadoria e de acompanhamento que tenham sido acordados. Não há pois aqui, em rigor, nenhuma cessão de créditos. Em termos práticos, porém, a expressão não é violentada uma vez que as facturas são cedidas, materialmente, ao factor.
O factoring de serviços vem bulir com o sigilo bancário e com aspectos técnicos e deontológicos delicados: bem parece, pois, que se faculte a sua celebração apenas a sociedades de factoring ou equiparadas para defesa dos próprios aderentes.
No factoring sem serviços passa-se para o outro extremo: o factor desempenha, exclusivamente, um papel financeiro.
Consoante postule, ou não, a notificação ao devedor há que distinguir:
¾ a cessão financeira aberta;
¾ a cessão financeira fechada;
A cessão financeira aberta é notificada ao devedor (rectior): é-o cada acto concreto de cessão concluído em execução do factoring. A cessão financeira fechada não é dada a conhecer a 3ºs. Em termos práticos isso significará que, visto o disposto no art. 583.º/1 do CC, a cessão financeira fechada não produzirá efeitos perante o devedor.
O factoring fechado visa precaver o aderente contra os aspectos psicológicos nocivos que possa ter, na praça considerada, o saber-se da sua factorização.
O factoring é total ou parcial consoante abranja todas as facturas do aderente ou apenas as de certo tipo. Este será determinado quantitativa ou qualitativamente: por exemplo, o factoring pode abranger apenas as facturas que ultrapassem certo montante mínimo, ou que tenham a ver apenas, com determinada categoria de clientes. Se o factoring não for total perde-se a sua função de aliviar o aderente de serviços de cobranças e de contabilidade.
O factoring pode ser em branco ou selectivo: o factoring em branco obriga o factor a aceitar e pagar ao aderente todas as facturas que este lhe envie; o factoring selectivo confere ao factor a faculdade de aprovar as facturas que pague remetendo as demais para boa cobrança. Neste último caso o factor actuará como simples mandatário do aderente e não como cessionário.
O factoring pode ser interno ou internacional consoante apresente conexões apenas com a ordem interna ou, pelo contrário, também com outros espaços. Neste último caso haverá ainda que referir o factoring para importação e o factoring para exportação.
No factoring de grupo surge ainda outra distinção curiosa: o factoring monocedido e o factoring monocedente. No factoring monocedido a sociedade de factoring adquire todos os créditos que fornecedores tenham sobre empresas do grupo; no factoring monocedente a sociedade de factoring adquire todos os créditos que as empresas do grupo tenham para com 3ºs fornecedores.
Como variante do factoring internacional surge-nos a figura do exportforfaiting: o exportador aliena a um banqueiro os seus créditos sobre o estrangeiro; só irá, todavia, recebendo o seu valor à medida que se confirme a sua existência e que não operem excepções. O risco corre, pois, pelo exportador.

● Formação e conteúdo

No tocante à formação do contrato de factoring a doutrina sublinha a sua sujeição às regras comuns habituais para todos os contratos. De todo o modo há, na cessão financeira, algumas particularidades para que cumpre chamar a atenção.
A cessão financeira é um negócio duradouro que implica uma relação organizatória entre as partes. Compreende-se, assim, que ela exija um elevado nível de confiança entre os celebrantes. Em princípio qualquer empresa de factoring legitimamente constituída será de confiança: elas sujeitam-se a regras rigorosas aquando da constituição e, além disso, encontram-se sob a fiscalização dos bancos centrais respectivos. Quanto às empresas aderentes cumpre ao factor, no período pré-contratual, informar-se a seu respeito.
De acordo com o art. 7.º/1 do DL 171/95 a cessão financeira deve ser celebrada por escrito.
Os contratos de factoring tendem a formar-se por adesão. As sociedades de cessão financeira predispõem, em regra, condições gerais que as partes se limitam depois a subscrever. Admitem-se, naturalmente, condições especiais acordadas por elas, caso a caso.
O recurso a CCGs é duplamente necessário: trata-se de contratos relativamente complexos tornando-se inviável uma conveniente estruturação na base de um empirismo casuístico.
A cessão financeira pode, formalmente, apresentar as mais diversas configurações. Além disso, ela tenderá a apresentar outras cláusulas, as cláusulas acidentais típicas, em função das opções das partes.
Para além da identificação das partes e do contrato a cessão financeira compreenderá:
¾ uma cláusula que preveja a entrega, para efeitos da cessão, de todos os créditos do aderente ao factoring (princípio da globalidade);
¾ uma cláusula que preveja o pagamento dos créditos tomados, com ou sem antecipação;
¾ uma cláusula que preveja a obrigação de notificar o devedor da cessão operada;
¾ uma cláusula relativa ao dever do factor de aceitar os créditos oferecidos;
¾ a remuneração do factor;
¾ a duração do contrato.

Além disso, o contrato poderá conter, por exemplo:
¾ cláusulas que restrinjam os créditos a oferecer;
¾ cláusulas que regulem o regime de pagamento de créditos.
Para mais exmps pag 592.

Em certas modalidades de factoring podem faltar cláusulas acima descritas como essenciais. Nessa altura é conveniente as partes explicitarem-no no contrato.
O contrato de factoring, mau grado a sua nominação legal, é um contrato misto atípico. E, assim sendo, ele não dispõe de nenhum regime supletivo claramente aplicável. Caso a caso e lacuna a lacuna será necessário proceder à complementação do contrato.
Na cessão financeira o elemento dominante é a cessão, por venda, dos créditos. Logo, pelo menos nessa parte, perante insuficiências contratuais, haverá que recorrer ao regime da compra e venda.
O factoring contém depois uma área de prestação de serviços. Desta feita o regime supletivo é dado pelo art. 1156.º do CC: haverá, com as devidas adaptações, que recorrer ao regime do mandato.
Ambas as partes contratam personalizadamente na base das qualidades uma da outra. Não é, por isso, pensável que se possa assistir a cessões das posições contratuais sem o consentimento da contraparte. Reforçada fica pois a regra geral do art. 424.º do CC.
As partes não deixarão, por certo de, no próprio contrato estipular o regime da sua cessação. Em regra, o contrato será celebrado para vigorar durante determinado lapso de tempo admitindo-se a sua renovação. A não-renovação deverá ser comunicada pela parte interessada à outra, com uma determinada antecedência. Particularmente no tocante à oposição perante a renovação conduzida pelo factor: cumpre sublinhar que o aderente irá ficar numa situação melindrosa uma vez que, ou encontra outro factor, ou terá de engendrar um departamento de cobranças e, ainda, fontes alternativas de financiamento.

E se as partes não estipularem nada?
A aplicação das regras do mandato levaria a que a sociedade de factoring pudesse revogar a todo o tempo o contrato enquanto a aderente (semelhante ao mandante) só o poderia fazer com justa causa (art. 1170.º do CC). Quando muito o factor teria de indemnizar, nos termos do art. 1172.º,d) do CC, a aderente, se não tivesse procedido com a antecedência conveniente.
Estas regras parecem pouco adequadas para o factoring. Sugere-se, assim, a aplicação analógica do art. 28.º do DL 178/86.
Na falta de pré-aviso (art. 29.º) a parte a ele obrigada deve indemnizar a outra pelos danos causados com a omissão.
O contrato caducará se alguma das partes se extinguir; na hipótese de o aderente ser uma pessoa singular, o contrato caduca pela morte desta nos termos do art. 1174.º, a) do CC.
Nos termos gerais, o contrato poderá ser resolvido por qualquer das partes com base no incumprimento perpetrado pela outra.

●Efeitos

A factorização é celebrada em regime de exclusivo. O aderente só pode, pois, ter um único factor: ele fica contratualmente adstrito, ainda que de modo implícito, a não celebrar novos contratos de factoring na vigência do anterior. A título principal o aderente fica adstrito a oferecer todos os seus créditos ao factor: é o princípio da globalidade. Também a título principal ele deverá ainda pagar as retribuições a que o factor tenha direito: a comissão ad valorem, a comissão de risco e os juros pelas antecipações. Em regra, o aderente deverá notificar os 3ºs devedores da cedência dos respectivos créditos. Uma vez consumada a cessão não pode ser revogada: o credor será o factor. Assim, requerendo os trabalhadores o arresto de créditos já cedidos, pode este embargar de 3ºs.
Seguem-se diversos deveres secundários eventualmente acordados pelas partes. Estão nessas condições os deveres instrumentais relativos ao modo de apresentar facturas e outras regras de procedimento. Além disso, o aderente poderá ficar onerado com um dever de, por via de regresso, pagar as facturas que o factor não tenha conseguido receber.
Acessoriamente, o aderente, ex bona fide, fica adstrito a manter uma gestão sã e prudente de modo a não prejudicar o factor.
Outros deveres são possíveis dependendo do clausulado das partes. As suas posições activas são a contrapartida dos deveres do factor.
O factor deve aceitar e pagar os créditos que lhe sejam submetidos. Na hipótese de factoring selectivo ele deve aceitar os créditos de acordo com critérios de normalidade e de razoabilidade: nunca rejeitá-los, apenas, por exemplo, para evitar documentar-se sobre o 3º devedor. Além disso ele não deve hostilizar o devedor no interesse do aderente. Nos termos do art. 587.º/2 do CC, supletivo, o aderente não garante a solvência do 3º devedor. A título principal o factor deve prestar com toda a diligência os serviços incluídos no contrato.
O art. 8.º do DL 171/95 parece impedir antecipações dos pagamentos em relação à data do vencimento: embora o nº 2 o permita, o nº 3 poderia ser entendido em sentido contrário. Não é assim: a cessão financeira permite pagamentos antecipados mas por conta de créditos cedidos (ainda que não vencidos); não por créditos inexistentes; isso seria um mútuo puro e simples, fora da cessão financeira.
O factor terá deveres procedimentais a observar para com o aderente.
Os deveres acessórios, impostos pela boa fé, serão particularmente flagrantes no domínio dos serviços quando estes não tenham sido arvorados pelas partes a explícitos deveres principais. O dever de sigilo é evidente. Mas, além disso, ele deverá prevenir, ex bona fide, o aderente das deficiências que apure ou dos riscos desnecessários que o veja assumir.
Nos termos legais, a cessão de créditos opera sem necessidade do consentimento do devedor. No entanto, para produzir efeitos em relação a este, ela terá de lhe ser notificada, ainda que extrajudicialmente, noos termos do art. 583.º/1 do CC. Feita a notificação o devedor (só) se exonera perante o factor. Na hipótese dum conflito de cessões prevalece a que 1º for notificada ao devedor, segundo o art. 584.º do CC.
Pode acontecer que no contrato celebrado entre o 3º devedor e o aderente, e do qual resulte o crédito a ceder, tenha sido inserida alguma cláusula de incedibilidade. Tais cláusulas são inoponíveis ao factor, salvo se este as conhecesse no momento da cessão, como se infere do art. 577.º/2 do CC. Posto isso, cumpre sublinhar que, tendo celebrado um contrato de cessão financeira, o aderente fica inibido de convencionar cláusulas de incedibilidade com os 3ºs potenciais cedidos. Se o fizer está a violar o próprio contrato de factoring. O factor, uma vez prevenido, já não pode opor o factoring ao 3º incedível: resta-lhe pedir contas ao aderente.
Segundo o art. 582.º/1 do CC, na falta de convenção em contrário, a cessão de crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.
Toda a lógica da cessão de créditos assenta no postulado de que a posição do devedor cedido não se torna mais onerosa por força da alteração verificada na pessoa do credor. Este postulado tem um conteúdo normativo: a posição do devedor não deve tornar-se mais onerosa. Assim, o 3º devedor poderá opor ao factor todos os meios de defesa de que dispusesse contra o aderente (art. 585.º) e, designadamente, a excepção do não cumprimento do contrato. Quando sejam procedentes, o factor apenas poderá agir contra o aderente, uma vez que, segundo o art. 587.º/1 do CC este garante a existência e a exigibilidade do crédito no momento da cessão. Já na hipótese de insolvência ou de não cumprimento ad nutum, o risco é, em princípio, do factor.
Os meios de defesa posteriores à comunicação da cessão já não são operacionais. Tome-se o exemplo da compensação: o 3º devedor pode compensar o seu débito com créditos que tenha contra o aderente desde que constituídos antes da notificação da cessão. A compensação já não opera com créditos posteriores à notificação: nessa altura, o aderente já não é credor, tal posição é ocupada pelo factor.
Porém, o crédito anulado já não vale, mesmo quando cedido.







Capítulo IV – DAS GARANTIAS DO DIREITO BANCÁRIO

Secção I – PENHORES BANCÁRIOS

PENHOR BANCÁRIO COMUM

· Generalidades

A responsabilidade patrimonial leva a que , salvo desvios, por determinada dívida, responda :
- todo o património do devedor
- apenas o património do devedor
O património funciona como garantia geral das obrigações.
Aquando da contracção de uma dívida, o credor ir, naturalmente, ponderar se o património do devedor constitui garantia suficiente para o seu direito. Quando a resposta seja negativa, o credor pretenderá um suplemento de garantias. E mesmo quando seja positiva : poderá sempre suceder que, no momento da execução patrimonial , por incumprimento e mercê duma acumulação de dívidas subsequentes, o património do devedor seja, já, insuficiente.
As necessidades do sistema levam, a que, para além da garantia geral, sejam estabelecidos esquemas suplementares destinados a assegurar os direitos do credor. Tais esquemas recebem, a designação de garantias especiais.
As garantias especiais podem ser ordenadas de acordo com as mais diversas classificações. Designadamente, elas serão:
- garantias reais : implicam como fim da garantia uma coisa corpórea
- garantias pessoais : implicam como fim da garantia simples prestações de terceiros.
Podemos ainda distinguir:
- garantias típicas: dispõem de regulamentação legal
- garantias atípicas : não dispõem de regulamentação legal
No Direito português, os direitos reais estão sujeitos a um princípio de tipicidade : art. 1306º, do Código Civil.
Assim, as garantias reais são, em princípio, sempre típicas, enquanto as pessoais poderão ser típicas ou atípicas : no primeiro caso, as partes aproveitam uma figura prevista na lei; no segundo, elas fazem uso da sua liberdade contratual – art. 405º do Código Civil – para criar uma nova figura de garantia.
De entre as garantias reais tradicionais , o Direito Português prevê o penhor e a hipoteca : no primeiro , uma coisa móvel é entregue, em determinadas circunstâncias, para garantia duma obrigação ;: na segunda, sucede outro tanto com um imóvel ou semelhante.
A lei comercial admite, por seu turno, o penhor mercantil.

· O penhor civil

Surge-nos o penhor no livro III do Código Civil, dedicado ao Direito das Obrigações e, aí, no título I, relativo às obrigações em geral. Este título, por seu turno, comporta um capítulo VI, intitulado garantias especiais das obrigações, com 7 secções.
Segundo o art. 669º/1 : “ o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro”.
O art. 649º, aplicável por via do art. 678º, proíbe os pactos comissórios : “ É nula mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”.
Trata-se de uma proibição material : ela atinge os mecanismos que, na prática consigam precisamente o que a lei quis proibir.
No tocante ao penhor de direitos , principia-se por uma regra geral de aplicabilidade do0s preceitos relativos ao penhor de coisas, “...em tudo o que não seja contrariada pela natureza especial desse penhor ou pelo preceituado nos artigos subsequentes” – art. 679º.
Quanto ao objecto, deve tratar-se de direitos que visem coisas móveis e sejam susceptíveis de transmissão – art. 680º. Temos quanto à forma e à publicidade – art. 681º.





· Penhor mercantil e penhor bancário

O regime comum do penhor , tal como consta do Código Civil – ou penhor civil – serve, hoje, apenas e na prática, como referência geral. Na verdade, o penhor é considerado como uma “ actividade industrial”, estando, no essencial sujeito a regimes especiais. O art. 668º do Código Civil aponta para tanto.
Um primeiro regime a considerar é o do penhor comercial – art. 397º do Código Comercial.
A grande especialidade do penhor mercantil reside no dispositivo do art. 398º do Código Comercial : “ Pode convencionar-se a entrega do penhor mercantil a terceira pessoa. A entrega do penhor mercantil pode ser simbólica, a qual se efectuará :
1º Por declarações ou verbas nos livros de quaisquer estações públicas onde se acharem as coisas empenhadas;
2º Pela tradição da guia de transporte ou do conhecimento da carga dos objectos transportados;
3º Pelo endosso da cautela de penhor dos géneros e mercadorias depositadas nos armazéns gerais.”

Quanto ao penhor em títulos de crédito rege o art. 399º do Código Comercial.
No Direito bancário , o regime do penhor é, ainda mais elástico : assim, atende-se no Decreto – Lei nº 29:833 de 17 de Agosto de 1939.
O figurino do penhor pode ser usado pelas partes para confeccionar garantias atípicas, particularmente actuantes no campo bancário. Assim nos surgem o que designamos “ penhores bancários especiais”.

PENHORES BANCÁRIOS ESPECIAIS

· Penhor de conta bancária

Como primeira figura derivada do penhor bancário temos o “penhor de conta bancária”. Pode caracterizar-se como :
- determinados depósitos bancários ficam afectos ao pagamento de certas dívidas;
- os depositantes obrigam-se a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas;
- os depositantes autorizam o Banco a debitar , na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.
Tal penhor, pela própria especificidade do seu objecto, distingue-se do penhor comum. Na verdade :
- ele recai sobre uma coisa corpórea ou a ela assimilável : o dinheiro depositado é propriedade do Banco : antes respeita aos créditos do garante sobre o Banco;
- ele postula um regime particular de funcionamento : o débito das importâncias garantidas na conta do declarante;
- finalmente, ele obriga o garante a manter a conta provisionada : é uma garantia pessoal e não real.
O penhor de “ conta bancária”, reporta-se, de facto, ao saldo desta.
O denominado “penhor” de conta bancária não é um verdadeiro penhor, no sentido dum direito real de garantia ; trata-se , antes duma garantia pessoal dobrada pela autorização de debitar na conta garante, determinadas importâncias.
Esta solução tem, implícita uma cláusula de principal pagador, perfeitamente viável, perante o art. 640º, al. a), do Código Civil. Além disso, limita a responsabilidade do garante ao montante da conta em jogo : não é pis, uma garantia de conteúdo indeterminável.
Pergunta-se, perante os artigos 694º e 665º do Código Civil se esta figura é admissível. Se estivesse em causa um penhor – direito real de garantia, o negócio seria nulo, por ter natureza comissória.
Não temos, porém, um penhor – direito real de garantia : trata-se antes de um penhor de conta bancária. Cumpre questionar, no entanto, se a proibição do art. 694º não teria ainda aplicação : afinal há uma evidente analogia de situações. A resposta é negativa.





· Penhor de seguros

A prática bancária actual aceita como garantia, a posição jurídica do beneficiário de um seguro.
Em princípio funcionarão as regras próprias do penhor de créditos, com as alterações que as partes tenham introduzido, ao abrigo da autonomia privada.. Daí o falar-se em “penhor de seguros”.

Secção II – ACORDOS DE GARANTIA FINANCEIRA

OS ACORDOS DE GARANTIA FINANCEIRA

· Origem e noção geral

Os acordos de garantia financeira correspondem a uma criação do Direito Bancário europeu. Resultaram da Directriz nº 2002/47/CE de 6 de Junho, tendo sido transpostos para a ordem interna portuguesa pelo Decreto – Lei nº 105/2004 de 8 de Maio.
O Decreto – Lei nº 105/2004, um tanto preso à lógica da Directriz que veio transpor, não define , de modo directo , os acordos de garantias financeiras. Remete, no art. 2º/1 para os contratos que preenchem os requisitos previstos nos artigos 3º a 7º
Ora, na base desses preceitos, para obter a noção de garantia financeira, seria necessário partir:
- dos sujeitos ( art. 3º )
- das obrigações garantidas ( art. 4º )
- do objecto ( art. 5º )
- de alguns traços do regime , como o desapossamento ( art. 6º ) e a prova ( art. 7º)

As garantias financeiras abrangem, em rigor, duas figuras típicas, às quais o legislador decidiu juntar uma terceira : o reporte. São elas:
- o penhor financeiro
- a fidúcia financeira ou – na terminologia legal – a alienação fiduciária em garantia (financeira )
- o reporte

As figuras típicas não se definem : descrevem-se pelos traços essenciais do seu conteúdo. Assim sendo, compreende-se a dificuldade extrema em definir “ garantia financeira”, realidade que agrupa o penhor financeiro, a fidúcia financeira e o reporte.
Garantia financeira : é uma garantia real, sob a forma de penhor, de fidúcia ou de reporte, concluída entre a instituição de crédito ou entidade para o efeito equiparada e uma pessoa colectiva , destinada a assegurar obrigações pecuniárias ou instrumentos financeiros, que recaiam sobre “ numerário “ e que as partes tenham decidido submeter a um regime financeiro especial, legalmente previsto.

· Os sujeitos

Os contratos de garantia financeira (cgfs) estão submetidos à autonomia privada. São pois verdadeiros contratos. Todavia, eles apenas são acessíveis a determinados sujeitos de Direito.
O Decreto – Lei nº 105/2004 prevê seis categorias de entidades que podem celebrar cgfs ( art. 3º /1 ):
a) Entidades públicas, incluindo os organismos responsáveis pela gestão da dívida pública e os autorizados a deter contas de clientes;
b) Banco de Portugal, outros bancos centrais, BCE, FMI, Banco de Pagamentos Internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e BEI
c) Instituições sujeitas a supervisão prudencial, incluindo instituições de crédito, empresas de investimento, instituições financeiras, empresas de seguros, organismos de investimento colectivo e entidades gestoras de organismos de investimento colectivo
d) Uma contraparte central , um agente de liquidação ou uma câmara de compensação e instituições similares que operam nos mercados de futuros e opções, nos mercados de instrumentos financeiros derivados não abrangidos pela referida legislação e nos mercados de natureza monetária.
e) Uma pessoa colectiva que actue na qualidade de fiduciário
f) Pessoa colectivas, desde que a outra parte pertença a alguma das categorias a) a d)

Os cgfs terão de ser celebrados:
- ou entre as entidades referidas nos pontos a) a d)
- ou entre as entidades referidas nos pontos a) a d) e as referidas no ponto e)
- ou entre as entidades referidas nos pontos a) a d) e as referidas no ponto f).

· As obrigações financeiras garantidas e o objecto das garantias

Como segundo elemento da noção de garantia financeira, surge a obrigação financeira garantida. Recordemos que a garantia financeira é acessória de uma obrigação : a principal. Esta ditará diversos aspectos atinentes à própria garantia, nos termos do princípio da acessoriedade.
O art. 4º contém uma noção operacional de obrigações financeiras garantidas. São: “(…) quaisquer obrigações abrangidas por um contrato de garantia financeira cuja prestação consista numa liquidação em numerário ou na entrega de instrumentos financeiros”
O art. 2º/1, al.f) da Directriz 2002/47 dá a seguinte fórmula para o que se chama “obrigações financeiras cobertas” : as obrigações que são garantidas por um acordo de garantia financeira e que dão direito a uma liquidação em numerário e/ou entrega de instrumentos financeiros. Por seu turno , as alíneas d) e e) dão-nos definições úteis:
- numerário : dinheiro creditado numa conta, em qualquer moeda, ou créditos similares que confiram o direito à restituição de dinheiro, tais como depósitos no mercado monetário ;
- instrumentos financeiros : acções, obrigações e outros valores mobiliários negociáveis no mercado de capitais.

Aproveitando os elementos recolhidos , podemos considerar que a obrigação garantida:
- é “financeira” : apresenta-se como credor uma instituição de crédito ou entidade equiparada, nos termos do art. 3º/1;
- implica uma prestação em “numerário” ou em “instrumentos financeiros”, isto é : em créditos em dinheiro mobilizável ou em valores mobiliários negociáveis;
- deve estar garantida por “garantia financeira”.

As garantias financeiras devem ter por objecto – art. 5º:
- “numerário”
- “instrumentos financeiros”

O “numerário” é definido como o “saldo disponível de uma conta bancária” ou “ créditos similares que confiram direito à restituição de dinheiro” ; estamos pois próximos da definição da Directriz – art. 5º, al. a).
Os “instrumentos financeiros” são “valores mobiliários, instrumentos do mercado monetário e créditos ou direitos relativos a quaisquer dos instrumentos referidos”.
Em termos de classificação de coisas, verificamos que o objecto das garantias financeiras :
- é uma coisa móvel;
- corpórea ou incorpórea : neste último caso poderá consistir num crédito ;
- eventualmente: uma coisa representativa.

ASPECTOS GERAIS E MODALIDADES DE GARANTIAS FINANCEIRAS

● Conteúdo ; o “ desapossamento”

A exigência de uma garantia financeira dependerá, necessária e naturalmente, de um acordo das partes a tanto dirigido.
A garantia financeira requer, ainda, um determinado conteúdo mínimo, isto é : um clausulado com determinada feição.
O primeiro ponto desse conteúdo mínimo é a exigência do “ desapossamento”. Segundo o art. 6º/1 do Decreto – Lei nº 105/2004, a garantia financeira opera quando o seu objecto tenha sido efectivamente prestado.
A garantia financeira além do penhor pode abranger a fidúcia.
Além disso e como veremos surgem, na garantia financeira, direitos de “uso e de disposição”que só podem operar se tiver havido “entrega da coisa.
A especialidade do objecto – pode consistir em créditos e em realidades de base escritural – obriga a prever um leque largo de meios de “ desapossamenteo”: tal o enunciado do transcrito art. 6º/2. O essencial reside em que o objecto da garantia fique no controlo do beneficiário da garantia.

● Forma e prova

Podemos adiantar as conclusões a retirar do art. 7º do Decreto – Lei nº 105/2004, em consonância com o art. 3º da Directriz nº 2002/47:
- o contrato de garantia financeira deve ser celebrado por escrito ou equivalente (isto é, com suporte electrónico ou outro suporte duradouro );
- o “desapossamento” deve poder ser provado também por escrito ou equivalente.

O art. 7º não dispõe directamente a sujeição à forma escrita : antes refere “ cuja celebração …seja susceptível de prova por documento escrito”.
Uma ligeira interpretação correctiva leva-nos , assim, a proclamar que a garantia financeira deve ser prestada por escrito ou por via equivalente: declaração electrónica ou em suporte equivalente e, maxime : por conversa telefónica gravada.
Mas além do contrato em si, há que operar o “desapossameneto”, “desapossamento” esse que terá de ser objecto de prova. Tal prova deve ser feita por escrito ou equivalente e isso de modo que o objecto seja devidamente identificado . O art. 4º, alíneas a) e b), especifíca o que entende por suficiente para identificar o objecto das garantias financeiras, sobre o numerário e sobre o valores mobiliários escriturais, respectivamente.

● Modalidades

O já referido art. 2º/2 do Decreto – Lei nº 105/2004, complementado com o nº 3 permite distinguir três modalidades de garantias financeiras :
- o penhor financeiro;
- a alienação fiduciária em garantia ( financeira);
- o reporte

A distinçãoentre o penhor e a alienação fiduciária reside em que nesta e ao contrário daquele, há transmissão de propriedade. Quanto ao reporte : ele é apresentado como modalidade de fidúcia financeira.

O PENHOR FINANCEIRO

● Noção básica ; um penhor de direitos

O penhor financeiro é uma garantia caracterizada pela entrega do seu objecto ao credor pignoratício ou tomador da garantia sem que, por isso, a propriedade se transfira para este último.
À partida teríamos um penhor comum – art. 666º e seguintes do Código Civil.
No penhor financeiro haverá, em rigor, um penhor de direitos – art. 679º do Código Civil. Na verdade, ele não recai, propriamente sobre coisas corpóreas, de modo a figurar um clássico direito real de garantia. Incidindo sobre “numerário” e sobre “instrumentos financeiros”, ele antes traduz a afectação de coisas incorpóreas a fins de garantia.

● O direito de disposição

Uma das especialidades do penhor financeiro é a possibilidade de estabelecimento de um direito de disposição sobre o seu objecto – art. 9º do Decreto – Lei nº 105/2004 e art. 5º da Directriz nº 2002/47. À partida esse direito de disposição não é automático : antes deve ser clausulado pelas partes, no competente contrato.
Segundo o art. 9º/3, o exercício do direito de disposição depende :
- quanto aos valores mobiliários escriturais, de menção no respectivo registo em conta;
- quanto aos valores mobiliários titulados, de menção na conta de depósito.

O direito de disposição permite ao beneficiário da garantia alienar ou onerar o objecto da garantia prestada “…nos termos previstos no contrato, como se fosse proprietário” – art. 9º/2.
Todavia o prestador da garantia mantém-se titular do objecto. Por isso, o art. 10º/1 dispõe com cuidado sobre os efeitos do exercício do direito de disposição. Ele implica, para o beneficiário da garantia, alguma das seguintes três obrigações:
a) ou, havendo cumprimento da obrigação garantida, ele deve restituir ao prestador um objecto equivalente : solução natural, uma vez que lidamos com realidades fungíveis:
b) ou havendo cumprimento e permitindo-o o contrato, entregar-lhe em dinheiro o valor que o objecto teria no momento do vencimento , “nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis”, este aspecto põe-se porque, no vencimento, o valor do objecto pode não ter expressão imediata e objectiva;
c) ou, quando o contrato o preveja, livrar-se da sua obrigação de restituição por compensação , sendo o crédito do prestador avaliado nos termos da alínea anterior.
Como se vê, a solução supletiva para o exercício do direito de disposição é a restituição, havendo cumprimento, de um objecto equivalente. Esse objecto “…substitui, para todos os efeitos, a garantia financeira original e considera-se como tendo sido prestado no momento da prestação desta” – art. 10º/3. Um fenómeno equivalente opera com os direitos de beneficiário sobre o objecto da garantia – art. 9º/4. A noção de “objecto equivalente” é cuidadosamente fixada no art. 13º

● Pacto comissório , vencimento antecipado e compensação

Os pactos comissórios permitem que, havendo uma garantia pignoratícia, o credor faça pura e simplesmente sua a coisa objecto , na hipótese de incumprimento.
Hoje, a proibição dos pactos comissórios tem assento , como é sabido, no art. 694º do Código Civil, relativo á hipoteca, sendo aplicável ao penhor por via do art. 678º.
No caso do penhor financeiro , essa proibição foi considerada injustificada : art. 4º/2 da Directriz e art. 11º do Decreto – Lei nº 105/2004.
Segundo o art. 11º/1, o beneficiário da garantia pode proceder à sua execução, fazendo seus os instrumentos financeiros dados em garantia. Desde que:
a) tal tenha sido convencionado pelas partes;
b) havendo acordo delas quanto á avaliação dos instrumentos financeiros.

De todo o modo, o beneficiário da garantia fica obrigado a restituir ao prestador a diferença entre o valor do objecto e o montante das obrigações financeiras garantidas – art. 11º/2 : assim se previne o perigo do seu enriquecimento à custa do devedor.
O art. 12º/1 estabelece que as partes podem convencionar o vencimento antecipado da obrigação de restituição do beneficiário da garantia e o cumprimento da mesma por compensação , quando ocorra um facto que desencadeie a execução.
O art. 12º/2 explícita o que entender por “ facto que desencadeie a execução”. Será: “ (…) o não cumprimento do contrato ou qualquer facto a que as partes atribuam efeito análogo”

A FIDÚCIA FINANCEIRA

● Noção e terminologia

Na fidúcia o devedor , com a observância do devido formalismo , transmite, a favor do credor , a propriedade de determinada coisa. Quando a obrigação fosse cumprida, o credor deveria retransmitir a propriedade da coisa – garante para o devedor.
Utilizada como garantia , esta figura tem três óbices:
- não pode ter natureza real, mercê do princípio da tipicidade, consagrado no art. 1306º/1 do Código Civil;
- pode suscitar problemas de nulidade , por contundir com a proibição dos pactos comissórios ;
- é muito violenta para o devedor, privado, desde logo, do domínio e à mercê do que, depois, possa suceder, em relação à coisa.

A Directriz nº 2002/47 veio, no seu art. 6º dispor “o reconhecimento de acordos de garantia financeira com transferência de titularidade”. Trata-se da fidúcia. O Decreto – Lei nº 105/2004 versa a figura em causa no título III como “ alienação fiduciária em garantia”.

● Os deveres do fiduciário financeiro ; vencimento antecipado e compensação

O art. 4º do Decreto – Lei nº 105/2004 refere os deveres do beneficiário da alienação fiduciária em garantia ou, em mais simplesmente : do fiduciário financeiro. Assim e até ao momento convencionado para o cumprimento das obrigações financeiras garantidas, ele deve:
a) restituir ao prestador a garantia prestada ou objecto equivalente; “restituir” envolve, aqui, a (re)transmissão da titularidade;
b) ou entregar ao prestador o valor em dinheiro correspondente ao objecto da garantia , no momento do vencimento da obrigação de restituição , nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis;
c) ou livrar-se da obrigação por meio de compensação , avaliando –se o crédito do prestador nos termos da alínea anterior.

A hipótese de restituir a própria coisa ou o equivalente fica, aqui na disponibilidade do tmador da garantia.
Quanto às hipóteses de vencimento antecipado e de compensação : tem aplicação o disposto no art. 12º , por remissão do art. 15º : ambos do Decreto – Lei nº 105/2004.

● Fidúcia financeira e penhor financeiro com poder de disposição

Perante as regras enunciadas, ocorre perguntar se a fidúcia financeira não equivale, tudo visto, ao penhor financeiro com poder de disposição.
No penhor financeiro , o poder de disposição tem de ser expressamente “aditado” pelas partes ; na fidúcia financeira, tal poder resulta do simples facto de o fiduciário ser titular plena.
No penhor financeiro , a possibilidade de, em vez de uma coisa equivalente à empenhada, se entregar dinheiro , depende de acordo prévio ; na fidúcia, é uma opção sempre na esfera do beneficiário – fiduciário .
No penhor financeiro , mesmo quando presente o poder de disposição e enquanto este não for exercído , o risco da perda da “coisa”corre pelo devedor ; na fidúcia, ele corre pelo credor.

ASPECTOS COMPLEMENTARES DAS GARANTIAS FINANCEIRAS

● Validade e eficácia na liquidação e no saneamento

O Decreto – Lei nº 105/2004 ocupa-se, depois, dos termos da liquidação e do saneamento. Trata-se de matéria contida no art. 8º da Directriz.
O art. 16º começa por definir “ processo de liquidação” e “medidas de saneamento”.
A regra fundamental consta do art. 17º. Os contratos de garantia financeira celebrados a as garantias financeiras prestadas nos seus ternos não podem se resolvidos pelo facto de a celebração ou a prestação terem ocorrido – nº 1.
A referida regra aplica-se às hipóteses de prestação de novas garantias ou da sua substituição – art. 17º/2.
O examinado art. 17º do Decreto – Lei nº 105/2004 assegura a validade dos contratos de garantia financeira, em cenários de insolvência.
O art. 18º ocupa-se da sua eficácia.
Esta está, em princípio, assegurada, “ …nas condições e segundo os termos convencionados pelas partes” – art. 18º/1.
O art. 18º/2 confirma ainda a eficácia dos contratos e das garantias celebradas a prestadas após a abertura da insolvência.

● Vencimento antecipado e compensação

O art. 12º , a propósito do penhor financeiro, admite, como vimos, que as partes convencionem o vencimento antecipado da obrigação de restituição do beneficiário da garantia e o cumprimento da mesma por compensação, “caso ocorra um facto que desencadeie a execução”. O art. 15º, relativo a fiduúcia financeira, manda aplicar, a esta, esse mesmo regime.
O art. 20º, em cenário de insolvência, vem salvar essas duas possibilidades.

● Norma de conflitos e preceitos finais

O art. 21º do Decreto – Lei nº 105/2004 ( norma de conflito ) transpõe, com grande aproximação , o art. 9º da Directriz nº 2002/47. A norma é simples : são reguladaspela lei do país onde esteja localizada a conta na qual é feito o registo da garantia.
O Decreto – Lei nº 105/2004 assume expressamente tratar, apenas de normas especiais. No resto, tem aplicação o regime comum. Isso mesmo dispõe o art. 22º.
O diploma aplica-se aos contratos de garantia financeira celebrados depois da sua entrada em vigor – art. 23º . A vacatio foi fixada em 30 dias – art. 24º.
Secção III – GARANTIAS BANCÁRIAS E CARTAS DE CONFORTO

GARANTIAS BANCÁRIAS

● Generalidades ; garantias acessórias e autónomas
As garantias bancárias são garantias pessoais prestadas por bancos. Podem consistir em fianças, mandatos de crédito, avales, aceites bancários ou ter natureza autónoma.
A matéria das novas garantias prestadas no giro comercial pode esclarecer –se com recurso a diversas distinções.
Uma distinção muito relevante no domínio das garantias é a que separa a garantia acessória da garantia autónoma.
A garantia acessória está funcionalmente ligada ao crédito garantido. O seu regime dependerá , pois, em pontos importantes, deste mesmo crédito. Assim, tomando como exemplo a fiança, expressamente proclamada na lei como acessória – art. 627º/2 do Código Civil – verifica-se que a mesma:
- não é válida se não for a obrigação principal – art. 632º/1 e com a excepção prevista no nº 2 desse mesmo preceito;
- deve seguir a forma da obrigação principal – art. 628º/1;
- tem âmbito limitado pelo âmbito da obrigação principal – art. 631º/1;
- tem natureza civil ou comercial consoante o que se passe com a obrigação principal;
- extingue-se com a extinção da obrigação principal.

A figura da garantia autónoma á primeira solicitação está hoje de tal modo ancorada, no Direito português, que já é objecto de expressa nominação legal. Assim acontece no art. 4º/1, al.c), do decreto – Lei nº 69/2004, de 25 de Março, a propósito do papel comercial.

● Regime da garantia autónoma

A garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado – o mandante – e o garante, a favor de um terceiro – o garantido ou beneficiário. Por vezes , ele é configurada como um contrato celebrado entre o garante e o beneficiário ; porém, é o mandante que o garante recebe a comissão.
Na garantia autónoma, o garante obriga-se a pagar ao beneficiário uma determinada importância. Tal pagamento operará à primeira solicitação isto é : o garante pagará ao beneficiário determinada importância, assim que este lha peça. Melhor seria dizer : garantia a mera solicitação , uma vez que não há segunda. Normalmente, porém, a garantia exige que o garante, antes de efectuar qualquer pagamento, procede à breve análise de determinados documentos: facturas, ordens de fornecimento , boletinhs de transporte ou de embarque.

● O seguro – caução ; o seguro de crédito

O chamado seguro – caução desempenha uma função que permite, materialmente, inseri-lo no domínio das garantias autónomas.
Em Direito, caução pode surgir em duas acepções : lata e estrita. Mais precisamente:
- em sentido lato : caução surge como sinónimo de garantia;
- em sentido estrito ou técnico : caução designa a garantia destinada a assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitide desconhecida.

É possível distinguir três tipos e cauções:
- caução legal: quando imposta ou autorizada por lei
- caução convencional: quando estipulada pelas partes
- caução judicial: quando determinadapelo tribunal

Quando se trate de caução legal, a própria lei tem de fixar , como é natural, o tipo de garantia a prestar; tal o sentido do art. 623º/1 e 2 do Código Civil.
Na caução convencional, a lei não fixa o tipo de garantia, ou as partes tomaram , elas próprios essa atitude , havendo então que cumprir o acordado ou não fizeram e, nessa altura, foram admitir qualquer tipo de garantia , a escolher pelo devedor nos termos gerais das obrigações genéricas – art. 539º do Código Civil – desde que seja idónea. Não é outro o sentido do art. 624º do Código Civil, sendo de notar que, por expressa remissão feita no seu nº2 , o Tribunal só é chamado a apreciar a idoneidade da caução.
A caução judicial segue, por fim e com as necessárias adaptações, o regime da negocial.
Entre as garantias possíveis como modo de dar corpo a uma caução está seguro de crédito .
O Código Comercial de Veiga Beirão de 1888, nos seus artigos 425º e seguintes, constitui ainda hoje base legal dos contratos de seguro. Não obstante, ele não define esse tipo contratual : ter –se-á bastado com a definição do art. 1538º do Código Civil.
Os seguros são susceptíveis de diversas classificações. Gasperoni, por exemplo, apresenta o quadro seguinte:
I) Seguros contra danos sobre coisas :
a) seguros de transportes terrestres;
b) seguros contra incêndios;
c) seguros contra furtos
d) seguros agrícolas
e) seguros cinematográficos
f) outros
II) Seguros contra danos sobre o património:
a) seguros de créditos
b) seguros de despesas legais
III) Seguros contra danos a pessoas
a) seguros contra infortúnios
b) seguros de doença

CARTAS DE CONFORTO

● Generalidades ; terminologia

A carta de conforto é uma missiva dirigida a uma instituição de crédito por uma entidade que detém interesses dominantes ou significativos numa terceira entidade. Nessa carta,a entidade subscritora afirma ou pressupõe conhecer um compromisso assumido ou a assumir pela terceira entidade, perante a destinatária.
As cartas de conforto surgem, assim no cruzamento de dos institutos complexos : o das participações sociais e o das garantias atípicas assentes em simples declarações unilaterais.

● A estrutura unilateral aparente e a juridicidade

As cartas de conforto apresentam-se , materialmente, como verdadeiras cartas em sentido próprio : um texto, dirigido a um destinatário e com assinatura do remetente. Elas consubstanciam, assim, uma única declaração de vontade.
Nessas condições, poder-se-ia entender que elas consubstanciaram meros negócios unilaterais. Tais negócios deveriam passar pelo crivo da tipicidade dos actos jurídicos unilaterais, pretensamente imposto pelo art. 457º do Código Civil.
A carta de conforto resulta de um acordo entre o emitente ou patrocinante e o destinatário - normalmente uma instituição de crédito. Tal acordo, é, por vezes, prévio. Mas, é, pelo menos, subsequente : desde o momento em que a instituição destinatária não devolva ou não recuse a carta, antes procedendo como se com ela concordasse – maxime, concedendo o crédito – há aceitação. Sendo necessário , poder-se-ia mesmo invocar o art. 234º do Código Civil ou citar os requisitos relativos à aceitação tácita.
O facto de a carta – documento surgir assinada apenas pelo promitente não preclude , pois, saídas contratuais : bastará, de resto, lembrar o art. 410º/2 do Código Civil , que no tocante às promessas unilaterais apenas requer a assinatura da parte que se obrigue.

● Tipificação ; conforto fraco, médio e forte

Existem três tipos de cartas de conforto :
- conforto fraco
- conforto médio
- conforto forte

Na carta de conforto fraco , o emitente estabelece a relação de participação existente entre ele e a sociedade participada e apresenta tal relação com um mínimo de estabilidade. Há uma concessão de informações e um dever genérico de diligência.
Na carta de conforto médio , o emitente, além da parte informativa faz ainda uma declaração negocial vinculando-se a actuações de meios.
Na carta de conforto forte, o emitente, sempre para além dos aspectos informativos, assume declarações negociais de resultado.

● Regime e natureza

O regime das cartas de conforto depende, naturalmente, do tipo fraco, médio ou forte da carta considerada.
A parte informativa das cartas de conforto deve ser fidedigna , sob pena de gerar responsabilidade, nos termos do art. 485º do Código Civil – conselhos, recomendações ou informações.
O dever de apoio genérico dá lugar a responsabilidade quando violado. Deve notar-se que a responsabilidade da sociedade – mãe para com os credores da sociedade subordinada tem base legal: art. 501º do Código das Sociedades Comerciais.
Os deveres de meios tendentes a acautelar a posição do banco, patentes nas cartas de conforto médio, obrigam , em princípio , a entidade emitente a desenvolver um certo grau de esforço no sentido do cumprimento da participada.
Perante uma carta de conforto médio , a entidade emitente não é responsável se, tendo cumprido todos os seus deveres para com a participada, tendo-a dotado do capital razoavelmente necessário, tendo-lhe dado o apoio e tendo preenchido convenientemente os seus cargos sociais, verificar, que, não obstante e por ocorrências a ela estranhas, a participada não pode cumprir perante a banca.
As cartas de conforto forte dão lugar a deveres de prestar, por parte da emitente. Tratar-se-ia, pois de uma simples garantias pessoais atípicas.
È difícil determinar o regime da garantia em causa. O mais simples seria reconduzi-la à fiança. O óbice : tradicionalmente a fiança exige uma específica manifestação de vontade nesse sentido, como transparece do art. 628º/1 do Código Civil.
Se o conforto forte fosse uma fiança, ele implicaria dois traços essenciais:
- ele teria natureza acessória – art. 627º/2 do Código Civil – sofrendo as vicissitudes da relação principal;
- ele conferiria ao garante o benefficium excussionis – art. 638º/1 do Código Civil.



























Direito Bancário Institucional



● Razão de ordem (pág.663)

Capítulo I – SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU

Secção I – A MOEDA ÚNICA

O EURO

● Instituições e fontes

A fase mais visível do sistema financeiro europeu (SFE) é o euro. Deve esclarecer-se que as regras atinentes à moeda são, tradicionalmente, Direito Civil; no CC (arts 550.º a 561.º) encontramos as regras básicas sobre as obrigações pecuniárias. De todo o modo, o facto, de a moeda nacional ter sido substituída por moeda europeia dá, ao sistema financeiro europeu, uma especial impressividade.
A introdução do euro deu origem a regras europeuias e a regras nacionais (+ páginas 666 a 668). Especial relevo prático teve o artigo 3º do Regulamento n.º 1103/97, de 17 de Junho, sobre o princípio da continuidade dos contratos.
Em termos práticos, o euro traduz uma enorme simplificação na vida dos europeus. Por sua vez, em termos políticos, o euro foi saudado como poderoso passo da unificação da Europa.

Secção II - O SERVIÇO EUROPEU DE BANCOS CENTRAIS E O BANCO CENTRAL EUROPEU

O SERVIÇO EUROPEU DE BANCOS CENTRAIS

● As fontes

O texto básico do BCE é o artigo 8º do TUE; dispõe: “São instituídos, de acordo com os procedimentos previstos no presente Tratado, um Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e um Banco Central Europeu (BCE, os quais actuarão nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo presente Tratado e pelos Estatutos do SEBC e do BCE”.
Sobre a política económica monetária tem interesse os arts 98º a 104º do Tratado. No tocante à política monetária – arts 105º a 111º. Finalmente, o Tratado contém regras institucionais –arts 112º a 115º.
A matéria atinente ao SEBC e ao BCE surge, depois, desenvolvida num Protocolo relativo aos seus estatutos.

● Objectivos, atribuições e autonomia

De acordo com o Tratado e segundo o artigo 2º do Protocolo, o objectivo primordial do SEBC é a manutenção da estabilidade dos preços. Além disso mas sem prejuízo para esse aspecto fundamental e segundo o mesmo preceito:
- o SEBC apoiará as políticas da comunidade;
- o SEBC actuará de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberta e de livre concorrência;
Quanto às atribuições, são elas:
- definição e execução da política monetária da comunidade;
- realização das operações cambiais compatíveis;
- promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamento;
No tocante à organização, o SEBC é dirigido pelos órgãos de decisão do BCE (art. 8º)
Uma importância especial assume o artigo 7º que fixa a independência do BCE e dos bancos centrais nacionais.

● A natureza do SEBC e dos bancos centrais nacionais

O SEBC, em si, não tem personalidade jurídica: esta assiste ao BCE.

BANCO CENTRAL EUROPEU

● Organização; a autonomia

O BCE é o verdadeiro centro em torno do qual orbita o SEBC. Cabe-lhe, através dos seus órgãos, dirigir o serviço em causa (8º do Protocolo).
Na cúpula do BCE está, nominalmente, o Conselho. Este é composto (artigo 10º):
- pelos membros da comissão executiva;
- pelos governadores dos bancos centrais nacionais;
A comissão executiva é composta:
- pelo presidente;
- pelo vice-presidente;
- por quatro vogais;
Todos eles são nomeados, mediante acordo dos EM´s por oito anos não renováveis.
As funções do BCE no SEBC são exercidas pelo conselho.
Em relevo fica a autonomia do BCE. Solenemente proclamada a propósito do artigo 7º do Protocolo, a autonomia aflora, ainda, no reconhecimento da personalidade jurídica do BCE (9.º/1).

● Atribuições e competências

O BCE tem atribuições (funções):
- no âmbito monetário (16º a 23º);
- no âmbito prudencial (artigo 25º/1 e 2);
- no âmbito da gestão (110º do TCE).

Secção III - O BANCO DE PORTUGAL

A EVOLUÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL ATÉ 1990

(páginas 684 a 698).

A REFORMA DE 1998; A REFORMA DE 2001 e de 2004

Pág.669 a 724

● Funções e organização

Cabe examinar a Lei Orgânica do Banco de Portugal, na versão em vigor: fundamentalmente a de 1998, com as alterações introduzidas em 2001 e 2004.
As funções do BP abrangem:
- a política monetária e cambial (15º e 16ª);
- a supervisão (17º);
- as relações com o Estado (18º e 19º);
- as relações monetárias internacionais (20º a 23º);
- as operações de banco (24º e 25º);
A orgânica do BP vem prevista nos arts 26º a 49º.












Capítulo II – ORGANIZAÇÃO E SUPERVISÃO BANCÁRIAS

Secção I – ORGANIZAÇÃO BANCÁRIA

REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO

● Origem e sentido geral

O RGICSF foi aprovado pelo D.L: n.º 298/92, de 31 de Dezembro. Podemos considerá-lo, apesar da heterogeneidade do seu conteúdo, como um pequeno código de Direito Bancário institucional.
O RGIC visou essencialmente:
· Receber, na ordem, interna diversas regras comunitárias;
· Simplificar o sistema de fontes; não se limitou a acolher, num único texto, a legislação dispersa, procedendo a uma tarefa coordenadora.
· Codificar as regras existentes; com a sua aprovação foram revogados uma série de diplomas legais.
Apresenta-se definições preambulares, formulam-se princípios (art. 8.º ou 11.º). Foi também acolhendo regras nas áreas societárias (art. 13.º RGIC).
· Introduzir soluções mais aperfeiçoadas;

● As alterações

O RGIC, foi alterado até hoje nove vezes. A visão desta evolução permite-nos ver como foi evoluindo o direito bancário nacional e o acolhimento de elementos europeus.

· D.L. n.º 246/95, de 14 de Setembro: transpôs para a ordem interna a Directriz n.º 94/19/CE, de 30 de Maio – relativa aos sistemas de garantias de depósitos.
· D.L. n.º 232/96, de 5 de Dezembro, transpôs a Directiva n.º 93/22/CE, de 10 de Maio – relativa aos serviços de investimento; a Directiva n.º 95/26/CE, de 29 de Junho – reforço da supervisão prudencial; Directriz n.º 96/13/CE, de 16 de Março.
· D.L. n.º 222/99, de 22 de Junho, veio criar e regular o funcionamento do Sistema de Indemnização aos Investidores. Completou-se o Fundo de Garantia de Depósitos. O Sistema assegura o reembolso de créditos relativos a fundos ou instrumentos financeiros até ao máximo de 25.000 euros.
· D.L. n.º 250/2000, de 13 de Outubro, transpôs a Directiva n.º 98/33, de 22 de Junho.
· D.L. 285/2001, de 3 de Novembro, veio alterar o regime da locação financeira.
· D.L: n.º 201/2002, de 26 de Setembro.
· D.L. n.º 319/2002, de 28 d Dezembro
· D.L. n.º 252/2003, de 17 de Outubro.

● Regulação e planos normativos

O RGIC introduziu uma regulamentação envolvente, escapando-lhe apenas a matéria contida na LOBP e os regimes próprios das instituições de crédito em especial.
Podemos apontar os seguintes planos normativos no RGIC:
· Plano institucional e funcional – o RGIC ocupa-se de reger instituições de crédito, sociedades de investimento, serviços e empresas de investimento, e sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário, providenciando quanto à sua dinâmica – Título I, II, V, X e X-A.
· Plano Comunitário – referente ao reconhecimento de instituições de Estados membros, no País, e do País, na União – Título III e IV.
· Plano de actuação dos sujeitos em situações normais – Título VI e VII – e anormais – Título VIII e IX.
· Plano penal – Título XI.






Secção II – A SUPERVISÃO BANCÁRIA

DA REGULAÇÃO EM GERAL

● A regulação económica; aproximação

Regulação: traduz o acto e o efeito de regular, isto é, de estabelecer regras gerais e abstractas de conduta.

Regulação económica: trata-se ainda de fixar regras gerais e abstractas de conduta, mas de modo economicamente ordenado, destinando-se a encadear a realidade.

A regulação tem-se manifestado ao longo da história, dispondo sobre o modelo preferível de sociedade (capitalista ou socialista, por exemplo). Temos pois uma temática ideológica subjacente.

● Origem e evolução; o teor técnico

Desde o direito romano, passando pela Idade Média e mais recentemente nas experiências norte-americana e europeia, podemos considerar uma confluência de vectores:

· Estabelecimento de regras com objectivos económicos.
· Aprontadas por entidades diferentes das que fazem as leis «normais».

Assim, de origem estruturalmente económica, a regulação permitiu o desenvolvimento de técnicas de ordenação, susceptíveis de utilização em áreas não-económicas.

● Tipos de regulação

· Quanto à origem: espontânea; corporativa; legal.
· Quanto à autoria: estadual; administrativa; corporativa.
· Quanto ao âmbito: geral ou sectorial.
· Quanto ao escopo: para tutela da actividade; para tutela de terceiros; mista.
· Quanto ao objecto: económica; social; deontológica.

Já de acordo com a natureza das normas temos uma distinção importante:
· Supervisão técnica: assegura-se das características de certos bens e serviços.
· Técnico-jurídica: prepara regras adaptadas ao sector, em obediência a regras físicas ou da natureza.
· Deontológicas: assegura cânones de conduta profissional.
· Legal: preocupa-se com regras gerais, abstractas e objectivas de actuação.

● Poderes de regulação; vantagens e desvantagens

· Poderes de informação – inteira-se de situações que caiam na sua alçada.
· Poderes normativos – regras gerais e abstractas para o sector.
· Poderes de decisão concreta – facultam autorizações, licenças, proibições, registos e outras.
· Poderes de fiscalização – visam apreender a observância do que tenham sido determinado.
· Poderes de sanção: previnem e retribuem violações.

Vantagens: Independência do Estado; competência técnica; capacidade persuasiva dos agentes; flexibilidade dentro da lei.
Desvantagens: despesismo; corporativismo; burocracia; autoritarismo.








A SUPERVISÃO EM GERAL: ELEMENTOS EUROPEUS

● Conceito e objectivos gerais

A supervisão surge uma designação tradicional da regulação, dentro do sector bancário. Por influência anglo-saxónica a referência a uma regulação bancária ou financeira, em detrimento da tradicional.
Em Direito bancário, a supervisão tem um alcance bem mais lato do que a «supervisão» administrativa ou a «tutela» privada.

Supervisão bancária: actuação desenvolvida pelo Estado ou por outros entes públicos sobre os banqueiros, de modo a controlar a sua actividade.

Será possível uma distinção entre a supervisão geral (reporta-se ao acompanhamento dos mercados monetário e financeiro e ao acompanhamento da banca enquanto sector económico) e a supervisão estrita ou supervisão em sentido próprio (prende-se com o controlo individual de cada instituição, proporcionando actos administrativos singulares, determinações concretas e sanções).

Tem três objectivos essenciais:
· Sujeição da banca ao poder do Estado, de modo a ter controlo sobre os mecanismos económico-financeiro.
· Manutenção da estabilidade nos mercados.
· Prevenção e repressão da corrupção.

● Supervisão prudencial

A presença destes objectivos parece ser contraditória. Assim, a supervisão bancária deve restringir-se a um controlo dos banqueiros exercidos pelo Estado ou por outras entidades públicas, de modo a assegurar os valores da banca. Tais valores são dominados pelas ideias de prudência na actuação bancária e da confiança do público.
Assim temos na actual supervisão bancária: relação com outras entidades reguladoras, limites à assunção d riscos, boa reputação e desenvolvimento da arte bancária.

● O Comité de Basileia e as directrizes

O Comité de Basileia surgiu em 1974, sendo constituído pelos presidentes dos bancos centrais do Estados. A sua tarefa era a harmonização da supervisão bancária internacional, tendo em vista a solidez do sistema bancária, nos planos, nacional e internacional.
Em 1988 concluiu-se um acordo conhecido como Basileia I (na base da Directriz n.º89/299, de 17 de Abril).
Em 2003 concluiu-se o acordo Basileia II, assentando em três pontos: exigência mínima do capital próprio; supervisão do Estado sobre essas salvaguardas; exigência de publicidade e de transparência dos negócios.

Toda a matéria da supervisão está hoje condimentada por directrizes europeias (Directriz n.º 2000/12/CE do parlamento e do Conselho).














SUPERVISÃO PORTUGUESA

● O papel Ministro das Finanças

No Direito português a supervisão é essencialmente levada a cabo pelo BP.
Os artigos 91.º e 93.º do RGIC permitem traçar uma contraposição entre a superintendência dos mercados monetário, financeiro e cambial, que compete ao M.F. e a supervisão das instituições de crédito, que incumbe ao BP.
O art. 199.º da CRP, fixando a competência administrativa do Governo distingue, na sua al. d):
· Dirigir os serviços e a actividade da administração directa;
· Superintender na administração indirecta;
· Exercer tutela sobre esta e sobre a administração autónoma;

Com estes elementos, logo verificamos que a superintendência referida no art. 91.º, n.º1 do RGIC se reporta com os agentes dos mercados monetário, financeiro e cambial que tenham a qualidade de administração indirecta ao Estado e, designadamente, institutos públicos, associações públicas e empresas públicas. O artigo 91.º, n.º1 do RGIC não atribui, porém, quaisquer poderes concretos de superintendência, relação a nenhuma dessas entidades. Trata-se de uma norma que pressupõe outras regras fixem a relação de administração indirecta e depois concedam ao Governo, determinados poderes.

A superintendência do MF é delimitada, positiva e negativamente, pelos arts. 91.º, n.º2 e 92.º RGIC.
· Artigo 91.º, n.º2: prevê poderes excepcionais do Governo. Quando, «… nos mercados monetário, financeiro e cambial se verifique perturbação que ponha em grave perigo a economia nacional …», pode o Governo, por portaria do PM e do MF, ouvido o BP, ordenar medidas apropriadas, «… nomeadamente a suspensão temporária de mercados determinados ou de certas categorias de operações, ou ainda o encerramento temporário de instituições de crédito». Trata-se, na verdade, de ocorrências extraordinárias, a enfrentar de modo imediato, sem possibilidade prática de se recorrer a qualquer outro órgão que não seja o Governo. As medidas em causa têm a ver com a perturbação dos mercados, não se confundindo com o saneamento das instituições de crédito, previsto nos arts. 139.º e ss do RGIC. Temos aqui um dispositivo que vem alargar a superintendência do Governo pelo que falaremos numa delimitação positiva.
· Artigo 92.º: a redacção de 2002 veio dar-lhe uma nova forma, mais consentânea com as exigências comunitárias (SEBC/BCE) de independência do Governo.

● A articulação com outras supervisões

As funções do BP, no tocante à supervisão, articulam-se, ainda com outras entidades «reguladoras» sejam gerais sejam sectoriais.
Articulação com a autoridade da concorrência – neste campo a supervisão do BP, sendo sectorial em relação à concorrência, prevalece.
Articulação com a CMVM – tem poderes de supervisão no campo mobiliário (art. 352.º CVM).
Articulação com o Instituto de Seguros de Portugal – este está sujeito à tutela do Governo, tendo poderes de supervisão e podendo emitir instruções vinculativas.

Não é possível estabelecer uma fronteira entre os mercados monetária, financeiro e segurador, e daí resulta, uma sujeição simultânea à fiscalização do BP (art. 93.º, n.º2 RGIC).

● As atribuições do Banco de Portugal

O RGIC refere a supervisão das instituições de crédito, em termos bem distintos da superintendência do MF, e tendo em conta a supervisão prudencial (art. 94.º RGIC).
A supervisão das instituições de crédito, especialmente a prudencial, incluindo a actividade que exerçam no estrangeiro, incumbe ao BP, de acordo com a sua LO e o RGIC, segundo o artigo 93.º, n.º1. Nos termos do art. 197.º, n.º1 do RGIC, a supervisão das sociedades financeiras cabe, também, ao BP, com aplicação das mesmas regras, salvo as necessárias adaptações. E por via do art. 199.º-B, recai, finalmente, sobre o BP a supervisão das empresas de investimento e das sociedades gestores de fundos de investimento mobiliário. Supervisão BP: poder, conferido por lei, ao Banco central; Normas prudenciais: regras de conduta e confiança do público.
Na actual LOBP temos o art. 15.º (orientação e fiscalização dos mercados monetário e cambial) e o art. 17.º (supervisão geral, que inclui matéria financeira). O art. 16.º da LOBP explicita a competência do BP quanto aos mercados.

● A supervisão das instituições de crédito

A supervisão da IC (supervisão restrita) encontra-se no actual art. 17.º LOBP. A LOBP tem em vista a supervisão genérica enquanto ao RGIC se reporta à supervisão propriamente dita.
O art. 116.º do RGIC, quanto à supervisão, efectua uma lista de competência do BP estreita. Não menciona a matéria dos pedidos de constituição e similares, idoneidade dos administradores e base consolidada (por lhes ter dado específicos arts. 14.º, 30.º e 130.º). Parece, porém, evidente que tudo isto pode ser reconduzido à ideia de supervisão. Em compensação distingue:
· Acompanhar a actividade das instituições de crédito (al. a)).
· Vigiar a observância das normas a elas relativas (al. b)).
· Emitir recomendações para sanar irregularidades (al. c)).
· Tomar providências extraordinárias de saneamento (al. d)).
· Sancionar infracções (al. e)).
A matéria das últimas duas als. é autonomizada, no RGIC em rubricas próprias (art.s 139.º e 200.º).

Ainda no campo da supervisão em geral temos:
· Art. 117.º: alarga a supervisão do BP às sociedades gestoras de participações sociais, sempre que o valor das suas participações lhes confiram maioria de direito de votos.
· Art. 122.º a 125.º: no que diz respeito a instituições estrangeiras.
· Art. 126.º, 127.º e 128.º: abrange as entidades não habilitadas.
· Art. 118.º: princípio da gestão sã e prudente das instituições de crédito, dando poderes de notificação ao BP (a violação deste art. é infracção especialmente grave – art. 211.º, al. o)).
· Art. 119.º: apoio financeiro adequado dos accionistas.
· Art. 120.º: deveres de informação a cargo das instituições de crédito.
· Art. 121.º: revisões oficiais de contas.

O antigo 129.º do RGIC era relativo aos recursos interpostos das decisões do BP, no exercício de poderes de supervisão: presumindo-se que a suspensão da sua eficácia determinava grave lesão do interesse público (foi revogado).

● As normas prudenciais; a ratio de solvabilidade

A gestão bancária deve ser prudencial: as instituições de crédito devem manter níveis adequados de liquidez e solvabilidade. Para tanto, a lei prevê normas prudenciais a quatro níveis:
· No tocante aos capitais, fundos próprios e reservas (arts. 95.º e 196.º, n.º1 RGIC).
· No que respeita à ratio de solvabilidade e aos riscos (Directriz n.º 92/121, de 21 de Dezembro e arts. 99.º e 100.º RGIC).
· No que tange à idoneidade dos detentores de participações qualificadas.
· No que se prende com a aquisição de imóveis e outros activos imobilizados.

● Participações qualificadas; imóveis; natureza da supervisão

As instituições de crédito são sociedades anónimas. Assim, é decisivo a pessoa que nela detenha participações significativas. O RGIC estabelece um sistema de controlo nesse campo: a pessoa que pretenda deter uma participação qualificada (que permita ao seu detentor influenciar de forma significativa a gestão da entidade participante, presumindo-se tal se tiver 5% dos votos – art. 13.º, n.º7) ou ultrapassar quaisquer dos limites de 5%, 10%, 20%, 33% a 50% do capital ou dos direitos de voto deve comunicar previamente o seu projecto ao BP (arts. 102.º, n.º1 e 2, 103.º). a falta desta comunicação pode levar à inibição dos direitos de voto que permita a influência (art. 105.º, n.º1). Devem ser publicadas listas de accionistas – art. 110.º - e registados, no BP, os acordos parassociais relativos ao exercício do direito de voto – art. 111.º, todos do RGIC.
Os cuidados prudenciais reinantes neste domínio, no tocante aos riscos e às participações, cruzam-se, no art. 109.º RGIC.

O RGIC limita a aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à sua instalação e funcionamento (art. 112.º).

Quanto à natureza da supervisão: trata-se de uma prerrogativa de tipo público, que assiste ao BP e à qual as instituições de crédito e sociedades financeiras estão sujeitas dispensa-se um poder genérico, com faculdades de acompanhamento, de informação e de regulamentação.

● Supervisão em base consolidada

A existência de grupos de sociedades pode originar operações mais ou menos reais, entre elas. Para evitar essa expressão irreal de riqueza, desenvolveu-se, no plano contabilístico, a prática da consolidação das contas.

Consolidação de contas: conjunto de operações contabilísitcas.tendentes a exprimir, em termos unitários, a situação real dum grupo de sociedades. Tais operações passam pela agregação das contas individuais das sociedades dominantes às da sociedade dominada, através do adicionamento dos saldos das contas constantes em cada rubrica do balanço e da demonstração de resultados e a eliminação dos valores correspondentes à operações realizadas entre as entidades.

O DL n.º 36/92, de 28 de Março, determinou a obrigatoriedade das diversas instituições de crédito elaborarem contas consolidadas e um relatório consolidado de gestão, com diversas previsões, definições e precisões.
Hoje as regras relativas às contas consolidadas estão nos arts. 130.º a 138.º RGIC, procedentes da transposição de uma Directivas de 2000.

● As necessidades de uma supervisão integrada

O direito bancário lida com realidades imateriais e abstractas só funcionando o sistema na medida em que todos os participantes obedeçam às regras mínimas
Esta mesma lógica de supervisão estende aos valores mobiliários e aos seguros (arts. 358.º CVM e 4.º, n.º1, al. b) Estatuto CMVM)..
Apesar de estes e outros diplomas conferirem aos grandes organismos de supervisão nacional poderes muitos extensos, continua a ser possível vogar no sistema financeiro e mobiliário.
Impunha-se uma reforma corajosa, para harmonizar o direito de regulação/supervisão.
Para já apenas o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros está nessa óptica de supervisão harmonizada.

EXCURSO: PARTICIPAÇÕES QUALIFICADAS

● Participações qualificadas; a relação de proximidade

Um dos aspectos marcantes da supervisão bancária é o controlo sobre os titulares de participações em instituições de crédito. Procurando surpreender a materialidade do fenómeno, o RGIC dispensou uma série de regras, referentes Às participações qualificadas.
Tais regras são importantes: além do seu relevo intrínseco, elas permitem surpreender facetas significativas do espírito do Direito bancário institucional.

Participação social qualificada: quando atinja um de terminado patamar quantitativo ou quando se reporte a partes sociais significativas.
No caso das instituições de crédito, que devem sempre adoptar a forma de sociedades anónimas (art. 14.º, n.º1, al. b) RGIC) estão em causa acções, pelo que o RGIC lhe deu uma maior preocupação, com obrigação d comunicação ao BP em certos casos (art. 13.º, n.º7 RGIC). Chame-nos ainda a atenção para o art.13.º, n.º13 RGIC, que refere a relação de proximidade. Esta surge como uma decorrência de certas participações qualificadas, sendo definida, pelo mencionado preceito, como relação entre duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, ligadas entre si através de uma participação directa ou indirecta de 20% ou de uma relação de domínio.
Também o CSC a elas se refere no art. 448.º quando impõe a publicidade de determinadas participações sociais.


● Participações indirectas

Um regra destinada a regular participações sociais deve ter em conta o fenómeno das participações indirectas. De outra forma, tal regra seria ilusória: qualquer titular poderia contorná-la, recorrendo a pessoas interpostas.
O CSC apresenta uma primeira regulamentação para o fenómeno no art. 447.º, podendo considerar-se um minimum, quanto à determinação de participações sociais indirectas. Ele é usado, por remissão pelo próprio CSC, no tocante a certas participações «qualificadas». O próprio art. 448.º CSC relativo à publicidade de participações de accionistas dispõe neste campo.

O RGIC foi mais longe que o CSC e da definição de participação qualificada, no artigo 13.º, n.º7, aponta desde logo:
a) Para uma situação que, por qualquer outro motivo, possibilite uma influência significativa.
b) Como tal se presumindo a que ultrapasse os 5% do capital da participada.

Não obstante este regime já alargado o n.º 7 apresenta uma série de alíneas que vieram precisar e alargar esta noção básica. Consideram-se, então, equiparadas aos direitos de voto do participante, para efeitos de haver «participação qualificado» essas alíneas.
O modo como o RGIC tratou as participações indirectas leva a pensar que o legislador teve em vista, a propósito de participações qualificadas, situações materiais de qualificação e, ainda, situações formais. Ou seja, quando, formalmente, uma situação surja como participação qualificada, esta tem-se por verificada; além disso, a situação materialmente qualificada (ainda que não o seja formalmente) é, também, tida por verificada.

● A apreciação do BP; a inibição dos direitos de voto

A intenção de deter uma participação qualificada ou de ultrapassar alguns dos patamares fixados na lei deve ser comunicada ao BP: este decidirá, depois, da idoneidade da participação (art. 103.º RGIC).
A comunicação a fazer ao BP visa permitir, a esta entidade, opor-se ao projecto de aquisição. Trata-se, aliás, duma situação que decorre da 2.ª directriz de Coordenação Bancária (art. 16.º da Diretriz n.º 2000/12 de 20 de Março).
Ora, só faz sentido colocar, nas mãos do BP, um poder tão significativo como o de vetar aquisições qualificadas ou o reforço dessas aquisições, quando a decisão a tomar seja verdadeiramente esclarecida. Para tanto, haverá que levar ao BP os mais diversos elementos.
O BP supervisiona e dá selo de seriedade à operação, prosseguindo pois uma tripla finalidade:
- Tutela da instituição de crédito considerada e tudo o que ela representa.
- Tutela do sistema bancária no seu conjunto.
- Tutela do mercado e os valores a ele inerentes.

Segundo o art. 105.º, n.º1 e 3 RGIC, a constituição ou o aumento de participação qualificada, sem que o interessado tenha procedido à comunicação prevista ou aos quais o BP se tenha oposto, o mesmo BP poderá determinar a inibição do exercício, na instituição de crédito participada, dos direitos de voto integrantes da referida participação, na medida necessária e adequada para impedir a influência na gestão que foi obtida.
Os n.ºs seguintes regulam o modo como esta inibição funciona e as consequências e sanções para as deliberações eventualmente tomadas com os votos «inibidos»:a anulabilidade.

Note-se, a sanção de inibir o voto não põe em causa a legitimidade e a eficácia da transacção (estão em causa valores bancários não de concentração de riqueza): as acções em excesso mantêm todos os seus direitos e, designadamente:
- Direito ao inerente dividendo.
- Direito a realizar eventuais mais-valias.








Capítulo III – DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO EM GERAL

ASPECTOS BÁSICOS

● Noção e espécies

O art. 2º/1 do RGIC define instituições de crédito como: “ (…) empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicar por conta própria mediante concessão de crédito”.
O primeiro elemento da noção de instituição de crédito provém da sua assimilação a “empresas”. A doutrina já tem procurado retirar, daí, consequências preceptivas, procedendo à aproximação das “empresas” previstas no art. 230º do Código Comercial. Designadamente: tratar-se-ia de empresas comerciais. A noção de empresa, porém, que não é jurídica, não pode ser integralmente aproveitada.
Como segundo elemento, na definição do art. 2º/1 do RGIC, surge a actividade das instituições de crédito: a de receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis.
Receber do público equivale a receber de pessoas indeterminadas e, á partida, indetermináveis. Assim, não se considerará “público”, para efeitos desta noção, o conjunto dos sócios de uma sociedade ou o das entidades que, com o beneficiário, estejam numa relação de grupo. Também não é “público” o conjunto – ainda que indeterminado – das instituições de crédito: estas, pela lógica da definição, contrapõem-se ao público. O BP, na medida em que pode aceitar depósitos das instituições de crédito – art. 24º/1, al.f) da Lei Orgânica – não é, pelo menos por isso, instituição de crédito.
Temos, de seguida, os depósitos e outros fundos reembolsáveis. Trata-se de dinheiro ou de equivalente a dinheiro. Além disso, o banqueiro fica obrigado á restituição. Finalmente, o art. 9º/1 do RGIC afasta do universo dos fundos reembolsáveis os obtidos “… mediante emissão de obrigações, nos termos e limites do Código das Sociedades Comerciais…” e “…os fundos emitidos através da emissão de papel comercial, nos termos e limites da legislação aplicável”.
Finalmente – e sempre segundo a definição legal – os fundos reembolsáveis serão aplicados por conta própria mediante a concessão de crédito. O pensamento jurídico-bancário reclama uma noção muito ampla de concessão de crédito. Ficariam abrangidos, na enumeração do Livro Branco, citando a legislação comunitária:
a) os contratos reais, como o mútuo e o desconto bancário
b) os contratos consensuais, como a abertura de crédito
c) a prestação de garantias
d) a locação financeira
e) a cessão financeira
f) a aquisição de obrigações e outros títulos de dívida

Pela negativa, do art. 9º/2 do RGIC consta o que o diploma exclui da concessão de crédito.
O Livro Branco afirma que são excluídas as formas de “natureza restrita”. Na verdade, se bem atentarmos nas exclusões do art. 9º/2 do RGIC, verificamos que elas tem em comum a predeterminação dos intervenientes e, em especial, do destinatário de crédito.
A chave da concessão de crédito, para efeitos de localização de uma instituição de crédito, está, assim, na indeterminação dos beneficiários. No fundo, o crédito é concedido ao público.
O art. 3º do RGIC complementa a noção legal. A institução de crédito deve ter personalidade jurídica e apresentar a conformação de uma das entidades enumeradas:
a) bancos
b) caixas económicas
c) Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo
d) instituições financeiras de crédito
e) sociedades de investimento
f) sociedades de locação financeira
g) sociedades de “factoring”
h) sociedades financeiras para aquisições a crédito
i) sociedades de garantia mútua
j) as instituições de moeda electrónica
l) outras empresas que correspondam à definição do art. 2º e, como tal, sejam qualificadas por lei.
A enumeração do art. 3º não se limita a precisar a do art. 2º. Vai mais longe. Na verdade, boa parte das entidades incluídas no art. 3º não visa “receber do público depósitos”: é o que sucede com as sociedades de investimento – art. 4º do Decreto-Lei nº 260/94 de 22 de Outubro , com as sociedades de locação financeira – art. 5º do Decreto-Lei nº 72/95 de 15 de Abril – com as sociedades de cessão financeira – art. 5º do Decreto-Lei nº 171/95 de 18 de Julho – e com as sociedades financeiras para aquisições a crédito – art. 5º do Decreto-Lei nº 260/95 de 14 de Agosto: entre os recursos de que essas entidades dispõem, não se conta a recepção de depósitos do público.
Dentro das instituições de crédito, surgem-nos os bancos que incluem, hoje, a Caixa Geral de Depósitos:estes podem praticar a generalidade dos actos bancários, como se infere do art. 4º/1 do RGIC. As restantes instituições de crédito só podem praticar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a sua actividade – idem, nº3.

● Princípios

Com base no RGIC, é possível apontar alguns princípios tendencialmente aplicáveis às diversas instituições de crédito e às suas actividades.
O primeiro surge, no art. 8º, como princípio de exclusividade. Nos termos desse preceito, ele tem uma dupla formulação:
- só as instituições de crédito podem “exercer a actividade de recepção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” – nº1;
- só as instituições de crédito e as sociedades financeiras podem exercer, a título profissional, as actividades referidas nas alíneas b) a i) e r) do nº1 do art. 4º, com excepção da consultadoria referida na alínea i) – nº2.
A primeira formulação carece de dupla precisão: por um lado, a recepção de depósitos do público é, também acessível ao Estado e a outras entidades, referidas no art. 8º/3; por outro, como se viu, há instituições de crédito que, por via da lei que as regulamenta, não podem receber tais depósitos.

De seguida, temos o princípio da abertura internacional. Segundo o art. 10º do RGIC, estão habilitados a exercer actividades bancárias:
- as instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal;
- as sucursais de instituições de crédito e sociedades financeiras com sede no estrangeiro.
Neste último caso há diferenciação de regime, consoante se trate – ou não – de entidades com sede na União Europeia.

Ocorre, depois, o princípio da verdade das firmas e denominações. Segundo o art. 11º, só as entidades habilitadas como instituições de crédito ou sociedades financeiras podem usar, na sua actividade, expressões que sugiram actividades bancárias – art. 11º/1.
O princípio da verdade é complementado no nº2: mesmo no universo bancário, diversas designações devem ser usadas de modo a não induzir “...o público em erro quanto ao âmbito das operações que a entidade possa praticar”.

Prosseguindo, encontramos o que denominaremos o princípio da conformação legal. Segundo esse princípio, explicitado no RGIC – art. 14º -, as instituições de crédito, com sede em Portugal, devem obedecer aos seguintes pontos:
- corresponder a um dos tipos previstos na lei portuguesa (tipicidade);
- adoptar a forma da sociedade anónima (anonimato);
- ter por objecto exclusivo o exercício da actividade bancária (dedicação exclusiva);
- ter determinado capital social mínimo, representado por acções nominativas ou ao portador registadas (capital mínimo e determinabilidade dos titulares);
- sede principal e efectiva em Portugal ( sede em Portugal).
O princípio da conformação legal analisa-se, assim, em cinco subprincípios: tipicidade, anonimato, dedicação exclusiva, capital mínimo e determinabilidade dos titulares e sede em Portugal.

Por fim, o art. 15º do RGIC autonomiza um princípio de colegiabilidade: o órgão de administração do conselho de administração das instituições de crédito deve ser constituído por um mínimo de três membros, com poderes de orientação efectiva – nº1; a própria gestão corrente deve ser confiada, pelo menos, a dois membros dos órgãos de administração – nº2.

· Sistema de fontes

As instituições de crédito regem-se por diversos factos normativos. O próprio RGIC não fixa, em geral, um sistema de fontes.
A uma instituição de crédito considerada, será, sucessivamente, aplicável:
- a sua legislação específica;
- o RGIC e demais legislação bancária;
- a legislação comercial;
- a legislação civil.

VICISSTUDES

· Constituição e modificação

A constituição de instituições de crédito depende de autorização a conceder, caso a caso, pelo BP – art. 16º/1 RGIC.
Perante os dispositivos em vigor, a autorização, pelo Banco Central, de uma instituição de crédito envolve a atribuição do “passaporte comunitário”: donde a Comunicação à Comissão, prevista no art. 16º/3.
O RGIC prevê, depois, todo um processo de autorização. Assim, o pedido deve ser instruído com os elementos seriados no art. 17º/1: tipo de instituição a constituir e projecto de contrato de sociedade; programa de actividades, implantação geográfica, estrutura orgânica e meios humanos.
Quando os accionistas fundadores sejam pessoas colectivas, devem ser apresentados os elementos, a elas referentes, previstos no nº2. Tais elementos podem ser dispensados, quando já sejam do conhecimento do BP – nº3 – o qual, de todo o modo, pode solicitar aos requerentes informações complementares ou levar a cabo as averiguações que considere necessárias – nº4.
Tratando-se de autorização relativa a uma instituição de crédito que seja filial de instituição autorizada noutro Estado comunitário, depende ela de consulta prévia à autoridade de supervisão do Estado em causa – art. 18º/1.
Quando o pedido de autorização esteja deficientemente instruído, o BP notifica os requerentes, dando-lhes um prazo razoável para suprir a deficiência – art. 20º/2.
Apresentado o pedido, o BP decide, de acordo com uma dupla ordem de factores:
- a regularidade formal da instituição a constituir;
- a idoneidade material de certos factores envolvidos.

A regularidade formal da instituição é, evidentemente requerida: o Direito estrito deve ser cumprido, cabendo ao BP verificar o seu acatamento. Assim, segundo o art. 20º/1 do RGIC, o pedido de autorização será recusado sempre que:
- faltem informações ou documentos necessários;
- a instrução do pedido enferme de inexactidões ou falsidades;
- não se mostre acatado o art. 14º ( conformação legal).

Mais melindrosa é a verificação da idoneidade material de certos factores envolvidos. Segundo as alíneas d) a g) do citado art. 20º/1 do RGIC, o BP recusará a autorização sempre que:
- não considere idóneas todas as participações qualificadas;
- faltem os meios técnicos e os recursos financeiros para o tipo e volume de operações que a instituição candidata pretenda realizar;
- a adequada supervisão seja inviabilizada por uma relação de proximidade;
- ou por disposições legais ou regulamentares de um país terceiro.

A decisão deve ser comunicada aos interessados no prazo de seis meses a contar da data de recepção do pedido ou – sendo esse o caso – da recepção das informações complementares solicitadas aos representantes : mas nunca decorridos mais de doze meses sobre a data da entrega inicial do pedido. Quando não: há presunção de indeferimento tácito – art. 19º.
As alterações dos contratos de sociedades das instituições de crédito estão sujeitas a prévia autorização do BP, quando se reportem aos aspectos seriados no art. 34º/1, do RGIC. Consideram-se, porém, tacitamente autorizadas, salvo as que impliquem mudança do tipo de instituições, quando, recebido o pedido, o BP nada objecte, ao fim de 30 dias – idem, nº2.
Tratando-se de fusão ou de cisão impõe-se, também, autorização do BP mas, desta feita, com observância do previsto para a constituição da instituição.
Obtida a autorização, esta caduca – art. 21º - nos seguintes casos:
- havendo renúncia dos requerentes;
- decorridos 12 meses, sem que a instituição autorizada inicie a sua actividade; o BP poderá, a pedido dos interessados, prorrogar esse prazo por igual período;
- ocorrendo a dissolução da instituição.

· O registo

Além do processo de autorização, pelo BP, necessário para a constituição da instituição candidata, há, ainda, que observar o disposto no art. 65º/1: “ As instituições de crédito não podem iniciar a sua actividade enquanto não se encontrarem inscritas em registo especial do BP”.
O registo abrange os elementos tipificados no art. 66º. Tratando-se dos factos supervenientes referidos no art. 70º, aplica-se este mesmo preceito.
O registo deve ser requerido no prazo de 30 dias a contar da data da ocorrência do facto a ela sujeito – art. 71º/1 e 2. O registo considera-se efectuado perante um silêncio, do BP, superior a 30 dias – idem, nº 4.
O registo é recusado nos casos taxativamente previstos no art. 72ºdo RGIC ou noutras leis.

· Dissolução

As instituições de crédito dissolvem-se, desde logo, pela revogação da autorização de que beneficiem – art. 22º/3 do RGIC.
A revogação cabe ao BP, devendo processar-se pela forma prevista no art. 23º. Ela pode ter lugar com algum dos fundamentos previstos no art. 22º/1, além de outros legalmente previstos. São eles:
a) ter sido obtida por falsas declarações ou outros expedientes ilícitos;
b) deixar de se verificar algum dos requisitos do art. 14º (conformação legal);
c) a actividade da instituição não corresponder ao objecto autorizado;
d) cessara actividade ou redução da mesma para um nível insignificante, por período superior a 12 meses;
e) ocorrerem irregularidades graves na administração, organização contabilística ou fiscalização interna da instituição.
f) Não poder, a instituição, honrar os seus compromissos, particularmente no tocante à segurança dos fundos que lhe tenham sido confiados;
g) Não cumprimento das obrigações decorrentes de participação do Fundo de Garantia de Depósitos ou no Sistema de Indemnização aos investidores;
h) Inobservância de regras bancárias, de modo a pôr em risco os interesses dos depositantes e demais credores e as condições normais dos mercados monetário, financeiro e cambial.
As instituições de crédito em dificuldades submetem-se a u regime especial de saneamento, previsto nos art. 139º e ss. do RGIC. Quando as providências aí previstas não permitem recuperar a instituição de crédito, a competente autorização é revogada, nos termos do art. 152º do RGIC.

INSTITUIÇÕES PORTUGUESAS NO ESTRANGEIRO

· Na União Europeia

O RGIC regulamenta, no seu título III, a “actividade no estrangeiro de instituições de crédito com sede em Portugal”. Essa actividade pode ocorrer por uma de duas modalidades:
- ou através do estabelecimento de sucursais ou filiais;
- ou mediante a simples prestação de serviços.
No primeiro caso regem os arts. 36º e ss do RGIC, enquanto, no segundo, dispõe o art. 43º. A primeira modalidades não é aplicável às caixas de crédito agrícola mútuo, nem às caixas económicas que não revistam a forma de sociedade anónima, com excepção da Caixa Económica Montepio Geral – art. 41º.
Para efeitos do RGIC – artigo 13.º, 5.º - a sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue, directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa.
Pretendendo estabelecer uma sucursal no estrangeiro, tratando-se de País menbro da UE, a instituição interessada deve notificar previamente o BP, especificando – artigo 36.º/1: o País onde pretenda estabelecer a sucursal; o programa de actividades; o endereço; os responsáveis pela sucursal. A gestão desta – idem, nº2 – deve ser confiada a um mínimo de dois gerentes, sujeitos aos requisitos requeridos aos admnistradores.
A reforma levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 201/2002, de 26 de Setembro, introduziu ainda, na epígrafe do Capítulo I, uma referência a “filiais”. O artigo 13.º, 1.º, do RGIC, define filial como:

pessoa colectiva relativamente à qual outra pessoa, designada por empresa-mãe, se encontre
numa relação de domínio, considerando-se que a filial é igualmente filial da empresa-mãe de que
ambas dependem.
Os artigos 36.º e seguintes nada dizem quanto a filiais, excepto quando estabelicidas em países terceiros ( 42.º - A ). Não vemos como lhes aplicar o correspndente regime, sendo patente, por exemplo, que o artigo 39.º lhe é, de todo, inaplicável, tendo en conta o princípio da interpretação conforme com as directrizes, ensaiaríamos, com as necessárias verificações e adaptações, a aplicação, às filiais, do regime das sucursais.
Recebidos os elementos em causa, o BP dispõe de três meses para estudar a pretensão; caso a considere ajustada, comunicará à autoridade de supervisão do país de acolhimento as informações que a acompamham, certificando também que as operações projectadas estão comprendidas na autorização. A instituição interessada é informada da comunicação – artigo 37.º/1. Além disso, o BP comunicará, ainda, à entidade supervisora do País de acolhimento, o montante dos fundos próprios, a ratio de solvabilidade da instituição eo sistema de garantia de depósitos de que ela participe – idem, nº 2.
O BP pode recusar a comunicação. Fá-lo-á se houver dúvidas fundadas sobre a adequação das estruturas admnistrativas ou da situação financeira da instituição – 38.º/1 – em decisão fundamentada e notificada à instituição interessada – idem, nº 2. O silêncio, no termo do prazo legal dos três meses, implica presunção de recusa – idem, nº 3. As recusas são comunicadas à Comissão – nº 4.
Efectuada a comunicação, a sucursal pode realizar, no País de comunitário de acolhimento, as operações constantes do anexo à Directriz n.º 89/646/CEE.
Caso, supervenientemente, ocorram modificações nos elementos comunicados, referidos no artigo 36.º/1 b ), c) e d), do RGIC, a instituição interessada deve transmiti-lo, por escrito, com antecedência mínima de 30 dias, ao BP e à autoridade de supervisão do País de acolhimento. Outro tanto sucederá quando a alteração se reporte ao sistema de garantia referido no artigo 37.º/2: artigo 40.º/1. Segue-se, depois, a apreciação pelo BP, dos novos elementos: este, quando concorde, comunicá-lo-á à entidade supervisora do País de acolhimento. Têm aplicação os artigos 37.º e 38.º do RGIC, acima examinados, apenas com redução, para um mês, do prazo de apreciação pelo BP, nos termos do artigo 40.º/2, sempre do RGIC.
A instituição portuguesa se pretender iniciar, noutro Estado da União, uma mera prestação de serviço constante da lista anexa à Directriz n.º 89/646/CEE, a instituição interessada notificará previamente o BP da sua pretensão; este, no prazo máximo de um mês, comunicá-la-á à entidade supervisora do Estado de acolhimento, certificando que as operações projectadas estão compreendidas na autorização artigo 43.º/1 e 2.

· Em países terceiros

Segundo o artigo 42.º/1, a instituição de crédito que pretenda estabelecer sucursais em países terceiros deverá notificar previamente o BP, nos termos do artigo 36.º do RGIC, especificando todos os elementos aí requeridos. A sucursal não poderá efectuar operações que a instituição não esteja autorizada a efectuar em Portugal ou que não constem da lista comunicada - n.º 5.
O BP pode recusar a pretensão com motivo fundado – por exemplo; por inadequação admnistrativa ou financeira – em decisão fundamentada e notificada à interessada – artigo 42.º/2 e 4. Têm o BP três meses para decidir; o silêncio vale como recusa – 42.º/3.
O artigo 42.º aditado pelo Decreto-Lei n.º 201/2002, de 26 de Setembro, dispõe sobre hipótese de as instituições de crédito com sede em Portugal pretenderem constituir filiais em países terceiros. Devem comunicar previamente a pretensão ao Banco de Portugal que poderá recusar com fundado motivo, em termos similares aos previstos para sucursais.
E também aqui a decisão será tomada em três meses entendendo-se, no silêncio, que a pretensão foi recusada – 42.º- A/3, do RGIC.

INSTITUIÇÕES ESTRANGEIRAS EM PORTUGAL

· Instituições estrangeiras em Portugal; generalidades

Nos seus artigos 44.º a 64.º , o RGIC regula a actividade, em Portugal, de instituições de crédito com sede no estrangeiro.
O respeito pele lei portuguesa vem afirmado logo no artigo 44.º do RGIC, que chama uma especial atenção para as normas reguladoras das operações com o exterior e das operações sobre divisas.
Ele aflora, ainda, no artigo 45.º, que – perante as instituições não provenientes da União – determina, por parte dos gerentes de sucursais ou de escritórios de representação, a verificação de todos os requisitos de idoneidade e de experiência estabelecida para admnistradores das instituições de crédito com sede em Portugal.
A observância da lei estrangeira é pressuposta. Em princípio, o BP mais não fará do que velar pela regularidade formal da actuação da instituição estrangeira, perante a lei do País de origem. No entanto, se tiver conhecimento da revogação ou da autorização do país de origem, o BP tomará as medidas do artigo 47.º:
- impedirá novas operações;
- salvaguardará os interesses dos depositantes e de outros credores.
Em princípio, as instituições de crédito com sede no estrangeiro podem usar em Portugal, a firma ou a denominação de origem. Devem, no entanto, obedecer às prescrições do artigo 46.º do RGIC.

· Sucursais

O estabelecimento, em Portugal, de sucursais de instituições de crédito autorizadas noutros Estados da União e sujeitas à supervisão das autoridades respectivas – artigo 48.º - depende da recepção, pelo BP, duma comunicação da autoridade supervisora do País de origem, da qual constem os elementos básicos enumerados no artigo 49.º/1. De resto – n.º 2 – apenas se exige que a gerência seja confiada a uma direcção com o mínimo de dois gerentes, com poderes bastantes para resolver definitivamente todos os assuntos que respeitem à sua actividade.
Recebida a comunicação, tem o BP dois meses para organizar a supervisão da sucursal candidata, no tocante às matérias que lhe compitam; posto isso, notificará a instituição de crédito da “habilitação” para estabelecer a sucursal, assinalando – quando seja caso disso – determinadas condições de exercício – artigo 50.º/1; o silêncio vale como assentimento – idem, n.º 2.
As alterações dos elementos relativos à sucursal devem ser comunicados, pela instituição de crédito, com a antecedência de um mês – artigo 51.º/1; o BP tem, então, um mês para “organizar a supervisão”, subentendendo-se que pode haver recusa, nos termos acima explicitados.
A sucursal, uma vez “habilitada”, pode efectuar em Portugal as operações bancárias que reúnam as seguintes três qualidades, cumulativamente – 52.º:
- constem da lista anexa à Directriz n.º 89/646/CEE, hoje anexo I à Directriz n.º 2000/12/CE;
- estejam autorizadas, no País de origem, à entidade interessada;
- constem da lista certificada, ao BP, pela entidade supervisora do País de origem.
O BP exerce a supervisão sobre as sucursais de instituições estrangeiras da União.
As operações por elas realizadas, em Portugal, devem respeitar as normas nacionais sobre liquidez, política monetária e dever de informação; quando não o façam, o BP determinará que ponham termo à irregularidade – artigo 53.º/1. Se o não fizerem, o BP solicitará à autoridade supervisora do País de origem as providências apropriadas – idem, n.º 2; se isso nada “resolver,”… o Banco de Portugal poderá, após informar desse facto a autoridade de supervisão dopaís de origem, tomar as providências que entenda convenientes para prevenir ou reprimir novas irregularidades, designadamente obstando a que a sucursal inicie novas operações em Portugal” – idem, n.º 3. Em caso de urgência, o BP pode reagir imediatamente – idem, n.º 5.
Há diversos deveres de comunicação. Ocorrendo recurso, presume-se que a suspensão de eficácia dos actos tomados determina grave lesão do interesse público – artigo 53.º/7.
De modo a facilitar a supervisão e a fiscalização, a instituição de crédito interessada centralizará, na primeira sucursal estabelecida em Portugal, toda a contabilidade das operações realizadas no País; o uso da língua portuguesa é obrigatório – artigo 55.º.
A responsabilidade patrimonial por d´vidas dá lugar a regras especiais. Por dívidas contraídas em Portugal responde o activo da sucursal e, nos termos gerais, o da instituição de crédito visada, na medida em que seja possível efectivar tal responsabilidade.
Por dívidas assumidas noutros países, pode responder o activo da sucursal estabelecida em Portugal, mas apenas depois de satisfeitas todas as obrigações contraídas no País – artigo 54.º/1: temos pois, uma separação de patrimónios, com privilégio. Tal regra mantém-se mesmo perante a falência e liquidação da instituição estrangeira – idem, n.º 2.
O estabelecimento de sucursais de instituições de crédito de países terceiros – portanto: de países extracomunitários – fica sujeito às regras referidas e, ainda, em geral, às relativas à autorização ex novo, de filiais de instituições de Estado terceiros – artigo 57.º. Opera, pois a ponderação de tipo público do artigo 27.º/1, do RGIC.
A autorização cabe ao MF – ou ao BP, por delegação – precedendo uma apreciação que recai sobre os elementos referidos no artigo 58.º/2 – idem, n.º 1. A autorização pode ser recusada, nos termos aplicáveis às filiais extracomunitárias – 58.º/3 – e, ainda, quandoo BP considere insuficiente o sistem de supervisão a que a instituição de crédito estiver sujeita.
A sucursal deve dispor de um capital não inferior ao exigido para instituições portuguesas equivalentes – 59.º/1 – capital esse que deve ser depositado em instituição de crédito antes de efectuado o registo, no BP. O capital em causa – bem como as reservas constituídas e os depósitos e outros recursos aqui obtidos – devem ser aplicados no País – idem, 2 e 3. Finalmente, a instituição de crédito responde pelas operações realizadas pela sucursal, em Portugal – 59.º/5.

· Escritórios de representação

O escritório de representação é um estabelecimento de actuação bastante limitada. Ele actua “…, apenas na escrita dependência da instituição de crédito que representa …”, apenas lhes sendo permitido – artigo 63.º/1, do RGIC:
- zelar pelos interesses das instituições que representam;
- informar sobre realização de operações em que elas se proponham participar.
O n.º 2 do citado preceito veda, especialmente, aos escritórios de representação:
- realizar directamente operações que se integrem no âmbito de actividade das instituições de
crédito;
- adquirir acções ou partes de capital de quaisquer sociedades nacionais;
- adquirir imóveis que não sejam os indispensáveis à sua instalação e funcionamento.
Dado o alcance limitado dos escritórios de representação de instituições estrangeiras, a sua instalação e funcionamento, para além das regras do registo comercial, apenas dependem de registo prévio no BP – artigo 62.º/1. Tal registo obtém-se mediante apresentação de certificado emitido pelas autoridades de supervisão do País de origem, e que especifique o regime da instituição por referência à lei que lhe é aplicável – idem. Obtido o registo, o escritório tem três meses para iniciar a actividade; o BP pode mediante motivo fundado, porrugar, por outro tanto, esse prazo – 62.º/2.
Segundo o artigo 64.º, os gerentes dos escrtórios de representação devem dispor de poderes bastantes para tratar e resolver definitivamente, no País, os assuntos que respeitem à sua actividade.

INSTITUIÇÕES ESTRANGEIRAS EM PORTUGAL

● Objectivo e âmbito

A eventualidade de falência de um banqueiro coloca sempre um ponto delicado no funcionamento de qualquer sistema financeiro.
Perante a realidade descrita, o Estado, havendo banqueiros em dificuldades, adopta medidas especiais destinadas – segundo o art. 139º/1 do RGIC – a:
- proteger os interesses dos depositantes, investidores e outros credores;
- salvaguardar as condições normais de funcionamento do mercado monetário, financeiro ou cambial.
Tais medidas podem ser tomadas pelo BP em relação às instituições com sede em Portugal – idem. O regime geral derivado do CPEF não tem, aqui, aplicação – art. 139º/2.
As regras do saneamento financeiro aplicam-se às filiais. Tratando-se de filiais comunitárias, a adopção de providências extraordinárias deve ser precedida da consulta prévia das autoridades de supervisão do país de origem – art. 151º.

● Processo e medidas

Temos o importante dever de comunicação do art. 140º do RGIC: quando uma instituição de crédito se encontre impossibilitada de cumprir as suas obrigações ou em risco de o ficar, o órgão de administração ou de fiscalização deve comunicá-lo imediatamente ao BP.
Verificada uma situação de desiquilibrio financeiro, designadamente por redução dos fundos próprios a um nível inferior ao mínimo legal ou por inobservância das rationes de solvabilidade ou de liquidez, pode o BP adoptar algumas das sete medidas referidas no art. 141º do RGIC:
- apresentação de um plano de recuperação e saneamento,nos termos desenvolvidos no art. 142º:
- restrições a certos tipos de actividade;
- restrições à concessão de certo crédito ou a determinadas aplicações de fundos;
- restrições a certos depósitos;
- constituição de provisões especiais;
- limitação de dividendos;
- sujeição de certas operações ou actos à aprovação prévia do BP.
Perante o risco de cessação de pagamentos, o desequilíbrio financeiro agravado, a idoneidade da administração ou insuficiências graves de organização contabilística ou de controlo interno, pode o BP designar administradores provisórios, com os poderes especiais referidos no art. 143º.
Além disso pode o BP designar uma comissão de fiscalização com o âmbito referido no art. 144º e com poderes do conselho fiscal.
Em conjunto com a designação de administradores provisórios, pode o BP determinar as providências extraordinárias referidas no art. 145º.
A providência da designação de administradores suspende todas as execuções contra a instituição e interrompe todos os prazos de prescrição ou de caducidade por ela oponíveis – art. 147º.
As providências extraordinárias subsistem apenas enquanto se verificar a situação que as haja determinado – art. 146º

● Liquidação

Quando as providências tomadas não permitem recuperar a instituição, é revogada a autorização, seguindo-se a sua liquidação – art. 152º
A liquidação é remetida para a “ legislação aplicável”.

GARANTIAS DE DEPÓSITOS

● A garantia de depósitos

A garantia de depósitos veio a ser regulada pela Directriz nº 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de Maio de 1994. Trata-se de uma Directriz que formalizou a obrigatoriedade de as instituições de crédito, para poderem receber depósitos, pertencerem a um ou mais sistemas de garntia – art. 3º/1.
A Directriz nº 94/19/CE veio a ser transposta pelo Dcreto-Lei nº 246/95 de 14 de Setembro, que introduziu alterações ao RGIC.
Entre outros aspectos, esse diploma consignou o princípio segundo o qual, na Comunidade, a garantia dos depósitos é assegurada pelo país de origem da instituição de crédito, ainda que se trate de fundos captados por vis de sucursais ou em prestações directa de serviços.

● O Fundo de Garantia de Depósitos

O art. 154º do RGIC criou, junto do BP, como pessoa colectiva de Direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, o Fundo de Garantia de Depósitos. O Fundo é gerido por uma comissão directiva de três membros: um membro do Conselho de Administração do BP, como presidente e dois vogais: um nomeado pelo MF, e o terceiro pela associação que represente as instituições de crédito participantes que, no seu conjunto, detenham o maior volume de depósitos garantidos – art. 158º/1; a designação é feita para três anos, renováveis – idem, nº4.
O objecto do Fundo é garantir o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito aderentes – art. 155º/1 .Admite o nº2 desse preceito que o Fundo colabore, transitoriamente, em medidas de saneamento.
As instituições de crédito, com sede em Portugal, autorizadas a receber depósitos, participam obrigatoriamente no Fundo – art. 156º/1, al. a) – outro tanto sucedendo com as instituições extracomunitárias, relativamente aos depósitos captados pelas suas sucursais em Portugal, salvo se eles estiverem garantidos por um sistema do país de origem, considerando equivalente, pelo BP – idem, al. b).
O Fundo dispõe dos recursos financeiros referidos no art. 159º: contribuições das participações e do BP, empréstimos, rendimentos, liberalidades e produtos de coimas. As contribuições das participantes podem ser iniciais, periódicas e especiais: as iniciais são entregues no prazo de 30 dias a contar do registo do início da actividade, no valor fixado por aviso do BP, sob proposta do Fundo – art. 160º/1; as periódicas são anuais , calculando-se em função dos saldos mensais dos depósitos, no ano anterior, podendo ser subtraídos, até 75%, por caução idónea – art. 161º; as especiais são determinadas por Portaria do MF, quando os recursos do Fundo se mostrem insuficientes – art. 162º.
Os recursos do fundo são aplicados em operações financeiras, segundo o plano acordado com o BP – art. 163º - sem prejuízo de poder participar em operações destinadas a eliminar situações de desiquilíbrio financeiro em que se encontram instituições suas participantes – art. 167º-A.
O Fundo garante o reembolso dos depósitos até ao limite de 25.000 euros por depositante – art. 164º e 166º.
Ficam excluidos da garantia os depósitos referidos no art. 165º.
O reembolso é efectuado, em regra, no prazo de três meses a contar da indisponibilidade – art. 167º/1 – cabendo ao BP a fiscalização do sistema.

● O Sistema de Indeminização aos Investidores

Em paralelo com o Fundo de Garantia de Depósitos, o Sistema de Indemnização aos Investidores foi lançado, pelo Decreto-Lei nº 222/99 de 22 de Junho, em transposição da Directriz nº 97/9/CE, do Parlamento e do Conselho, de 3 de Março. Esse diploma foi pontualmente alterado pelo Decreto-Lei nº 252/2003 de 17 de Outubro, que aprovou os organismos de investimento colectivo.
Este sistema visa permitir o ressarcimento dos operadores que actuem sobre determinados valores mobiliários e instrumentos financeiros e que, depois, não possam ver satisfeitos os seus direitos devido à situação financeira da entidade prestadora de serviços de investimento, participante no Sistema.
O Sistema de Indemnização aos investidores é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira, com sede em Lisboa e funcionando junto da CMVM. Ele, garante os créditos dos investidores, até ao limite de 25.000 euros, desde que se mostrem reunidas determinadas condições:
- tratar-se de entidades participantes – art. 6º;
- estarem em causa créditos cobertos pelo sistema: as operações de investimento referidas no art. 8º, desde que não excluídas no art. 9º;
- tratar-se de investidor que não tenha sido pronunciado por actos de branqueamento de capital – art. 13º, todos do Decreto-Lei nº 222/99 de 22 de Junho.

ILÍCITOS PENAIS E DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL

● Crime de banca não autorizada

O RGIC contém um Título XI relativo a sanções penais e contra-ordenacionais.
No Capítulo I desse Título prevê-se um ilícito penal a que poderemos chamar “ crime de banca não autorizada” – art. 200º.

● Ilícitos de mera ordenação social

Segue-se a matéria dos ilícitos de mera ordenação social – art. 201º e seguintes.
As competentes normas têm um âmbito largo de aplicação, quer em termos espaciais – art. 201º - quer pessoais – art. 202º a 204º. Designadamente , são responsáveis pessoas singulares, pessoas colectivas ainda que irregularmente constituídas e associações sem personalidade jurídica.
A tentativa e a negligência são puníveis – art. 205º - procedendo-se a uma particular graduação das sanções – art. 206º.
A prescrição é quinquenal – art. 209º.
Os ilícitos são tipificados nos arts 210º e 211º: este último refere as infracções especialmente graves. Sanções acessórias surgem prescritas no art. 212º.
O processo e a aplicação das sanções cabem ao BP – art. 213º. O processo pode ser suspenso, para que se sane a irregularidade – art. 214º.
Concluída a instrução, os autos podem ser arquivados ou – havendo matéria de informação – será deduzida acusação – art. 219º. O arguido é notificado para se defender – art. 219º/3 – mas a sua revelia não prejudica o andamento do processo – art. 221º.
A decisão deve conter os elementos do art. 222º, podendo a execução da sanção ser suspensa – art. 223º. A responsabilidade pelo pagamento é solidária, perante as entidades envolvidas – art. 226º.
A decisão pode ser judicialmente impugnada – art. 228º - sendo competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – art. 229º ; o BP pode intervir na fase contenciosa – art. 231º.
Subsidiariamente aplica-se o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social – Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.

PESSOAL BANCÁRIO

· Os Administradores

Nos termos do artigo 14º/1 b) do RGIC, as instituições de crédito devem adoptar a forma de sociedade anónima. As instituições de crédito podem ser estruturadas segundo o figurino latino, com conselho de administração e conselho fiscal e o germânico, com direcção, conselho geral e revisor oficial de contas (278º CSC). No primeiro caso, o conselho de administração tem a exclusividade dos poderes de representação da sociedade (405º/2) e a generalidade dos poderes de gestão (artigo 406º). No segundo, essa competência cabe à direcção, nos termos do artigo 431º do CSC.
Para além do regime geral, próprio do direito das sociedades comerciais, cabe recordar a existência de regras bancárias especiais (por ex., artigo 31º, 33º, 69º do RGIC).
Os administradores das instituições de crédito podem, com relativa facilidade, ter interesses com ela conflituantes. De resto, o fenómeno ocorre em quaisquer sociedades (ver 397º do CSC e 85ºe 86º do RGIC – negócios das sociedades com administradores).
Os arts 85º e 86º do RGIC, como leis especiais, prevalecem sobre o artigo 397º do CSC, no que sejam incompatíveis com ele.

· Os trabalhadores

Os trabalhadores das instituições de crédito e das sociedades financeiras pautam-se pelo Direito do trabalho privado. Assim, para além de algumas regras específicas (como por ex. nos arts 78º e 86º do RGIC) eles regem-se pelas diversas regras laborais do País.

Capítulo IV – DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO EM ESPECIAL

OS BANCOS

·Generalidades;

Os bancos são instituições de crédito que podem efectuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei – arts 3º a) e 4º/1 do RGIC.

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS

O regime vigente no tocante à CGD, deriva do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto. No essencial, este diploma:
- transformou a CGD em sociedade anónima, embora de capital exclusivamente público e na titularidade do Estado;
- determinou, à Caixa, a aplicação do Direito Privado, em termos semelhantes aos dos outros bancos; praticamente, cessaram os antigos privilégios e regimes exorbitantes; …

CAIXAS ECONÓMICAS (págs 848 e ss.)



CAIXAS DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO

● O crédito agrícola e a sua evolução

O mundo rural desde cedo conheceu mutualísticos e, nesse âmbito, de concessão de crédito. Em Portugal, o papel de prestador ter sido assumido, no inicio, pelas Misericórdias e instituições similares.
As actuais caixas de crédito rural surgiram como produto da aplicação, no sector do crédito agrícola, das teses mutualistas do séc. XIX. A origem remonta ao pensamento cooperativo alemão.

● O regime vigente

A reforma legislativa anunciada, em 1987, veio a ser aprovada pelo D.L. 24/91, de 11 de Janeiro. Este diploma aproveitou, de resto, um regime especial, permitindo pelo anexo XXXII do Tratado de Adesão de Portugal à CEE, para isentar as caixas de certas exigências prescritas na Directriz n.º 77/780/CEE.
No essencial a reforma saldou-se no seguinte:
As caixas e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo passaram a constituir uma organização mais estreita e permanente, tratada em termos consolidados e de co-responsabilidade; assim surge o sistema integrado do crédito agrícola mútuo – arts. 62.º e ss.
As caixas adquirem maior solidez: passaram a cooperativas de responsabilidade limitada.
As caixas perdem a qualidade de interesse público.
Facilitação, para as caixas integradas no sistema, no tocante a certas regras internas.
Alargamento das operações activas da Caixa Central e das diversas caixas.
Manutenção do Fundo de Garantia.

As caixas que adiram ao sistema integrado teriam de apresentar um capital de 10.000c; as demais, 5000.000c.
Após a publicação do RGIC, impunha-se uma revisão do Regime aprovado pelo D.L. n.º 24/91, de 11 de Janeiro. Tal foi o desempenho do D.L. n.º 230/95, de 12 de Setembro, que aproveitaria para melhorar o sistema, em pontos recomendados pela experiência. No essencial, tomaram-se as medidas seguintes:
Eliminou-se a proibição de distribuição, pelos associados, de excedentes anuais: assegurava-se assim o reforço dos capitais próprios.
Alargou-se o seu âmbito de intervenção comercial.
Aplicou-se, tendencialmente, aos membros dos corpos gerentes das caixas, as regras do RGIC.
Ampliaram-se os poderes da Caixa Central, permitindo, ao BP aproximá-la dos Bancos.


O regime do crédito agrícola mútuo foi alterado pelo D.L. n.º 320/97, de 25 de Novembro, que veio melhorar os fundos próprios e a distribuição do risco e mais tarde pelo D.L. n.º 201/2002, de 26 de Setembro, que dispôs sobre o destino das multas: o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
Com um capital social não inferior a uma quantia fixada pelo MF, reforçado pelo das suas associadas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo funciona hoje, como um banco universal, em complementação com os inúmeros balcões das diversas caixas.
À semelhança dos bancos comerciais, a Caixa Central tem vindo a participar em múltiplas empresas especializadas na prestação de serviços conexos.
Cabe ainda fazer referência à Federação Nacional das caixas de Crédito Agrícola Mútuo, constituída ao abrigo do art. 49.º.


SOCIEDADES DE INVESTIMENTO

● Origem e evolução

As sociedades de investimento remontam à previsão do art. 5.º, do D.L. n.º 41 402, de 27 de Novembro de 1957.
Trata-se de instituições parabancárias. Estas, porém, só viriam a obter uma consagração expressa e uma regulação mínima através do D.L. n.º 46302, de 27 de Abril de 1965.



● O regime vigente

Aquando da elaboração do RGIC, verificou-se que havia 16 sociedades de investimento autorizadas. Tratava-se de uma forma de abrir o sector bancário a operadores que, de outro modo, a ele não teriam acesso. Mais tarde, o interesse por este tipo de instituição veio a cair: a constituição ou a aquisição de bancos privados deixava maiores possibilidades, enquanto algumas das sociedades de investimento existentes procuravam passar a bancos.
As exigências comunitárias levaram as sociedades de investimento ao universo das instituições de crédito. Foi, de resto, suprimida a antiga categoria das sociedades parabancárias.
O art. 3.º, al. b), do RGIC, incluiu, formalmente, as sociedades de investimento entre as I.C..

Na sequência do RGIC, foi aprovado o D.L. n.º 260/94, de 22 de Outubro. Implicou uma grande simplificação no regime das sociedades de investimento: o diploma em questão reduz-se a 5 artigos, dos quais o primeiro dá a noção de Sociedade de investimento, o segundo remete para o RGIC e o quinto revoga a legislação anterior.

As sociedades de investimento surgiram, assim, como bancos de investimento sem a fonte dos depósitos e com uma capacidade reduzida. Compreende-se que, depois da liberalização da constituição dos bancos, o número de sociedades de investimento tenha caído drasticamente: elas passaram a bancos.


SOCIEDADES DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

● Origem e evolução

Na locação financeira ou leasing, o financiador adquire o bem pretendido pelo financiado, por indicação deste, entregando-lho, depois, em locação. Findo o contrato, o locatário-financiado decidirá se pretende adquirir o bem por um valor residual ou se prefere o termo completo do contrato.

● O regime vigente

Na preparação do RGIC, ponderou-se que não havia razões para conservar, em relação às sociedades de locação financeira, a repartição entre sociedades de locação mobiliária ou imobiliária.
De todo o Modo o RGIC limitou-se a incluir as sociedades de locação financeira entre as instituições de crédito: trata-se dum alargamento artificial, facultando-lhes o «passaporte comunitário».

A reforma das sociedades de locação financeira ocorreu já em execução do RGIC, através do D.L. n.º 72/95, de 15 de Abril. O novo esquema operou uma grande simplificação no regime aplicável às sociedades de locação financeira.
As sociedades de locação financeira eram apresentadas como tendo o exclusivo do exercício da actividade de locação financeira – art. 1.º, n.º1; esta, de resto, só estava aberta a essas sociedades e aos bancos – art. 4.º. Só elas – art. 3.º - se podem designar «sociedades de locação financeira» ou «leasing». O D.L. n.º 186/2002, de 21 de Agosto, alterou o art. 1.º e revogou o art. 4.º, de modo a suprimir a referência a «exclusivo». Tratava-se de permitir a celebração de contratos de locação financeira por parte das instituições financeiras de crédito.
O art. 1.º- A, aditado pelo D.L. 285/2001, proíbe às sociedades de locação financeira a prestação de serviços complementares dessa actividade (renting), embora possam contratá-los por terceiros.

Os recursos das sociedades de locação financeira estão consignados no art. 5.º, permitindo os arts. 6.º e 7.º, a prática de operações cambiais necessárias e a constituição de consórcios, respectivamente.
Foi revogado o art. 8.º, desaparecendo a divisão entre locação financeira mobiliária e imobiliária.
Em 2005 apenas 4 destas sociedades estavam registadas no BP.

SOCIEDADES DE CESSÃO FINANCEIRA

● Origem e evolução

A cessão financeira ou factoring tem raízes remotas, que advêm da antiguidade oriental. NO entanto, o factoring moderno surgiu na expansão atlântica, com Portugal a representar papel d destaque.
Contudo, a primeira referência legislativa em Portugal dá-se apenas em 1965, tendo regulamentação somente em 1986.

● O regime vigente

A reforma das sociedades de factoring não parecia suscitar, à partida, questões muito complexas. Na verdade, não se defrontam, neste campo, concepções diversas, como sucede com as SFAC, abaixo examinadas; tão-pouco se colocavam problemas de raiz fiscal, como ocorre no leasing, pois não diferia muito do tratamento da banca.
De tudo o modo, havia duas operações de fundo prévias a enfrentar:
A exclusividade perfeita.
As sociedades de factoring dedicavam-se, em exclusivo, à cessão financeira. Todos estarão de acordo em que a actividade de factoring fique vedada a instituições que apresentem menos garantias e menor envergadura que as sociedades de factoring.
Quid Iuris, porém, quanto a instituições como os bancos. A exclusividade seria perfeita se a actividade do factoring estivesse completamente vedada a todas as entidades que não às próprias sociedades de factoring. Ora a legislação comunitária permite o factoring aos bancos.

A generalização das regras do RGIC.
Em princípio deve reger o RGIC, embora existam questões técnicas que não foram abordas pelo RGIC:
- Regulamentação específica do contrato de factoring.
- Terminologia: defesa da língua portuguesa e por isso propõe-se a locução «cessão financeira».

Neste sentido o D.L. n.º 171/95, de 18 de Julho, veio reformular as sociedades de cessão financeira. Tem alguns preceitos sobre o próprio contrato de factoring (arts. 7.º e 8.º) e referiu-se a terminologia (cessão financeira).
No que toca à exclusividade, o art. 4.º reserva a cessão financeira para as sociedades de factoring e para os bancos, e o D.L. 186/2002, de 21 de Agosto, veio reformular este artigo e abrir o factoring às instituições financeiras de crédito.
Os recursos dessas sociedades são limitadas:
- às emissões de obrigações e de «papel comercial».
- a financiamento de outras instituições de crédito.
- a suprimentos e operações de tesouraria intragrupos.

Em 2005 havia três sociedades de cessão financeira.

SOCIEDADES FINANCEIRAS PARA AQUISIÇÕES A CRÉDITO

● Origem e evolução

SFAC derivaram de necessidades da própria vida económica. A expansão económica dos anos 60 e 70 do séc. passado desenvolvera as aquisições a crédito. Este fenómeno passou então a merecer regulação jurídica.

● O regime vigente

O RGIC veio consagrar as SFAC, de modo expresso, como instituições de crédito – art. 3.º, al. h). A reforma levada a cabo no D.L. n.º 206/95, de 14 de Agosto simplificou grandemente o esquema em vigor. Art. 1.º - definição; art. 2.º - operações permitidas; art. 3.º - veda a pratica de financiamento da aquisição, construção, recuperação ou ampliação de imóveis e da aquisição de valores mobiliários; art. 4 – delimita estas operações a SFAC, bancos e outras instituições de crédito autorizadas; art. 5 – fundos disponíveis: fundos próprios, emissão de obrigações e «papel comercial», financiamento de outras instituições de crédito, suprimentos e operações de tesouraria intragrupos.

AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DE CRÉDITO


·A reforma de 2002

As instituições financeiras de crédito correspondem a um tipo de instituição de crédito criado pelo DL 186/2002 de 21 de Agosto. Pretendeu-se criar um tipo de instituições de crédito que pudesse, por si, realizar as operações antes reservadas às sociedades de locação financeira, de cessão financeira e financeiras para aquisições a crédito.
O DL 186/2002 fez apelo à então alínea k) (hoje l) ) do art. 3.º do RGIC que previa a criação de outros tipos de instituições de crédito pelo legislador. Todavia o DL 201/2002 de 26 de Setembro entendeu inserir as instituições financeiras de crédito, explicitamente, na enumeração do referido art. 3.º/d).

·Objecto e regime: perspectivas

As instituições financeiras de crédito, ou IFIC, têm por objecto a prática de operações permitidas aos bancos com excepção da recepção de depósitos (art. 1.º do DL186/2002). Na prática trata-se de permitir a celebração por uma mesma entidade, que não um banco, de locações financeiras, de cessões financeiras e de financiamento de aquisições a crédito. As IFIC dão corpo a uma nova fase de concentração de instituições de crédito.
No tocante ao regime o art. 2.º do DL 186/2002 limita-se a remeter para o RGIC e legislação complementar. É suficiente.
Elas devem incluir na sua firma a expressão “instituição financeira de crédito”: e apenas elas o podem fazer num afloramento do princípio da verdade da firma.
O DL 186/2002 revogou os arts 4.º e 4.º/1, respectivamente do DL 72/95 de 15 de Abril e do DL 171/95 de 18 de Julho de modo a permitir às IFIC o acesso à locação e à cessão financeiras.

AS SOCIEDADES DE GARANTIA MÚTUA


·Objectivo e noção geral

As sociedades de garantia mútua foram introduzidas pelo DL 211/98 de 16 de Julho, depois alterado pelo DL 19/2001 de 30 de Janeiro.
Trata-se de sociedades financeiras destinadas a facilitar o financiamento de pequenas e médias empresas e de microempresas tanto junto do sistema financeiro, em geral, como do mercado de capitais.
A noção geral das sociedades de garantia mútua ou SGM resulta do art. 1.º do DL 211/98 na redacção dada pelo DL 19/2001. (pág. 903)

·Regime

O DL 211/98 abarca 19 arts.
O seu objecto abrange (art. 2.º):
¾ concessão de garantias a accionistas beneficiários;
¾ promoção, a favor deles, da obtenção de recursos financeiros;
¾ participação na colocação de acções, obrigações ou outros valores mobiliários;
¾ serviço de consultoria aos accionistas beneficiários.
Pressupõe-se, além dos outros, accionistas beneficiários (art. 3.º) os quais para obter as garantias devem realizar 1º, integralmente, determinada participação (art. 10.º/1).
A solidez das SGM é assegurada por um Fundo de Garantia Mútuo devidamente dotado e gerido (arts 17.º e 18.º).

AS INSTITUIÇÕES DE MOEDA ELECTRÓNICA

·A Directriz 2000/46 de 18 de Setembro

O desenvolvimento tecnológico, designadamente no domínio da electrónica, permite a moeda electrónica, isto é, a representação monetária que, em vez de peças de moeda ou de bilhetes de banco, se analisa simplesmente em impulsos magnéticos, ópticos ou outros armazenados num “cartão inteligente” ou num computador.
Depois, designadamente através da prática de outsourcing, a questão técnica dos respectivos meios foi entregue a entidades especializadas.
Nesta linha surgiu a Directriz 2000/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso à actividade das instituições de moeda electrónica e ao seu exercício bem como à sua supervisão prudencial.
Neste regime avultam:
¾ a defesa dos utentes: podem pedir o reembolso (art. 3.º), isto é, o equivalente em moedas ou notas de banco ao registo electrónico;
¾ a protecção do sistema: as instituições devem ter capital e fundos próprios condignos (art. 4.º), devem fazer investimentos sólidos (art. 5.º), mantendo uma gestão sã e prudente (art. 7.º);
¾ a supervisão pelas autoridades competentes (art. 6.º).
A Directriz deveria ser transposta até 27 de Abril de 2002.

·O DL 42/2002 de 2 de Março

Trata-se do DL que transpôs a Directriz 2000/46 criando as instituições de moeda electrónica.
Estas são definidas no art. 2.º/1 do referido DL.
Além do objecto indicado na sua noção apenas podem exercer as funções previstas no art. 2.º/2.
Às instituições de moeda electrónica aplica-se, em princípio, o RGIC (art. 3.º) sendo de notar uma alargada noção de moeda electrónica e o seu regime (art. 4.º), com relevo para o direito ao reembolso (arts. 3.º/3 e segs).
Podem emitir moeda electrónica, além destas instituições, as entidades referidas no art. 5.º/1. O Banco de Portugal pode autorizar outras instituições de crédito idóneas a fazê-lo (art. 5.º/2).
As participações noutras sociedades estão limitadas àquelas que exerçam funções operacionais ou acessórias associadas (art. 6.º). Podem realizar operações cambiais (art. 7.º).
O capital social é fixado na termos do art. 8.º. Estas instituições devem ter ainda fundos próprios fixados nos termos do art. 9.º. As aplicações, em execução da Directriz comunitária, estão regulamentadas no art. 10.º, podendo recorrer a certos instrumentos derivados para cobertura dos riscos do mercado, nos termos do art. 11.º.
O DL 201/2002 de 26 de Setembro introduziu as instituições de moeda electrónica no RGIC: no art. 2.º/2 e ainda no art. 3.º/ alínea j).
Não existe nenhuma registada em Portugal.

Capítulo V - DAS SOCIEDADES FINANCEIRAS

ASPECTOS GERAIS

·Origem e evolução

Historicamente elas têm uma origem híbrida: algumas delas eram antigas “instituições auxiliares de crédito” enquanto outras pertenciam à também extinta categoria das “instituições parabancárias”.
No essencial o RGIC reorganizou a matéria:
¾ pôs cobro à tripartição entre instituições de crédito, instituições parabancárias e instituições auxiliares de crédito substituindo-as pela bipartição entre instituições de crédito e sociedades financeiras;
¾ dividiu as antigas instituições parabancárias: 4 delas – as sociedades de investimento. As de locação financeira, de cessão financeira e as financeiras para aquisição a crédito – passaram a instituições de crédito, enquanto as restantes, em conjunto com o que resultou das instituições auxiliares de crédito, veio a compor a nova categoria das sociedades financeiras.
Fixados esses quadros o RGIC pôde regular, em moldes genéricos, as sociedades financeiras.

·Determinação e regime geral

Na determinação das sociedades financeiras o RGIC usou um triplo critério. Trata-se, segundo os arts 5.º e 6.º:
¾ de “empresas” cuja actividade principal consista em exercer uma ou mais das actividades referidas no art. 4.º/1, b) a i);
¾ que não sejam instituições de crédito;
¾ e que, como sociedades financeiras, sejam qualificadas por lei.
O art. 6.º/1 do RGIC enumera as empresas financeiras e admite que outras leis possam completar a lista. O nº 2 desse preceito acrescenta ainda a FINANGESTE.
Por seu turno, o art. 174.º/1 do RGIC, fixando os requisitos gerais das sociedades financeiras articula os seguintes:
¾ corresponder a um dos tipos previstos na lei;
¾ ter por objecto alguma ou algumas das actividades referidas no art. 5.º (que remete para o art. 4.º);
¾ ter capital social não inferior ao legal.
Perante estes dispositivos temos aqui uma consumpção de normas: no fundo bastará que a sociedade, legitimamente entenda-se, preencha um dos tipos de sociedades financeiras. Trata-se dum requisito formalmente suficiente; os outros constituem, porém, auxiliares de interpretação.
Em relação à sua constituição e regime da autorização do Banco de Portugal (arts. 175.º a 183.º).
Finalmente num capítulo que intitula “outras disposições o RGIC determina a aplicação, às sociedades financeiras, de múltiplos preceitos relativos às instituições de crédito. Assim sucede no preceituado pelos arts 194.º, 195.º, 196.º e 198.º. Em tudo o resto há remissão para eventual legislação especial (art. 199.º).
O RGIC regula com algum desenvolvimento a actividade, no estrangeiro, de sociedades financeiras com sede em Portugal (arts 184.º e segs)., tendo especial relevo os 184.º/1, 185.º e 188.º.


DAS SOCIEDADES FINANCEIRAS EM ESPECIAL

·Sociedades corretoras e sociedades financeiras de corretagem

As sociedades corretoras e as sociedades financeiras de corretagem são consideradas, no RGIC vigente, sociedades financeiras (art. 6.º/1/a) e b) ). Hoje elas regem-se pelo DL 262/2001 de 28 de Setembro, pelo RGIC e pelo CVM (art. 1.º).
Deve sublinhar-se que estas entidades estão entre os universos da banca e dos valores mobiliários. Por isso aplica-se-lhes o RGIC e o CVM, conforme as áreas, estando elas sujeitas às supervisões do BP e da CMVM (art. 8.º).
O seu objecto (arts. 2.º e 3.º) é definido por remissão para o CVM sendo-lhes vedados:
¾ às sociedades corretoras e às financeiras de corretagem, prestar garantias a terceiros ou adquirir imóveis, salvo para instalações (art. 5.º/1);
¾ às sociedades corretoras, conceder crédito ou adquirir valores mobiliários (art. 5.º/2).
Resta acrescentar que, mercê do fenómeno de concentração, o número de sociedades corretoras tem vindo a diminuir.

·Sociedades mediadoras dos mercados monetário ou de câmbios

O regime das sociedades mediadoras dos mercados monetário ou de câmbios está hoje regulado pelo DL 110/94 de 28 de Abril.
As sociedades mediadoras têm um objecto exclusivo definido no art. 1.º/1 do DL110/94.
Este DL limita-se a especificar alguns deveres das sociedades mediadoras (art. 3.º), proibir-lhes determinados actos (art. 4.º), bem como aos sócios, membros de órgãos sociais e empregados (art. 5.º).
Tudo o mais é remetido para o RGIC (art. 2.º).

· Sociedades gestoras de fundos de investimento (organismos de investimento colectivo)

O art. 6.º/1/d) do RGIC mantém uma referência às sociedades gestoras de fundos de investimento, como sociedades financeiras. A matéria está hoje tratada pelo DL 252/2003 de 17 de Outubro que fixa o regime jurídico dos organismos de investimento colectivo (antigos fundos de investimento mobiliário) e pelo DL 60/2002 de 20 de Março muito alterado pelo DL 13/2005 de 7 de Janeiro, que procedeu a sua republicação, que versa os fundos de investimento imobiliário. Ambos os diplomas tratam das respectivas sociedades gestoras.
A revisão dos fundos de investimento mobiliário foi levada a cabo pelo DL 252/2003. Este diploma pretendeu transpor as Directrizes 2001/107 e 2001/108 ambas de 21 de Janeiro que vieram alterar a Directriz 85/611 de 20 de Dezembro.
A reforma pretendeu, no essencial:
¾ apurar um esquema que permita conferir o “passaporte comunitário” às sociedades gestoras; estas foram ainda dotadas de maior versatilidade definindo-se aspectos de outsourcing;
¾ a actividade das sociedades gestoras foi flexibilizada;
¾ melhorou-se a informação através da figura do “prospecto simplificado”.
No tocante ao passaporte comunitário foram introduzidas ao Título X-A do RGIC de modo a aproximar os fundos de investimento mobiliário das empresas de investimento, em especial: art. 199.º-A/4 e 199.º-B.
A supervisão, no essencial, é remetida para a CMVM (art. 82.º).
O regime dos fundos de investimento mobiliário foram regulados, de novo, pelo DL 60/2002 de 20 de Março. A matéria passou, no essencial, para a órbita da CMVM. O outsourcing foi tratado e aprofundou-se a contraposição entre fundos abertos e fechados. Seguiram-se algumas alterações introduzidas pelo próprio DL 252/2003. A ateria foi fortemente revista pelo DL 13/2005 sob o signo da simplificação.
Na linha geral do diploma também aqui a supervisão é, no essencial, remetida para a CMVM (art. 59.º).

· Sociedades emitentes ou gestoras de cartões de crédito

A 1ª regulação atinente a cartões de crédito foi introduzida pela Portaria 644/70 de 16 de Dezembro. Uma regulamentação mais completa adveio da Portaria 360/73.
Enumerando as sociedades financeiras o RGIC referiu no seu art. 6.º/1/e) as sociedades emitentes ou gestoras de cartões de crédito. Estas vieram a ser definidas pelo DL 166/95 de 15 de Julho como as que têm por objecto exclusivo essa emissão ou essa gestão (art. 1.º).
A emissão fica reservada às entidades referidas no art. 2.º.
Foram ainda aprovadas normas relativas às condições gerais e aos poderes do BP (arts. 3.º e 4.º).

· Sociedades gestoras de patrimónios

As sociedades gestoras de patrimónios haviam visto o seu regime aprovado pelo DL 229-E/88 de 4 de Julho. A sua regulamentação foi revista pelo DL 163/94 de 4 de Julho em obediência à nova realidade normativa resultante do RGIC. O DL 17/97 de 21 de Janeiro introduziu uma alteração no sentido de facilitar o seu acesso ao mercado de derivados enquanto o DL 99/98 de 21 de Abril revogou o seu art. 9.º.
O objecto das sociedades gestoras de patrimónios consta com clareza do art. 1.º do DL 163/94.
O essencial da regulamentação das sociedades gestoras de patrimónios é de modo expresso remetido para o RGIC.

· Sociedades de desenvolvimento regional

A Lei 46/77 de 8 de Julho na sua redacção primitiva vedava a actividade bancária à iniciativa privada. Todavia o art. 3.º/2 permitia as sociedades de desenvolvimento regional.
Estas só vieram a ser regulamentadas pelo DL 499/80 de 20 de Outubro. O legislador viu nelas um meio para desenvolver as regiões mais deprimidas e para captar poupanças de emigrantes.
Assim as sociedades de desenvolvimento regional ou SDR foram definidas como “instituições especiais de crédito” (art. 1.º), com um âmbito territorial delimitado (art. 9.º) e dependentes de autorização nos termos do art. 7.º. Elas poderiam conceder crédito a médio e longo prazo e participar no capital doutras sociedades (art. 13.º). Quanto a operações passivas elas podiam emitir obrigações, receber depósitos em moeda estrangeira por prazo não inferior a 1 ano constituídos por emigrantes ou em moeda nacional, por idêntico período, constituídos por autarquias ou obter financiamentos de instituições de crédito (art. 19.º).
O DL 499/80 foi alterado pelo DL 300/85 de 29 de Julho recebendo alguns aperfeiçoamentos.
As SDR eram, no fundo, instituições de crédito particularmente limitadas mercê dos pruridos legais e constitucionais contrários à iniciativa privada bancária. Ultrapassado esse estádio as SDR, que nunca foram muito procuradas, perderam perspectivas.
Elas foram reformuladas pelo DL 25/91 de 11 de Janeiro. Este diploma retirou-lhes o qualificativo de instituições especiais de crédito passando-as a sociedades parabancárias (art. 1.º). Em consonância as SDR perderam a capacidade de receber depósitos (art. 9.º). A ideia seria de as usar para administrar fundos públicos de proveniência comunitária.
Publicado o RGIC as SDR, em nova qualificação, passaram a sociedades financeiras (art. 6.º/1/g) ).
O DL 25/91 foi alterado em consonância com o novo quadro pelo DL 247/94 de 7 de Outubro. Resultou daí uma simplificação do seu regime específico.

·Sociedades de capital de risco

As sociedades de capital de risco são hoje reguladas pelo DL 319/2002 de 28 de Dezembro alterado pelo DL 151/2004 de 29 de Junho. De acordo com aquele 1º diploma, que revogou mesmo a alínea h) do RGIC, elas deixaram de ser sociedades financeiras: passaram para o campo da CMVM e do Direito mobiliário. Nessa ocasião o seu regime foi simplificado suprimindo-se a diferença entre sociedades de capital de risco e de fomento empresarial.

· Sociedades administradoras de compras em grupo

O sistema das compras em grupo consiste, em traços largos, num esquema pelo qual diversas pessoas, devidamente agrupadas, vão pagando prestações relativas à compra de um bem; entretanto um bem do tipo pretendido vai sendo sorteado ou licitado, periodicamente, entre todos os participantes de tal modo que todos vão obtendo sem encargos financeiros e, por vezes, antecipadamente o bem em causa. Apenas haverá que contar com encargos administrativos e com o risco do incumprimento de algum ou alguns dos participantes.
No decurso dos anos 80 o sistema de compras em grupo conheceu um surto, mesmo sem regulamentação. Esta apenas surgiu através do DL 393/87 de 31 de Dezembro que regulou as sociedades administradoras de compras em grupo ou SACEG.
Surgiu uma nova regulamentação através do DL 237/91 de 2 de Julho sobre as entidades que procedem à respectiva administração revogando-se o DL 393/87.
Os 4 primeiros arts tinham a ver com alguns aspectos gerais: o âmbito do diploma, noções fundamentais, definição por portaria do objecto e do prazo dos contratos e princípios fundamentais do sistema.
Ver DL 237/91 (pag 536 da colectânea).

· Agências de câmbios

As agências de câmbios pautam-se pelo DL 3/94 de 11 de Janeiro. Trata-se de 1 diploma que, em 3 arts, versa o seu objecto, a sua forma e denominação e a obrigação de negociar em escudos.
O objecto das agências de câmbios, fixado no art. 1.º, era exclusivamente a realização de operações de compra e venda de notas e moedas estrangeiras ou de cheques de viagem.
Este objecto foi alargado pelo DL 298/95 de 18 de Novembro. Também o DL 53/2001 de 15 de Fevereiro veio aditar ao art. 1.º um nº 4.

· FINANGESTE, SA

O art. 6.º/2 do RGIC refere a FINANGESTE, Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, SA, como sociedade financeira.
A FINANGESTE foi criada pelo art. 6.º/1 do DL 10/78 de 19 de Janeiro. Tratava-se, na época, de concretizar a extinção do Banco Intercontinental Português.
O art. 6.º/2 do DL 10 /78 definia a FINANGESTE como uma instituição parabancária constituída sob a forma de empresa pública, com personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio.
O DL 250/82 de 26 de Julho veio extinguir a FINANGESTE como empresa pública criando em sua substituição uma sociedade anónima com a mesma designação. O seu capital social seria subscrito pelo BP e por outras instituições do sector público.
O objecto desta SA vem fixado no art. 2.º do DL 250/82.

Capítulo VI - EMPRESAS DE INVESTIMENTO

NOÇÃO E REGIME

·Serviços de investimento e empresas de investimento

A matéria atinente a serviços e a empresas de investimento consta do título X-A do RGIC (arts. 199.º-A a 199.º-H). Foi introduzida pelo DL 232/96 de 5 de Dezembro, neste ponto em transposição da Directriz 93/22/CEE de 10 de Maio. O DL 252/2003 de 17 de Outubro alargou a matéria de modo a inserir os fundos de investimento mobiliário: uma forma de lhes poder conferir o “passaporte comunitário”.
A Directriz europeia corresponde a uma dupla ordem de preocupações: por uma lado ela traduz uma extensão nos modernos conceitos de poupança e de banca progressivamente alargados às áreas do Direito mobiliário; por outro ela emerge da consciência da integração dos sectores bancário e mobiliário com relações crescentes de contágio entre eles.
O art. 199.º-A define serviços de investimento (nº 1 e 2).
As empresas de investimentos são definidas no art. 198.º-A/3. Elas devem estar sujeitas aos requisitos de fundos próprios, previstos na Directriz 93/22/CEE com determinada delimitação negativa.

·Regime

As empresas financeiras regem-se, em geral, pelas disposições aplicáveis às sociedades financeiras (art. 199.º-B/1) e ainda pelas regras que lhe sejam especialmente dirigidas.
A autorização de empresas de investimento com sede em Portugal deve observar o previsto no art. 199.º-C. Uma vez autorizadas elas dispõem de passaporte comunitário: podem desenvolver actividade noutros países da União (art. 199.º-D). Paralelamente podem actuar em Portugal empresas de investimento com sede noutros países da União, com as particularidades do art. 199.º-E.
Em toda a temática das empresas financeiras avulta o papel da CMVM. O que bem se compreende atentando no desempenho destas entidades.
Ela parece corresponder à moderna tendência para o alargamento do universo bancário e à crescente integração entre banca e valores mobiliários.















































[1] Portugal aderiu ao FMI através do DL n.º 43341, de 22 de Novembro de 1960.
[2] Portugal aderiu ao BIRD através do DL n.º 43337, de 21 de Novembro de 1960.
[3] STJ 17-Jan-1989, BMJ 383 (1989), 200-204 (203): a violação de circulares do BP, ainda que não implique a nulidade dos actos prevaricadores, pode dar azo a responsabildiade civil.
[4] Cabe fazer referência a quarto conceitos que nos são apresentados no manual.
· Depósito bancário: trata-se de um acto de execução de um contrato previamente celebrado: a abaertura de conta; o conceito sobrepõe-se ao do contrato de depósito, levando o intérprete desprevenido a pensar que existe um contrato ad hoc de depósito bancário.
· Conta-corrente bancária: surge como um elemento típico do contrato de abertura de conta, com regras específicas, ditadas por cláusulas contratuais gerais; o conceito sobrepõe-se à contra-corrente comercial, cujas regras só caso a caso e após verificação, podem ser transpostas para o campo bancário.
· Penhor de conta bancária: trata-se de uma garantia específica que implica um conta bancária com um saldo bloqueado; o seu titular responde, até à concorrência do saldo, por certa dívida; o conceito sobrepõe-se ao penhor bancário (de coisa), quando segue regras específicas, com relevo para a inaplicabilidade da proibição de pactos comissórios;
· Depósito solidário: trata-se de uma abertura de conta em que se acordou poderem os movimentos e outras operações ser particados por apenas um dos contitulares; o conceito sobrepõe-se à solidariedade das obrigações, quando apenas traduziria um regime contratual e não a aplicação da massa de regras sobre solidariedade, sem cuidadosa verificação prévia.

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