domingo, 8 de março de 2009

APONTAMENTOS DE DIREITO COMERCIAL I - PROFESSOR MENEZES CORDEIRO

Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito












DIREITO COMERCIAL
Manual de Direito Comercial

Prof. Doutor Menezes Cordeiro











Luís Nascimento/ Vera Correia ®
2005/2006
I
INTRODUÇÃO

1º O Direito Comercial

● Noção geral; Direito privado

O Direito comercial é correntemente definido como o Direito privado especial do comércio ou dos comerciantes.O Direito Comercial é Direito privado. Trata-se de uma área normativa dominada por vectores de igualdade e de liberdade:os diversos sujeitos apresentam-se sem poderes de autoridade e podem , em principio desenvolver todas as actividades que a lei não proíba.

● Direito especial

O Direito comercial é considerado especial. Assim se distinguiria do Direito Civil: Direito comum. A relação de especialidade ocorre quando, perante um complexo normativo que se dirija a uma generalidade de situações jurídicas, um segundo complexo, mais restrito mas mais intenso, complete uma situação que, de outro modo, respeitaria ao primeiro, dispensando-lhe um tratamento particularmente adequado. Podemos afirmar que a especialidade é relativa: impõe-se quando, perante duas áreas normativas, seja possível estabelecer um relação geral/especial. O Direito Comercial seria especial em relação ao civil, mas surgirá geral em relação ao Direito bancário, ainda mais especial.

●Direito do comércio ou dos comerciantes

O direito comercial será por fim, o Direito do comércio ou dos comerciantes. Tecnicamente, o comércio – que engloba em Direito a indústria – é actividade lucrativa da produção, distribuição e venda de bens. O termo “comércio” pode, com propriedade, aplicar-se a qualquer dos segmentos do circuito que une produtores a consumidores finais e ainda, às actividades conexas e acessórias.
A questão de saber se estamos perante um Direito do comércio- concepção objectiva- ou dos comerciantes- concepção subjectiva-coresponde a uma colocação do problema que se pode considerar superada desde os anos 30 do séc.XX.Qualquer ramo jurídico, para mais especial, pode ser sempre configurado num sistema subjectivo: regulando o comércio, regulam-se os comerciantes.

Capítulo I – Evolução do Direito Comercial
Pág.25 a 56

Capítulo II – A experiência portuguesa
Pág.57 a 92







Capítulo III – Coordenadas actuais do Direito Comercial
8º Características gerais

●A “comercialidade”

Existe a convicção d e que a comercialidade aqui em jogo equivale a um predicativo jurídico. A doutrina actual mostra-se muito céptica quanto à possibilidade de isolar uma “comercialidade” em sentido substantivo:isso pressuporia uma característica marcante, presente nas normas comerciais e que as distinguiria das restantes o que não é realista.
O comerciante é a pessoa que pratica actos jurídicos patrimoniais em termos profissionais, isto é que dirige a sua actividade económica nesse sentido:tal a noção do art.13º, 1º.
Dadas as actividades em partir da noção de comerciante, surgiu outra pista: a de usar o modo por que se apresente certa actividade humana lucrativa.
Não se podendo progredir com base no modo por que se apresente certa actividade humana, fica-nos a forma da sua preparação: o acto comercial provém duma organização de meios destinada a facultá-lo, o que é dizer: duma empresa.Desde cedo se verificou que dificilmente o Direito comercial seria um “direito da empresa”. Não conseguimos apontar um conceito dogmático claro de “comercialidade”.


●Segue; o problema da autonomia

Entre nós, o problema pôs-se aquando da preparação do Código Civil de 1966.A aprovação do C.C., pelo Decreto-Lei nº47 334, de 25 de Novembro de 1966, consagraria, em definitivo, a autonomia legal do Direito Comercial.

●A especialidade

À partida a especialidade deveria ser constatada em cada regra.Apenas uma operação de cortejo entre uma norma “geral” e a possível norma “especial” permitirá descobrir um relação de especialidade.Sendo direito privado, o Direito Comercial é uma disciplina mais restrita e mais particularizada do que o direito civil:vis apenas determinadas áreas sócio-económicas. A natureza especial do Direito Comercial corresponde, ainda hoje a uma representação presente nos juristas e no legislador. Trata-se de uma característica a reter.

●Segue; a analogia

Ocorre colocar aqui o problema da possibilidade de por analogia, aplicar normas comerciais no campo civil ou, em geral fora dos casos por elas visados. A possibilidade de, por analogia, aplicar normas comerciais a questões civis implicará um conjunto de requisitos: a presença duma lacuna no Direito Civil; a existência duma norma comercial que vise um caso análogo a esse; a ausência duma norma civil nas mesmas circunstâncias; um juízo de dispensabilidade do comerciante(ou do comércio) para o funcionamento da norma comercial em causa.
Haverá que caso a caso e norma a norma, ponderando a história e a ratio do preceito em jogo, determinar se procedem os requisitos próprios da aplicação analógica de normas.

●A natureza fragmentária e a dependência cientifica

O Código Comercial vigente surgiu já depois de aprovado e em vigor o Código Civil de Seabra de 1867. Pode, assim descongestionar as suas normas: não haveria que regular toda a matéria comercialmente relevante ma, apenas, aquela que justificasse um tratamento diferenciado. O resto cairia no direito civil. O direito comercial, tomado como um todo regulativo, desenvolve-se em torno de alguns pólos, sem preocupações de unidade. Tradicionalmente, podemos apresentar cinco vértices desse tipo:
- o acto comercial e os deveres do comerciante
- as sociedades comerciais
- os títulos de crédito
- o comércio marítimo
- a falência
A natureza fragmentária do Direito comercial manifesta-se, ainda, num aspecto da maior importância e que em nada desvaloriza os seus cultores: a dependência científica. O Direito comercial progride e trabalha usando conceitos e construções civis.

●Internacionalismo e pequeno comércio

O que nos reta do Código Comercial é fortemente nacional. E na verdade, ele aplica-se ao pequeno comércio, pouco preocupado com implicações internacionalistas. O grande comércio obedece, a disciplinas comerciais autónomas, marcadas pela recepção do Direito comunitário. O Direito comercial tradicional é, hoje, o Direito de pequeno comércio, fortemente nacional.

9º Automatização de disciplinas comerciais

●Dados legislativos; Direito comercial amplo e Direito comercial residual

O Direito comercial português caracteriza-se por uma abundante produção de diplomas extravagantes. O fenómeno é natural se tivermos em conta que rege um Código Comercial de 1888. Um Direito comercial amplo abrange toda a matéria tradicionalmente comercial e que, grosso modo, é a que inicialmente, Veiga Beirão incluiria no Código Comercial.
O Direito comercial residual é o que resta depois de terem autonomizados ramos como o Direito das sociedades comerciais, o Direito da concoreência, o Direito dos titulos de crédito, o Direito de propriedade industrial, o Direito mobiliário, o Direito bancário e o Direito dos seguros.

●Direito das sociedades comerciais

O Direito das sociedades comerciais, como um todo dotado de crescentes extensão e coerência, separou-se do tradicional Direito comercial.Esta evolução foi coroada em 1986 com a publicação do Código da Sociedades Comerciais.
●Direito da concorrência

O Direito da concorrência não dispõe, entre nós, da solidez institucional já alcançada pelo Direito das sociedades comerciais. Em abstracto, estão em causa três áreas normativas: a das práticas contrárias à concorrência;a dos grupos de sociedades;ada concorrência desleal.
A defesa da concorrência é, entre nós, assegurada hoje pelo Decreto-lei nº 370/93 de 29 de Outubro, referente à concorrência propriamente dita.

●Direito da propriedade industrial

Fica-nos, para um Direito da propriedade industrial, a matéria dos “direitos privativos”.Os “direitos privativos” são direitos reportados a bens intelectuais e que abarcam:patentes;modelos de utilidade;modelos e desenhos industriais; marcas.

●Direito dos títulos de crédito

O Direito dos títulos de crédito pertence ao cerne mais tradicional do Direito comercial. Ficam abrangidos as letras, as livranças, os cheques e, ainda, eventuais titulos atípicos.Poderemos englobá-los numa noção ampla de Direito comercial: não numa restrita.

●Direito bancário

O Direito bancário institucinal está hoje,em grande parte e entre nós, reunido no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ou RGIC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, com alterações subsequentes.

●O Direito dos valores mobiliários

Existem dois importantes Códigos: o Código do Mercado e Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei nº 142-A/91 de 10 de Abril e o Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Dcreto-lei nº486/99 e 13 de Novembro, que veio substituir o primeiro.

●Direito dos seguros

O regime geral do contrato de seguro consta, ainda hoje, do Código Veiga Beirão: artigos 425º a 462º , e no Decreto-lei nº 94-B/98 de 17 de Abril: o Regime Geral das Empresas Seguradoras ou RGES.

10º Integração e Internacionalização
Pág. 125 a 135

11º O Direito comercial dos nossos dias

Pág.136 a 138







II
DOUTRINA COMERCIAL GERAL

Capítulo I – Comércio e comerciantes
Secção I – Dos actos do comércio
12º Actos de Comércio

●O sistema do Código Comercial

Segundo o artigo 1º, a lei comercial rege os actos de comércio. A doutrina tradicional entendia que a expressão “ acto”, quando reportada ao comércio:
- abrangia os contratos: boa parte do Código Comercial - Livro II, art. 96º e seg. – é-lhes reportada;
- abrangeria os negócios unilaterais: a constituição duma sociedade comercial unipessoal – art. 270º-A CSC
- abrangeria os actos jurídicos em sentido estrito, isto é:enformados, apenas pela liberdade de celebração:assim sucede com o endosso de um cheque;
- abrangeria os factos ilícitos: assim a abalroação com culpa – art.665º e 666º
O sistema do Código Comercial é o de regular factos jurídicos em sentido lato- abrangendo contratos, negócios unilaterais, actos não negociais e factos stricto sensu- e ainda, directamente – isto é : independentemente dos factos que os originem – efeitos jurídicos.Di-lo o próprio Código, no seu art. 2º, quando afirma : “Serão considerados actos de comércio(…)todos os contratos e obrigações dos comerciantes(…)”.
Tendo fixado este alcance amplo para “actos” de comércio,o Código passa a referenciá-los, no seu art.2º. Recorre, aí a dois critérios distintos:
- um critério objectivo: o tratar-se de actos especialmente regulados neste Código;
- um critério subjectivo: o serem “actos” de comerciantes.
O primeiro critério origina actos objectivos, o segundo os subjectivos.

●Actos de comércio objectivos

São actos de comércio objectivos, nas palavras do artigo 2º, 1ª parte: “ todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código”. Na sua aparente clareza, coloca dois problemas:
são comerciais todos os “actos” regulados no Código?
são comerciais apenas os “actos” nele regulados?
A primeira questão obtém resposta negativa. A lei não diz “ todos os actos regulados neste Código” mas todos os que o sejam “ especialmente”. Só serão comerciais os actos regulados no Código e nos quais aflore a característica da especialidade. Código Comercial qualifica, por vezes, certos “actos” como comerciais sem, para eles, prever a aplicação de regimes especiais. È o que sucede com as operações de banco- art. 362º - remetidas para os respectivos contratos- art.363º - ou com o aluguer mercantil – art.481º - remetido para a lei civil – art.482º.
A segunda questão obtém também resposta negativa: Haverá actos de comercio que não estão regulados no Código Comercial. Assim:
são comerciais os actos regidos por diplomas que vierem substituir normas do Código Comercial
são comerciais os actos tratados em normas extravagantes que se assumam comerciais.

·Segue; actos comerciais por analogia?

Existe a possibilidade de considerar comerciais actos que não surjam nem no Código Comercial, nem em leis que alteraram o Código Comercial, nem em leis que se assumam, elas próprias como comerciais. A doutrina portuguesa dividiu-se nesta matéria:
autores como Azevedo e Silva E Eduardo Saldanha preferem falar no carácter taxativo da enunciação dos actos de comércio objectivos, o que equivale, parece, à exclusão do seu alargamento por analogia.
no campo oposto surge uma denominada teoria do acessório, segundo a qual seriam comerciais os actos acessórios de outros, objectivamente comerciais.
A doutrina dominante reconduz esta teoria a uma fórmula de analogia. As regras de Direito Comercial são especiais: à partida, não são excepcionais. Comportam pois, como vimos, aplicação analógica. Posto isto, podemos assentar no seguinte:
perante um acto que não esteja “ especialmente regulado neste Código” – ou situação equivalente, há que verificar se o seu regime é “ comercial e especial”; sendo a resposta positiva, o acto é comercial;
perante um acto lacunoso, há que lhe apurar o regime: seja pela analogia, seja pela norma que o intérprete criaria; na integração da lacuna podem ser usadas normas e princípios comerciais – desde que não excepcionais – de acordo com as regras gerais aqui aplicáveis ; perante o resultado obtido, se chegarmos à conclusão que o acto ficou “ especialmente regulado neste Código”, ele é comercial.
Alguma doutrina poderia contrapor um obstáculo: o art. 3º, que fixa o critério de integração das “ questões sobre direitos e obrigações comerciais” pressupõe, antes da integração, a qualificação da figura.

·Segue; o problema das “ empresas” do art. 230º

No tocante à determinação de actos de comércio objectivos deparamos com o art. 230º. Encontramos frente a frente duas grandes linhas de interpretação: a da empresa- actividade, que entende estarem em causa as actuações ou conjuntos de actos enunciados no art.230º em causa, e a da empresa- organização que julga tratar-se das entidades singulares ou colectivas, que desenvolvem depois as referenciadas actividades. A questão tem interesse pelo seguinte: na primeira hipótese, o artigo 230º permitiria enunciar novos actos como objectivamente comerciais; na segunda hipótese, seriam referenciadas comerciantes, autores de hipotéticos actos comerciais, mas agora em sentido subjectivo.
Mas não se pode evitar o problema: se o art.230º, seja qual for a via seguida, considerar comerciantes as pessoas que nele se perfilham, todos os actos por eles praticados, que não caiam na exclusão da 2ª parte do art.2º, seriam comerciais.
Portanto e categoricamente: em 1888, o art.230º visava classificar como comerciais determinadas actividades ou conjuntos de actos, a desenvolver por uma pessoa só ou por várias. Saber se o autor dessa actividade é ou não comerciante será assunto a decidir nos termos do art. 13º.
Interpretar o art. 230º como um elenco de comerciantes iria contundir com o art. 13º: o art.230º não se reportaria a sociedades nem a comerciantes profissionais que já seriam comerciantes por aquele mesmo preceito; apenas ao remanescente ... e que fosse empresa. O elemento sistemático da interpretação depõe contra a “ subjectivação” ou “empresarialização” do art.230º.


·Actos de comércio subjectivos

O art.2º do Código Comercial fixou os “ actos “ de comércio objectivos, isto é, os que o são por si e em si mesmos. Prossegue a sua 2ª parte: “ e além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”. A referência a “ contratos e obrigações” como actos permite concluir que “ actos” traduz, no sistema do Código, “... além deles...” permitiria afastar a hipótese de haver, com referência aos “ actos” subjectivos, uma mera presunção de comercialidade. A lei determina, em definitivo, que os “ contratos e obrigações” dos comerciantes sejam considerados “actos” de comércio.
“ Dos comerciantes”, pode, sem dificuldade, ser reportado à definição de comerciante que resulta do art. 13º.
Para serem comerciais, os “ contratos e obrigações” dos comerciantes não devem ser” de natureza exclusivamente civil”.
A referência a “actos” que não tenham natureza exclusivamente civil corresponde a um recorte ou a uma delimitação objectiva no seio dos “actos” subjectivamente comerciais. Estão em causa situações jurídicas que, embora encabeçadas por comerciantes, não podem ter natureza comercial.
Uma fórmula mais abrangente e actualista tomará como exclusivamente civis os actos que, no momento considerado, não sejam regulados pelo Direito Comercial.
O art. 2º, 2ª parte, conclui com a fórmula pitoresca “... se o contrário do próprio acto não resultar”. O acto praticado pelo comerciante só será comercial se não tem a ver com o giro comercial. O comerciante que pratique actos que não sejam de natureza exclusivamente civil terá pois o encargo de deles fazer constar que não se inserem no seu manejo comercial; doutro modo, terão natureza mercantil.

·Síntese;

Chegamos a algumas conclusões:
as “ actos” comerciais são factos jurídicos lato sensu e ainda, as situações jurídicas deles decorrentes, que se rejam pelo Direito Comercial;
a comercialidade desses “actos” pode resultar de, independentemente do sujeito que os encabece, lhes ser aplicável um regime especial historicamente dito mercantil ( actos objectivamente comerciais);
ou de tal regime lhes competir por terem sido levados a cabo por comerciantes, no exercício do comércio ( actos Subjectivamente comerciais).
È esta a interpretação que resulta, hoje, do art. 2º do Código de Veiga Beirão.

13º Regime Geral dos Actos de Comércio

●Sistema de fontes; analogia e princípios comerciais

Os actos de comércio, isto é o conjunto das jurídicas comerciais, regem-se pelas normas competentes de Direito mercantil.A natureza deste sector normativo, dita “especial”, leva ao estabelecimento de um particular sistema de fontes. Dispõe o artigo 3º: “Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela previstos, serão decididas pelo direito civil.”
O art. Transcrito tem a ver com todas as situações jurídicas comerciais. O art.3º remete, em primeiro lugar, para, o “texto da lei comercial” e, de seguida para o “seu espírito”. Encontramos a letra e o espírito da lei, que o Código Civil,no seu art.9º, ainda mantém passado quase um século.
Constatada uma lacuna, o art.3º, manda recorrer aos “…casos análogos nele prevenidos…”.Remete-se, pois, para a analogia, mas dentro do Direito Comercial.
A ideia é a seguinte:quando ocorra uma confluência de interesses e de valores em tudo semelhante a uma situação comercialmente regulada, temos um caso análogo que deverá conhecer a mesma solução. Na falta de casos análogos, e antes de passar ao Direito subsidiário, poderíamos recorrer aos princípios comerciais?
A doutrina tradicional distinguia entre a analogia legis e a analogia iuris: a primeira, passar-se-ia directamente da norma para a situação análoga; na segunda, isso seria possível apenas através da mediação dum princípio. Diferente de ambos é o recurso a princípios gerais:aí já não há o estabelecimento de situações análogas mas, somente, a constatação da presença de valorações sensíveis aos mesmos vectores jurídicos.
Havendo um princípio comercial aplicável, há que recorrer a ele antes de passar ao Direito subsidiário. Trata-se duma interpretação actualista do art.3º, em parte facilitada pelo teor do art.2º do CSC:
- os princípios verdadeiramente comerciais, dada a natureza fragmentária deste ramo do Direito serão raros e difíceis de distinguir dos princípios civis;
- existe, no recurso a princípios comerciais, como na própria hipótese de analogia, sempre uma sindicância do Direito subsidiário: o Direito civil.

●Segue; o Direito subsidiário; também Direito público?

Esgotadas as buscas de solução à luz do Direito comercial e do seu sistema, manda o art.3º recorrer ao Direito civil.
Parece-nos legítimo colocar hoje uma questão mais ampla: o “ Direito civil” será apenas Direito civil em sentido técnico ou abrangerá, antes, todo o Direito comum, mesmo público?
Há áreas importantes do Direito comercial que relevam mais do Direito público do que do privado. O Direito Comercial, a nível de sistema, só enriquece e não deixa, por isso, de ser Direito privado.

●Os usos

Os usos comerciais estarão na origem do Direito mercantil. O Código comercial não os inclui entre os seus esquemas de integração, previstos no art.3º.
Caímos, assim, no regime geral do art.3º /1 do Código Civil: os usos podem valer quando uma lei para eles remeta. Há, na lei comercial, diversas remissões para os usos: art.232º/1 ; art.238º ; art.248º ; art.269º ; art.373º ; art.382º ; art.399º ; art.404º ; art.407º.
Os usos valem, ainda, quando as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, para eles remetam. Nessa altura, terão a força vinculativa dos próprios contratos. O Direito comercial português não prevê um papel dos usos na interpretação do negócio jurídico. Quando muito e através da figura do declaratário normal colocado na posição do declaratário real – art.236º/1 do Código Civil.




princípios materiais

O sistema de fontes do Direito comercial dá-nos apenas um quadro abstracto das suas regras aplicáveis.Fica em aberto a questão magna de saber se é possível a elaboração de princípios comerciais materiais. Temos os seguintes princípios:
- a internacionalidade
- a simplicidade e a rapidez
- a clareza jurídica, a publicidade e a tutela da confiança
- a onerosidade
No tocante à internacionalidade, verificámos que, para além das leis uniformes e da integração comunitária.
A simplicidade e a rapidez manifestam-se em regras já tradicionalmente, do comércio, como nos art.30º , art.96º; art.249º ; art.396º ; art.398º.
A clareza jurídica, a publicidades e a tutela da confiança aflorariam em diversos institutos, com relevo para: art. 98º ; art.99º ; art.100º ; art.101º.
A onerosidade é a regra básica lógica e normal no comércio: trata-se de um Direito profissional subordinado à ideia de obtenção de lucros. A onerosidade aflora nos art.102º/3; art.232º ; art.395º, art. 404º.

Secção II – Dos Comerciantes
14º A ideia geral de comerciante

●Relevância ; os actos do comércio unilaterais

O código comercial principia, no seu art.1º, com uma profissão de fé objectivista: declara reger actos do comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervenham. Porém, logo no art.2º, prevê a especial categoria dos actos subjectivamente comerciais, isto é, aqueles que o são por serem praticados por comerciantes ou por a estes respeitarem.
É certo que toda a pessoa civilmente capaz de se obrigar pode praticar actos de comércio é comerciante. Na verdade e segundo o art. 13º:
São comerciantes:
1º As pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão;
2º As sociedades
A profissão do comércio é proibida a determinadas entidades referidas no art. 14º, havendo ainda que contar com diversa legislação especial.A decisão de considerar uma pessoa como comerciante tem pois relevo para a determinação dos actos de comércio subjectivos. Além disso, ela torna os visados incursos em obrigações especiais.O art.18º diz quais são as obrigações a que os comerciantes estão especialmente obrigados.
A qualidade de comerciante não origina apenas obrigações: confere, ainda, determinados privilégios. Tais privilégios prendem-se com o disfruto de diversos aspectos da lei comercial que tutelam a sua actividade – e cujos princípios materiais acima deixámos expressos. Mas prendem-se com o regime dos chamados actos de comércio unilaterais ou – actos unilateralmente comerciais.
A que Direito se recorre quando um comerciante se relacione com um não-comerciante? Quando o acto seja objectivamente comercial, o Direito a aplicar é naturalmente, o comercial. Quando o acto seja cindível e surja objectivamente comercial apenas por uma das partes, o regime aplicável é, ainda o comercial. E, quando, finalmente, o acto seja cindível e seja subjectivamente comercial para uma das partes e não para a outra, o regime aplicável é de novo o comercial.É este o regime que se extrai do art.99º.
A excepção de 2ª parte do preceito tem a ver com as obrigações específicas do comerciante, seriadas no art.18º - firma, escrituração comercial, registo comercial e balanço e contas – ou outras equivalentes.
O comerciante pode, pois impor a “ sua” lei aos não- comerciantes.

●Comerciante e empresário

A expressão “ comerciante” – que engloba, também, o industrial – era a fórmula técnica correcta para designar o sujeito que actua no Direito comercial, com os atributos do art.13º
Sucede, porém, que “empresário” é aparentemente, o detentor duma empresa. A locução só se adapta a pessoas singulares e não tem rigor jurídico:tanto é empresário o comerciante ou industrial proprietário directo duma empresa assim como o é o accionista duma sociedade que, por seu turno, detenha a empresa, desde que exerça funções de administrador.
O Decreto-Lei nº 339/85 de 21 de Agosto, que veio regular o acesso à actividade comercial, não refere o comerciante: menciona, pessoas colectivas e “ empresários em nome individual”.
O art.3º desse diploma fixa as condições para a obtenção do “ cartão de identificação de empresário em nome individual”, a emitir pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Entre tais condições está a de ter capacidade comercial nos termos da legislação comercial – alínea a) – mas não a de …deter qualquer empresa.
O art.1º, deste Decreto-Lei 339/85, que procede a definições, introduz, no seu nº5, a figura do “ agente de comércio”.

●O sistema do Código Comercial

O Código Comercial dedicou os Títulos II e III do seu Livro I, respectivamente, à capacidade comercial e aos comerciantes. A capacidade reporta-se à prática de actos de comércio – art.7º; e é na base dessa prática que se alcança a ideia de comerciante – art.13. No capítulo respeitante aos comerciantes encontramos seis artigos – do art.13º aos art.18º.
O art. 13º contrapôs, aparentemente, pessoas singulares – nº1 – a pessoas colectivas – nº2. Mas não: logo no art. 14º proíbe a profissão de comércio” às associações ou corporações que não tenham por objecto interesses materiais.
A prática profissional de actos de comércio pode ser classificada com o recurso a quatro vectores:
- é uma prática reiterada ou habitual
- é um prática lucrativa
- é uma prática juridicamente autónoma
- é uma prática tendencialmente exclusiva

15º O comerciante pessoa singular




●O acesso ao comércio

A Constituição garante a liberdade de trabalho – art.47º/1 – e a liberdade de empresa – art.61º/1.
No tocante à actividade industrial – que, juridicamente, se integra no comércio – a liberdade de acesso é afirmada pelo art.1º/1 do Decreto- Lei nº 519-I 1/79 de 29 de Dezembro.

●A capacidade para praticar actos de comércio

Segundo o art.13º/1, para se ser comerciante é necessário terá capacidade para praticar actos de comércio. Capacidade de gozo ou capacidade de exercício?a maioria dos autores acha que está em causa a capacidade de exercício. O Código Comercial distingue entre a capacidade para praticar actos de comércio- art. 7º - e os requisitos para se ser comerciante – art. 13º/1.
As regras sobre a capacidade de gozo e de exercício das pessoas singulares e colectivas, fixadas pela lei geral, têm plena aplicação no Direito Comercial. No essencial elas são as seguintes:
- as pessoas singulares têm capacidade de gozo pleno – art.67º do Código Civil
- As pessoas colectivas têm a capacidade de gozo necessário ou conveniente à prossecução dos seus fins: art.160º/1 do CC e 6º/1 do CSC.
Quanto as pessoas singulares, os menores não tem, em princípio capacidade de exercício – art.123º do Código Civil; a incapacidade daí resultante é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela – art. 124º.
No tocante às pessoas colectivas, são as mesmas representadas pelos titulares dos competentes órgãos: art.163º/1 do Código Civil e 192º/1; 252º/1 ; 408º ; 431º/2 ; 474º ; 478º todos do CSC.Tudo isto é aplicável por força do art. 7º, à prática de actos comerciais.
Quanto a estrangeiros, deve ter-se presente que rege a lei pessoal, tratando-se de pessoas singulares – art. 25º - e a lei de sede principal e efectiva da sua administração,perante pessoas colectivas – art.33º, ambos de Código Civil.

●Segue; a situação dos menores

O art.7º determina a aplicação, no Direito Comercial, das diversas regras civis: quer quanto à capacidade de gozo, quer quanto à capacidade de exercício.
O art.123º do Código Civil retira aos menores a capacidade de exercício. Fá-lo, porém, aparentemente. Convém reter o art. 127º do mesmo código.
Temos ainda um aspecto da maior importância: o regime dos actos praticados pelos menores. Tais actos são (meramente) anuláveis – art. 125º Código Civil.
A lei faz depender de autorização a prática de certos actos comerciais ou com relevância comercial, por parte dos menores. Assim, os pais necessitam de autorização do Tribunal para – art.1889º/1, al.c) do Código Civil. A alienação do estabelecimento também carece de autorização: cai no âmbito geral do art.1889º/1, al.a) do Código Civil. Tudo isto opera também quanto ao tutor, nos termos do art.1938º/1, al.a) do mesmo Código.O esquema é ainda aplicável ao interdito – art.139º - e ao inabilitado – art.154º.




●A profissão de comerciante; proibições, incompatibilidades,inibições e impedimentos

O Código Comercial vem definir quem entende por comerciante no art.13º/2. O art.13º é, apenas um intrólito:apresenta uma noção de comerciante para, depois, poder prescrever regras quanto ao seu acesso. O próprio art.14º/2, ao dispor que a profissão de comércio é proibida aos que, por lei ou disposições gerais, não possam comerciar, vem remeter para legislação extravagante.
A profissão de comerciante está aberta a todas as pessoas (singulares ou colectivas). Só por excepção surgem, depois, casos em que ela é vedada.Podemos distinguir:
- proibições gerais
- incompatibilidades
- inibições
- impedimentos
As proibições gerais resultam de normas que vedam a toda e qualquer pessoa singular certo tipo de comércio.É o que sucede com o comércio bancário, uma vez, que, segundo o art.14º/1, al.b) do RGIC, todas as instituições de crédito com sede em Portugal devem assumir a forma de sociedades anónimas.
As incompatibilidades impedem determinadas pessoas singulares, colocadas em certas posições ou envolvidas em determinadas situações jurídicas, de exercer o comércio.É o que se passa com os magistrados judiciais.
As incompatibilidades atingem determinadas pessoas não por si, mas em função de cargos que exerçam. Vedam qualquer exercício comercial e não podem ser afastadas por nenhuma autorização: apenas com a cessação da ocorrência que lhe deu origem.
As inibições atingem selectivamente determinadas pessoas, por factos que elas hajam perpetrado ou por situações nas quais se acham incursas. O caso clássico é o da inibição do falido.
Os impedimentos adstringem as pessoas neles incursas a não praticar determinado tipo de comércio, salvo autorização.É o que sucede com o gerente de comércio, previsto no art. 253º. O impedimento atinge a pessoa em virtude de um cargo; mas ao contrário da incompatibilidade, não é geral e pode cessar com uma autorização.

16º O comerciante pessoa colectiva

●Sociedades comerciais

Encontramos pois, como entidade de qualificação segura, a sociedade comercial.Sucede, todavia, que a própria sociedade comercial é definida, nessa qualidade, em função de “ actos de comércio”. Segundo o art.1º/2 do CSC. Os “actos de comércio” aqui visados só poderão ser actos objectivamente comerciais.Segundo o art.1º/3 do CSC, as sociedades que tenham por objecto a prática de actos de comércio devem adoptar uma das formas referidas no nº2: não pode haver sociedades comerciais “sob a forma civil”.As sociedades comerciais adquirem a personalidade no momento do registo definitivo do acto constitutivo – art.5º CSC.
As sociedades que tenham por objecto, exclusivamente, a prática de actos não-comerciais são sociedades civis – art.980º e seguintes do código civil. E podem , nos termos do art.1º/4 do CSC, adoptar um dos tipos legais de sociedades comerciais: são as sociedades civis sob a forma comercial.
Embora civis, elas regem-se pela lei das sociedades comerciais – art.1º/4 do CSC. Só não são operacionais para dar azo a actos subjectivamente comerciais – art.13º/2, 2ªparte.

●Associações e fundações

Seria, pois de esperar que todas as pessoas colectivas que se dedicassem ao comércio incorressem em normas paralelas às do art. 1º/3 do CSC:devessem assumir a forma de sociedades comerciais. Isso não sucede.
Há pois que admitir que pessoas colectivas não societárias, designadamente as associações e as fundações civis, possam praticar actos de comércio (objectivos). De resto,é o que resulta do principio geral do art.7º.Poderão ser comerciantes?Partindo do art.13º,nº1 encontramos duas posições:
- esse preceito reportar-se-ia, apenas, a pessoas singulares
- esse preceito reportar-se-ia, também, a pessoas colectivas
Seria, por demais, bizarro que se fossem contrapor pessoas singulares e colectivas, às sociedades comerciais.Assim sendo não são comerciantes as associações e as fundações (civis): as primeiras não tem por vim o lucro económico dos associados; as segundas têm interesse social.Também não podemos considerar comerciantes as cooperativas.

●Pessoas colectivas públicas; entidades de solidariedade social;associações desportivas e suas federações

O art.17º veda a “profissão” de comerciante às pessoas colectivas públicas de base territorial.O art.17º manda aplicar a mesma regra às misericórdias, asilos e demais institutos de benemerência e caridade.
As associações desportivas ou clubes são pessoas colectivas de Direito privado e tipo associativo:não podem ter intentos lucrativos.

●Empresas públicas; institutos públicos e associações públicas

Desde o momento que, no seu objecto, caia, ainda que a título acessório, a prática do comércio, elas serão comerciantes.
Os institutos públicos pertencem à administração descentralizada do Estado.Caem no art.17º: não podem ser comercializados,embora possam praticar actos de comércio.As associações públicas caem na mesma alçada.

17º Pessoas semelhantes a comerciantes

●A categoria “pessoas semelhantes a comerciantes”

Uma pessoa semelhante a comerciante é uma entidade que não sendo comerciante em si, suscita, não obstante, a aplicação das diversas regras do Direito comercial.
Três critérios enformam as “ pessoas semelhantes a comerciantes “, para além do facto de, naturalmente, não se poderem considerar de imediato comerciantes, por via das categorias do artigo 13.º
- são autónomas, no sentido de não se encontrarem ao serviço de outra entidade,
por via dum contrato de trabalho;
- praticam, em série, actos jurídicos com fins lucrativos;
- dispõem duma organização mínima, ainda que rudimentar, figurativa de uma
empresa.

● O mandatário comercial; os gerentes, auxiliares, caixeiros e comissários

Há mandato comercial quando alguma pessoa se encarregue de praticar um ou mais actos de comércio por mandado de outrem – artigo 231.º .
O mandato comercial é uma modalidade de mandato – artigos 1157.º e seguintes do Código Civil.
Como modalidade de mandatário comercial surge o gerente de comércio – artigos 248.º e seguintes. O gerente tem mandato geral e trata e negoceia em nome do seu proponente – artigos 249.º e 250.º. Também mandatários, são, os auxiliares – 256.º - e os caixeiros – 259.º. Finalmente, a comissão corresponde a um mandato comercial sem representação – artigo 266.º.
Pergunta-se se estas pessoas são comerciantes.A doutrina tem respondido pela negativa.

● Profissionais liberais

Os profissionais liberais não são considerados comerciantes.

Capítulo II – Empresa e estabelecimento
Secção I – A empresa
18º Evolução histórico- comparatística da empresa

● Aspectos gerais; a necessidade de enquadramento cultural

A expressão “ empresa “ traduz:
- um sujeito que actue e que, nessa qualidade, é susceptível de direitos e de
Obrigações;
- um complexo de bens e direitos capaz de suportar a actuação de interessados;
- uma actividade;

19º A empresa na experiência portuguesa

● A tradição de Ferreira Borges e de Veiga Beirão

Segundo o artigo 230.º do Código de Veiga Beirão, “ Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuserem:…”, seguia-se uma lista, que veio a ser alargada por sucessiva legislação posterior.Perante este articulado, a doutrina entendeu. Em geral e na sequência de José Tavares, que a “ empresa “ era, aí, a pessoa singular ou colectiva, que pretendesse praticar os actos em jogo.

● A objectivação da empresa

Acompanhando uma imparável evolução semântica, surgiram, logo no início do século XX, orientações de tipo objectivistas que, na empresa viam “,,,um organismo produtor colectivo que se propõe realizar uma série de actos destinados a uma especulação económica “.
No nosso Direito como noutras experiências europeias, com relevo para a alemã, a“empresa” é uma locução disponível para legislador, sem se embaraçar com uma técnica jurídica precisa, indicar destinatários para as suas normas, designadamente as de natureza económica. E em paralelo documenta-se uma sua utilização com o sentido de estabelecimento.

● Os “interesses” da empresa

Vamos agora verificar se a empresa inflecte, por si, normas jurídicas, de modo a poder considerar-se como um centro autónomo de interesses.
Em sentido subjectivo, o interesse traduz uma relação de apetências entre o sujeito e as realidades que ele considere aptas para satisfazer as suas necessidades ou os seus desejos; em sentido objectivo, interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades e os bens aptos a satisfazê-las.
A noção de interesse não é, dogmaticamente, aproveitável, no estado actual da Ciência do Direito.Não é viável falar num “interesse“ da empresa”.
O problema do “ interesse “ autónomo da empresa poderia pôr-se de novo por via do artigo 64.º do CSC que parece admitir um “interesse” das sociedades comerciais.
Esse “interesse” da sociedade não poderá ser o da empresa, a ela subjacente ?
A doutrina portuguesa tem reconduzido o interesse da sociedade ao interesse comum dos sócios.

20º A empresa e o direito comercial português

● A empresa como noção – quadro

A comercialística de diversos quadrantes aceita hoje que a empresa não é nem uma pessoa colectiva, nem um mero conjunto de elementos materiais. Podemos entendê-la como um conjunto concatenado de meios materiais e humanos, dotados de uma especial organização e de uma direcção, de modo a desenvolver uma actividade segundo regras da racionalidade económica. Os seus elementos, muito variáveis, poderiam assim agrupar-se:
- num elemento humano: ficariam abrangidos quantos colaborem na empresa.
- num elemento material: falamos de coisas corpóreas, móveis ou imóveis.
- numa organização: todos os elementos, humanos ou materiais, não estão
meramente reunidos ou seja justapostos;
- numa direcção:trata-se do factor aglutinador dos meios envolvidos e da própria
organização;
O Direito português, através de inúmeras leis, reporta-se-lhes em duas acepções:
- subjectiva,quando refere os direitos, os deveres ou os objectivos das empresas;
- objectiva, quando dirige a certas pessoas regras de actuação para com empresas
Na primeira acepção, “empresa” visa designar, em geral, todos os sujeitos produtivamente relevantes: singulares comerciais, sociedades civis, fundações, cooperativas, entidades públicas e organizações de interesse não personificadas.
Na segunda acepção – a objectiva – a empresa tem a vantagem de permitir cominar deveres aos responsáveis por todas as entidades acima referidas, o que seria impensável sem esse apoio linguístico. Ficam envolvidas pessoas singulares; administradores, gerentes e directores das sociedades comerciais.

Secção II – O estabelecimento
21º Noção e elementos do estabelecimento

● Acepções e noção geral

No Código Comercial, o estabelecimento surge em duas acepções:
- como armazém ou loja: artigos 95.º , 2.º e 263.º ,§ único
- como conjunto de coisas materiais ou corpóreas: artigo 425.º
Curiosamente, a noção geral adoptada de estabelecimento já não se encontra no Código Comercial, aflorando noutros lugares normativos, com relevo para o Código Civil: artigo 316.º , artigo 317.º, artigo 495.º/2, artigo 1559.º, artigo 1560.º/1, artigo 1682-A/1,b, artigo1938.º/1,f, e artigo 1940.º, artigo 1962.º/1.
Esta acepção ocorre ainda nos artigos 111.º, 115.º e 116.º do RAU.
O estabelecimento traduz, aí, um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas devidamente organizado para a prática do comércio. Digamos que corresponde grosso modo a uma ideia de empresa, sem o elemento humano e de direcção.

● Elementos do estabelecimento

Seguindo uma técnica contabilística pode distinguir-se, no estabelecimento, o activo e o passivo: o activo compreende o conjunto de direitos e outras posições equiparáveis afectas ao exercício do comercio; o passivo corresponde às adstrições ou obrigações contraídas pelo comerciante por esse mesmo exercício.À partida o passivo inclui-se no estabelecimento embora seja frequente, em negócios de transmissão, limitá-los ao activo.
No respeitante ao activo, o estabelecimento abrange:
- coisas corpóreas;
- coisas incorpóreas
- aviamento e clientela.
No que tange a coisas corpóreas, ficam abarcados os direitos relativos a imóveis, particularmente: os direitos reais de gozo, como propriedades ou o usufruto e os direitos pessoais de gozo, como o direito ao arrendamento. Seguem-se os direitos relativos aos móveis:mercadorias, matérias-primas, maquinaria, mobília e instrumentos de trabalho ou auxiliares, escrituração, computadores, livros, documentos, ficheiros e títulos de crédito.
No tocante a coisas incorpóreas, poderemos distinguir: as obras literárias ou artísticas que se incluam no estabelecimento, os inventos e as marcas. Podemos ainda acrescentar o direito à firma ou nome do estabelecimento.

Também quando a coisas incorpóreas, há que incluir os direitos a prestações provenientes de posições contratuais,como os contratos de trabalho e contratos de prestação de serviço.
Encontramos, depois, o aviamento e a clientela. O aviamento corresponde grosso modo à mais-valia que o estabelecimento representa em relação à soma dos elementos que o componham, isoladamente tomados: ele traduziria, deste modo, a aptidão funcional e produtiva do estabelecimento. A clientela, por seu turno, equivale ao conjunto, real ou potencial, de pessoas dispostas a contratar com o estabelecimento considerado nele adquirindo bens ou serviços.
O aviamento e a clientela não constituem, como tais, objecto de direitos subjectivos. Eles correspondem, não obstante, a posições activas e são objecto de regras de tutela.

● Segue; o critério da sua inclusão

Qual o critério da sua inclusão no estabelecimento, dos elementos acima enunciados?O critério do estabelecimento assenta em duas ordens de factores:
- um factor funcional;
- um factor jurídico.
O factor funcional apela ao realismo exigido pela própria vida do comércio.
O factor jurídico explica-nos que, em homenagem a essa realidade que ela traduz, o Direito concede, ao conjunto dos elementos referidos, um regime especial inaplicável in solo.
O estabelecimento, para além de direitos reais relativos a coisas corpóreas, envolve posições contratuais, seja o direito ao arrendamento, seja o contrato de trabalho e posições incorpóreas, como o direito à firma e a marca ou o pedido do seu registo. Além disso, o aviamento e a clientela são valorados para efeitos de expropriação por utilidade pública, prova de que existem e são tidos em conta pelo Direito.
É certo que algum destes elementos só se transmitem plenamente com o consentimento do terceiro cedido: trata-se do regime que emerge dos artigos 424.º/1 e artigo 595.º do Código Civil.
Finalmente: o aviamento e a clientela valem, insofismavelmente, para efeitos indemnizatórios.

22º O regime e a natureza do estabelecimento

● A negociação unitária ; o trespasse

O ponto mais significativo do regime do estabelecimento é a possibilidade da sua negociação unitária.
Perante um conjunto de situações jurídicas distintas, funciona a regra da especialidade: cada uma delas, para ser transmitida, vai exigir um negócio jurídico autónomo. Estando em causa um acervo de bens e direitos, a lei e a prática consagradas admitem que a transferência se faça unitariamente. Trata-se de um aspecto que abrange não apenas as coisas corpóreas articuladas, susceptíveis de negociação conjunta através das normas próprias das universalidades de facto – artigo 206.º do Código Civil – mas, também, todas as realidades envolvidas, incluindo o passivo.
O trespasse do estabelecimento que tudo englobe continua a fazer-se por um único negócio – uma única escritura .

O trespasse do estabelecimento devia ser celebrado por escritura pública – artigo 115.º/3. Todavia, o Decreto Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, alterou esta regra tradicional: basta agora, a forma escrita, explicitando o novo n.º 3 daquele preceito “sob pena de nulidade”. Deve tratar-se dum estabelecimento efectivo, isto é: que compreenda todos os elementos necessários para funcionar e que, além disso, opere, em termos comerciais. O artigo 115.º/2 do RAU exprime essa ideia, pela negativa.
O trespasse exige, pois, uma transmissão do estabelecimento no seu todo: é insuficiente aquela que incida sobre apenas alguns dos seus elementos.
Perante um trespasse de âmbito máximo, que englobe, pois o passivo, teremos de distinguir os seus efeitos internos do externos.Quanto aos internos, o trespassário adquirente fica adstrito, perante o trespassante, a pagar aos terceiros o que lhe devia. Quanto aos externos: o alienante só ficará liberto se os terceiros, nos termos aplicáveis à assunção de dívidas e à cessão da posição contratual, o exonerarem ou derem acordo bastante.
O “trespasse” é , apenas, uma transmissão definitiva do estabelecimento. O trespasse pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas.
O regime do trespasse dependerá do contrato que, concretamente, estiver na sua base.
Decorrências típicas do trespasse:
- o RAU, no seu artigo 116.º, atribui ao senhorio um direito de preferência, na
preferência, na hipótese de trespasse por venda ou dação em cumprimento;
- o trespassante poderá ficar investindo num dever de não-concorrência em
relação ao trespassário.

● A cessão de exploração

Na cessão de exploração há uma cedência temporária do estabelecimento comercial: digamos que opera tendo por base algo de semelhante à locação, quando a cessão funcione a título oneroso.
A possibilidade de, na cessão de exploração, afastar o regime restritivo do arrendamento, obriga a uma delimitação mais cuidada dos seus contornos.
O Código Civil autonomizou a cessão de exploração precisamente pelo prisma da exclusão do regime do arrendamento, no seu artigo 1085.º. Trata-se da norma que passaria para o artigo 111.º do RAU.
A jurisprudência sobre cessão de exploração tem vindo a fixar os contornos da figura. Assim, quando ela envolva um local arrendado, fica entendido que não é necessária a autorização do senhorio. Já parece razoável exigir que, nos termos gerais do artigo 1038.º do Código Civil, a operação seja comunicada ao senhorio, mau grado alguma divisão da jurisprudência.
O Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 22 de Abril, introduzir, no artigo 111.º do RAU, a regra de que a cessão de exploração deve constar de documento escrito.
Finalmente, haverá que reconduzi-la à figura geral da locação, seria “locação produtiva”

● O usufruto do estabelecimento

Sobre o estabelecimento comercial pode recair o direito de usufruto.Nessa altura e nos termos gerais, o usufrutuário poderá aproveitar plenamente o estabelecimento, sem alterar a sua forma ou substância artigo 1439.º do Código Civil.
Os elementos corpóreos podem, por definição, ser objecto de usufruto, enquanto os incorpóreos o serão por via dos artigos 1463.º a 1467.º do Código Civil e dos princípios que deles emergem.

● O estabelecimento como objecto de garantia

Para além de poder ser globalmente transmitido, a título definitivo (trespasse) ou temporário ( cessão de exploração ), o estabelecimento comercial pode, ainda, ser dado em garantia ou, genericamente: pode operar como objecto de garantia.
O estabelecimento pode ser dado em penhor, pelo seu titular.Em regra tratar-se-á de um penhor mercantil, sendo pois suficiente, nos termos do artigo 398.º, uma entrega simbólica.O estabelecimento dado em garantia poderá continuar a funcionar normalmente, numa situação fundamental para o bom decurso da operação.
O estabelecimento comercial poderá ainda ser objecto de penhora.

● A reivindicação e as defesas possessórias

O estabelecimento não é composto apenas por coisas corpóreas.Apesar de múltiplas hesitações pontuais, a doutrina e a jurisprudência têm-se inclinado para a aplicabilidade, ao estabelecimento, das defesas reais.
Em primeiro lugar, o estabelecimento pode ser reivindicado.
De seguida, temos as acções possessórias.Estas assistem ao seu titular. Mas também o trespassário poderá utilizá-las para tornar efectiva a posse que tenha recebido por via contratual.

● A natureza

À partida, devemos entender que o estabelecimento não se confunde com empresa. Esta como vimos, é um conceito-quadro que ora se reporta a um sujeito de direitos, ora abrange uma organização produtiva com a sua direcção. Não há qualquer dogmática unitária para a empresa: é justamente esse o grande trunfo explicativo do seu êxito.O estabelecimento é, no Direito português, objecto de negócios e de direitos.
Apelando às regras jurídico-positivas já apuradas, parece fácil avançar: o Direito civil português actual não admite – de resto à semelhança do italiano -, a figura das universalidades de direito; por outro lado, o estabelecimento não pode dar corpo a uma universalidade de facto, por duas razões qualquer delas definitiva:
- abrange ou pode abranger o passivo;
- abrange ou pode abranger coisas incorpóreas.
O estabelecimento comercial é uma autêntica esfera jurídica e não, apenas, um património: inclui ou pode incluir o passivo e toda uma série de posições contratuais recíprocas. Trata-se, todavia, duma esfera jurídica afecta ao comércio ou a determinado exercício comercial. Tem, pois, a natureza de esfera jurídica de afectação, sendo delimitada pelo seu titular em função do escopo jurídico-comercial em jogo.

● O estabelecimento individual de responsabilidade limitada

O exercício do comércio implica riscos.Essa preocupação foi, em grande parte, alcançada pelas sociedades comerciais de responsabilidade limitada. Quid iuris, todavia, quando se tratasse de um comerciante em nome individual, que não desejasse associar-se?
De todo o modo e como primeira tentativa limitadora, a lei portuguesa, através do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto, veio permitir a figura do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou EIRL.
O Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto, reparte-se por 36 artigos agrupados em sete capítulos.
A ideia é a seguinte: o interessado afecta ao EIRL parte do seu património, o qual constituíra o capital inicial do estabelecimento – artigo 1.º/2. O EIRL constitui-se por escritura pública, com todas as especificações do artigo 2.º/2, devendo ser inscrito no registo comercial e procedendo-se à publicação no Diário da República – artigo 5.º: a partir daí, produz efeitos perante terceiros – artigo 6.º.
Pelas dívidas resultantes de actividades compreendidas no objecto do EIRL respondem apenas os bens a este afectados, salvo se o titular não tiver respeitado o princípio da separação dos patrimónios – artigo 11.º. O acto constitutivo pode ser alterado, designadamente através de aumentos ou reduções do capital, com as cautelas especificadas na lei – artigos 16.º a 20.º.
O legislador procurou facilitar o recurso ao EIRL: o Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, veio alterar diversos preceitos do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto, dispensando o recurso à escritura publica, em diversas circunstâncias.









































Capítulo III – O estatuto geral dos comerciantes
Secção I – A firma e a denominação
23º A firma na experiência portuguesa

● O Código Veiga Beirão; antecedentes e evolução subsequente

O Código Veiga Beirão veio reger a matéria da firma no seu artigo19.º ao introduzir uma distinção entre “firma” e “denominação particular”.
O artigo 23.º na sua versão original, proibia que, na denominação das sociedades anónimas, surgissem nomes de pessoas.
Em 11-Abr.-1901, uma Lei veio aprovar um novo tipo de sociedade comercial não previsto no Código Veiga Beirão: o das sociedades por quotas – previsto no art. 3º.
Tínhamos, pois duas hipóteses:sociedades por quotas com firma, quando, como designação, adoptassem o nome de um ou mais sócios e sociedades com denominação social, quando o nome fosse qualquer outro, relacionado com a sua actividade ou de pura fantasia.
A sociedade por quotas com firma ficava obrigada com a assinatura de um dos gerentes com a firma social – artigo 29.º, 1º.,da LSQ. Tratando-se de sociedades por quotas com denominação particular, a obrigação surgiria quando os actos fossem assinados, em seu nome, pela maioria dos gerentes – artigo 30.º da mesma LSQ.
O sistema do Código Veiga Beirão, retomado pela LSQ, suscitava um problema prático grave. Sociedades havia que, assumindo a forma de sociedades em nome colectivo, tinham grande êxito e desejavam transformar-se em sociedades anónimas. Pelo Direito da época, teriam de mudar de nome, já que a sociedade anónima não podia assumir firma: apenas denominação particular à qual, pelo artigo 23.º, versão original, não podia pertencer qualquer nome de pessoa.
Assim surgiu o Decreto n.º 19:638.de 21 de Abril de 1931. Este diploma revogou o único do acima transcrito artigo 19.º, que conferia às sociedades anónimas não uma firma mas ( apenas ) uma denominação particular. Além disso, ele substituiu, no artigo 23.º, a expressão “denominação” por firma e acrescentou-lhe um único: “sempre que na lei se fale em “denominação particular” de uma sociedade anónima, deverá esta expressão considerar-se equivalente à palavra “firma”.
Perante a confusão assim reinante, a doutrina efectuou as seguintes composições
terminológicas: Haveria um conceito geral de firma ou firma lato sensu: esta abrangeria a firma stricto sensu, firma-nome ou firma pessoal, composta pelo nome de pessoas, eventualmente completado pelo tipo de comércio a exercer e a firma-denominação, centrada apenas nesse tipo de comércio.

● O RNPC de 1998

A matéria da firma rege-se, hoje, pelo RNPC; aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/98, de 13 de Maio. A ele há, todavia, que acrescentar diversos outros diplomas com regras sobre firmas, com relevo para o CSC. O RNPC é um diploma extenso, de 91 artigos.
O RNPC regula a designação das pessoas colectivas em geral . Mas além disso, veio abarcar designações de entidades não personalizadas, de organismos e serviços da Administração pública não personalizados e de comerciantes individuais e heranças indivisas, quando o autor da sucessão fosse comerciante em geral.
O RNPC vai mais longe. Além dos elementos de identificação das entidades referidas, ele consigna, ainda os seguintes actos e factos relativos a pessoas colectivas artigo 6.º :
Estão sujeitos a inscrição no FCPC os seguintes actos e factos relativos a pessoas colectivas:
a) Constituição;
b) Modificação de firma ou denominação
c) Alteração do objecto ou do capital
d) Alteração de localização da sede ou do endereço postal
e) Fusão, cisão ou transformação;
f) Cessação de actividade;
g) Dissolução, encerramento da liquidação e regresso à actividade
O RNPC optou por não dar um tratamento unitário à matéria civil e comercial: “assim ele manteve uma referência a firmas e a denominações. Usa as duas expressões ora em conjunto (firmas e denominações) – artigos 1.º, 33.º/1, 45.º/1, 60.º (epígrafe), - ora disjuntivamente (firmas ou denominações) – artigos 10.º/1, 21.º, d.)
Procurando uma lógica nas disposições legais, chega-se à seguinte conclusão:
- a firma reporta-se a nomes de sociedades comerciais ou civis sob forma
comercial (37.º), de comerciantes individuais (38.º) e de estabelecimentos
individuais de responsabilidade limitada (40.º):
- a denominação tem a ver com associações e fundações (36.º), com empresários
Individuais não comerciantes (39.º) ou com sociedades civis sob forma civil
(42.º).
Na actualidade, “firma” equivale a um nome comercial enquanto denominação se reporta a entidades não comerciantes.

25º O regime da firma

● Os princípios: teleologia geral

O regime da firma toma corpo através de alguns princípios tradicionais. O RNPC apenas indica dois princípios: o princípio da verdade e o princípio da novidade expressos nos artigos 32.º e o 33.º.
Assim, encontramos:
- o princípio da autonomia privada, com limitações genéricas;
- o princípio da obrigatoriedade e da normalização;
- o princípio da verdade;
- o princípio da estabilidade;
- o princípio da novidade e da exclusividade;
- o princípio da unidade;
Cada um destes princípios implica regras de concretização e eventuais desvios. Devem ser concatenados entre si.
O Direito português parece prosseguir ainda, com a firma e as regras a ele inerentes, funções policiais e de fiscalização de ordem geral - artigo 2.º do RNPC.
Além disso, o FCPC abrange ainda informações relativas…aos próprios comerciantes individuais artigo 4.º/1,g).




● Autonomia privada e limitações genéricas

À partida, a firma é um instituto comercial e logo: do Direito privado. Aplicam-se-lhe pois, como princípio, os grandes vectores do privatismo e, designadamente, o da liberdade, aqui vertido na autonomia privada.
Em tudo o que a lei não vede ou não imponha, a liberdade dos interessados na escolha da firma é total.
Na liberdade de escolha que os interessados têm ao seu alcance, estão à sua disposição:
- firmas pessoais ou subjectivas;
- firmas materiais ou subjectivas;
- firmas de fantasia;
- firmas mistas.
As firmas pessoais ou subjectivas são compostas com recurso ao nome de uma ou mais pessoas singulares. Trata-se das antigas “denominações”.Firmas deste tipo são previstas no artigo 38.º/1 do RNPC.A firma pessoal poderá ainda resultar da inclusão, nela, da denominação duma sociedade sócia da considerada.
As firmas materiais ou objectivas reportam-se a objectos ou actividades que retratem a exploração comercial a exercer por quem as use.
As firmas de fantasia não têm qualquer representação imediata: seja de pessoas, seja de actividades ou de objectivos: correspondem, apenas, a figurações (supostamente) agradáveis.
As firmas mistas combinam elementos de pelo menos duas das anteriores.
Como manifestações de autonomia privada que é, a livre escolha da firma depara com determinadas limitações de ordem genérica. O heterogéneo artigo 32.º do RNPC, no seu número 4.º e através das três últimas alíneas desse mesmo preceito dá corpo a tais limitações, arredando, das firmas.

● Obrigatoriedade e normalização

O princípio da obrigatoriedade decorre, desde logo, do artigo 18.º, 1.º: os comerciantes são especialmente obrigados a adoptar uma firma. O RNPC não prescreve, expressamente, a obrigatoriedade de adopção de firma; mas ela resulta, entre outros, dos seguintes preceitos:
- da “sujeição” a inscrição dos factos referidos nos artigos 6.º a 10.º, factos esses
que directa ou indirectamente incluem a firma;
- da cominação de coimas a quem não cumpra, artigo75.º/1,b), do RNPC;
- da imposição da nulidade aos contratos de constituição de sociedades quando
não seja exibido o certificado de admissibilidade da firma, artigos 55.º e 54.º do
RNPC;
- da necessidade de exibição do certificado de admissibilidade da firma para
realizar diversos actos de registo comercial – artigos 56.º e 57.º do RNPC
actos esses cuja inscrição é obrigatória – artigo 15.º do RNPC.
O incumprimento desta obrigação não envolve, só por si, a invalidade dos actos comerciais - artigo 7.º. Tal invalidade só ocorre quando a lei o diga.





● Segue; os comerciantes pessoas singulares

A normalização das firmas leva, depois a prescrever regras próprias para as diversas categorias de comerciantes.
As firmas das sociedades comerciais têm um tratamento autónomo – art. 37º/1 do RNPC. Perante, hoje, ao Direito das sociedades comerciais, como tal sendo estudado.
Cumpre analisar a firma dos comerciantes pessoas singulares.Segundo o art. 38º do RNPC: “ o comerciante individual deve adoptar uma só firma, composta pelo seu nome, completo ou abreviado, conforme seja necessário para identificação da pessoa, podendo aditar-lhe alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida”.
Como se vê, o núcleo da firma do comerciante em nome individual deve ser composto pelo “seu nome”, completo ou abreviado.
A lei permite que o núcleo da firma do comerciante pessoa singular seja admitida alcunha ou expressão alusiva à actividade – art. 38º/1.
Também pela positiva, a lei – art. 38º/2 – permite que, ao núcleo da firma, seja aditada a indicação “sucessor de” ou “herdeiro de”.
Desta feita, pela negativa – “…não pode…salvo…” – o art. 38º/3 permite que o comerciante faça anteceder o seu nome por expressões ou siglas correspondentes a títulos académicos, profissionais ou nobiliárquicos.
Em qualquer dos casos, a lei impõe que se trate de títulos legítimos. A “legitimidade” deve ser provada pelos requerentes – art. 49º/1 e 2 do RNPC.

● A verdade e a exclusividade

A firma deve retratar a realidade a que se reporte; ou, pelo menos: não deve transmitir algo que lhe não corresponda. Surge aqui, em formulações positiva e negativa, o princípio da verdade. O artigo 32º do RNPC, que mistura elementos limitativos, em geral, da autonomia privada com factores que se prendem com o princípio da verdade e com o princípio da exclusividade, versa a matéria nos seus números 1, 2 e 4, al.a) e b).
Estão em causa todos os elementos que integrem a firma. Eles são verdadeiros: retratam a realidade efectivamente subjacente. Não devem induzir em erro:
- sobre a identificação: estarão em causa, sobretudo, os comerciantes pessoas singulares; estes não podem adoptar firmas pessoais com nomes que lhes não pertençam;
- sobre a pertença a algum grupo: hoje as sociedades estão, muitas vezes, interligadas; a pertença a um grupo, mesmo quando tenham objectos diferentes,é um factor relevante sobre que não podem ser enganados os consumidores;
- sobre a natureza: regras especiais permitem, através da firma e em certos casos, conhecer o tipo de titular em causa; por exemplo as siglas Lda., SA ou EP;
- Sobre a actividade: quando esta resulte da firma, deverá corresponder à realidade.
O artigo 32º/2 do RNPC reporta-se depois ao núcleo da firma: os seus “elementos característicos”.
Mesmo sem induzir directamente em erro, os referidos elementos podem sugerir actividades diferentes das praticadas. A lei não o permite.O principio da verdade manifesta-se, ainda no artigo 33º/3 do RNPC, dissimulado num preceito relativo ao principio da novidade.

● A estabilidade; a transmissão da firma

O principio da estabilidade não consta, de modo expresso, da lei portuguesa. Ele pode, todavia, ser construído por via doutrinária. Segundo o principio da estabilidade a firma, quando identificada com uma empresa ou um estabelecimento, conservar-se-ia mau grado a alteração a nível do seu titular.
O artigo 44º do RNPC dá corpo a esse principio ao permitir, ainda que com autorização escrita do cedente e com menção à transmissão, a conservação, pelo adquirente dum estabelecimento, da firma usada pelo transmitente.
O principio da estabilidade entra em certo conflito com o da verdade. O Direito português dá uma prevalência quase absoluta e este último.

●O principio da novidade

O principio da novidade vem expresso, no artigo 33º/1 do RNPC. Este mesmo principio pode ser referenciado como o da “exclusividade” :trata-se de facetas do mesmo vector.
Como ponto de partida, temos a ideia de que uma determinada firma, uma vez atribuída, dá ao seu titular o direito ao seu uso exclusivo em determinada circunscrição – artigo 35º/1 do RNPC:
- a firma do comerciante individual que corresponda ao seu nome não dá lugar a um exclusivo; todavia, havendo nome total ou parcialmente idêntico, ele não pode usá-lo profissionalmente de modo a prejudicá-lo:tal o regime do artigo 72º/2 do Código Civil.
- a firma do comerciante individual que não corresponda, apenas, ao seu nome, completo ou abreviado, dá direito ao seu uso exclusivo desde a data do registo definitivo, mas apenas no âmbito da competência territorial desta;
- as firmas de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial dão azo a um exclusivo em todo o território nacional – artigo 37º/2 RNPC;

●A unidade

Segundo o principio da unidade, o comerciante só poderia girar sob uma só firma.O artigo 38º do RNPC predispõe-se para os comerciantes em nome individual, no seu nº1. E a doutrina encarrega-se de alargar esse principio às sociedades. Trata-se de regras desfasadas.

●Aspectos processuais

No Direito português, o direito a uma firma, com todas as suas prerrogativas, designadamente a exclusividade, depende do seu registo definitivo no RNPC – artigo 35º/1 do RNPC.
Antes disso, em particular no caso de pessoas colectivas, é necessário obter um certificado de admissibilidade da firma ou da denominação, portanto: um documento emitido pelo RNPC, donde resulte que uma determinada firma, pretendida por um interessado, se encontra disponível e surge conforme com os princípios aplicáveis – artigos 45º do RNPC.
O pedido de certificado de admissibilidade pode ser precedido por um reserva, pessoal ou telefónica – art. 46º/3 do RNPC – que constitui mera presunção de não confundibilidade da firma solicitada – art.48º/ 2. Esta reserva é importante porque marca a ordem de prioridade do pedido da firma em jogo – art.50º/1, todos do RNPC.
Concedido o certificado de admissibilidade, este tem os efeitos seguintes:
- define a posição do beneficiário em relação a interessados ulteriores; estes terão, perante ele, de evitar, na mesma área de eficácia, quaisquer confusões;
- permite a celebração de ulteriores actos públicos que dele dependam: constituição de pessoas colectivas e de estabelecimento de responsabilidade limitada – art.54º/1 do RNPC – bem como sua alteração – nº2.;
- limita a ampliação do objecto social a actividades contidas no objecto declarado no certificado de admissibilidade – nº3;
- condiciona o registo comercial – art.56º.
Feita a inscrição da firma , o RNPC atribui ao interessado um número de identificação – o número de identificação de pessoa colectiva ou NIPC – art.13º /1.
Quando violados os princípios da firma, o RNPC declara a perda do direito ao uso da que esteja em causa – art.60º/1.
O direito à firma extingue-se quando desapareça o seu titular e não haja transmissão daquela.

·Tutela e natureza perante o Direito português

O uso ilegal de uma firma concede aos interessados - art.62º:
- o direito de exigir a cessação de tal uso;
- O direito a uma indemnização por danos emergentes
- O direito, eventualmente, de lançar mão de uma acção criminal.

Secção II – Escrituração mercantil e a prestação de contas
26º Da escrituração

·Noção, escopo e enquadramento dogmático

A escrituração mercantil exprime o conjunto de livros que o comerciante deve ter para conhecer e dar a conhecer, com facilidade e precisão, as suas operações e o estado do seu património. Além disso, essa locução pode ainda traduzir a técnica de registar as operações comerciais e as consequências patrimoniais delas advenientes. Nesta último sentido, a escrituração é sinónimo de contabilidade ; a escrituração material será, então, a aplicação desta.

·O Código Comercial

No Código Veiga Beirão, à partida mantém-se o principio da obrigatoriedade de escrita comercial – art.29º- dobrado pelo da liberdade de organização de escrita – art.30º. Todavia, quatro livros são obrigatórios – art.31º:
- o inventário e balanços, que contém o activo e o passivo do comerciante, o capital em comércio e, depois, os diversos balanços – art.33º;
- o diário, onde são lançados, dia a dia ,os diversos actos comerciais- art34º;
- o razão, onde são escrituradas as operações do diário, ordenadas de acordo com regras de partidas dobradas – art. 35º
- o copiador, para registar toda a correspondência enviada ou recebida.
As sociedades são ainda obrigadas a ter livro de actas, onde são consignadas as relativas às reuniões dos diversos órgãos sociais – art. 37º na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 257/96 de 31 de Dezembro.
A escrituração mercantil pode ser levada a cabo pelo próprio ou por outrem, a mando – art.38º.O varejo ou a inspecção são proibidos – art. 41º - só podendo ser ordenada a exibição judicial a favor dos interessados em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade ou no caso de falência – art.42º Fora isso, o exame da escrituração e documentos só pode ter lugar quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
O art. 44º regula a matéria da força probatória da escrituração. Tal força probatória manifesta-se em juízo, entre comerciantes e quanto a factos do seu comércio, nos seguintes termos:
- os assentos lançados em livros de comércio, mesmo não arrumados, fazem prova contra o próprio; mas quem queira prevalecer-se disso deve aceitar também os assentos que lhe forem prejudiciais;
- quando regularmente arrumados, os assentos fazem prova a favor dos eus respectivos proprietários, desde que o outro litigante não apresente assentos arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
- quando da combinação dos livros dos litigantes resulte prova contraditória , o tribunal decide de acordo com as provas do processo;
- nessa mesma eventualidade, prevalece a prova derivada de livros arrumada sobre a dos outros que o não estejam , salvo prova em contrário, por outros meios;
- se o comerciante não tiver livros ou não os apresentar, fazem prova contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, salvo força maior ou prova em contrário.
Em suma: resulta uma fraca força probatória da escrituração. Os livros dos comerciantes devem ser legalizados – art.32º - e compete à conservatória do registo comercial competente, nos termos do art. 112º-A do CRC.

27º Da prestação de contas

·Balanço e prestações de contas

Como complemento da matéria atinente à escrituração mercantil surge a da prestação de contas – art. 62º e art.63º.
Nas sociedades comercias, a prestação de contas assume, como é natural, um relevo mais vincado. O artigo 65º do CRC comina, aos administradores, o dever de relatar a gestão e de apresentar contas, submetendo-as aos órgãos competentes da sociedade. Uma vez aprovados, os documentos respectivos devem ser depositados na conservatória do registo comercial competente – art.70º do CSC e 42º do CRC.
O balanço , eventualmente o relatório de gestão e a prestação de contas são uma decorrência da escrituração comercial.







Secção III – O registo comercial
28º O registo comercial : evolução e funcionamento

· O Código do Registo Comercial de 1986

O Código do Registo Comercial seria aprovado pelo Decretoº-Lei nº 403/86 de 3 de Dezembro. Este diploma pretendeu dar corpo a um verdadeiro “ código “ e, portanto, algo que assumisse, nas palavras do seu preâmbulo, “um carácter sistemático e sintético que legitima a sua designação”. Para o efeito retomou, no seu corpo, uma série de normas que constavam do Código de Registo Predial, o qual deixou de ser considerado diploma subsidiário. Foram ainda absorvidas regras que antes constavam do Regulamento de 15 de Novembro de 1888 : o novo Regulamento do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 349/89 de 13 de Outubro, tem apenas 19 artigos.
As preocupações autonomistas do registo comercial foram demasiado longe. E assim, o referido Decreto-Lei nº 349/86 aproveitou para alterar o CRC reintroduzindo, ainda que em moldes curiosamente restritivos, o registo predial como subsidiário : segundo o art. 115º de CRC ( Direito subsidiário).
O CRC foi alterado, sucessivamente. Acontece ainda que o Decreto-Lei nº 403/86 de 3 de Dezembro, que aprovou o CRC, não revogou inteiramente o Direito anterior. Segundo o seu artigo 5º /2 do Decreto – Lei nº 42644, de 14 de Novembro de 1959 e do seu Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 42 645, da mesma data, mantém-se em vigor os preceitos relativos ao registo de navios , até à publicação de nova legislação sobre a matéria.
Mantém-se, assim em vigor diversos preceitos do Decreto- Lei nº 42644 e do Decreto-Lei 42645, ambos de 14 de Novembro de 1959, que têm a ver com o registo (comercial)de navios.
O CRC abrange 115 artigos repartidos por 9 capítulos. Tem interesse em considerar a sistematização global:
Capítulo I – Objecto, efeitos e vícios do registo (1º a 23º)
Capítulo II – Competência para o registo ( art.24º a 27º)
Capítulo III – Processo do registo (28º a 53º)
Capítulo IV – Actos de registo ( 54º a 72º)
Capítulo V – Publicidade e prova do registo ( 73º a 78º)
Capítulo VI – Suprimento, rectificação e reconstituição do registo ( art.79º a 97º)
Capítulo VII – Impugnação das decisões do conservador (98º a 112º)
Capítulo VIII – Outros actos (112º-A e 112º-B)
Capítulo IX – Disposições diversas (113º a 115º)

· O funcionamento do registo comercial

O registo comercial opera perante serviços públicos dependentes do Ministério da Justiça e especialmente preparados para o efeito: as conservatórias do registo comercial. As conservatórias têm âmbitos territoriais de competência próprios.
Em cada conservatória existe, para efeitos do registo- art. 56º do CRC e 1º de RegRC- um livro diário, no qual são anotados cronologicamente todos os pedidos de registo.
As fichas têm cores diferentes consoante se destinem ao registo de comerciantes individuais, sociedade, cooperativas, empresas públicas- art. 2º /3 do RegRC.
O registo comercial é intrinsecamente, um registo de pessoas e contrapõem-se ao predial que é um registo de coisas, mais precisamente de prédios. O registo opera a partir da matricula. A cada uma dessas identidades corresponderá uma só matricula, em nome do principio da unidade- art.9º do RegRC.
A matricula deve conter os números do registo de identificação ou fiscal – art.62º do CRC, 11º a 13º RegRC.
Seguem-se depois as inscrições que devem ter os requisitos gerais e os requisitos especiais enunciados nos artigos 15º e 16º do RegRC: elas extractam dos documentos depositados, os elementos que definem a situação jurídica em jogo – art. 63º do CRC.
O registo comercial não se limita, todavia, à matricula, inscrições e averbamentos – art. 55º/1 do CRC.
Os registos devem ser efectuados no prazo de 15 dias, por ordem de anotação – art.54º do CRC. Os documentos respectivos devem ser depositados em pasta própria – art.59º/1 – não podendo, sem isso ser efectuado o registo.
As inscrições podem ser provisórias por natureza, nos casos do artigo 64º do CRC; passando a definitivas, elas conservam o número de ordem inicial. As inscrições provisórias caducam no prazo de 6 meses- art. 18º do CRC: a contar dos 15 dias subsequentes à prática do acto, margem essa na qual podia ser exercido o direito de reclamar. Os factos de averbar surgem na enumeração do art.69º.
Diversos factos sujeitos a registo devem, ainda ser publicados- art.70º do CRC. A publicação é, em principio feita no Diário da República. Efectuado o registo o conservador promove oficiosamente a publicação a expensas do interessado- art.71º.
O Registo comercial é público, e assim qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos do registo e dos documentos arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e outros- art.73º de CRC.
As inexactidões e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado – art.81ª do CRC.
Do despacho do conservador que recuse qualquer acto de registo nos termos requeridos cabe reclamação apara o próprio conservador – art.98º: para tanto, o prazo é de 30 dias – art. 99º, ambos do CRC. Tem o conservador 5 dias para apreciar a reclamação, proferindo despacho fundamentando a reparar ou a manter a decisão – art.100º/1. Havendo indeferimento cabe recurso hierárquico para o Director Geral dos Registos e Notariado, a interpor no prazo de 30 dias – art. 101º/1; tem este 90 dias para decidir. Sendo a decisão desfavorável cabe recurso, contencioso para o tribunal de comarca no prazo de 20 dias- art.104º. Da sentença que assim se obtenha podem sempre recorrer, com efeito suspensivo, o funcionário recorrido, o Director Geral dos Registos e do Notariado e o Ministério Público- art.106º; não há, em principio, recurso para o Supremo.- nº 4.

29º O âmbito e os princípios do registo comercial

· O âmbito do registo comercial

O registo comercial visa dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada “... tendo em vista a segurança do comércio jurídico” – art. 1º /1 do CRC.
O nº 2 do mesmo artigo alarga a publicidade comercial a entidades semelhantes a comerciantes: cooperativas, empresas públicas, agrupamentos complementares de empresas.
As sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial tem numeraras situações sujeitas a inscrição comercial: veja-se a enumeração do artigo 3º/1 do CRC.
E são ainda grosso modo esses mesmos factores que devem ser publicitados no tocante a cooperativas ( artigo 4º) a empresas públicas ( art.5º), a agrupamentos complementares de empresas ( art.6º), a agrupamentos europeus de interesse económico ( art.7º ).e a estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (art. 8º ), todos do CRC.
Estão ainda sujeitas a registo as acções que possam interferir nas situações que devem ser escritas, de acordo com a remuneração do art. 9º do CRC. Os actos sujeitos a registo constituem uma tipicidade fechada.

· Os princípios do registo comercial; o princípio da instância

A estruturação jurídica do registo comercial fica mais clara com recurso à formulação dos grandes princípios que a regem. São eles:
- principio da instância
- principio da obrigatoriedade
- principio da competência
- princípio da legalidade
- princípio do trato sucessivo.
Segundo o principio da instância o registo comercial efectua-se a pedido dos interessados. Apenas há registos oficiosos nos casos previstos pela lei- art. 28º do CRC.
O registo pode ser pedido pelos próprios, pelos representantes legais ou pelas pessoas que nele tenham interesse – art. 29º. Pode ainda ser solicitado por “mandatário com procuração bastante”, por quem tenha poderes para intervir no respectivo titulo e por advogado ou solicitador cujos poderes de representação se presumem – art. 30º /1, do CRC.

· O princípio da obrigatoriedade

Segundo o princípio da obrigatoriedade, os interessados estariam adstritos a requerer a inscrição dos factos sujeitos a registo comercial.
Trata-se de um principio que comporta duas vertente:
- a obrigatoriedade directa;
- a obrigatoriedade indirecta.
A inscrição é directamente obrigatória nos casos referidos no art.15º /1 e 2 do CRC. Estes números remetem para diversas alíneas dos art. 3º a 8º; que indicam os factos sujeitos a registo. Os notários devem remeter às conservatórias competentes todos os meses, a relação dos documentos que titulem factos sujeitos a registo obrigatório – art. 16º CRC. O incumprimento do dever de requerer a inscrição é punido com as coimas elencadas no art. 17º do mesmo código.
A inscrição torna-se além disso indirectamente obrigatória para todos os factos sujeitos a registo: eles só produzem efeitos perante terceiros depois da data da respectiva inscrição – art. 14º /1 do CRC.- ou depois da data da publicação, quando estejam sujeitos a registo e a publicação obrigatória- art. 14º /2 do CRC.
Quanto às acções sujeitas a registo: o essencial delas não tem seguimento, após os articulados, enquanto não for feita prova de ter sido requerida a competente inscrição – art.15º/4.

· Os princípios da competência da legalidade e do trato sucessivo

Os princípios da competência, da legalidade e do trato sucessivo : poderiam ser reconduzidos a um principio da legalidade em sentido amplo, um vez que decorrem de uma lógica subordinação da prática registal às coordenadas injuntivas do ordenamento.
O principio da competência determina que o registo se efective na conservatória com cuja circunscrição territorial e o facto a inscrever tenha uma conexão relevante. As regras da competência constam dos artigos 24º e Seg. do CRC.
O desrespeito por este principio recebe da lei, um sanção severa : o registo feito em conservatória territorialmente incompetente é considerado inexistente pelo art. 21º do CRC. A sanção deveria ter sido a da nulidade.
Requerido o registo o conservador não se limita a inscrever passivamente. Ele é oficial público e vai emprestar, à inscrição o selo da verosimilhança estadual. Assim segundo o art. 47º , 48º/1 do CRC.
Como se infere do número 2 desse preceito, os casos de recusa são em principio, taxativos; nos restantes casos de óbice o registo deve ser efectuado provisoriamente por dúvidas – art. 49 º do CRC. O legislador assegurou-se ainda de que o conservador funciona como auxiliar dos serviços de fiscalização das contribuições e impostos – art. 51º.
O registo não deve ser definitivamente lavrado quando se mostre em desconformidade com inscrições anteriores. Trata-se de uma decorrência do principio da legalidade “ estrita” e que o CRC autonomizou no seu art. 31º.

30º Os efeitos do registo comercial

· Generalidades; efeito presuntivo e regra da prioridade

O primeiro efeito resultante do registo comercial é presuntivo. Nos termos do art. 11º do CRC “o registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica nos precisos termos em que é definida” .
Este preceito comporta consequências práticas de relevo. Em qualquer circunstância, o interessado que apresente certidão de determinado facto inscrito, fica exonerado de demonstrar as sua ocorrência e os seus contornos; inversamente: o contra interessado terá de fazer prova em contrário, impugnando ainda o registo que considere erróneo – o que, só por si, já implica uma acção judicial.
A presunção derivada do registo comercial, de acordo com a regra geral do art. 350º/2 do Código Civil, pode pois ser elidida mediante prova em contrário. Trata-se duma denominada presunção iuris tanguem.
Pode acontecer, que, com referência às mesmas quotas ou partes sociais, surjam inscrições ou pedidos de inscrições incompatíveis. Prevalece o primeiro inscrito, nos termos do artigo 12º /1 do CRC.O registo provisório convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório – art. 12º /2 – enquanto a inscrição feita na sequência de reclamação ou de recurso julgado procedente mantém a prioridade do acto recusado – nº3.

· Efeito constitutivo

No Direito comercial funciona, de princípio a regra da imediata eficácia dos diversos actos jurídicos. Os contratos devem, só por si, ser pontualmente cumpridos art. 406º/1 – enquanto os próprios efeitos reais se desencadeiam por mero efeito do contrato – art.408º/1, ambos do Código Civil. Em consonância com essas regras, o registo predial não tem, entre nós, eficácia constitutiva, exceptuando o particular caso da hipoteca.
No domínio do registo comercial, assim é igualmente como princípio. O acto sujeito a registo e não registado poderá ter uma eficácia mais reduzidas art. 13º /1 do CRC – mas não deixa de existir enquanto tal.
O registo assume, todavia, o efeito constitutivo no domínio das sociedades comerciais. Estas só adquirem a personalidade pelo registo – art. 5º do CSC, também os efeitos da fusão ou da cisão de sociedade só ocorrem aquando da sua inscrição – artigos 112º e 120º do CSC – outro tanto sucedendo, com a extinção- art. 160º do CSC.
Perante os princípios gerais do direito português não parece possível alargar por analogia as situações de registo constitutivo. O art. 13º /2 do CRC, numa demonstração de autonomia dogmática do direito das sociedades comerciais deixa, todavia margem para isso.
Ainda como hipótese de registo comercial constitutivo surge-nos a do art. 3º/1 , al.f) do CRC, na parte em que refere o penhor de quotas os de direitos sobre elas.

· Efeito indutor de eficácia; a) a publicidade negativa

Os actos sujeitos a registo comercial só produzem efeitos plenos depois de registados. Podemos distinguir aqui duas preposições distintas:
- o acto sujeito a registo e não registado não produz todos os seus efeitos: é a publicidade negativa, uma vez que da não publicação resulta uma diminuição de efeitos;
- o acto indevidamente registado ou incorrectamente registado pode produzir efeitos tal como emerge da aparência registal : é a publicidade positiva, portanto da mera publicitação resultam efeitos de outro modo inexistentes.
Segundo o art. 14º /1 do CRC,: “ os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”.
Esse preceito completa o do art.13º /1 do CRC, que determina: “ os factos sujeitos a registo, ainda que não registado podem ser invocado entre as próprias partes ou seus herdeiros”.
À partida, poderíamos construir a situação daqui emergente de uma de duas formas :
- ou entendendo que os actos sujeitos a registo são actos de produção sucessiva complexa, de tal modo que estariam incompletos antes do registo: apenas com este eles atingiriam a maturidade, produzindo efeitos plenos : será a teoria da compleitude;
- ou aceitando que tais actos estão perfeitos; simplesmente cedem perante o silêncio do registo ; este dotado de fé pública e pela omissão da inscrição diz-nos que os actos não existem : será a teoria da publicidade ( negativa)
As consequências práticas são relevantes. Para a teoria da compleitude, acto pura e simplesmente não está completo; assim ele é, por si mesmo, incapaz de produzir efeitos perante terceiros, seja qual for a situação. Já para a teoria da publicidade, a situação é diversa: o acto é por si oponível erga omnes; simplesmente dada a protecção da aparência, os terceiros que acreditem no silêncio do registo são protegidos: só que isso apenas sucederá se estiverem de boa fé.
Podemos, pois, optar pela teoria da publicidade negativa: os actos sujeitos a registo não produzem efeitos, enquanto não estiverem registados, contra terceiros de boa fé, isto é, contra terceiros que sem culpa, os ignorassem.

· Segue; b) A publicidade positiva; as nulidades do registo

Como referimos o registo comercial assume um efeito indutor de eficácia com publicidade positiva sempre que um terceiro se possa prevalecer de um facto indevido ou incorrectamente registado. Algo que não existe mercê da fé pública registal, irá produzir efeitos apenas com base no registo.
Na consequência de diversas vicissitudes que marcaram a transposição de regras do registo predial para o comercial, a lei portuguesa veio a tratar esta matéria a partir das nulidades do registo - os termos do art. 22º de CRC.
Os registos nulos só podem ser rectificados nos casos previstos na lei e isso senão estiver registada a acção de declaração de nulidade – nº2.Além, disso, a nulidade de registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial transitada – nº3.
Perante outros vícios que não originem nulidade o registo é considerado, simplesmente, inexacto – art. 23º . Em princípio, a inexactidão dará lugar à rectificação – art. 81º e seguintes, sempre CRC.
Nos termos do art. 22º / 4 do CRC: “ a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a titulo oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.”
Temos portanto:
- um registo nulo, isto é, um registo que por se ter envolvido nalgum dos vícios alinhados no art. 22º do CRC, não corresponde à realidade substantiva;
- um terceiro que com base nele adquire direitos
- a título oneroso;
- de boa fé ;
- e que registe, ele próprio os correspondentes factos de ter sido registada a acção de nulidade.
Os requisitos tem explicações à luz do sistema. Assim:
- um registo nulo: trata-se da base da construção; se o registo fosse válido, a eficácia derivaria da situação material subjacente, não se assistindo a uma indução de eficácia por via da publicidade;
- um terceiro que adquira, com base nele: terá de haver uma causalidade, ainda que abstracta, entre o registo nulo e a actuação do terceiro, isto é : não se torna necessário demonstrar que o terceiro tenha acedido ao concreto registo nulo e, por isso, tenha constituído os seus direitos: o simples facto de existir uma inscrição dotada de fé pública faz correr, contra o seu beneficiário, os riscos de toda a subsequente negociação comercial; a causalidade ficará estabelecida no momento em que o terceiro registe, ele próprio os factos que lhe dizem respeito;
- a titulo oneroso: estamos no domínio da tutelada confiança, em detrimento dos titulares dos interesses legítimos; assim só se justifica o sacrifício quando a pessoa a tutelar tenha realizado o “ investimento de confiança”, isto é: tenha, por via da confiança suportado um esforço que não possa, sem injustiça, ser invalidado;
- de boa fé: o beneficiário da publicidade positiva deve desconhecer, sem culpa, a realidade substantiva protelada pelo registo de outro modo, não pode recorrer à protecção do sistema, tal como sucede no ordenamento, também aqui se deverá tratar da boa fé subjectiva ética e não meramente psicológica: não basta desconhecer, é necessário que esse desconhecimento não seja provocado por negligência, descuido ou obtusidade inadmissível;
- e que registe ele próprio, antes de ter sido registada a acção de nulidade: o próprio terceiro para ser protegido tem de dar cumprimento à necessidade do registo; do outro modo haverá uma publicidade negativa que neutralizará a publicidade positiva adveniente do registo nulo.

· Segue; c)a invocação da eficácia da aparência

A eficácia da aparência, seja na forma de publicidade negativa – art.13º /1 – seja da positiva – art. 22º /4, ambos do CRC – é uma vantagem concedida aos terceiros e que estes poderão ou não aproveitar, consoante lhes convenha.
Assim, o acto sujeito a registo e não inscrito só produz efeitos entre as partes; porém, o terceiro poderá prevalecer-se dele. De certo, bastaria que estivesse de má fé para já não se poder acolher à tutela da aparência. Mas de modo algum se admite que o próprio que não tenha registado venha, daí, a retirar vantagem.
No caso de publicidade positiva, assim é igualmente; apenas sucede que o terceiro que pretenda prevalecer-se da nulidade do registo, invocando-a, terá de munir-se da sentença prevista no art.22º /3 . Se, porém , a nulidade não tiver de ser invocada, o terceiro poderá assentar a sua actuação na realidade substantiva, sendo certo que nessa altura, os seus direitos nunca seriam prejudicados…pela declaração de nulidade do registo: pelo contrário.
Nestas condições ocorre a teoria das passas ( de uva ) : pode o terceiro, num complexo não registado ou indevidamente registado, escolher alguns dos aspectos que lhe convenham, remetendo os outros para a realidade substantiva.
Repugna uma resposta genérica: as situações podem ser muito diversas. O terceiro que tenha conhecimento duma insuficiência registal não é obrigado a conhecer todas as irregularidades eventualmente perpetradas.
Se for acatado o ónus material ou encargo de inscrição, os interessados ficarão ao abrigo de quaisquer surpresas. Tratando-se de vários factos distintos sujeitos a registo, pode o terceiro interessado prevalecer-se da falta de registo de algum ou alguns deles, sem o fazer em relação a todos.

● O problema das invalidades substantivas

No registo predial, o artigo 17º /2 do respectivo Código tutela a confiança de terceiros perante as nulidades do registo. Com isso coloca-se uma interessante controvérsia doutrinária no tocante às invalidades substantivas.
Quando seja perpetrada uma invalidade substantiva, o registo comercial que publicite o inerente acto, é pura e simplesmente, falso.Ele não dá conta da verdade.
Assim, o registo inerente é nulo, por via do artigo 22º /1 , al.a) do CRC, seguindo-se o regime normal da publicidade positiva.

● A responsabilidade do Estado

O registo comercial tem eficácia substantiva genérica. Ao contrário do que sucede no registo predial, não encontramos, aqui, a eficácia meramente enunciativa: não é possível a inscrição de factos não sujeitos a registo, como se infere do art.48º /1, al.c) do CRR.
Todos os actos podem, pois, passar pelos crivos dos artigos 13º/1 e 22º/4 do CRC, originando situações de publicidade positiva e negativa.
Quando isso suceda, os particulares podem ser prejudicados. Nessas condições, cabe uma acção de responsabilidade civil contra o Estado, nos termos do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de Novembro de 1967: por acto de gestão pública.

Secção IV – A recuperação de empresas e a falência
31º As coordenadas evolutivas gerais da falência

● A experiência portuguesa

No uso de uma autorização legislativa, o Governo adoptou o Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril,o qual aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência. Nos termos preambulares, o novo diploma procurou operou uma distinça nítida entre empresas viáveis e inviáveis, de modo a recuperar as primeiras.

● Os princípios gerais

A acção de falência - que decorria, em princípio, perante um estado de falência, antes definido no art.1135º do Código de Processo Civil como o do comerciante impossibilitado de cumprir as suas obrigações – opera como uma acção executiva universal e colectiva, com base em adequada sentença – art. 1174º e seguintes do mesmo Código. O actual CPEF refere uma situação de insolvência – art.3º - como a da empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível.

32º Processo especial de recuperação de empresas e da falência

● A recuperação de empresas; o Decreto- Lei nº 177/ 86 de 2 de Julho

O actual Direito falimentar tem uma acentuada dimensão preventiva. O CPEF foi antecedido pelo Decreto-Lei nº 177/86 de 2 de Julho, que cumpre recordar em grandes linhas: ele teve o fito declarado de promover a recuperação das “empresas”.
O diploma, para além de ajustes de pormenor, introduziu uma nova modalidade de recuperação económica – a somar à concordata e ao acordo de credores que vinham já do regime anterior: a gestão controlada da empresa.
O decreto –Lei nº 177/ 86 abrangia 56 artigos, assim ordenados:
Capítulo I – Processo especial de recuperação da empresa e da protecção dos credores
Secção I – Disposições gerais – art.1º a 19º
Secção II – Concordata – art. 20º a 25º
Secção III – Acordo de credores – art.26º a 32º
Secção IV – Gestão controlada – art. 33º a 49º
Capítulo II – Disposições avulsas – art. 50º a 56º
A matéria, particularmente inovatória, da gestão controlada surge no artigo 3º/2 e nos art. 33º e seguintes.
O dispositivo do Decreto-Lei nº 177/ 86 de 2 de Julho, foi parcialmente alterado pelo Decreto-Lei nº 10/90 de 5 de Janeiro. Este diploma visou acelerar o procedimento recuperatório, pondo termo a alguns bloqueios revelados pela prática.

● O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência; a)A recuperação

O CPEF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril, manteve no essencial, as traves mestras que advinham já do Decreto-Lei nº 177/86 de 17 de Junho. Este Código foi alterado, com certa profundidade, pelo Decreto-lei nº 315/ 98 de 20 de Outubro : um diploma que para além do que apresenta como melhorias processuais, veio introduzir a “ situação económica difícil” como novo pressuposto dada providência de recuperação – art. 3º. Redenominou, ainda, o acordo de credores, o qual passou a designar-se “ reconstituição empresarial” – art.4º, ambos do CPEF, versão alterada.
Logo à partida , o CPEF veio dar um papel à empresa. Além disso , extingui os privilégios creditórios, reforçou os poderes da comissão de credores e introduziu, como medida de recuperação : a reestruturação financeira.
Conceptualmente, o CPEF pôs cobro à clássica distinção entre a falência e a insolvência.
O devedor insolvente que não seja titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado não pode beneficiar do processo de recuperação: apenas pode evitar a declaração de falência, mediante a apresentação de concordata – art. 27º do CPEF.
O CPEF distingue e regula quatro tipos de providências de recuperação de empresas, que podem se requeridos no condicionalismos do art. 8º: a concordata, a reconstituição empresarial, a reestruturação financeira e a gestão controlada.
A concordata consiste, segundo o art. 66º, na simples redução ou modificação da totalidade ou de parte dos débitos da empresa em situação de insolvência ou económica difícil, podendo a modificação traduzir-se numa simples moratória.
A reconstituição empresarial – art. 78º /1 – consiste na constituição de um ou mais sociedades destinadas à exploração de um ou mais estabelecimentos de empresa devedora, desde que os credores, ou alguns delas ou terceiros se disponham a assegurar e dinamizar as respectivas actividades. Trata-se de uma versão evoluída e flexibilizada do antigo acordo de credores. A reestruturação financeira vem definida, no art. 87º de CPEF. As providências de reestruturação financeira vêm alinhadas no artigo 88º. Este preceito distingue entre providências com incidência no passivo da empresa e providências com incidência no activo – art. 97º e 101º do CPEF.

● Segue; a assembleia de credores

Em todo o processo de recuperação, cumpre sublinhar o papel básico da assembleia de credores – art. 28º e seguintes do CPEF. Compete-lhe escolher, sendo esse o caso, alguma das providências de recuperação – art. 54º do CPEF.
A assembleia de credores : tem poderes alargados. O próprio artigo 88º, atribui-lhe a possibilidade de adoptar as providências de reestruturação financeira.
Com recurso à jurisprudência recente, podemos apontar algumas proposições ilustrativas do papel importante conferido, por lei, à assembleia:
- compete aos credores decidir aditamentos;
- na reestruturação financeira, o Tribunal não se sobrepõe à assembleia de credores;
- o Tribunal não introduz alterações no plano aprovado pelos credores
- a assembleia de credores é soberana, tendo o juiz um mero controlo de legalidade.
A recuperação das empresas não deve ser sujeita a um rigorismo formalista. Assim:
- o prazo do artigo 53º/1 do CPEF pode ser ultrapassado, de modo a tudo se fazer para evitar a falência;
- a comissão de credores pode ser alterada, sem taxatividade de motivos.

● A falência e as suas consequências

Não havendo lugar à recuperação – art.122º e seguintes – deve ser decretada a falência. A competente sentença deve conter os elementos especificados no art. 128º do CPEF.
A massa falida corresponde ao conjunto de bens penhoráveis da pessoa que, por incorrer nalgum dos pressupostos previstos na lei, se sujeite ao processo de falência.
Perante os bens incluídos na massa, o falida fica numa situação de inibição; de facto, havendo falência declarada, ele não pode:
- administrar e dispor dos seus bens havidos ou que, de futuro, lhe advenham – art.147º/1 de CPEF;
- actuar pessoal e livremente, sendo representado pelo administrador da falência para todos os efeitos, salvo quanto ao exercício dos seus direitos exclusivamente pessoais ou estranhos à falência – art. 147º/2 do mesmo Código;
- exercer o comércio, directamente ou por interpostas pessoa , bem como desempenhar as funções de titular de órgãos qualquer sociedade comercial ou civil – art.148º /1, ainda do diploma em causa.
A massa inclui, pois , os direitos patrimoniais privados penhoráveis do falido. Diversos actos celebrados pelo falido podem ter destinos a decidir, quando ainda estejam em execução. Temos regras quanto à compra e venda ( art.161º a 164º), quanto à promessa ( art.164º - A), quanto à associação em participação (art.166º )quanto ao mandato e a comissão (art.167º), quanto à agência (art.168º), quanto ao arrendamento (art.169º e 170º) e quanto à própria posse (art.171º). Também os contratos de trabalho têm regras especificas (art. 172º a 174º).
















III
CONTRATOS COMERCIAIS

Capítulo I – Dos contratos comerciais em geral
Secção I – Princípios gerais
33º Autonomia das partes

● Numerus apertus; o poder do mercado

O Direito comercial dos contratos, enquanto Direito privado, é dominado pelos princípios comuns e, em especial, pela autonomia privada, genericamente consignada no art. 405º/1 do Código Civil. As partes podem, pois, celebrar os contratos que entenderem e, designadamente:
- escolher um tipo legal previsto na lei;
- eleger um tipo social que, embora sem previsão legal específica, esteja consagrado pelos usos e pela prática do comércio;
- remeter pura e simplesmente para um modelo estrangeiro ou na prática estrangeira, ainda que submetendo-se, no que as partes não regulem, à lei nacional;
- associar, num mesmo contrato, regras provenientes de dois ou mais tipos legais ou sociais;
- inserir, junto de cláusulas típicas, preposições inteiramente novas, de sua lavra;
- engendra figuras contratuais antes desconhecidas;
- adoptar contratos comerciais apenas consignados em leis estrangeiras, quando as normas de conflitos o permitam.
No Direito comercial , vigora um postulado de numerus apertus: o número de actos mercantis teoricamente possíveis é ilimitado.
A vigência dum numerus apertus negotiorum permite, sempre de acordo com os vectores gerais, dois corolários significativos:
- as descrições legais relativas a contratos comerciais não são contratualmente típicas: trabalhamos com conceitos de ordem, os quais permitem a juridificação de elementos a eles alheios;
- as regras comerciais são susceptíveis de aplicação analógica, mesmo quando especificamente previstas para um determinado tipo; essa aplicação é, de resto, possível, como vimos, dentro e fora do Direito mercantil.

● Contratos mistos; a natureza comercial

Seria possível distinguir:
- contratos típicos : aqueles cuja regulamentação geral consta da lei;
- contratos mistos em sentido estrito: aqueles que resultam da junção, num único instrumento contratual, de cláusulas retiradas de dois ou mais contratos típicos;
- contratos mistos em sentido amplo : aqueles que correspondem a um conjunto de cláusulas próprias de tipos contratuais legais e de cláusulas engendradas pelas partes;
- contratos atípicos ( em sentido estrito ): aqueles que surjam como total criação da vontade das partes.
Em sentido amplo, todos os contratos mistos são atípicos.Uma vez que resultam da autonomia privada, os contratos mistos podem-se multiplicar até ao infinito.. É habitual apontar algumas das suas configurações mais habituais:
- contratos múltiplos ou combinados: uma das partes está vinculada a prestações específicas de vários tipos contratuais enquanto a outra está obrigada a uma prestação própria de um único tipo;
- contratos de tipo duplo ou geminados: uma das partes está ligada à prestação típica dum contrato enquanto a outra deve realizar a prestação própria do outro;
- contratos mistos em sentido estrito, indirectos ou cumulativos: as partes escolhem um certo tipo contratual mas utilizam-no de tal modo que, com ele, prosseguem o escopo próprio de outro;
- contratos complementares: a obrigação própria de um contrato é acompanhada por obrigações retiradas de tipos contratuais diferentes.
Estas modalidades clássicas operam, se bem atender, nos contratos mistos em sentido estrito. No entanto, seria fácil proceder ao seu alargamento de modo a abranger todos os contratos mistos.
O contrato misto rege-se, em princípio, pelas regras pretendidas pelas partes. Deve entender-se que apenas por excepção a lei interfere na liberdade contratual associando, aos negócios por elas celebrados, cláusulas ou regras de sua autoria.
Nos contratos mistos, este princípio é, ainda, mais ponderoso. De facto, o contrato misto é, por definição, atípico ou não previsto na lei.
Não obstante, pode suceder que as partes estabeleçam um contrato misto, mas sem prever, para ele, um particular e explícito regime. Nessa ocasião, poderá ser necessário recorrer à lei, ainda que a título supletivo.
Têm sido apresentadas três teorias para explicar regime aplicável aos contratos mistos: a teoria da absorção, a teoria da combinação e a teoria da analogia:
- pela teoria da absorção haveria que determinar, em cada contrato misto concretamente surgido, qual o elemento tipicamente prevalente; esse elemento ditaria, depois, o regime do conjunto;
- pela teoria da combinação impor-se-ia uma dosagem entre os regimes próprios dos diversos tipos contratuais em presença; todos eles contribuiriam para fixar o regime final do contrato misto e integrar;
- pela teoria da analogia considerar-se-ia que o contrato misto, por definição, seria um contrato não regulado na lei; assim sendo, liderar-se-ia com uma lacuna que não poderia deixar de ser integrada, nos termos gerais.
A teoria da combinação aplicar-se-ia a contratos múltiplos e aos geminados, ficando a da absorção para os contratos cumulativos e para os complementares.
Na verdade, o essencial terá de residir sempre na autonomia privada: quando esta seja omissa, impõe-se recorrer aos princípios gerais da integração dos negócios jurídicos, com relevo para a vontade hipotética das partes e para a boa fé. Este último aspecto tem vindo, na doutrina mais recente, a dar um certo fôlego à teoria da absorção.

● As coligações de contratos

Muitas vezes os contratos encadeiam-se, uns nos outros, de tal modo que surge toda uma série de interacções relevantes para o regime aplicável. O recurso a vários contratos devidamente seriados e articulados é particularmente indicado para enquadrar situações complexas: temos, então, coligações ou uniões de contratos.
Os contratos em coligação distinguem-se dos contratos mistos: nos primeiros, diversos negócios encontram-se associados em função de factores de diversa natureza, mas sem perda da sua individualidade; nos segundos, assiste-se à presença dum único contrato que reúne elementos próprios de vários tipos contratuais.
Nas uniões de contratos, distinguem-se:
- a união externa;
- a união interna;
- a união alternativa.
Na união externa, dois ou mais contratos surgem materialmente unidos, sem que entre eles se estabeleça um nexo juridicamente relevante. Na união interna, dois ou mais contratos surgem conectados porquanto alguma das partes – ou ambas – concluem um deles subordinadamente à conclusão de outro ou em função desse outro. Na união alternativa, a concretização dum contrato afasta a celebração do outro. Este quadro afastaria a relevância jurídica das uniões externas; pelo contrário, nas uniões internas e nas alternativas, haveria uma interacção capaz de interferir no regime das figuras em presença.
Outros autores apresentam quadros ordenados segundo linhas diversas ( Michele Giorgiani):
- conexões funcionais
- conexões causais
- conexões unitárias
Nas conexões funcionais, verifica-se uma união entre dois ou mais contratos para melhor prosseguir certo fim; nas conexões causais , um dos contratos estabelece uma relação donde deriva, depois, o outro; nas conexões unitárias, uma figura aparentemente una releva, a uma análise mais atenta, vários negócios.
Francesco Messineo contrapõe, no essencial:
- situações de dependência ou interdependência;
- conexões genéticas ou funcionais;
- conexões económicas
Numa tentativa mais abrangente, é possível apresentar um novo quadro. Deixando de parte as uniões externas e as alternativas, verifica-se, no tocante às internas, que elas podem ser arrumadas em função de vários critérios. Assim, de acordo com o tipo de articulação, podem-se distinguir:
- uniões processuais
- uniões não-processuais
As primeiras ocorrem quando vários negócios se encontrem conectados para a obtenção de um fim ( p. ex: um pacto quanto à forma, um contrato - promessa e o contrato definitivo) ; as segundas, nos restantes casos. De acordo com o conteúdo surgem:
- uniões homogéneas;
- uniões heterogéneas.
Nas primeiras, os vários contratos em presença são do mesmo tipo (p. ex: várias compras e vendas); nas segundas, eles reconduzem-se a tipos diferentes ( p. ex: mútuo e compra e venda).
O modo de relacionamento entre contratos coligados permite apurar:
- uniões hierárquicas
- uniões prevalentes
- uniões paritárias
Nas uniões hierárquicas, um segundo contrato encontra-se subordinado a um primeiro, porquanto encontra neste a sua fonte de legitimidade; tal será o caso, p. ex: da agência/ subagência. Nas uniões prevalentes, um contrato especifica o objecto, o conteúdo e o regime de um certo espaço jurídico o qual irá, depois, ser retomado, por remissão pelo segundo; por ex., uma compra mercantil e a subsequente revenda. As uniões prevalentes são frequentes nas situações em que um contrato de base seja servido por vários contratos instrumentais ou, simplesmente, em que tal contrato seja concretizado por outros – p. ex., contrato - promessa e contrato definitivo. Às uniões prevalentes também se pode chamar uniões com subordinação. Nas uniões paritárias, vários contratos surgem conectados internamente, mas em pé de igualdade; p. ex., várias compras e vendas.
O tipo de articulação, por fim, permite distinguir:
- uniões horizontais ou em cadeia
- uniões verticais ou em cascata.
Na união horizontal ou em cadeia, vários contratos conectam-se na horizontal, celebrados em simultâneo ou sem que, entre eles, se estabeleçam espaços de tempo relevantes. Na união vertical ou em cascata, os contratos articulam-se na vertical, dependendo uns dos outros ou justificando-se, nessa linha, entre si, de modo a dar corpo a uma ideia de sucessão.
As diversas classificações, acima apresentadas, podem interpenetrar-se.

· Segue; os seus efeitos

Temos que ter em conta alguns aspectos jurídicos em que as coligações de contratos relevam. Desde logo, no domínio da validade.
Nas uniões verticais, pode suceder que os contratos posteriores vejam a sua validade dependente da dos anteriores. E isso por uma de três vias:
- a da legalidade;
- a do vício na formação da vontade;
- a da ilicitude.
Uma coligação de contratos pode estruturar-se tal modo que a legitimidade para a celebração de um segundo contrato dependa da idoneidade de um primeiro. Por ex., a invalidade da agência determina, ipso iuri, a ilegitimidade da subagência.
Numa segunda combinação verifica-se que, em certos casos, um dos contratos é celebrado na convicção da existência válida de outro; uma falha a nível deste último abre brechas no primeiro, por vício na formação da vontade. Tal o caso radical do contrato - promessa/ contrato definitivo.
Um terceiro caso traduz ocorrências nas quais um primeiro contrato inviabilize a celebração de certos negócios. Pense-se num pacto de não concorrência.
As coligações revelam, depois no conteúdo. E por isso, por algum dos três caminhos seguintes:
- por remissão;
- por condicionamento;
- por potenciação.
Há remissão quando um contrato, de modo implícito ou explícito, apele para outro, no tocante às regras que estabeleça.
Há condicionamento nos casos em que o contrato não possa, na sua regulamentação ir além se certos limites prescritos em contrato anterior ou, muito simplesmente deva seguir vias por eles predeterminadas.
Há potenciação sempre que os contratos unidos sejam necessários para a obtenção de objectivos comuns, os quais ficarão perdidos na falha de algum deles.






· A delimitação negativa; a) deontologia comercial

A autonomia das partes que domina o direito comercial, encontra, na sua frente diversos vectores injuntivos que provocam a sus delimitação negativa.
Os requisitos gerais do negócio jurídico são aplicáveis aos contratos comerciais. Assim, estes devem respeitar o art. 280º do Código Civil sendo em especial:
- possíveis, quer física quer juridicamente;
- determináveis, ainda quando indeterminados, no momento da sua conclusão;
- lícitos;
- conforme com os bons costumes e a ordem pública.

· A liberdade de língua; o uso obrigatório do português

Encontramos como primeira regra comercial, para todos os contratos, a do art. 96º: a regra da liberdade de língua. Os títulos comerciais são válidos qualquer que seja a língua em que estejam exarados.
O art.365º do Código Civil, reconhece a validade dos documentos passados no estrangeiro. Podemos daí retirar: exarados em língua estrangeira. Por outro lado, e mercê de legislação especial, os actos públicos praticados em Portugal, mesmo no domínio comercial, devem sê-lo em português: art. 139º/1, do CPC , quanto a actos judiciais e 58º do CNot, quanto aos notariais. O próprio registo comercial só admite documentos escritos em língua estrangeira quando traduzidos nos termos da lei notarial – art.32º/2, do CRC.
E quanto a actos civis particulares praticados em Portugal? Não conhecemos nenhum preceito que obrigue ao uso do português.
A liberdade de língua é de regra, no direito privado, excepto nos actos públicos em que, sem excepção para o direito comercial, se de deve usar o português.
O art. 96.º não tem alcance especial: reafirma hoje uma regra comum.
O uso de línguas estrangeiras vem, assim a ser permitido nos contratos comerciais. Impõe-se, contudo, algumas delimitações e restrições.
Nos contratos comerciais internacionais, os usos tendem a impor a língua inglesa. Nos contratos comerciais concluídos em Portugal, com recurso a cláusulas contratuais gerais, a língua portuguesa impõe-se.
Com efeito, segundo o art. 7º/3 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, a actual lei de defesa dos consumidores – informação ao consumidor é prestada em língua portuguesa.
De todos estes preceitos, com relevo especial para o art. 3º do Decreto-lei nº 238/86, de 17 de Agosto retiramos a regra de que, perante consumidores finais- e logo, sempre, tratando-se de cláusulas contratuais comuns – deve ser usada a língua portuguesa.
Os preceitos aqui em causa que impõem o uso do português, têm contudo, a ver coma tutela do consumidor: não com a validade dos actos . Assim, a violação do Decreto-lei nº 238/86 não é sancionada com a nulidade dos contratos prevaricadores, mas o titulo de contra- ordenação.
Havendo dados, ela pode dar azo a deveres de indemnizar por violação de normas de protecção, nos termos do art. 483º/1 , 2ª parte, do código Civil. Inferir uma nulidade por via do art. 294º do Código Civil pode redundar num dano maior para o consumidor, que se pretende proteger.



· As comunicações à distância

O art. 97º do Código Comercial fixava o valor da “ correspondência telegráfica”. Em síntese, era o seguinte:
- os telegramas cujos originais houvessem sido assinados pelo expedidor ou mandados expedir por quem figure como expedidor valem como documentos particulares;
- o mandato e “ toda a prestação de consentimento” transmitidos telegráficamente com a assinatura reconhecida “... são válidos e fazem prova em juízo...”
O art. 97º em causa surgiu logo no início das telecomunicações. As leis tem tardado a adaptar-se. Apenas cumpre assinalar o Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, que veio admitir o uso de telecópia na prática de actos processuais. Simplesmente veio exigir que fosse utilizado ou o serviço público de telecópia ou equipamento de advogado ou solicitar.
Na fixação das regras relativas a comunicações negociais à distância, cumpre distinguir entre a prática do acto em si e a sua prova. Um documento escrito e assinado não deixa de o ser pelo facto de ser enviado por cópia à distância. Assim, e retomando em termos actualistas, o velho art. 97º do Código Comercial, vamos entender que os documentos telecopiados, cujos originais tenham sido assinados pelo próprio, valem como documentos particulares.
Documentos autênticos ou autenticados remetidos por telecópia valem enquanto actos; a telecópia é um documento particular que atesta a sua existência, podendo ser exibidos, em juízo, os originais, para se fazer prova plena ou melhor prova.

· A solidariedade

O art. 100º estabelece a regra supletiva de solidariedade, nas obrigações comerciais. Recorde-se que no Direito comum, por via do art. 513º do Código Civil, vigora a regra inversa.
O único número do art. 100º afasta essa regra, nos contratos mistos quanto aos não-comerciantes: aí a exigibilidade terá de ser convencionada, nos termos do referido art. 513º do Código Civil.
O art. 101º estabelece uma solidariedade do fiador da obrigação mercantil, mesmo que não- comerciante. Desde logo temos uma manifestação da natureza acessória da fiança: esta será comercial quando a obrigação principal o seja. De seguida, ocorre um afastamento do benefício da excussão previsto no art. 638º/1 do Código Civil. Desenha-se, aqui, no entanto, um tipo contratual próprio da fiança comercial.

· O regime conjugal de dívidas

As obrigações comerciais originam um regime especial, no tocante à responsabilidade dos cônjuges. Segundo o art. 1691º /1, al. d) do Código Civil, ambos são responsáveis: “ pelas dividas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício de comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou seja vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens”.
Este preceito, ao contrário da primitiva solução do código permite evitar a comunicabilidade das dívidas comerciais através da elisão da presunção de proveito comum.

Secção II – A contratação comercial
35º Culpa in contrahendo

· Deveres pré- contratuais mercantis

Nas negociações preliminares, as partes devem respeitar os valores fundamentais da ordem, jurídica pautando-se pela boa fé.
O Código Civil Português di-lo, de modo expresso no seu art. 227º.
A culpa in contrahendo ocorre quando, na fase preparatória de um contrato, as partes – ou alguma delas – não acatem certos deveres de actuação que sobre elas impedem. E tais deveres analisam-se em três grupos:
- deveres de protecção: as apartes devem abster-se atitudes que provoquem danos nos hemisférios pessoais ou patrimoniais umas das outras;
- deveres de informação: as partes devem mutuamente, presta-se todos os esclarecimentos e informações necessários À celebração de um contrato idóneo;
- deveres de lealdade: a necessidade de respeitar, o sentido das negociações preparatórias não se esgota num nível informativo; podem surgir deveres de comportamento material.

· A jurisprudência portuguesa

A jurisprudência portuguesa, dado a sua dimensão, tem, efectivamente concretizado a culpa in contrahendo. E fê-lo, com especial acuidade, no domínio dos deveres de lealdade pré-negociais , e no do dever, também pré-negocial , duma completa e exacta informação. Curiosa e sugestivamente, as decisões emblemáticas sobre a culpa in contrahendo giram em torno de questões comerciais. Temos assim três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- Acórdão de 5 de Fevereiro de 1981
- Acórdão de 14 de Outubro de 1986
- Acórdão de 4 de Julho de 1991
O sentido da jurisprudência acima sumariada é bastante claro; deve , no entanto, ser precisada. Em principio – e salvo a presença de normas legais aplicáveis que a tal conduzem – não há nas negociações preliminares, um dever de celebrar o contrato visualizado. Mas há, por certo, um dever de negociar honestamente.
Isso implica, desde logo:
- que a parte que não tenha a intenção de levar por diante as negociações o deva de imediato comunicar à contraparte de modo a não provocar, nela, esperanças vãs que induzam danos;
- que a parte que detenha nas negociações informações vitais para a outra parte, as deva, também de imediato comunicar à contraparte, de modo a evitar contratos distorcidos e , posteriormente dados; se não o quiser fazer basta-lhe não contratar;







· Sentido e consequências; a natureza comercial

A violação do art. 227º /1 do Código Civil dá lugar a responsabilidade obrigacional. Foram violadas obrigações legais e não, somente, o dever genérico de respeito implícito no art. 483º/1 do Código Civil.
Sendo obrigacional, presume-se a culpa, sempre que ocorra uma inobservância (objectiva ) da boa fé: dispõe neste sentido, o art. 799º /1 do Código Civil.
Consumada a violação há um dever de indemnizar por todos os danos verificados. Deve entender-se que, violada a boa fé in contrahendo, devem ser ressarcidos todos os danos causados. Ficam envolvidos tanto os danos emergente – incluindo todas as despesas perdidas- como os lucro cessantes.

· O conteúdo do dever de informar

Em termos descritivos, o dever de informar poderá recair:
- sobre o objecto do contrato: há que evitar que, por acção ou por omissão , a contraparte caia em erro quanto ao objecto material do contrato;
- sobre aspectos materiais conexos com esse objecto: por vezes o contrato revela não apenas pelo objectivo estrito sobre que recaí, mas ainda por determinados aspectos a ele ligados;
- sobre a problemática jurídica envolvida: os contratos em estudo assumem, por vezes implicações jurídicas conhecidas por uma das partes e, designadamente pela preponente; à que leva-las ao conhecimento do parceiro nas negociações;
- sobre perspectivas contratuais ou sobre condutas relevantes de terceiros: aquando da contratação de acordo com as circunstâncias, há que transmitir, à outra parte, dados correctos sobre o futuro do contrato e sobre condutas relevantes de terceiros;
- sobre a conduta do próprio obrigado: a pessoa adstrita à formação deve esclarecer a outra parte sobre a sua intenção de contratar e, e designadamente, sobre o seu empenho a levar a bom termo a contratação.
O dever de informar não é apenas, conformado pelos elementos objectivos acima enunciados. A Doutrina e a jurisprudência tem vindo a focar o relevo da pessoa da contraparte nessa conformação.

36º Negócios preliminares e contratação mitigada

· Negócios preliminares e intercalares

A celebração de contratos comerciais pode ser precedida pela celebração de negócios preliminares e intercalares. No Direito comum documentam-se, como, exemplos contratos- promessas, pactos de preferência, pactos relativos à forma e diversos outros.

· A contratação mitigada

No universo da contratação mitigada, podemos encontrar, como exemplos sedimentados pela prática, as seguintes figuras:
- as cartas de intenção: trata-se de declarações que consignam uma vontade já sedimentada, mas que postulam, ainda, a prossecução de determinadas negociações;
- acordos de base: são acordos que surgem em negociações complexas, para consignar o consenso no essencial, uma vez obtido; as negociações prosseguirão depois, a nível técnico, para aplainar os aspectos secundários;
- os protocolos complementares, surgem como convénios acessórios que vêm regulamentar ou completar contratos nucleares.
A grande dúvida coloca-se perante as consequências do incumprimento. Quando uma parte se recuse a prosseguir as negociações , quid iuris? Pode o Tribunal substitui-se ao faltoso ou deve este ser condenado em ( mera) indemnização?
Tudo depende da determinabilidade do contrato definitivo. Quando a carta de intenções ou o acordo de princípios estejam tão pormenorizados que, deles, se possa retirar o contrato a celebrar, pode haver execução específica.

Secção III – A adesão a cláusulas contratuais gerais
37º O comércio e as cláusulas contratuais gerais

· Dogmática básica

As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de preposições pré-elaboradas que preponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar.
A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim:
- a generalidade: as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por preponentes indeterminados
- a rigidez: as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por que as subscreva ou aceite; os intervenientes não têm, no plano dos factos a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas alterações.
Além das características apontadas outras há que não sendo necessárias, surgem, contudo e com frequência nas cláusulas contratuais gerais; assim:
- a desigualdade ente as partes : o utilizador das cláusulas contratuais gerais goza em regra, de larga superioridade económica e juridico-científica em relação ao aderente
- a complexidade: as cláusulas contratuais gerais alargam-se por grande número de pontos;
- a natureza formulária: as cláusulas constam com frequência, de documentos escritos extensos onde o aderente se limita a especificar escassos elementos de identificação










38º A lei portuguesa das cláusulas contratuais gerais

· Aspectos gerais

O Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, aprovou o regime das cláusulas contratuais gerais. Com a lei das cláusulas contratuais gerais em plena aplicação, surgiu a Directriz nº 93/13/CEE de 5 de Abril de 1993, “relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores”.
Os dois primeiros artigos da Directriz fixam o âmbito de aplicação e apresentam definições
O art. 3º/1 define o que seja uma “ cláusula abusiva”. A apreciação é efectuada tendo em conta as diversas circunstâncias relevantes e o conjunto das cláusulas – art. 4º. As cláusulas devem ser redigidas com clareza – art. 5º.
Segundo o art. 7º da Directriz, os Estados- membros deverão providenciar para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas.
Eles podem – art.8º - adoptar ou manter disposições mais rigorosas, para assegurar um nível de protecção mais elevado para o consumidor.
Provavelmente, nem teria sido necessário alterar o Decreto-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, para satisfazer a Directriz nº 93/13/CEE, mas assim foi feito, surgindo o Decreto –Lei nº 220/95 de 31 de Outubro.
Por indicação comunitária, foram estabelecidas regras especiais para determinados contratos bancários- art. 22º/2, al. a) e 3, al. a) e b).

· Âmbito e inclusão nos negócios singulares

A lei das cláusulas contratuais gerais visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas – art. 1º; o art. 2º especifica que elas ficam abrangidas independentemente:
- da forma da sua comunicação ao público; tanto se abrangem os formulários como, p. ex., uma tabuleta de aviso ao público;
- da extensão que assumem ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem;
- do conteúdo que as informe, isto é, da matéria que venham regular;
- de terem sido elaboradas pelo preponente, pelo destinatário ou por terceiros.
Algumas matérias ficariam, no entanto, necessariamente excluídas da disciplina das cláusulas contratuais gerais, seja por razões formais – art. 3º /1, alíneas a) e b) – seja em função da matéria – art. 3º /1, alíneas c), d) e e), na redacção hoje em vigor.
As alíneas a) e b) – portanto: cláusulas aprovadas pelo legislador e cláusulas resultantes de convenções internacionais – são fáceis de entender: têm a ver com a hierarquia das fontes. As alíneas c), d) e e), já têm a ver com a problemática do consumo.
A excepção do art. 3º/1, al. c) – “contratos submetidos a normas de direito público” – deve ser limitada ao preciso alcance dessas normas: um contrato que tenha aspectos públicos e privados incorrerá, nestes últimos, na LCCG.
A excepção do art. 3º/2, al. d) – “ cláusulas de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” – não tem por efeito o remover a LCCG, em absoluto, do Direito do trabalho; garante apenas que os níveis laborais colectivos não sejam limitados pelo dispositivo da LCCG.
O recurso a cláusulas contratuais gerais não deve fazer esquecer que elas questionam, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.
Assim, elas incluem-se nos diversos contratos que as utilizem – os contratos singulares – apenas na conclusão destes, mediante a sua aceitação – art. 4º da LCCG: não são, pois, efectivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não tenha havido acordo de vontades.
Mas dada a delicadeza do modo de formação em jogo, não basta a mera aceitação exigida para o Direito comum : é necessária, ainda, uma série de requisitos postos pelos artigos 5º e seguintes da LCCG.
De facto, a inclusão depende ainda:
- de uma efectiva comunicação – art. 5º
- de uma efectiva informação – art. 6º
- da inexistência de cláusulas prevalentes – art. 7º
A exigência de comunicação vem especificada no art. 5º, que referencia:
- a comunicação na íntegra – nº1;
- a comunicação adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as circunstâncias – nº2
O grau de diligência postulado por parte do aderente – e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação – é o comum – art. 5º/2, in fine: deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso.
O art. 5º/1 melhor precisado pela alteração introduzida pelo Decreto-lei nº 220/95 de 31 de Agosto, dispõe sobre o melindroso ponto do ónus da prova: ao utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais cabe provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar – art. 342º do Código Civil.
E como tal dever, ainda que legal, é especifico, o seu incumprimento envolve presunção de culpa, nos termos do art. 799º/1 de código Civil.
O dispositivo do art. 7º determina uma prevalência das cláusulas específicas sobre as gerais.
Segundo a LCCG, segue-se a pura e simples exclusão dos contratos singulares atingidos – art. 8º, al. a) e b).
As alíneas c) e d) penalizam, por seu turno, as “ cláusulas – surpresa”.
A inserção, no contrato singular, das cláusulas referenciadas no art. 8º de LCCG, põe o problema do contrato em causa.
O princípio básico, no domínio das cláusulas contratuais gerais, é o do maior aproveitamento possível dos contratos singulares: estes são, muitas vezes, de grande relevo ou mesmo vitais para os aderentes, os quais seriam prejudicados quando o legislador, querendo pôr cobro a injustiças, viesse multiplicar as nulidades. O princípio em causa aflora nos artigos 9º e 13º.

● Interpretação e integração

O art. 10º da LCCG dispõe sobre a interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais, remetendo implicitamente para os artigos 236º e seguintes do Código Civil.
Esse preceito releva a dois níveis:
- impede as próprias cláusulas contratuais gerais de engendrarem outras regras de interpretação;
- remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o contrato singular.
A primeira tendência exigiria que as cláusulas contratuais gerais fossem interpretadas em si mesmas – sobretudo quando forem completas – de modo a obter soluções idênticas para todos os contratos singulares que se venham a formar com base nelas; a segunda, pelo contrário abriria as portas a uma interpretação singular de cada contrato em si, com o seguinte resultado, paradoxal na aparência: as mesmas cláusulas contratuais gerais poderiam propiciar, conforme os casos, soluções diferentes.
O art. 10º da LCCG aponta para a segunda solução.O art. 11º da LCCG precisa a temática das cláusulas contratuais ambíguas remetendo, para o entendimento do aderente normal.

39º Cláusulas contratuais gerais nulas e proibidas

● Nulidade e proibição

O cerne da LCCG reside na proibição de certas cláusulas. A LCCG sentiu a particular necessidade de reafirmar o principio geral da nulidade das cláusulas que contundam com a proibição – art. 12º. Mas desde logo se previu a hipótese de novos desvios. Esses desvios inserem-se no regime da nulidade.
A nulidade de cláusulas incluídas em contratos singulares deveria acarretar a invalidade do conjunto, salvo a hipótese de redução- art. 292º do Código Civil.
Os inconvenientes para o aderente poderiam multiplicar-se, como se viu a propósito da não inclusão de certas cláusulas. Por isso se fixou o regime esquematizado que se segue – art. 13º/1 e 2 e art. 14º da LCCG:
- o aderente pode escolher entre o regime geral ( nulidade com hipótese de redução) ou a manutenção do contrato;
- quando escolha a manutenção, aplicam-se, na parte afectada pela nulidade, as regras supletivas;
- caso estas não cheguem, faz-se apelo às normas relativas à integração;
- podendo, tudo isto, ser bloqueado por exigências da boa fé, posto o que se seguirá o esquema da redução, se for, naturalmente, possível; caso contrário, terá de se perfilhar a nulidade.

● Sistema geral das proibições

A LCCG ficaria impraticável se não concretizasse, em moldes materiais, as cláusulas que considera proibidas.
A lei portuguesa distingui, para efeitos de proibições:
- as relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica – art. 17º
- as relações com consumidores finais e genericamente, todas as não abrangidas pela caracterização acima efectuada – art.20º.
Deve ainda notar que a LCCG utilizou a categoria de empresários e não comerciantes.
Na proibição das cláusulas, a lei, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto, adoptou o seguinte sistema:
- isolou as disposições comuns por natureza, aplicáveis a todas as relações;
- elencou determinadas proibições relativas às relações entre empresários ou entidades equiparadas;
- passando às relações com consumidores finais, a lei determinou a aplicação de todas as proibições já cominadas para as relações entre empresários e, além disso, prescreveu novas proibições.
Temos, assim, um principio comum, assente na boa fé. O teor geral das proibições segue as linhas seguintes:
- nas relações entre empresários deixa-se, às partes, a maior autonomia, apenas se previndo, nesse domínio, que elas se exoneram da responsabilidade que, porventura, lhes caiba;
- nas relações com consumidores finais, houve que ir mais longe: para além da intangibilidade da responsabilidade, foram assegurados outros dispositivos de protecção.
Outro aspecto tecnicamente importante tem a ver com a estruturação das cláusulas contratuais gerais proibidas e assenta numa contraposição entre cláusulas absolutamente proibidas e cláusulas relativamente proibidas:
- as cláusulas absolutamente proibidas não podem, a qualquer título, ser incluídas em contratos através do mecanismo de adesão- art.18º e 21º de LCCG.
- as cláusulas relativamente proibidas não podem ser incluídas em tais contratos desde que, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza; tal juízo deve ser formulado pela entidade aplicadora, no caso concreto, dentro do espaço para tanto indiciado pelo preceito legal em causa – art. 19º e 22º de LCCG.
A diferenciação fica clara perante o conteúdo das normas em presença; assim:
- o art. 18º da LCCG proíbe, na alínea a), as cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas; sempre que apareça uma cláusula com o teor, ela será proibida e daí, nula:
- o art. 19º da LCCG proíbe, também na alínea a), as cláusulas que estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para a aceitação ou rejeição das propostas; apenas em concreto e perante uma realização dos valores aqui figurados, se poderá afirmar a “ excessividade de determinado prazo”.
O núcleo do diploma é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé – art. 15º; art. 16º procura precisar um pouco essa remissão. Surgem referenciados os dois aspectos, próprios da boa fé : a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

● As cláusulas proibidas

O sistema geral acima sumariado desenvolve-se, depois, em catálogos de proibições específicas. Das combinações dos diversos parâmetros resultam as quatro hipóteses básicas contempladas na lei:
- cláusulas absolutamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 18º
- cláusulas relativamente proibidas entre empresários e equiparados – art. 19º
- cláusulas absolutamente proibidas nas relações com consumidores finais – art.21º
- cláusulas relativamente proibidas nas relações com consumidores finais – art.22º
Deve-se ter presente que as proibições fixadas para as relações entre empresários e equiparados se aplicam, também, nas relações com consumidores finais.
O art.18º da LCCG começa, nas suas alíneas a), b) e d) por proibir as chamadas cláusulas de exclusão ou da limitação da responsabilidade.
A alínea e) visa evitar que se procure conseguir, por via interpretativa, aquilo que o utilizador não pode directamente alcançar, com os seus esquemas.
As alíneas f), g), h) e i) têm a ver com os institutos de excepção do não cumprimento do contrato (art. 428º), da resolução por incumprimento (art.432º), do direito de retenção (art. 754º) e das faculdades de compensação ( art. 847º) e da consignação em depósito (art. 841º e ss), todos do Código Civil.
A alínea j) visa evitar obrigações perpétuas ou – o que seria ainda pior – obrigações cuja duração ficasse apenas dependente de quem recorra às cláusulas contratuais gerais.
A alínea l) pretende prevenir que, a coberto de esquemas de transmissão do contrato, se venha a limitar, de facto, a responsabilidade.
O art. 19º da LCCG reporta-se a proibições relativas no quadro das relações entre empresários.
As alíneas a) e b) têm a ver com prazos dos contratos. No decurso desses prazos, uma das partes fica submetida à vontade da outra.
A alínea c) proíbe cláusulas penais desproporciondas aos danos a ressarcir.
A rapidez do tráfego de massas justifica que , por vezes, se dispensem formais declarações de vontades, substituindo-as por outros indícios . Os comportamentos concludentes têm aqui particular relevo:caso a caso será necessário indagar dessa suficiência: tal o sentido da alínea d).
A garantia das qualidades da coisa cedida ou de serviços prestados pode ser posta na dependência do recurso a terceiros: caso a caso, nos termos da alínea e) haverá que o demonstrar.
A alínea f) trata da denúncia, isto é, da faculdade de, unilateralmente e sem necessidade de justificação, se pôr termo a uma situação duradoura.
O estabelecimento de um tribunal competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, em razão da distância ou da língua, por exemplo, deve ser justificado por equivalentes interesses da outra parte. Quando isso não suceda, a competente cláusula é nula, nos termos da alínea g).
As limitações das alíneas h) e i) têm a ver com a concessão de poderes excessivos e exorbitantes a uma das partes.
Nas relações com consumidores finais aplicam-se as proibições acima referidas e, ainda as constantes dos art. 21º e 22º , com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto.
As proibições absolutas inseridas nas alíneas a), b), c) e d) do art.21º, visam assegurar que os bens ou os serviços pretendidos pelo consumidor final, sejam , de facto os que ele vá alcançar. Por seu turno, as alíneas e), f), g) e h) pretendem garantir a manutenção eficaz duma tutela adequada, prevenindo a possibilidade de recurso a vias oblíquas para defraudar a lei.
As proibições relativas do art. 22º/1 acentuam também esta mesma via.

● O problema dos contratos pré-formulados

O contrato pré-formulado é aquele que uma das partes proponha à outra, sem admitir contrapropostas ou negociações. Aproxima-se das cláusulas contratuais gerais pela rigidez; distingue-se delas pela falta de generalidade.
Quando apresentado a um consumidor, o contrato pré-formulado coloca problemas semelhantes aos das cláusulas contratuais gerais. Por isso, o art. 9º/3 da LDC mandava aplicar a esse tipo de contratos o regime das cláusulas contratuais gerais, através duma ponderação feita nos termos do seu nº 2.
Verifica-se que o tema dos contratos pré-formulados veio a ser encarado, pela Directriz nº 93/13 de 5 de Abril.

Secção IV – O comércio electrónico
40º Comércio electrónico ( e - commerce)

● A contratação por computador

Em primeiro lugar, surge-nos a figura da contratação através de autómato ou de computador.
Duas teorias degladiam-se, neste momento, quanto à “ actividade jurídica” dos autómatos:
- a teoria da oferta automática
- a teoria da aceitação automática
Segundo a teoria da oferta automática, comum até há pouco tempo, a simples presença de um autómato pronto a funcionar, mediante adequada solicitação feita por um utente, deve ser vista como uma oferta ao público: accionado o autómato, o utente aceitaria a proposta genérica formulada pela entidade a quem fosse cometida a programação.
A teoria de aceitação automática coloca o problema em termos inversos. O simples accionar do autómato – por exemplo, através da introdução de uma moeda – não provoca necessariamente a conclusão do contrato; tal só sucederá se o autómato não estiver vazio, isto é , se se encontrar em condições de fornecer o bem solicitado. Por consequência, o contrato só se concluiria através do funcionamento do autómato, cabendo ao utente a formulação da proposta. A instalação prévia do autómato representaria, tão-só uma actividade preparatória.

● A contratação por meios electrónicos ou por Internet

A contratação por meios electrónicos ou através da Internet não se confunde, em si, com a efectuada através de autómato ou de computador. Assim, a declaração de vontade feita por computador ou por meios de comunicação electrónica vale como tal. E naturalmente, terão aplicação as regras referentes ao erro e ao dolo, nas declarações.

● Documentos electrónicos e assinatura digital

São documentos electrónicos aqueles cujo suporte não seja físico, mas “electrónico”: no sentido mais amplo, de modo a abarcar soluções electromagnéticas e ópticas. O regime normal é-lhes aplicável, com adaptações. De modo,o formalismo jurídico tem levado os legisladores a intervir.
No tocante à assinatura digital: trata-se de um esquema que permite a uma entidade dotada de uma “ chave”, reconhecer uma sequência digital proveniente do autor duma missiva electrónica, de modo a autenticá-la.
Entre nós, foi também publicado um diploma relativo a documentos electrónicos e a assinatura digital : o Decreto – Lei nº 290- D/99 de 2 de Agosto.





Capítulo II – Contratos especiais de comércio
Secção I – Tipificações
41º Os contratos comerciais e a sua ordenação

● A ordenação legal

Como primeira e segura base de trabalho, temos o próprio Código Veiga Beirão. Recordemos que, na versão original, ele considerava “contratos de comércio”:
- as sociedades
- a conta em participação
- as empresas
- o mandato
- as letras, livranças e cheques
- a conta-corrente
- as operações da bolsa
- as operações do banco
- o transporte
- o empréstimo
- o penhor
- o depósito
- o depósito de géneros e mercadorias nos armazéns gerais
- os seguros
- a compra e venda
- o reporte
- o escambo ou troca
- o aluguer
- a transmissão e reforma de títulos de crédito mercantil
A matéria das sociedades foi retirada do Código Comercial: consta do Código das Sociedades Comerciais, base dum ramo jurídico autónomo.
A conta em participação é hoje objecto dum diploma legal específico: Decreto-Lei nº 231/ 81 de 28 de Julho, que veio regular os contratos de consórcio e de associação em participação.
As empresas referidas no art. 230º não devem ser consideradas contratos.
As letras, livranças e cheques são tratados pelas leis uniformes respectivas.
As operações de bolsa incluem-se no Direito dos valores mobiliários.
As operações de banco dão azo aos contratos bancários.

● Contratos extravagantes; tipos sociais

Fora do Código Comercial, temos essencialmente cinco contratos a apontar:
- o contrato de associação em participação e o contrato de consórcio , introduzidos pelo Decreto- Lei nº 231/81 de 28 de Julho, revogando a conta em participação;
- o contrato de agência, regulado pelo Decreto-Lei nº 178/ 86 de 3 de Julho, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril;
- o contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto -Lei nº 149/ 95 de 24 de Julho, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 265/97 de 2 de Outubro;
- o contrato de cessão financeira, regulado pelo Decreto-Lei nº 171/95 de 18 de Julho.
Podemos ainda contar com múltiplos diplomas relativos a negócios de crédito e as suas garantias.
A associação em participação e o consórcio têm natureza organizativa, a explicitar. Surgem na sequência da conta em participação, à qual o primeiro veio suceder, o que lhes confere natureza comercial. O contrato de agência tem uma flagrante ligação com a figura geral do mandato comercial – art. 231º e ss. – embora sirva, também, a distribuição.
No que respeita aos contratos bancários: trata-se de contratos comerciais, de acordo com a qualificação genérica do art. 362º
Sem regulação legal expressa, podemos ainda apontar as seguintes figuras normalmente usadas por comerciantes, no exercício da sua profissão:
- contratos de distribuição: a concessão comercial e a franquia
- contratos de organização: a engenharia e certas modalidades de empreitada;
- contratos de promoção: o patrocínio, a mediação e a publicidade.
Os contratos de organização referenciados são acentuadamente atípicos. Os contratos de promoção têm vindo a obter regimes tipificados em leis de defesa do consumidor.

● A ordenação proposta

Procurando conciliar a tradição que nos vem no Código Veiga Beirão, base existencial do próprio Direito mercantil, com relevo prático de alguns tipos extravagantes e sociais e o pragmatismo na distribuição da matéria por disciplinas, vamos proceder à ordenação seguinte:
- os contratos de organização
- o mandato comercial
- os contratos de distribuição
- os contratos bancários
- os contratos de transporte
- o contrato de seguro
- os contratos de compra e venda e de troca
- o contrato de reporte
- a locação comercial
Nos contratos de organização incluiremos o consórcio e a associação em participação.
O mandato comercial permite referir a representação e as diversas figuras tradicionais que se lhe acolhem.
Entre os contratos de distribuição inserimos a agência, a concessão comercial e o contrato de franquia.
Os contratos bancários incluem, para além das figuras legais ou sociais mais usadas pelos banqueiros, os contratos comerciais de conta- corrente, de empréstimo, de penhor e de depósito.
As demais figuras centrar-se-ão no Código Comercial.







Secção II – Os contratos de organização
42º A associação em participação

● Generalidades ; origem e evolução ; sistemas societários

Nos contratos de organização encontramos um esquema de colaboração comercial entre duas ou mais partes, com características de duração e de estabilidade.
No tocante à sua inserção nas categorias gerais dos actos jurídicos, poderíamos considerá-los como fontes de obrigações mútuas de facere. Acessoriamente, podem ocorrer prestações de dare. Ao contrário do que sucede nas sociedades comerciais, os contratos comerciais de (mera) organização não chegam a dar azo a uma entidade autónoma, diversa das próprias partes que lhes estejam na origem.
Na associação em participação, temos uma organização muito elementar que liga uma pessoa a um comerciante: confere-lhe determinados apoios para o desenvolvimento do seu comércio e, em troca disso, recebe parte dos lucros que ele venha a obter. Toda a actuação é desenvolvida em nome e por conta do comerciante.

● Segue; sistemas comutativos

Aos sistemas que denominámos “societários”, opõem-se outros chamaremos comutativos. Nestes, a associação em participação é tomada como um simples contrato entre duas pessoas, pelo qual uma, mediante determinada prestação, recebe participação em certos lucros.

● Os Códigos Comerciais portugueses ; a conta em participação

O código Comercial veio acolher o contrato de conta em participação. Fê-lo nos seus artigos 224º a 229º, num título III situado logo após a matéria das sociedades: uma sistematização dotada de lógica evidente. No entanto, é patente a distanciação perante a ideia societária. O contrato deixa de apelar a “ sociedade” evitando mesmo a expressão “ associação”. De resto, “associação em participação” é um pleonasmo.

● A associação em participação

Na sequência de estudos excelentes de Raúl Ventura, o legislador decidiu introduzir um regime específico dedicado ao consórcio. Aproveitou e ensejo para rever a conta em participação, redenominando a figura: associação em participação.
A matéria foi inserida nos art. 21º a 32º do Decreto-Lei nº 231781 de 28 de Julho. O art. 32º deste preceito revogou os artigos 224º a 229º do Código Comercial.
Analisando o problema, Raúl Ventura concluiu que, para haver sociedade, seria necessário o exercício em comum de certa actividade económica que não fosse de mera fruição. Isso não se verificaria na figura em estudo. Raúl Ventura excluiu, por isso, a natureza societária. Mas não a conduziu, pura e simplesmente, à solução comutativa, uma vez que descobre um fim comum, o que lhe conferiria elementos de tipo associativo. Opta, pois, por este último entendimento, que viria a ser acolhido pelo Supremo.




● Segue; o regime

O art. 21º do Decreto-Lei nº 231/81 de 28 de Julho, não define propriamente a associação em participação. Dá, todavia, uma ideia bastante precisa dessa figura, quando prescreve: “ A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular- se-á pelo disposto nos artigos seguintes”.
O comerciante diz-se “ associante” e “associado” a pessoa que a ele se liga.
A participação nos lucros é essencial; a participação nas perdas pode ser dispensada – nº2 – entende-se pelas partes. A solução supletiva será, pois, a da comunhão nos lucros e nas perdas. A participação do associado nas perdas e a sua responsabilidade ilimitada devem ser provadas por escrito, devendo ainda resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato qualquer participação diversa da supletiva – art. 25º/2.
Pode haver associados: não se presume, então, a sua solidariedade, activa e passiva, para com o comerciante – art.22º/1
O contrato é consensual – art. 23º/1, salvo se alguma forma especial for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribua, prever do o nº3 desse preceito uma reforçada hipótese de conversão.
O associado obriga-se, fundamentalmente, a uma contribuição de natureza patrimonial – art. 24º/1; esta pode ser dispensada no contrato, se ele participar nas perdas.
Ele participa, como se viu, nos lucros e , eventualmente, nas perdas. O montante dessa participação deve resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato; dispondo-o apenas quanto aos lucros, a regra é aplicável às perdas e inversamente – art. 25º/2.
Na falta de qualquer das apontadas soluções, a participação do associado nos lucros e perdas será proporcional à sua contribuição, havendo avaliação – art. 25º/3; na falta desta, a participação será metade, sendo possível a redução equitativa – art. 25º/3.
O associante tem, no fundamental, os deveres seguintes:
- proceder com diligência de um gestor criterioso e ordenado – art. 26º/, al.a)
- conservar as bases essenciais da associação, designadamente não fazendo sua a empresa – al.b)
- não concorrer com a empresa – al.c)
- prestar todas as informações ao associado – al.d)
- colher, quando o contrato o preveja, o prévio acordo do associado, para certos actos ou ouvi-lo – art. 26º/2
- prestar contas art. 31º
A associação extingue-se nos caso referidos no art. 27º. A morte do associante ou do associado não extingue, só por si, a associação: pode conduzir a isso, caso seja vontade dos sucessores ou do contraente sobrevivo – art. 28º: uma regra aplicável à extinção do associado ou do associante – art. 19º
Quando o contrato tenha sido celebrado por tempo determinado ou para certa operação, pode haver resolução antecipada, baseada em justa causa – art. 30º/1
Tratando-se de contratos de duração indeterminada, ele pode cessar a todo o tempo após o decurso de 10 anos – art. 30º/3. Pode mesmo então, haver responsabilidade por abuso do direito – nº4.


43º O consórcio

● O direito português: influências decisivas

O direito português, através do Decreto- Lei nº 231/81, de 28 de Julho, define o consórcio como: “ o contrato pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica se obriguem entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no art. seguinte.”
Por seu turno, o art. seguinte em causa – 2º dispõe: “ O consórcio terá um dos seguintes objectos:
a) realização de actos materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer de uma actividade contínua;
b) execução de determinado empreendimento;
c) fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio;
d) pesquisa ou exploração de recursos naturais;
e) produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.

● Regime vigente

O consórcio, tomado como tipo contratual, pode ser comodamente ponderado como recurso à explanação dos seus elementos.
A definição legal requer, em primeiro lugar, duas ou mais pessoas singulares ou colectivas. A pluralidade de sujeitos liga-se à natureza contratual da figura. Para além disso, a lei não põe limites máximos. Este ponto embora simples, tem relevância por permitir concluir que o consórcio desaparece, quando se perca tal pluralidade, desde que, nos termos gerais, possa operar a confusão – artigo 868.º do Código Civil português – e sem prejuízo de terceiros – artigo 871.º/1, do mesmo diploma.
As pessoas em causa deverão exercer uma actividade económica. Desta feita, a lei visou acentuar a natureza basicamente lucrativa e, daí, comercial, da figura. Parece, contudo que não se colocam dúvidas no tocante à possibilidade de, através da autonomia privada, se poder utilizar o consórcio num sentido puramente civil: mas ele terá sempre um teor oneroso, por oposição a gratuito.
As pessoas interessadas no contrato vão obrigar-se, pelo consórcio, a agir de forma concertada.
A concertação referida reporta-se ao desenvolvimento de certa actividade ou à efectivação de certa contribuição.
Deve ainda frisar-se que o contrato visa um dos objectivos do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de Julho.
Por determinação legal, os contratos de consórcio devem ser celebrados por escrito, requerendo-se a escritura quando estejam envolvidos imóveis – artigo 3.º. As partes têm larga liberdade de estipulação – artigo 4.º.
As alterações ao contrato, a adoptar pela forma utilizada para sua celebração inicial, devem ser aprovadas por todos os contraentes, salvo quando o próprio contrato preveja outra fórmula.
Numa contraposição mais ou menos valorizada na doutrina estrangeira, a lei portuguesa distingue, com clareza, o consórcio interno do externo – artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 231/81:
- no consórcio interno as actividades ou os bens são fornecidos a um dos
membros do consórcio e só este estabelece relações com terceiros ou, então,
tais actividades ou bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um
dos membros do consórcio, sem expressa invocação dessa qualidade;
- no consórcio externo, as actividades ou os bens são fornecidos a terceiros por
cada um dos consorciados com invocação expressa dessa qualidade.
Contra o que poderia resultar duma leitura mais apressada dos textos legais, o consórcio externo não se distingue do interno por, ao contrário deste, produzir efeitos perante terceiros. A fronteira reside no facto de, no consórcio externo, se assistir a um reforço do elemento organizativo.
A lei portuguesa, dado o peso da organização no domínio do consórcio, regulou longamente essa matéria: art. 7º ( Conselho de orientação e fiscalização); art. 12º (Chefe do consórcio), art. 13º ( Funções internas do chefe do consórcio), art. 14º (Funções internas do chefe do consórcio) e art. 20º ( Proibição de fundos comuns).
Os deveres dos consorciados, nas dimensões da proibição da concorrência e da prestação de informações, são explicitados – art. 8º - surgindo ainda regras no tocante à repartição dos valores recebidos pela actividade nos consórcios internos e à participação em lucros e perdas – art. 18º. A denominação vem predisposta no art. 15º e as relações com terceiros no art. 19º.Todos estes preceitos têm em comum o serem supletivos, numa ocorrência que deverá ser confirmada caso a caso, perante a própria lei e em face dos princípios gerais.
A denominação do consórcio externo tem regras.Segundo o art. 15º/1 do Decreto-Lei nº 231/81, os seus membros podem juntar os seus nomes, firmas ou denominações sociais, com o aditamento “Consórcio de…”ou “…em consórcio, sem prejuízo de apenas ser responsável perante terceiros quem assine os contratos.
Deve ficar bem claro que, quanto às posições dos contraentes, toda esta regulamentação é apenas um modelo que a lei põe à disposição das partes. Estas, nos termos do art. 405º do Código Civil, dispõem de plena liberdade contratual: podem, designadamente, celebrar consórcios “atípicos”.

● Problema da repartição dos ganhos e perdas

Num consórcio, as partes concertam-se para desenvolver determinada actividade económica. Pergunta-se se elas poderão ajustar uma repartição abstracta dos ganhos e das perdas.
O consórcio não tem personalidade jurídica.Assim sendo, a contratação com terceiros é feita em nome de algum ou alguns dos consorciados. Pode algum consorciado, que não tenha contratado directamente com terceiros, ser chamado a receber lucros ou a suportar prejuízos?
Estamos no domínio patrimonial privado. Todos os direitos em jogo no consórcio são plenamente disponíveis. Não há nenhuma regra, no Direito português, que proíba estabelecer regimes de solidariedade passiva ou activa. A lei não prescreve, todavia, nenhuma solidariedade, nem activa, nem passiva.
No que toca às relações internas entre as partes : é totalmente viável que duas pessoas ajustem entre si uma certa repartição de esforços ou de lucros, num negócio para o qual ambas tenham contribuído.
Pelo contrato de consórcio, as partes obrigam-se a efectuar determinada contribuição para certos objectivos – art.1º do Decreto-Lei nº 231/81 de 28 de Julho. Logo, podem sofrer prejuízos.
Se a contribuição for percentualmente definida, os prejuízos do consorciado serão uma percentagem dos prejuízos totais. As contribuições podem ser em dinheiro, nos termos do art. 4º, nº2 do Decreto-Lei nº 231/ 81.
Por outro lado, os valores a receber de terceiros – e que darão eventualmente lugar a lucros – podem, nos termos do contrato de consórcio, ser repartidos entre as partes, de acordo com uma distribuição diferente da que resultaria das relações directas com terceiros em causa – art. 10º, nº2 do Decreto-Lei nº 231/81.
Tudo isto é reforçado pelo princípio básico do art. 4º, nº1, segundo o qual: “Os termos e condições do contrato serão livremente estabelecidas pelas partes, sem prejuízo das normas imperativas constantes deste diploma.”
A proibição de fundos comuns estabelecida no art. 20º do Decreto- Lei nº 231/81, nada tem a ver com a repartição dos lucros e perdas. Ela apenas visa facilitar a definição das relações entre as partes, remetendo-as para o art. 1167º, al a), do Código Civil., relativo ao mandato.

● O termo do consórcio

O consórcio dá lugar a uma situação jurídica duradoura. Como tal, torna-se necessário fixar esquemas de cessação, sem o que ela tenderia a eternizar-se no tempo.
Vigora pois a regra de que, salvo quando a lei disponha de outro modo, os contratos não se destinam a ser perpétuos.
A lei portuguesa sobre consórcios distinguiu, no tocante à sua cessação, três modalidades:
- a exoneração dos seus membros;
- a resolução do contrato;
- a extinção do consórcio.
Estas modalidades, tratadas nos seus art. 9º, 10º e 11º são específicas deste tipo contratual.
A exoneração dos membros do consórcio corresponde a uma posição potestativa que o consorciado tenha de pôr cobro aos seus compromissos, excluindo-se do consórcio. Compreende-se que ela requeira uma particular justificação, seja ela:
- uma impossibilidade superveniente de realizar as suas obrigações, a qual terá de ser liberatória, nos termos gerais – portanto absoluta, objectiva e definitiva;
- um comportamento de um consorciado que traduza um incumprimento perante o outro bem como uma impossibilidade em relação, também , a outro membro, sem que seja possível utilizar o esquema da resolução.
Tal o sentido do art. 9º, nas duas alíneas do seu nº1.
A resolução equivale a uma posição potestativa que o consorciado tenha de excluir os outros do consórcio. Compreende-se que, pela sua gravidade, se requeira justa causa – art. 10º/1 – a qual pode, de acordo com o elenco desse mesmo preceito, ser subjectiva ou objectiva.
Finalmente, os cenários de extinção do consórcio alinham-se no art. 11º e englobam:
- a revogação – art. 11º/1, al a): “ O acordo unânime dos seus membros”;
- a caducidade – art. 11º/1. al b), primeira parte (realização do objecto), c) (decurso do prazo) e d) (extinção da pluralidade de membros);
- a impossibilidade – art. 11º/1, al.b), segunda parte (objecto que se torna impossível)
Há um prazo supletivo de dez anos, prorrogável – art. 11º/2 – e admitem-se ainda outras cláusulas de extinção.
Secção III – A representação e o mandato comerciais
44º A representação comercial

● Generalidades; evolução geral da representação

O Código Civil de 1966 acolheu distinção entre procuração, fonte da representação – art.262º e seguintes – e o mandato, modalidade de contrato de prestação de serviço – art. 1157º e ss – que pode ser com ou sem representação – art. 1178º e ss e 1180º e ss, respectivamente.
Após a entrada em vigor do Código de 1966, mantiveram-se algumas situações de confusão entre mandatários e procuradores: o chamado mandato judicial envolve, necessariamente, poderes de representação enquanto, por exemplo, os “mandatários” referidos no art. 1253, al.c) do Código Civil, são necessariamente, os que actuem no âmbito dum mandato com representação.

● Requisitos, distinções e regime comum

Na representação impõem-se, fundamentalmente, três requisitos:
- uma actuação em nome de outrem: o representante deve agir esclarecendo a contraparte e os demais interessados que o faz para que os efeitos da sua actuação surjam na esfera do representado; se o representante não invocar expressamente essa qualidade, já não haverá representação:
- por conta dele: o representante, além de invocar agir em nome de outrem, deve fazê-lo no âmbito da autonomia privada daquele: actua como o próprio representado poderia, licitamente, fazê-lo; não há representação, por exemplo, quando o tribunal executa especificamente, nos termos do art. 830º do Código Civil, um contrato- promessa.
- e dispondo o representante de poderes para o fazer: tais poderes podem ser legais ou voluntariamente concedidos pelo representando; mas têm de existir.
O termo “ representação” conhece diversos usos:
- a representação legal: trata-se do conjunto de esquemas destinados a suprir a incapacidade dos menores; ela compete aos pais – art. 1878º/1 e 1888º/1 do Código Civil – e deve ser actuada em certos moldes; tais esquemas também funcionam, com determinadas adaptações perante interditos – art. 139º e 144º;
- a representação orgânica : as pessoas colectivas são representadas, em princípio, pela administração – art. 163º do Código Civil; em rigor não há, aqui, “representação”, uma vez que os “representantes” integram órgãos da “representada”; todavia há um esquema de imputação de efeitos que histórica e dogmaticamente deve muito à representação; a ela há que recorrer para esclarecer vários aspectos do seu regime;
- a representação voluntária ou em sentido próprio: a que tenha na sua base a concessão, pelo representado e ao representante, de poderes de representação.
A representação distingue-se de diversas figuras próximas ou afins:
- da representação mediata ou imprópria:aí , uma pessoa, normalmente por via dum mandato, age por conta da outra mas em nome próprio – art. 1182º do Código Civil;
- da gestão de negócios representativa: o agente – o gestor – actua em nome do dono, mas sem dispor – e sem invocar – poderes de representação – art. 471º do Código Civil
- do contrato para pessoa a nomear: uma parte, aquando da celebração dum contrato, reserva-se o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato – art. 452º/1 do Código Civil.
- do recurso a núncio : o núncio limita-se a transmitir uma mensagem – eventualmente com uma declaração negocial por conteúdo ; ao contrário do representante, o núncio não tem margem de decisão.
O negócio jurídico celebrado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica do representado – art. 258º. Trata-se do aspecto básico da representação. A repercussão dos negócios na esfera do representado tem duas características:
- é imediata: independentemente de quaisquer circunstâncias, ela opera no preciso momento em que o negócio ocorra;
- é automática: não se exige qualquer outro evento para que ela funcione.
Frente a frente aparecem-nos dois intervenientes : o representado e o representante. Pergunta-se em qual das duas respectivas vontades se devem verificar os competentes requisitos. Pela teoria do dono do negócio, apenas a vontade do representado teria relevância, pela da representação, contraria tão-só a vontade do representante. O Código Civil deu corpo a uma combinação de ambas, no seu art. 259º.
Numa situação de representação, o representante age, de modo expresso e assumido, em nome do representado:dá a conhecer o facto da representação. O destinatário da conduta tem, então, o direito, nos termos do art. 260º/1 do Código Civil, de exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes: doutro modo, a declaração não produzirá efeitos.
Constando os poderes de representação dum documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele, assinada pelo representante – art. 260º/2.
Temos uma distinção importante, a propósito da procuração: a que conceda poderes gerais e a que confira poderes especiais. A primeira permite ao representante a prática duma actividade genérica, em nome e por conta do representado; a segunda destina-se à prática de actos específicos.
No Código Civil vigente, vamos encontrar essa contraposição a propósito do mandato.Segundo o seu art. 1159º. Esta distinção é aplicável à procuração.A efectiva concretização dos poderes implicados por uma procuração pressupõe, um negócio nos termos do qual eles sejam exercidos: o negócio- base.
Normalmente, o negócio – base será um contrato de mandato. A procuração e o mandato ficarão, nesse momento, numa específica situação de união. Nessa altura, a própria lei – art. 1178º e 1179º, do código Civil – manda aplicar ao mandato regras próprias da procuração.
O art. 265º/1 e 2 do Código Civil, prevê três formulas para a extinção da procuração:
- a renúncia do procurador
- a cessação do negócio – base
- a revogação pelo representado
O procurador pode sempre renunciar à procuração.Sem prejuízo da regra da livre revogabilidade aos poderes, por parte do procurador , este poderá ter de indemnizar se causar donos e a responsabilidade emergir da relação-base. Tratando-se dum mandato com representação , por exemplo, a renúncia à procuração implica a sua revogação – art. 1179º - aplicando-se, consequentemente, o art. 1172º, quanto à obrigação de indemnização.
A cessação do negócio – base implica o termo da procuração que, em principio, não se mantém sem aquele.
Tratando-se do mandato recordamos que, nos termos do art. 1174º, do Código Civil ele caduca por morte ou interdição do mandante ou do mandatário ou pela inabilitação do mandante, se o mandato tiver por objecto actos que não possam ser praticados sem intervenção do curador.
A revogabilidade da procuração pelo representado é o contraponto da livre renunciabilidade, acima referida: também ela se explica pela natureza de confiança mútua postulada pela representação voluntária. O art. 265ª/2 não deixou margem para dúvidas : a revogação é livre “… não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação”. Trata-se aliás dos mesmos termos usados pelo art. 1170º/1 do Código Civil, a propósito da livre revogabilidade do mandato.
Perante um mandato, os art. 1179º e 1172º determinarão um dever de indemnizar.
A revogação – tal como a renúncia – pode ser expressa ou tácita. O art. 1171º, a propósito do mandato, consigna uma modalidade de revogação que considera “tácita”: a ser designada outra pessoa para a prática dos mesmos actos. Pensemos que esta norma tem aplicação à procuração.
Por aplicação analógica daquela mesmo preceito, a revogação só produz efeitos depois de ser conhecida pelo mandatário.
Em qualquer caso, sobrevindo a cessação duma procuração, o representante deve restituir, ao representado, o documento de onde constem os seus poderes. Trata-se duma norma que resulta do art. 267º do Código Civil.
O art. 267º/ 1 do Código Civil refere apenas a hipótese da procuração ter “caducado”.
Supomos não haver dificuldades em alargar esse dispositivo às diversas formas de extinção duma procuração.

● A tutela de terceiros

A procuração destina-se a permitir, ao representante, celebrar, em nome e por conta do representado, actos de terceiros. A modificação ou a cessação súbitas duma procuração podem contundir com a confiança de terceiros. Procurando contemplar os interesses e a confiança desses terceiros mas sem descurar a posição do representado, o Código Civil, no seu art. 266º, estabeleceu as seguintes regras:
- havendo modificações ou revogação da procuração devem elas ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos – nº1;
- nos restantes casos de extinção da procuração, não se refere um expresso dever de dar a conhecer aos terceiros; não obstante, elas não podem ser opostas ao terceiro que “… sem culpa, as tenha ignorado” –nº2.
Aparentemente , a diferença reside no regime do ónus da prova; na hipótese do nº 1, o representado terá de provar que os terceiros conheciam a revogação; no segundo, a invocação da boa fé caberá aos terceiros.
Para tentar explicar a produção de efeitos de procuração cuja extinção por não ter sido comunicada aos terceiros interessados, mantém eficácia, surgem duas teorias:
- a teoria da aparência jurídica;
- a teoria do negócio jurídico.
A teoria da aparência jurídica é hoje considerada dominante. No essencial, ela entende que a procuração se extinguiu efectivamente; todavia, mercê da aparência e para tutela de terceiros, ela mantém alguma eficácia.
A teoria do negócio jurídico entende pelo contrário que a procuração só se extingue, pelo menos em vários casos quando a sua cessação seja conhecida por terceiros a proteger.

● Segue; a procuração tolerada e a procuração aparente

O art. 266º protege os terceiros – ou certos terceiros- perante modificações ou a revogação da procuração, de que não tivessem, sem culpa, conhecimento.Na base do principio da tutela da confiança, foram automatizados dois institutos, destinados a essa tutela:
- a procuração tolerada
- a procuração aparente
Na procuração tolerada verifica-se que alguém admite, repetidamente que um terceiro se arrogue seu representante. Quando isso sucede, reconhece-se, ao “ representante” aparente, autênticos poderes de representação. Não admite que, por esta via, surja uma verdadeira procuração. Na procuração aparente alguém arroga-se representante de outrem, sem conhecimento do “ representado”, se tivesse usado do cuidado exigível, designadamente na vigilância dos seus subordinados, poderia ( e deveria) prevenir a situação.
Em qualquer dos casos teria de se exigir a boa fé por parte do terceiro protegido: a tutela não opera quando ele conhecesse ou devesse conhecer a falta da procuração.
Pergunta-se perante o Direito português se são utilizáveis os esquemas da procuração tolerada ou da procuração aparente? Fora de qualquer previsão específica, confiança só é protegida, no Direito português, através da boa fé e do abuso do direito. Assim, não admitimos a “procuração tolerada” nem a “ procuração aparente”.

● O Código Comercial; a tutela de terceiros

No Código Veiga Beirão, a representação comercial aparece a propósito do mandato. O art. 231º, a propósito da noção de mandato comercial, dá-nos elementos próprios da representação. Assim, segundo o seu teor, dá-se mandato comercial embora contenha poderes gerais, só pode autorizar actos não mercantis por declaração expressa.
Encontramos, pois, uma distinção entre poderes gerais e especiais, relevante para a representação, mas que o próprio Código Civil, manteve, como vimos a propósito do mandato – art. 1159º .
A associação entre o mandato comercial e a representação aflora ainda no art. 233º: “ O mandato comercial, que contiver instruções especiais para certas particularidades de negócio, presume-se amplo para as outras ; e aquele, que só tiver poderes para um negócio determinado, compreende todos os actos necessários à sua execução, posto que não expressamente indicados.”
No Direito comercial, o mandato sem representação diz-se comissão ou contrato de comissão – art. 266º e ss.
Inferimos daqui que, ao contrário do que se passa no Direito Civil, o mandato comercial envolve sempre poderes de representação.
No Direito mercantil português não encontramos preceitos directamente destinados à tutela de terceiros.Apenas cabe anotar o art. 242º. Todavia, os terceiros são protegidos através do registo comercial. Com efeito, nos termos do art. 10º, al.a) do CRC, o mandato escrito, suas alterações e extinção estão sujeitos a inscrição comercial. A aparência daí resultante é tutelada, em termos negativos e positivos, por via dos art. 14º/1 e 22º/4 de acordo com a análise acima realizada.
45º O mandato comercial

● Tipos de mandato comercial; o núcleo estrito

O Código Comercial dedica ao mandato o título V do seu livro II. Arruma a matéria em três sugestivos capítulos, nos termos seguintes:
I – Disposições gerais ( art. 231º a 247º )
II – Dos gerentes, auxiliares e caixeiros ( art. 248º a 265º)
III – Da comissão ( art. 266º a 277º)
No mandato comercial, o mandatário obriga-se, tal como no civil, a praticar um ou mais actos jurídicos, por conta de outrem; simplesmente, tais actos são, aqui, de natureza comercial – art. 231º. Como vimos, o mandato comercial envolve, ao contrário do civil, representação.
O mandato comercial presume-se oneroso – art. 232º - ao contrário do civil – art. 1158º do Código Civil.
Embora contratual, o mandato mercantil, podia ser conferido por via unilateral. O “ mandatário”, não estando de acordo, poderia, então recusá-lo. Nessa altura, ele incorre nos deveres previstos no art. 234º.
O mandatário deve, no âmbito do contrato:
- praticar actos envolvidos de acordo com as instruções recebidas ou, na sua falta, segundo os usos do comércio – art. 238º
- informar o mandante de todos os factos que o possam levar a modificar ou revogar o mandato – art.239º
- avisar o mandante da execução do mandato, presumindo-se que ele ratifica quando não responda imediatamente, mesmo que exceda os seus poderes – art. 240º
- a pagar juros do que deveria ter entregue, a partir do momento em que não o haja feito – art. 241º
Podemos seguir todas estas obrigações nos artigos 1261º e seguintes do Código Civil.
Por seu turno, o mandante deve:
- fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, salvo
convenção em contrário – 243.º;
- pagar-lhe, nos termos ajustados ou segundo os usos da praça – 232.º, 1.º;
- reembolsá-lo de despesas e compensá-lo – 234.º, 243.º e 246.º .
Também aqui andamos próximos do mandato civil.
A revogação e a renúncia não justificados do mandato dão lugar a indemnização – 245.º.
O mandato comercial em sentido estrito tem ainda outras especificidades. Assim, o Código Comercial prevê diversas regras para o caso de o mandato envolver a remessa, ao mandatário, de mercadorias – artigos 234.º a 237.º.
Na pluralidade de mandatários, presume-se que devem obrar, por ordem de nomeação, na falta uns dos outros – 244.º - prevendo-se ainda a hipótese de mandato conjunto não aceite por todos - § único.
O artigo 247.º estabelece privilégios creditórios mobiliários especiais a favor de mandatário comercial.
A grande clivagem entre o mandato civil e o comercial é, no fundo, a seguinte: o mandato civil é, passado no interesse do mandante; pelo contrário, o mandato comercial opera também no interesse do mandatário e no do comércio em geral.


● Gerentes de comércio

O Código Comercial regula, como manifestações especiais de mandatários comerciais, os gerentes, os auxiliares e os caixeiros.
O gerente é a pessoa que detenha mandato geral para tratar do comércio de outrem – artigo 248.º. Não é um mandato geral civil – artigo 1159.º/1 do Código Civil – uma vez que este se limita a actos de administração ordinária, enquanto o gerente de comércio poderá estar titulado para praticar todos os actos próprios da actividade em jogo.
O gerente tem, nos termos gerais do mandato comercial, confirmado pelos artigos 250.º e 251.º, poderes de representação. A limitação de tais poderes é inoponível a terceiros, “salvo provando que tinham conhecimento dela ao tempo em que contrataram”.
Se o gerente contratar em nome próprio mas por conta do proponente, o regime do artigo 252.º não coincide, rigorosamente, com as regras civis do mandato sem representação: o gerente fica pessoalmente obrigado podendo, todavia, o contratante accionar o gerente ou o proponente: mas não ambos.
Além disso, temos as seguintes especificidades:
- o gerente não pode, salvo autorização expressa do proponente, desenvolver
actividades com a deste concorrente; se o fizer, responde pelos danos podendo
ainda, o proponente, fazer seu negócio faltoso – 253.º;
- havendo registo do mandato, o gerente tem legitimidade judicial activa e
passiva, como representante do proponente – 254.º

As regras sobre a gerência comercial aplicam-se – 255.º.
Trata-se, pois da figura do escritório de representação.
A morte do proponente não põe termo à gerência comercial – artigo 261.º. Havendo revogação do mandato ficam extintos os poderes de representação: não quaisquer outros elementos decorrentes da prestação de serviço – 262.º.

● Auxiliares e caixeiros

O auxiliar distingue-se do gerente pelo seguinte: enquanto este tem mandato geral – 248.º e 249.º - o auxiliar tem apenas mandato para tratar de algum ou alguns ramos do tráfego do proponente – 256.º.
No âmbito do mandato, os auxiliares são representantes – artigo 258.º.
O Código Comercial admite ainda que, como auxiliares. Possam funcionar “empregados” do comerciante, devidamente mandatados – artigo 257.º
Os caixeiros são pessoas mandatadas para vender e cobrar, em nome e por conta do comerciante mandante. Têm, para isso, os necessários poderes.
Os artigos 260.º, 264.º e 265.º fixam um regime próximo do que hoje resultaria ser uma relação de trabalho.

● A comissão

A comissão é um contrato de mandato comercial sem representação: no termos do artigo 266.º:

Ao contrato de comissão, como mandato que é, aplicam-se as regras gerais acima examinadas, salvo o que respeita à representação – artigos 267.º e 268.º, o comissário deverá depois retransmitir para o mandante ou comitente o que, por conta deste, haja adquirido: é o que se infere do final do artigo 268.º.
O comissário não responde, perante o mandante e salvo pacto ou uso em contrário, pelo cumprimento das obrigações do terceiro – artigo 269.º e § 1.º.
As consequências da violação ou excesso dos poderes de comissão correm pelo comissário – 270.º e 272.º.
O comissário deve agir com prudência – 272.º.
O Código Comercial estipula determinados deveres de escrituração – artigos 273.º e 275.º a 277.º. A violação deles traduz a inobservância do mandato, com as consequências legais.

Secção IV – Os contratos de distribuição
46.º Contratos de distribuição em geral

● A distribuição e o Direito

Os circuitos económicos de distribuição dos bens, desde o produtor e até ao consumidor final, são dobrados por esquemas jurídicos destinados a legitimá-los, fixando os direitos e os deveres das partes envolvidas.
Trata-se, grosso modo, dos contratos de distribuição.
Os diversos códigos comerciais não têm autonomizados os contratos de distribuição, regulando-os.
Abrem-se, assim, lacunas, que vêm sendo colmatadas:
- ou por recurso à analogia;
- ou com base em cláusulas contratuais gerais;
A comercialização dos bens e a sua distribuição, na sociedade, pode ser feita de forma directa ou indirecta. A saber:
- distribuição directa: o bem passa directamente do produtor ao consumidor,
ainda que através de representantes, de comissários ou de mediadores;
- distribuição indirecta: o bem atravessa ainda várias fases, passando do produtor
ao grossista, do grossista ao retalhista e do retalhista ao consumidor final.
Por seu turno, a distribuição indirecta pode ser integrada ou não integrada. Mais precisamente:
- distribuição indirecta integrada: existe uma coordenação entre a produção e a
comercialização, de tal modo que o distribuidor é integrado em circuitos
próprios do produtor, sujeitando-se, eventualmente, às suas directrizes;
- distribuição indirecta não-integrada: não há tal coordenação; os distribuidores
Actuam sem concertação com os produtores.

● Os contratos de distribuição

Dos diversos esquemas de distribuição acima referidos, interessa reter a distribuição indirecta integrada. Esse tipo de distribuição pressupõe, em regra, a celebração, entre interessados e, designadamente, entre o produtor e os distribuidores, de adequados instrumentos contratuais.
A doutrina especializada aponta quatro tipos de situações jurídicas possíveis:
- a agência;
- a concessão;
- a franquia;
- a livre organização de cadeias
O contrato de agência, cujo regime foi, entre nós, codificado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, vem definido como – artigo 1.º/1:
Contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.
O contrato de concessão é um contrato atípico e inominado e que tem sido definido como aquele no qual uma pessoa – o concedente – reserva a outra – concessionário – a venda de um seu produto, para revenda, numa determinada circunscrição.
No contrato de franquia, uma pessoa – o franqueador – concede a outra – o franquedo – a utilização, dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processos de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas.

47º A agência

● A Directriz n.º 86/653/CEE

O contrato de agência tomado, para mais, como matriz dos diversos contratos de distribuição, tem um papel importante nas relações de comércio internacionais.
À luz destas considerações, compreende-se que as instâncias europeias tenham procurado uma certa uniformização dos regimes nacionais da agência.Assim surgiu a Directriz n.º 86/653/CEE, do Conselho, relativa à coordenação do Direito dos Estados-membros sobre os agentes comerciais. Trata-se da única Directriz sobre matéria comercial nuclear.
A Directriz n.º 86/653/CEE abrange 23 artigos, repartidos por cinco capítulos:
A Directriz tem um cuidado especial em subordinar as partes à lealdade e à boa fé – artigos 3.º/1 e 4.º/1.
A matéria da remuneração é cuidadosamente versada – artigos 6.º e seguintes.

● O regime legal; generalidades

O contrato de agência dispõe, como foi referido, no regime legal específico: o aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril.
O diploma alarga-se por 39 artigos.
De acordo com a noção de agência contida no artigo 1.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, temos , como elementos fundamentais:
- o dever de promover, por conta de outrem, a celebração de contratos;
- de modo autónomo e estável;
- mediante retribuição.
A agência será pois, em rigor, uma prestação de serviços, mais particularmente uma modalidade de mandato.
A agência é um contrato oneroso.
O contrato de agência parece não estar , à partida, sujeito a qualquer forma. No entanto, o artigo1.º/1 atribui a cada parte o direito de exigir da outra um documento assinado com o conteúdo do contrato. Além disso, diversas cláusulas devem necessariamente assumir a forma escrita:
- a que confira ao agente poderes de representação – artigo 2.º/1;
- a que lhe permita cobrar créditos – artigo 3.º/1;
- a que estabeleça uma proibição de concorrência pós-eficaz – artigo 9.º;
- a convenção del credere – artigo 10.º;
- a cessação por mútuo acordo – artigo 25.º;
- a declaração de resolução – artigo 31.º.
À semelhança do que ocorre com o mandato, a agência pode ser celebrada com ou sem representação – artigo 2.º/1, havendo representação, presume-se que o agente está autorizado a cobrar os créditos do principal – 3.º/2 – o que, de outra maneira, exigiria autorização escrita – idem, n.º1. Cobranças não autorizadas caem no artigo 770.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto sobre representação aparente, no domínio da agência – 3.º/2.
Na agência sem representação, das duas uma:
- ou o agente contrata em nome próprio devendo, depois, retransmitir para o
principal a posição adquirida;
- ou o contrato é celebrado, pelo cuidado do agente, directamente entre o
principal e o terceiro.
Num paralelo com o disposto para o mandato – artigo 1165.º do Código Civil – o agente pode recorrer a auxiliares e a substitutos, contratando, designadamente subagentes – artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
O disposto sobre agência aplica-se, à subagência, com as necessárias adaptações – artigo 5.º.

● As posições das partes

O Decreto-Lei n.º 178/86 veio definir, com elegância, as posições das partes. Para tanto, recorreu à indicação das obrigações e dos direitos do agente.
Passando às obrigações do agente, deparamos com a enumeração do artigo 7.º:
- respeitar as instruções do principal que não ponham em causa a sua autonomia;
- prestar as informações pedidas e as necessárias, esclarecendo ainda o principal
sobre a situação do mercado e as perspectivas;
- prestar contas; o artigo 7.º, d ), é pouco explícito, neste domínio; na dúvida ,
caberá recorrer ao artigo 1161.º,c), do Código Civil:
Além disso, impedem sobre o agente:
- um dever de segredo, que pode mesmo ser pós-eficaz – artigo 8.º;
- um dever de não-concorrência pós-eficaz, se for acordado por escrito;
- um dever de garantir, havendo acordo escrito, o cumprimento das obrigações
de terceiro – artigo 10.º;
- um dever de avisar de imediato o principal de qualquer impossibilidade sua
De cumprir o contrato.
Quanto a direitos, disfruta o agente da enumeração do artigo 13.º.
Assim, cabem-lhe:
- o direito de receber do principal os elementos necessários ao exercício da sua
actividade; trata-se de uma concretização do artigo 1167.º, a ) do Código Civil;
- o direito de receber sem demora a informação da aceitação ou da recusa dos
contratos concluídos sem poderes;
- o direito de receber periodicamente a relação dos contratos celebrados e das
comissões devidas “…o mais tardar até ao último dia do mês seguinte ao
trimestre em que o direito à comissão tiver sido adquirido “- artigo 13.º,c) –
bem como todas as informações necessárias para verificar os montantes das
comissões- idem, d ).
Quanto a remunerações, a lei especifica, desde logo, o direito à retribuição – artigo 13.º, e). A retribuição é fixada por acordo das partes ou, na falta deste e sucessivamente, pelos usos e pele equidade – 15.º.
Segue-se, depois o direito a uma comissão – artigo16.º; o artigo 13.º, f), fala em “comissões especiais” – pelos contratos que haja promovido e, ainda, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo do contrato – n.º1; ficam, pois, cobertas as situações de contratação directa entre o principal e o cliente angariado. Havendo exclusivo, a comissão alarga-se a todos os contratos celebrados com o principal na área do contrato – n.º2; cessando a agência, a comissão só se reporta aos contratos anteriormente preparados ou negociados por ele, nos termos especificados no n.º3, todos do artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 178/86. Neste último caso, o novo agente não tem direito à mesma comissão, sem prejuízo de uma repartição equitativa, entre ambos – artigo 17.º.
Segundo o artigo 18.º:
- o agente adquire o direito à comissão quando ocorra uma de duas
circunstâncias : ou a principal cumpra ou deva ter cumprido o contrato ou o
terceiro o haja cumprido;
- tendo o principal executado a sua obrigação e tendo o terceiro cumprido o
contrato ou devesse fazê-lo, o agente adquire o direito à comissão, mesmo
quando haja cláusula em contrário;
- constituído o direito respectivo, a comissão deve ser paga até ao último dia
do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido;
- havendo convenção del credere, pode o agente exigir as comissões devidas
uma vez celebrado o contrato: é evidente, dado que ele garante o seu
cumprimento pelo terceiro.
Se o contrato providenciado pelo agente não for cumprido por causa imputável ao principal, mantém-se o direito daquele à comissão – artigo 19.º.
Além da retribuição e da comissão base, acima referidas, o agente tem ainda o direito a outras prestações retributivas.Assim:
- uma comissão especial relativa ao encargo de cobrança – artigo 13.º, f);
- uma comissão especial pela comissão del credere – artigo 13.º, f); recorde-se
O artigo 269.º, § 2.º do Código Comercial;
- uma compensação pela cláusula pós-eficaz de não concorrência – artigo 13.º,g)
O agente tem ainda o direito de ser avisado de qualquer diminuição da actividade do principal, seja perante o convencionado, seja perante o que seria de esperar – artigo 14.º.
Em compensação e salvo cláusula em contrário, ele não tem direito ao reembolso de despesas pelo exercício normal da sua actividade – artigo 20.º: trata-se dum tributo por ele prestado à autonomia de que disfruta.

● A protecção de terceiros

O contrato de agência visa celebrar negócios entre o principal e terceiros.
Dado o especial interesse que o principal retira da actuação de agentes e visto o valor geral que a confiança nos negócios representa, dentro da sociedade, a lei estabeleceu diversos mecanismos para a protecção dos terceiros – artigos 21.º a 23.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.
Desde logo, o agente deve informar os interessados dos poderes que possui.
Quando não tenha poderes de representação, o agente ou contrata no próprio nome, funcionando as regras do mandato sem representação ou proporciona uma contratação directa entre o principal e o terceiro. Se, porém, contratar em nome próprio, caímos na representação sem poderes, prevista no artigo 268.º/1 do Código Civil: recorda-se o artigo 22.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86.
A protecção do terceiro intervém no n.º2 deste preceito: o negócio considera-se ratificado se o principal, tendo conhecimento da sua celebração e do conteúdo essencial do mesmo e estando o terceiro de boa fé, não lhe manifestar, no prazo de cinco dias após aquele conhecimento, a sua oposição.
O artigo 23.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86 estabelece, por fim, uma hipótese muito particular de representação aparente. Assim:
- havendo representação sem poderes, isto é: quando o agente, sem
representação, contrate, não obstante, em nome do principal;
- mas acreditando o terceiro de boa fé na existência deles;
- desde que essa confiança seja objectivamente justificada;
- e tendo o principal contribuído para fundar essa confiança, o negócio é eficaz.
Esse dispositivo é aplicável à cobrança de créditos por agente não autorizado – 23.º/2.

● A cessação

A respectiva regulação – artigos 24.º a 36.º do Decreto-Lei n.º 178/86.

O artigo 25.º enumera as formas de cessação do contrato de agência:
- o acordo das partes ou distrate;
- a caducidade;
- a denúncia;
- a resolução.
O mútuo acordo é sempre possível; exige, como foi referido, forma escrita – artigo 25.º.
A caducidade tem a ver com a sobrevivência de um facto extintivo.O artigo 26.º enumera: o termo do prazo, a condição e a morte ou extinção do agente.
Na falta de prazo, o contrato tem-se como celebrado por tempo indeterminado – artigo 27.º/1.
A denúncia é o acto unilateral, discricionário e recipiendo que se destine a fazer cessar um contrato de duração indeterminada.
A denúncia deve ser comunicada à outra parte com determinada antecedência. A lei – artigo 28.º/1 – fixa prazos crescentes, em consonância com a duração do contrato, nos termos seguintes:
- um mês se o contrato durar menos de um ano;
- dois meses se o contrato já tiver iniciado o segundo ano de vigência;
- três meses, nos casos restantes.
O termo do prazo deve, salvo convenção em contrário, coincidir com o último dia do mês – n.º2.
Estes prazos têm um duplo alcance: são supletivos e mínimos.Funcionam sempre que as partes nada digam e não podem, por elas, ser encurtados.
As partes podem, sim, fixar prazos mais longos; o prazo a observar pelo principal não pode ser inferior ao do agente – 28.º/3.
Como se impunha, para a determinação da contagem do pré-aviso de denúcnia, o artigo 28.º/4 mandou contar, na hipótese de conversão de agência com prazo em agência de duração indeterminada, por execução posterior das partes, o tempo decorrido desde o início.
A denúncia sem pré-aviso é eficaz: mas obriga o denunciante a indemnizar a outra parte pelos danos assim causados – artigo 29.º/1.
A resolução implica um acto recipiendo, assente em determinada justificação e que faça cessar imediatamente o contrato de agência, tenha ele ou não prazo. O Decreto-Lei n.º 178/86 entendeu, porém e atentos os valores de certeza do comércio, especificar as hipóteses de resolução: uma “subjectiva” e outra “objectiva”. Assim, a resolução pode operar – artigo 30.º:
- se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações quando “…pela sua
gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual”
temos, aqui a hipótese de incumprimento culposo que, por ter a ver com o
sujeito, se diz “subjectiva”;
- se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem
gravemente o fim contratual, em termos que tornem inexigível a sua
manutenção até ao prazo convencionado ou imposto para denúncia; é a
hipótese “objectiva”.
A resolução deve ser comunicada por escrito, com indicação das razões e no prazo de um mês após o seu conhecimento – artigo 31.º. Ultrapassado esse prazo, caduca o direito à resolução; quedará, ao interessado, lançar mão da denúncia.
Independentemente do direito à resolução – a parte lesada tem o direito de ser indemnizada pelos danos resultantes do incumprimento pela outra parte – artigo 32.º/1.

● A indemnização de clientela; outros aspectos

O contrato de agência pode, pelo seu funcionamento, acarretar clientes para o principal, clientes esses que se manterão mesmo após o seu termo. O legislador entendeu, por isso, que cessando a agência, era justo compensar o agente pelo enriquecimento assim proporcionando à outra parte.
Este é o sentido da indemnização de cliente, prevista no artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 178/86.
A indemnização de clientela é devida pelo principal ao agente. Ela é cumulável com outras indemnizações a que haja direito e exige, cumulativamente:
- que o agente tenha angariado novos clientes para outra parte ou tenha
aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já
existente;
- que o principal venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do
contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
- que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados
ou concluídos após a cessação da agência, com os clientes angariados ou cujos
negócios tenham sido aumentados.
A indemnização de clientela pode ser exigida pelos herdeiros – artigo 33.º/2 – não sendo devida se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este tiver cedido, por acordo com a outra parte, a sua posição contratual a um terceiro – idem, n.º3. A intenção de exercer o direito à indemnização de cliente deve ser comunicada ao principal no prazo de um ano, sendo a eventual acção judicial intentada no ano subsequente, sob pena de caducidade – artigo 33.º/4.

A indemnização de clientela deve ser calculada equitativamente – artigo 34.º

No termo do contrato, cada contraente deve restituir os objectos, valores e demais elementos que pertençam ao outro – artigo 36.º; o agente goza, todavia, sobre eles, do direito de retenção pelos créditos resultantes da sua actividade – 35.º.

48.º A concessão

● O perfil da concessão

À partida, ele opera em áreas que exigem investimentos significativos e que o produtor do bens ou serviços a distribuir não queira ou não possa, ele próprio, efectuar.
Na concessão, um produtor fixa, com um distribuidor – o concessionário – um quadro de distribuição que se norteie pelos seguintes parâmetros;
- um comerciante ( o concessionário ) insere-se na rede de distribuição dum
produtor;
- adquire o produto em jogo, junto do produtor e obriga-se a vendê-lo, em
seu próprio nome, na área do contrato.
A concessão é um contrato que estabelece relações duradouras. Pode ainda operar como promessa genérica de aquisição e de venda de produtos, com diversas prestações de facere em anexo.

● Figuras afins

No tocante a figuras típicas, cumpre distinguir:
- o contrato de agência, pelo qual “uma das partes se obriga a promover por conta da
outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de
clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição” – artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 Julho; na concessão, concessionário age por
conta própria;
- o contrato de mandato, pelo qual “…uma das partes se obriga a praticar um ou mais
actos jurídicos por conta de outrem” – artigo 1157.º do Código Civil; de novo
se deve enforcar que o concessionário actua por conta própria; além disso, ele
adstringe-se a múltiplas actividades materiais e não apenas jurídicas:
- o contrato de trabalho, pela qual “…uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e
e direcção desta” – artigo 1152.º do Código Civil e artigo 1.º do Decreto-Lei
n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969;
- o contrato de comissão, pelo qual “…o mandatário executa o mandato mercantil, sem
menção ou alusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como
principal e único contraente” – artigo 266.º do Código Comercial; mantém-se
quanto foi dito a propósito do mandato o qual, como é sabido, pode ser com ou
sem representação;
- o contrato de sociedade, pelo qual “…duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir
com bens ou serviços para exercício em comum de certa actividade económica,
que não seja de mera fruição, afim de repartirem os lucros resultantes dessa
actividade”- artigo 980.º do Código Civil; na concessão, não há propriamente
uma actividade comum – o concessionário age por si e para si – nem afluxo de
bens para acervo comum, nem, por fim, pelo menos como elemento essencial,
um quinhoar nos lucros;
- o contrato de consórcio, pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam, entre si, a realizar
certa actividade de forma concertada; na concessão, não há, propriamente, uma
actividade comum, antes se verificando que os beneficiários agem por si.
O contrato de concessão também se distingue, com facilidade, de vários contratos atípicos. – Assim:

- do contrato de mediação, pelo qual uma pessoa – o mediador – se obriga a pôr em contacto duas ou mais pessoas, para a conclusão de um negócio, sem estar ligado a qualquer delas por um vínculo de colaboração, de dependência ou de representação; o concessionário embora independente do concedente, não se obriga a promover qualquer aproximação entre este e terceiros: contrata ele próprio, com todos os riscos inerentes;
- do contrato de transmissão de saber-fazer, pelo qual uma pessoa transmite, a outra, a tecnologia ou, em geral, os conhecimentos aplicados necessários para concretizar determinada tarefa, não patenteados; na verdade, este elemento está, em regra presente na concessão, mas não a esgota;
- do contrato de franquia, dominado pela autorização para usar certas marcas ou insígnias e para utilizar especiais esquemas de comercialização.

● O regime da concessão

O contrato de concessão não tem base legal directa. Trata-se dum contrato assente na autonomia privada. O seu regime resultará, antes de mais, de interpretação e da integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes.
No que as partes tenham deixado em aberto, haverá que recorrer à analogia. O Direito comparado há muito que estabelece, neste domínio, o recurso ao regime da agência.
Particularmente relevantes são as regras relativas à cessação do contrato. A norma atinente à indemnização de clientela – o art. 33º do Decreto-Lei nº 178/76 – tem segura aplicação ao contrato de concessão.

49º A franquia ( franchising )

● Generalidades

Um dos mais elaborados tipos contratuais próprios da distribuição é o contrato de franquia. Nele, uma pessoa – o franqueador – concede a outra – o franqueado – dentro de certa área, cumulativamente ou não:
- a utilização de marcas, nomes ou insígnias comerciais;
- a utilização de patentes, técnicas empresariais ou processos de fabrico;
- assistência, acompanhamento e determinados serviços;
- mercadorias e outros bens, para distribuição.
A franquia tem vindo a evoluir no sentido de um verdadeiro contrato de distribuição. Inicialmente, a franquia era, antes do mais, um meio de permitir o uso de marcas, patentes e outros benefícios de que o franqueador tinha o exclusivo. Mais tarde, ela veio implicar elementos próprios da agência e da concessão: angariar clientes e distribuir bens e serviços.
A expressão inglesa franchising, de origem franco-alemã, está consagrada.





● Modalidades; desenvolvimento em Portugal

O contrato de franquia é atípico. Totalmente dependente da autonomia privada, ela pode apresentar elementos próprios da agência ou da concessão.
Existem muitas classificações de franquias:
- a franquia de serviços, pela qual o franqueado oferece um serviço sob a insígnia, o nome comercial ou mesmo a marca do franqeador, conformando-se com as directrizes deste último;
- a franquia de produção, pela qual o próprio franqueado fabrica, segundo as indicações do franqueador, produtos que se vende sob a marca deste;
- a franquia de distribuição, pela qual o franqueado se limita a vender certos produtos num armazém que usa a insígnia do franqueador.
Exemplos de franquias de serviços são as da Avis ou da Hertz; de franquias de produção, as da Coca-Cola ou da Pepsi – Cola; de franquias de distribuição as Pronuptia.

● As posições das partes; regime supletivo e cessação

Num contrato de franquia, poderão ser obrigações do franqueador:
- facultar ao franqueado o uso de uma marca, insígnia ou designação comercial na comercialização de serviços ou produtos por este adquiridos ou fabricados;
- auxiliar o franqueado no lançamento e na manutenção de certa actividade empresarial, munindo-o de conhecimentos técnicos ou produtos necessários;
- facultar ao franqueado técnicas ou processos produtivos de que o franqueador teria o exclusivo;
- fornecer os bens ou serviços que, porventura, o franqueado deva distribuir.
O franqueador poderá ter, como direitos:
- uma certa distribuição calculada, muitas vezes, como percentagem do produto de vendas ou correspondente ao produto de certas aquisições que o franqueado se poderá obrigar a fazer-lhe;
- poderes de fiscalização quanto às especificações e qualidades do produto vendido sob as suas marcas, insígnias ou designações comerciais;
- poderes de aprovação ou fiscalização no tocante a pontos de venda, sua configuração e demais circunstancialismos;
- poderes no domínio da cessão da posição contratual e da renovação do contrato;
- direito de receber a contrapartida dos bens ou serviços que forneça.
No tocante a direitos, o franqueado poderá ter os seguintes:
- o uso de marcas, insígnias ou nomes comerciais do franqueador;
- a utilização de conhecimentos, técnicas empresariais ou modos de fabrico pertença do franqueador;
- o auxílio do franqueador no lançamento, manutenção e desenvolvimento da sua actividade, no que toca a indicações;
- fornecimentos acordados
O franqueado poderá ficar adstrito:
Ao pagamento de certas retribuições ou à aquisição, junto do franqueador, de certos produtos;
- ao lançamento e desenvolvimento da sua actividade dentro de certa circunscrição;
- à manutenção das qualidades dos serviços ou dos produtos franqueados;
- ao sigilo no tocante a conhecimentos recebidos do franqueador;
- à comparticipação em despesas de publicidade;
- a certas cláusulas de não – concorrência.

● Problemas de concorrência

O contrato de franquia deve ser cuidadosamente conjugado com as regras da concorrência, designadamente as derivadas do Tratado de Roma e introduzidas, depois, nas diversas ordens internas dos países que hoje compõem a União Europeia. Cumpre ter em consideração o art. 81º do Tratado de Roma.
O dispositivo do Tratado de Roma, surge-nos no art. 2º /1 do Decreto-Lei nº 371/ 93 de 29 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 140/98 de 16 de Maio.






































Secção V – Os contratos bancários
50º Contratos bancários

● Características gerais

O Código comercial dedica o título IX, do seu Livro II, às operações de banco. No seu art. 362º, dispõe sobre o que são operações comerciais.
Perante esta apresentação e tendo em conta os vectores gerais do Código, podemos considerar contratos bancários os celebrados pelas instituições de crédito ou banqueiros, no exercício da sua profissão. O art. 363º, remete para legislação especial. O art. 4º/1 do RGIC enumera as operações bancárias.

● Enumeração e remissão

O citado art. 362º faz uma enumeração de contratos bancários. Hoje, a lista está alterada : houve figuras que caíram em desuso, enquanto outras vieram à luz, ditadas pela evolução da economia e da técnica.
De entre as várias enumerações possíveis, vamos reter a seguinte:
- a abertura de conta;
- o depósito bancário;
- a convenção de cheque;
- o giro bancário
- moeda estrangeira e câmbios
- emissão de cartão bancário
- mútuo bancário
- contratos especiais de crédito
- locação financeira (leasing)
- cessão financeira ( factoring)
- penhor bancário
- garantias bancárias
- cartas de conforto

Secção VI – O Contrato de transporte
51º O direito geral dos transportes

● Generalidades; aspectos institucionais e materiais

A movimentação de pessoas e de bens permite introduzir a ideia de transporte. No transporte, em sentido técnico-jurídico, procede-se à deslocação voluntária e promovida por terceiros, em termos organizados, de pessoas ou de bens, de um local para outro.

● As directrizes comunitárias

No campo dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias vieram dispor as Directrizes n.º 89/4387CEE e nº 91/244/CEE, ambas do Conselho.A matéria transposta pelo Decreto-Lei nº 279 – A/92, de 17 de Dezembro, que estabeleceu o novo regime jurídico do transporte público internacional rodoviário de mercadorias.
Quanto ao transporte ferroviário, cumpre citar a directriz nº 91/440 de 29 de Julho de 1991.

● O Código comercial e o papel das cláusulas contratuais gerais

Como fonte básica enformadora de conceitos e de valorações gerais mantém-se o regime interno e comum do contrato de transporte, ainda hoje constante dos art. 366º a 393º do Código Comercial. Esses preceitos só não têm uma aplicação directa e de princípio ao transporte marítimo – cf. O art. 366º - nem ao transporte aéreo.
O transporte actual efectiva-se, quanto possível, em massa, de modo a reduzir custos.Tudo isto obriga a uma normalização dos contratos a celebrar e a uma aceleração de todo o processo. Esses vectores são prosseguidos através da cláusulas contratuais gerais.

● Quadro geral dos contratos de transporte

De acordo com a realidade a transportar, o transporte diz-se de mercadorias ou de passageiros. Este último abrange, ainda, a bagagem que acompanhe os passageiros em causa.
A via distingue os transportes em terrestres, aéreos e marítimos. Subdistinção nos terrestres é a que contrapõe os rodoviários aos ferroviários. Os transportes fluviais seguem, no essencial, o regime dos terrestres, como se infere do próprio art. 366º.
O transporte poderá ser interno ou internacional, consoante venha bulir com o Direito de um único Estado ou com os de diversos Estados.

52º O contrato de transporte

● O transporte em geral

O Código Comercial não define o contrato de transporte. Limita-se, no seu art. 366º a dispor quando se deva considerar mercantil um transporte determinado.
O transporte não tem hoje assento no Código Civil. De todo o modo, ele aparece referido ou pressuposto em vários dos seus preceitos. Assim: art. 46º/3; art. 755º/1 ; art. 755º/2, art. 797º ; art. 2214º a 2219º.
Com recurso a categorias gerais, poderemos apresentar o contrato de transporte como aquele pelo qual uma pessoa- o transportador – se obriga perante outro – o interessado ou expedidor – a providenciar a deslocação de pessoas ou bens de um local para outro.
O contrato de transporte é oneroso. O transportador tem o direito a perceber uma remuneração chamada “frete”.
Em termos civilísticos, o contrato de transporte é uma prestação de serviço. Todavia, não é o serviço em si que interessa ao contratante: releva, para este, apenas o resultado, isto é: a colocação da pessoa ou do bem, íntegros, no local do destino. Por isso, o transporte funciona como modalidade de empreitada.

● O Código Comercial
O Código Comercial regula, como foi dito, o essencial do transporte comercial: art. 366º a 393º. Não define “ contrato de transporte”: pressupões a noção. Dispõe, sim, sobre o condicionalismo que permita considerá-lo como transporte mercantil. Segundo o corpo do art. 366º: “ o contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente”.
O nº1 explica que haverá “empresa” quando qualquer ou quaisquer pessoas “… se proponham exercer a indústria de fazer transportar (…) alfaias ou mercadorias de outrem”. Retiramos daqui que a lei visou o transporte profissional, feito por pessoas singulares.
O nº2 remete as “ companhias de transportes” para as sociedades comerciais. No fundo, os nº 1 e 2 do art. 366º dão corpo ao art. 13º. A lei usa a expressão “ condutores”.
O nº 3 do art. 366º passa a denominar as “ empresas e companhias” de “condutores” transportadores.
Retomando as categorias comuns acima enunciadas, o art. 367º, explicita a possibilidade de o transportador fazer o transporte por si ou por entidade diversa.
O Código Comercial vem tratar, no fundamental,os aspectos seguintes:
- a escrituração do transportador – art. 368º
- a guia de transporte – art. 369º a 375º
- a execução do transporte – art. 378º a 382º
- a responsabilidade do transportador – art. 376º, 377º e 383º a 386º
- a entrega e as garantias do transportador – art. 387º a 392º
O art. 393º prevê regras especiais para os transportes ferroviário ainda aplicáveis as regras do Código.
A escrituração do transportador deve especificar os elementos referidos no art. 368º. A inobservância deste preceito terá , todavia apenas as consequências probatórias acima referidas, a propósito da escrituração em geral.

● A guia de transporte

O contrato de transporte não está à partida sujeito a qualquer forma especial. Todavia, cada um das partes tem o direito de exigir à outra uma formalização através da guia de transporte.
A guia de transporte é um documento emitido pelo transportador e entregue ao expedidor e do qual consta o essencial do contrato. A guia é facultativa, é à ordem ou ao portador.
As art.373º , 374º e 375º contém regras importantes sobre a guia de transporte:
- todas as questões acerca do transporte se decidirão pela guia, não sendo contra a mesma admissíveis excepções algumas, salvo de falsidade ou de erro involuntário de redacção;
- se a guia for à ordem , a transferência da propriedade dos objectos transportadores faz-se por endosso; sendo ao portador, por tradição;
- quaisquer estipulações particulares não constantes da guia são inoponíveis ao destinatário ou aos adquirentes, por endosso ou por tradição.
A guia serve, pois, de meio de prova do contracto, de meio de prova de recepção das mercadorias e de esquema jurídico de circulação dos bens.
É possível apontar nela as características da literalidade, da abstracção e da legitimação, o que faz dela um título de crédito, embora específico: o crédito à entrega das mercadorias, nas condições nela descritas.

● A execução do transporte; os transitários

O contrato de transportes pressupõe entidades profissionais a tanto destinadas. Estas, nos termos do art. 4º/1 do Decreto-Lei nº 370/93, de 29 de Outubro, não podem recusar arbitariamente a contratação do serviço para que sejam solicitadas.
Antecipando-se a esta regra de não-discriminação, o art. 378º, determina que o transportador expeça os objectos a transportar pela ordem por que os receber.
O transportador tem a seu cargo os deveres de informação que, em geral, resultam da boa fé na execução dos contratos, consignada no art. 762º/2, do Código Civil. O art. 379º veio precisar esses deveres : se o transporte não puder realizar ou estiver extraordinariamente demorado, por caso fortuito ou de força maior, deve o transportador avisar imediatamente o expedidor : este tem o direito de rescindir o contrato, reembolsando aquele das despesas e restituindo a guia de transporte. O ónus da prova de que houve força maior cabe ao transportador, como se alcança do art. 383º.
Sobrevindo a ocorrência durante o transporte, o transportador tem direito à parte proporcional do frete – art. 379º.
O expedidor pode, na execução e dentro de certos limites, alterar unilateralmente o contrato, dando contra-ordens : é o que resulta do art. 380º
Chegando o objecto ao destino e exigido ele pelo destinatário, portador da guia, cessa a possibilidade de alteração – nº 1º, art. 380º. Havendo alteração – nº2 – pode ser exigida a entrega e substituição da guia.
O transportador pode escolher o caminho que mais lhe convenha, salvo pacto expresso em contrário; nessa altura, o transportador é responsável por qualquer dano “… que aconteça às fazendas” – art. 381º.
Ocorre, mencionar os transitários. Segundo o art. 1º do Decreto Lei nº 43/83 de 25 de Janeiro. Os transitários são, assim e em princípio , intermediários de transportes.

● A responsabilidade do transportador

O Código Comercial contém, no seu art. 376º, uma norma de especial relevo prático: a de que, se o transportador aceitar sem reserva os objectos a transportar , se presume que os mesmos não têm vícios aparentes.
Assim, se os objectos chegarem com vícios e não houver reserva na guia, presume-se que houve má execução do transportador. Seguem-se as regras próprias da responsabilidade contratual – art. 798º e seguintes do Código Civil.
O transportador responde pelos seus empregados e auxiliares e pelos transportadores subsequentes – art. 377º; trata-se duma manifestação da regra do art. 800º do Código Civil.
O art. 383º conecta-se com ao art. 376º : o transportador, desde que receba e até que entregue as coisas transportadas, responde pela sua perda ou deterioração, salvo quando proveniente de caso fortuito, de força maior, de vício do objecto, de culpa do expedidor ou de culpa do destinatário. Opera a presunção de “culpa” contra ele: se não lograr fazer prova de algum destes factores, ele será responsabilizado. No fundo, trata-se de uma manifestação do art. 799º do Código Civil.
A avaliação dos danos faz-se pela convenção ou nos termos gerais de Direito – art. 384º.
O destinatário pode, a expensas suas, fazer verificar o estado dos objectos transportados – art. 385º

● A entrega e as garantias do transportador
O transportador deve entregar prontamente os objectos transportados ao destinatário, sem mais indagações – art. 387º. Se este não os quiser receber, pode requerer consignação em depósito, à disposição do expedidor, sem prejuízo de terceiro – art. 388º. Expirado o prazo de transporte, todos os direitos revertem para o destinatário – art. 389º
O transportador não é obrigado a fazer a entrega enquanto o destinatário não cumprir aquilo a que ( porventura) for obrigado – art. 390º. Há também, retenção pela restituição da guia – art. 390º, 2º. Se a retenção não convier ao transportador, pode ele requerer o depósito e a venda – art. 390º, 3º.
Tratando-se de transporte civil, a retenção da transportadora vai mais longe: ela opera por qualquer crédito resultante do transporte – e, portanto: também pelo frete – art. 755º/, al. a) do Código Civil.
O art. 391º confere ao transportador um privilégio – entende-se : mobiliário especial – sobre os objectos transportados, pelos créditos resultantes do contrato de transporte.
O expedidor tem privilegio, pelo valor dos objectos transportados, sobre os instrumentos principais e acessórios que o transportador empregue na sua actividade – art. 392º.

Secção VII – O contrato de seguro
Subsecção I – Direito geral dos seguros
53º O direito geral dos seguros

● Generalidades e evolução

No contrato de seguro, uma pessoa transfere para outra o risco da verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de determinada remuneração. A pessoa que transfere o risco, assumindo a remuneração, diz-se tomador do seguro ou subscritor; a que assume o risco e recebe a remuneração, é a entidade seguradora; o dano eventual é o sinistro ; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida pelo seguro ( e que pode, ou não coincidir com o tomador do seguro) é o segurado ; a remuneração da seguradora, devida pelo tomador do seguro é o prémio.

● A natureza do seguro; aspectos institucionais

De acordo com uma ordenação tradicional, têm sido apontadas as seguintes funções para o seguro, integradas da sua natureza:
- a teoria indemnizatória;
- a teoria da necessidade eventual;
- a teoria dualista;
- a teoria do risco.
Segundo a teoria indemnizatória, o seguro visaria, no fundamental, a supressão do dano, na esfera onde ele se verificasse. Trata-se de uma construção baseada no seguro de responsabilidade civil por danos, que dá lugar a dificuldades perante os denominados seguros de pessoas.
A teoria da necessidade eventual visa precisamente explicar esta última categoria de seguros : independentemente de danos, as pessoas podem vir a ter necessidade que seriam, pelo contrato, suportadas pela entidade seguradora.
A teoria dualista verifica que as duas orientações anteriores são procedentes: cada uma no tocante ao tipo de seguros a que se reportam: nuns casos visam efectivamente a supressão ou a compensação de danos; noutros trata-se de proporcionar ao segurado uma vantagem determinada, em regra de tipo assistencial.
A teoria do risco, por fim, vê no seguro um contrato que determina a suportação, pela entidade seguradora, do risco que, nele próprio, se defina. Embora formal, esta concepção parece dar corpo às diversas situações em jogo no seguro.

● As directrizes comunitárias

As directrizes dos seguros são apuradas, pela doutrina da especialidade, em três séries:
1ª série: a liberdade de estabelecimento
2ª série: a liberdade de prestação de serviços
3ª série: a licença única
A liberdade de estabelecimento é uma dinâmica do Tratado de Roma, nos seus artigos 52º e seguintes. Ao seu abrigo e no domínio dos seguros, nós encontramos as directrizes seguintes, também conhecidas como as primeiras directrizes de coordenação seguradora:
- Directriz nº 73/239 de 24 de Julho, ou Primeira Directriz do Conselho, relativa ao exercício da actividade seguradora no ramo não-vida;
- Directriz nº 79/267 de 5 de Março, ou Primeira Directriz do Conselho, relativa ao exercício da mesma actividade, no ramo vida.
Seguiu-se a liberdade de prestação de serviços. Desta feita não se jogava a possibilidade de livre estabelecimento, dentro da União, de empresas seguradoras mas, antes, a da prestação de serviços em qualquer ponto da União, independentemente do local do estabelecimento. Para tanto, era conveniente uma aproximação entre regimes do próprio contrato de seguro, tanto mais estava em causa a tutela do consumidor. Esta, a não ser prosseguida, de modo uniforme, em toda a União, iria provocar distorções, a nível de concorrência. Assim surgiu a segunda leva de directrizes dos seguros ou segundas directrizes de coordenação seguradora:
- Directriz nº 887 357/CEE, de 22 de Julho ou Segunda Directriz do Conselho, relativa à coordenação de disposições legislativa respeitantes a seguros não vida;
- Directriz nº 90/232/CEE de 14 de Maio ou Terceira Directriz do Conselho, que completa a anterior quanto ao sector automóvel;
- Directriz nº 90/619/CEE de 8 de Novembro ou Segunda Directriz do Conselho, relativa à coordenação de disposições legislativas respeitantes ao seguro directo de vida.
Ainda as Segundas Directrizes não haviam sido transpostas nos diversos países e segue-se a terceira leva, imposta pelo mercado único dos seguros, em vigor no dia 1 de Julho de 1994.
As Terceiras Directrizes visam a denominada licença única ou passaporte comunitário. Assim:
- Directriz nº 92/49/CEE de 18 de Julho, ou Directriz licença única para o sector não-vida ou, ainda, Terceira Directriz Não-Vida;
- Directriz nº 92/)6/CEE, de 10 de Novembro, ou Directriz licença única para o sector vida ou, ainda , Terceira Directriz Vida.

54º Direito Institucional dos Seguros

● O Instituto de Seguros de Portugal e o Regime Geral das Empresas Seguradoras

O Decreto-Lei nº 302/82 de 30 de Julho, marcou uma nova orientação. Este diploma extinguiu o Instituto Nacional de Seguros, regulado pelo Decreto-lei nº 11-B/76 de 13 de Janeiro e a Inspecção- Geral de Seguros, instituída pelo Decreto-Lei nº 513-B1/79 de 27 de Dezembro criando em substituição de ambos, o Instituto de Seguros de Portugal. Este é definido como “… instituto público, dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio”.
Em 1983 – Decreto Lei nº 406/83 de 19 de Novembro – o sector privado foi aberto à actividade seguradora. Nessa sequência, foi aprovado o Decreto-lei nº 188/84 de 5 de Junho, que veio regular o acesso à actividade seguradora.
Uma codificação das leis institucionais dos seguros foi levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 102/94 de 20 de Abril. Trata-se de um diploma de fôlego – 205 artigos – que revogou numerosa legislação anterior e a que podemos chamar o Regime Geral das Empresas Seguradoras de 1994 ou RGES de 94.
O RGES não chegou a completar 4 anos de vida. Foi substituído pelo Decreto-Lei nº 94-B/98 de 17 de Abril: novo diploma de fôlego, de 247 artigos, a que poderemos chamar o Regime Geral das Empresas Seguradoras de 1988 ou RGES de 98.

55º Direito Material dos Seguros em Geral

● As fontes

O Direito material dos seguros ou Direito do contrato de seguro tem o seu regime básico no Código Comercial: art. 425º a 462º. Para além disso, temos de lidar:
- com as “disposições aplicáveis ao contrato de seguro” inseridas nos art. 176º a 193º do RGES de 98;
- com as “regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro”, aprovadas pelo Decreto- lei nº 176/95 de 26 de Julho;
- com as regras referentes ao pagamento dos prémios de seguros, hoje regidos pelo Decreto-Lei nº 142/2000 de 15 de Julho.
Algumas modalidades de seguro dispõem de regimes especiais. Assim, é o que sucede com:
- o Decreto-Lei nº 522/85 de 31 de Dezembro, sobre o seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante de automóveis, várias vezes alterado;
- O Decreto-Lei nº 289/88 de 24 de Agosto alterado pelo Decreto-Lei nº 294/92 de 30 de Dezembro, relativo à caução global de desalfandegamento;
- a Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, sobre os acidentes de trabalho;
- o Decreto-Lei nº 214/99 de 15 de Junho, relativo ao seguro de crédito, transpondo a Directriz nº 98/29/CE de 7 de Maio

● As modalidades de seguros

A distinção fundamental contrapõe os ramos “não-vida” ao ramo “vida”; este último tem a ver com os riscos que se prendem com a vida, a incapacidade ou outras eventualidades ligadas a uma pessoa singular; os primeiros com os demais riscos.
A matéria surge hoje nos artigos 123º e 124º do RGES de 98.
A inclusão de um concreto seguro nalgum dos ramos considerados torna-se de uma relevância basilar. Por isso, o art. 125º do RGES, sob a designação de exclusividade, determina que : “os riscos compreendidos em cada um dos ramos referidos nos artigos anteriores não podem ser classificados num outro ramo, nem cobertos através de apólices destinadas a outro ramo”.
De todo o modo, o art.127º do RGES de 98 admite que as seguradoras, que explorem determinado ramo ou modalidade, cubram, através da mesma apólice, riscos acessórios.
Com obediência ao critério da liberdade de celebração, podemos distinguir os seguros obrigatórios dos não-obrigatórios. Os obrigatórios são-no por lei, devendo sublinhar-se os relativos a acidentes de viação e os seguros de acidentes de trabalho, entre outros.

● As cláusulas contratuais gerais

A celebração de contratos de seguro efectiva-se através da adesão a cláusulas contratuais gerais. No Direito dos seguros fala-se, a tal propósito e em geral, em “condições gerais”.
Na prática seguradora, as cláusulas contratuais gerais desenvolvem-se, muitas vezes, em dois planos:
- condições gerais ou cláusulas aplicáveis à generalidade dos contratos inseridos no ramo que esteja em causa;
- condições especiais ou cláusulas próprias da modalidade de risco que esteja em causa.
As cláusulas contratuais gerais dos seguros passaram a ser directamente consideradas. Assim:
- entendeu-se que elas deviam ser objectivamente interpretadas;
- julgou-se que (antes da reforma de 1995) elas não podiam ser sancionadas por terem sido aprovadas pelo ISP;
- decidiu-se que, por força da boa fé, deveriam ser esclarecidas todas as dúvidas dos aderentes;
- considerou-se serem nulas as cláusulas que violem direitos de personalidade.

Subsecção II – Direito do contrato de seguro
56º Codificações portuguesas e dogmática do seguro

● O Código Veiga Beirão

O Código Veiga Beirão, recolhendo já a lição do Código italiano de 1882, veio ocupar-se dos seguros não-marítimos : dedicando-lhes o Título XV do seu Livro II, num total de 37 artigos : art. 425º a 462º
No tocante às disposições gerais inseridas no capítulo I, Veiga Beirão começa por fixar a natureza comercial dos seguros, reportando-se, depois aos seguros mútuos, tendencialmente submetidos ao Código e aos seguros marítimos, remetidos para o livro III.
A forma e o conteúdo da apólice estão exarados no art. 426º, ocorrendo, depois, importantes regras como a da sujeição do contrato à liberdade negocial – art. 427º - a possibilidade de contratar por conta própria ou de outrem – art. 428º - a nulidade do contrato por reticências – art. 429º - o resseguro – art. 430º - e a transmissão do seguro – art. 431º.
No domínio dos seguros contra os riscos, o Código contempla regras ainda hoje estruturantes: o objecto, o valor, o segundo seguro, o seguro que exceda o valor, a nulidade havendo conhecimento de falta de risco, a falta de efeitos, a falência e alguma das partes, o caso fortuito, o prazo para a participação do sinistro e a sub-rogação do segurador no direito do segurado – art. 432º a 441º.

● Dogmática e vectores básicos

O contrato de seguro pode ser definido como o negócio pelo qual uma entidade – o segurador – assume, perante outra – o tomador – mediante uma contrapartida – prémio – o risco de um determinado evento futuro e incerto – o sinistro – efectuando, caso ele ocorra, a favor de determinada pessoa – o beneficiário ou segurado –a prestação ou prestações acordadas. São, pois intervenientes:
- o segurador : trata-se de uma entidade, devidamente habilitada, nos termos do RGES e sujeita à supervisão do ISP, que, a troco de uma retribuição, assume os riscos de determinado evento futuro e incerto;
- o tomador : é a pessoa que celebra, com o segurador, o contrato de seguro, tornando-se devedora da retribuição ou prémio;
- o beneficiário ou segurado: é a pessoa a quem vai ser feita a prestação, devida na hipótese de ocorrer o sinistro; normalmente nos seguros de danos, o beneficiário ou segurado é o próprio tomador; nos seguros de vida, por definição, terá de ser um terceiro. Quando o segurado seja um terceiro aplicam-se as regras do contrato a favor de terceiros.
Além disso, temos como elementos típicos do seguro:
- o prémio: a retribuição normalmente periódica, devida pelo tomador e a que o segurador tem direito, pelo risco assumido;
- o sinistro: o evento futuro e incerto, normalmente danoso e que traduz o risco assumido pelo segurador ( um acidente, uma doença ou a morte); a sua ocorrência obriga o segurador a efectuar a prestação acordada ( normalmente: um pagamento) ao beneficiário do seguro.
Na dogmática dos seguros existe uma contraposição básica entre o seguro de danos e o seguro de pessoas. No seguro de danos, o sinistro equivale a um dano patrimonial, obrigando-se o segurador à sua indemnização, nos termos e limites acordados; no seguro de pessoas, o sinistro decorre de doença, de acidente pessoal ou da morte de uma pessoa – a pessoa segurada – cabendo ao segurador efectuar as prestações previamente assumidas.
Podemos considerar o contrato de seguro como oneroso, sinalagmático e aleatório: implica um esforço económico a ambas as partes, funcionando o pagamento de uma como uma vantagem de outra e dependendo o seu devir de factos que escapam à vontade das partes.

57º A formação do contrato de seguro

● Deveres do segurador

Desde logo, o contrato de seguro é concluído por adesão. O Decreto Lei nº 176/ 95 de 26 de Julho, estabelecendo “ regras de transparência”, veio aditar, nos eus artigos 2º e seguintes, novos deveres de informação, bem como diversas regras quanto à conformação dos contratos.
O RGES de 98 revogou o de 94. simplesmente, não aproveitou a oportunidade para absorver as regras do Decreto-Lei nº 176/95: veio manter o elenco dele distinto –art. 176º e seguintes – limitando-se, no seu art. 246º para não deixar dúvidas quanto à vigência simultânea dos dois instrumentos.
No tocante aos ramos não-vida, as seguradoras estrangeiras devem informar qual o Estado de origem e a lei aplicável ao contrato e às reclamações – art. 176º a 178º. Além disso, elas devem fornecer, em língua portuguesa, todas as informações relativas aos pontos a inserir na apólice e constantes, por remissão, do art. 3º do Decreto- Lei nº 176/95.
Quanto ao ramo vida, impõem-se as informações inseridas no art. 179º do RGES, bem como as complementares – art. 181º. O art. 2º do Decreto-Lei nº 176/95 acrescenta novos deveres deste tipo.
A execução dos deveres prévios de informação deve ser provada pelo segurador – art. 5º /2 do Decreto-Lei nº 176/95.

● Deveres do tomador ; as reticências

Também o tomador do seguro tem, na celebração do contrato, especiais deveres de informação. Na verdade, as condições do contrato de seguro variam em função do risco assumido. O tomador está na posse dos elementos necessários para estimar esse risco. Deve comunicá-los sem reticências e, por maioria de razão: sem inexactidões ou omissões – art. art. 429º.
A sanção para as reticências do tomador é, de acordo com o art. 429º, a simples anulabilidade.

● A formação; o direito de rescisão do aderente; os mediadores

De acordo com a prática consagrada, os seguradores aprontam “ propostas”, que formalmente, são subscritas pelos tomadores aderentes. Tais “propostas” são remetidas aos seguradores que, depois, as “aceitarão”, completando-se o contrato.
O problema que se põe é o seguinte: depois de assinar a 2proposta”, o subscritor tende a julgar-se já com o seguro em vigor. Se, no interim ocorrer um sinistro, o segurador tenderá, por seu turno, a descartar-se de qualquer responsabilidade.
O art. 17º, do Decreto-Lei nº 176/95, no seu número i, decidiu resolver as dúvidas: Tratando-se de uma “pessoa física” – portanto: singular – e salvo diversa convenção, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro, sem que haja qualquer reacção do segurador, considera-se celebrado o contrato, nos termos propostos.
O contrato de seguro é regulado como um contrato de consumo. Assim, o art. 182º atribui ao tomador um 2direito de renúncia” ( em rigor : de resolução): no prazo de 30 dias após a recepção da apólice, pode o tomador expedir carta “… renunciando aos efeitos do contrato ou operação” – nº 1.
A extrema popularização do contrato de seguro leva a que, na sua celebração, intervenham, muitas vezes, angariadores ou mediadores. A jurisprudência começou por ver, aí, contratos de mandato comercial.
A mediação em geral é um contrato atípico, a reconduzir à prestação de serviço.

58º a apólice de seguro ; forma e conteúdo

● A apólice e a sua forma

Segundo o art. 426º, o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro.
A apólice é, pois, um documento do qual consta o contrato de seguro.
O contrato de seguro tem, assim, natureza, formal: sujeita-se à forma escrita, sob pena de nulidade, nos termos gerais. Todavia, à partida, as alterações ao contrato de seguro só podem ser feitas por escrito.

● O conteúdo

O conteúdo do contrato – da apólice – deve compreender os elementos referenciados no art. 426º. O elenco do Código de Veiga Beirão foi completado pelos longos enunciados do Decreto-Lei nº 176/95 de 26 de Julho.
Tratando-se de seguros do ramo vida, a apólice deve, por essa via, conter os elementos seriados nos art. 10º a 13º; perante o ramo não-vida, valem os artigos 13º a 16º.
Quid iuris quando, numa concreta apólice, falte algum dos elementos que, por via do Código comercial ou do Decreto-Lei nº 176/95, dela devesse constar?
Ferir o contrato de nulidade, invocando violação de lei – artigos 280º/1 e 294º do Código Civil – seria solução violenta : em regra, tal “nulidade” só seria descoberta quando o segurador fosse chamado a cobrir um sinistro. Vamos, pois, entender que as prescrições do Decreto-Lei nº 176/95 têm o sentido da tutela do consumidor, sendo sancionadas como contra-ordenações pelos artigos 212º e seguintes do RGES de 98.

59º O prémio do seguro

● Generalidades e natureza

O prémio constitui a prestação a cargo do tomador do seguro. Ele funciona como o correspectivo do risco suportado pelo segurador.
Elemento essencial do contrato, o prémio é, normalmente, pago em dinheiro ou meio equivalente de pagamento: numerário, cheque bancário, cartão de crédito, transferência bancária, vale postal ou cartão de débito.
O prémio é calculado em função do risco coberto, de acordo com regras da arte seguradora. Tradicionalmente, distinguem-se vários “prémios”., conforme a sua composição. Tínhamos:
- o prémio puro, equivalente ao preço do risco suportado;
- o prémio bruto, que, inclui, ainda, a carga, isto é, o equivalente às despesas de administração e aos lucros do segurador;
- o prémio de inventário correspondente ao prémio puro com as despesas de administração;
- o prémio comercial é a denominação dada ao prémio bruto pelo prisma do tomador, que terá de o pagar.
O prémio pode ser único ou pode implicar o pagamento de prestações periódicas.
Temos, depois, o prémio normal e o sobreprémio. O prémio normal corresponde à contrapartida pela assunção, pelo segurador, de um risco também normal ; o aumento deste dará azo ao pagamento de um sobreprémio.

● O pagamento do prémio

O pagamento do prémio obedecia às regras comuns do cumprimento das obrigações pecuniárias.
A matéria de pagamento depende ainda, em larga medida, do tipo de seguro em causa. Determinados seguros de vida apresentam prémios facultativos : apenas variará o capital a indemnizar.

● Segue; o regime do Decreto – Lei nº 142/ 2000

O Decreto – Lei nº 142/2000 de 15 de Julho, é um diploma de 15 artigos, que foca diversos aspectos dos prémios de seguro e do seu pagamento. Ele aplica-se – art.1º/2 – a todos os contratos de seguro, com excepção dos respeitantes a seguros de colheitas, ao ramo “vida” e aos seguros temporários celebrados por períodos inferiores a 20 dias.
Os prémios devem ser pagos pelo tomador do seguro directamente ao segurador ou a outra entidade por este expressamente designada para o efeito – art. 2º /1.
O art. 3º do Decreto-Lei nº 142/2000 consagra o princípio da indivisibilidade do prémio : o prémio correspondente a cada período de duração é devido por inteiro, sem prejuízo de, na apólice, se prever um pagamento fraccionado e salvas as hipóteses de anulação ou de resolução do contrato – art. 3º.
O prémio ou fracção inicial são devidos na data da conclusão do contrato – art.4º/1; os prémios ou fracções subsequentes, nas datas fixadas na apólice – art. 5º/1.
Apenas após o pagamento do prémio ou da fracção inicial se verifica a cobertura dos riscos, salvo outra convenção que não pode, todavia, retroagir esses efeitos a um momento anterior ao da recepção da proposta – art. 6º/1.
A data, a forma e o valor dos pagamentos devem ser comunicados aos tomadores com 30 dias de antecedência – art. 7º/1.
A falta de pagamento do prémio ou fracções subsequentes desencadeia um regime específico – art. 8º
Essa resolução não exonera o tomador do seguro do pagamento correspondente ao período em que o contrato esteve em vigor – art. 10º.
Havendo prémio em dívida, podem as empresas de seguros, mesmo perante seguros obrigatórios, recusar a aceitação de contratos de seguro – art. 11º

60 º O risco assumido pelo segurador

● Aspectos gerais ; modalidades ; seguros de incêndio

O Código Comercial utiliza a expressão “riscos” no Capitulo II, titulo XV : Dos seguros contra riscos. Trata-se, aí, de “riscos” no sentido actual de danos : seguros contra danos. Em sentido mais amplo e próprio, o risco assumido, por contrato de seguro, pelo segurador é o de qualquer evento futuro, aleatório na sua verificação ou no momento da sua verificação e que obrigue o segurador a satisfazer determinada prestação.
As classificações de seguros têm. No essencial, a ver com os tipos de riscos assumidos pelo segurador. Recordemos que o Código Comercial distingue seguros contra danos e seguros de vidas ( artigos 432º e seguintes e 455º e seguintes, respectivamente).
Entre os primeiros, temos:
- seguros gerais, sobre objectos e valores, actuais ou futuros – art. 432º
- seguros de incêndio – art. 442º
- seguros de colheitas – art. 447º
- seguros de transporte – art. 450º
O âmbito do risco envolvido é precisado nalgumas das referidas modalidades. Assim, no caso do seguro de incêndio, ficam envolvidos – art. 443º:
- Os danos causados pelo incêndio propriamente dito, ainda que este tenha sido provocado pelo segurado ou pela pessoa responsável, desde que sem dolo ; esta regra é importante, constituindo uma excepção ao art. 437º/3
- os danos resultantes imediatamente do incêndio, como as derivadas do calor, do fumo, dos meios de combate ao fogo usados, das remoções de móveis e das demolições executadas pelas autoridades competentes;
- os danos derivados de vício do edifício, ainda que não denunciado, não se provando que, dele, o segurado tivesse conhecimento;
- os danos derivados de raio, de explosões ou de acidentes semelhantes.
Ao segurado apenas incumbe provar, quando estejam em causa coisas destinadas ao comércio, segundo o art. 444º:
- o prejuízo sofrido,
- a existência dos objectos seguros ao tempo do incêndio.
O agravamento do risco permite ao segurador denunciar o contrato ou “…declarar sem efeito o seguro…”, nas palavras do art. 446º. Tem o segurado 8 dias para comunicar o agravamento ao segurador e este 8 dias para denunciar o contrato : a ultrapassagem dos prazos conduz à anulação ou à conservação do seguro, respectivamente – 1º e 2º do art. 446º.

● Segue; seguros de colheitas, de transporte e outros

O seguro de colheitas implica uma apólice que deve obedecer às especificações do art. 426º. Este tipo de seguro implica alguma legislação especial.
Do ponto de vista do risco seguro, é fundamental o art. 448º.
No tocante ao seguro de transporte há, desde logo, que observar as particularidades do art. 451º, referentes à apólice. Esta, para além das especificidades gerais do art. 426º, deve ainda conter os factores aí referenciados e que permitem precisar o risco em jogo.
O risco assumido principia com a entrega ao transportador e cessa com a entrega, feita por este, ao destinatário – art. 452º
Disposição importante é a do art. 453º: o risco coberto pelo segurador envolve os danos causados por “falta ou fraude” dos encarregados do transporte dos objectos segurados. Quedará, naturalmente, o direito de regresso contra os causadores dos danos.

● Seguro de crédito

No seguro de crédito, o segurador assume o risco inerente ao não cumprimento ou ao cumprimento imperfeito, de determinada obrigação. De facto, o seguro de crédito nuclear surge como uma garantia de obrigação : a lei – art. 6º/1 do Decreto-Lei nº 183/88 de 24 de Maio – fala, a tal propósito, em seguro-caução. Trata-se de uma garantia paralela à garantia bancária : só que prestada por um segurador, assumindo, por isso, a comissão, a designação de prémio.
Admite-se um âmbito mais lato para o seguro de crédito, estando cobertos os riscos mencionados no art. 3º/1 do Decreto- Lei nº 183/88.
O contrato de seguro de crédito deve ter as especificações do art. 8º/1 do Decreto-Lei nº183/88.
O contrato só vigora após o pagamento do primeiro prémio – art.11º. Os lucros cessantes e os danos não patrimoniais não são indemnizáveis no âmbito deste seguro – art. 12º.

● Seguro de vida

A sede legal mantém-se nos art. 455º a 462º do Código Comercial, muito desactualizados. Normas importantes constam do RGES de 98.
Chamamos a atenção para o facto de se tratar, ainda, de um contrato. Assim, as lacunas que porventura surjam na regulação aplicável devem ser integradas com base na vontade hipotética das partes.

● Requisitos gerais

A lei impõe determinadas regras quanto ao risco. Trata-se de normas imperativas que se destinam a evitar:
- que o contrato de seguro assuma uma feição lucrativa para o segurado, desvirtuando-se dos seus fins;
- que o segurador se enriqueça à custa do tomador ou do segurado, recebendo prémios sem arcar com os riscos que seria suposto caberem-lhe.
O primeiro vector explica as medidas já examinadas da proibição do segundo seguro – art. 434º - ou da proibição do seguro que exceda o valor do objecto segurado – art. 435º.
A necessidade da existência do risco aflora nos artigos 436º, 1ª parte e art. 437º, 1º. Segundo esses preceitos, respectivamente,
- o seguro é nulo quando, na conclusão do contrato o segurador tinha conhecimento de haver cessado o risco;
- o seguro fica sem efeito se a coisa segura não chegar a correr risco.
Risco, todavia, não, pode ser, para efeitos de contrato de seguro:
- um dano já consumado: segundo o art. 436º, 2ª parte, o seguro é nulo se, na conclusão do contrato, o tomador tinha conhecimento da existência do sinistro;
- um dano causado pelo segurado ou por pessoa por quem ele seja civilmente responsável – art. 437º/3º ; todavia, podemos considerar esta regra supletiva, sob pena de invalidar seguros de responsabilidade civil por danos causados:
- um dano causado por sequências anormais: assim na hipótese de guerra ou tumulto – art. 437º, 4º; esta regra é supletiva, uma vez que essa própria norma admite que o segurador tome sobre si tal risco extraordinário, enquanto o art. 439º prevê que fiquem a cargo do segurador todas as perdas e danos que sofra o objecto segurado, devido a caso fortuito ou de força maior, de que tiver assumido os riscos.
O sinistro não deve resultar de vício próprio da coisa, conhecido do segurado e por ele não denunciado ao segurador – art. 437º, 2º : também aí o seguro “…fica sem efeito”. Trata-se de uma regra que alarga, à constância do contrato, o regime das reticências na sua formação – art. 429º.
O segurado tem 8 dias para denunciar ao segurador o vício em causa : o segurador poderá, então, declarar sem efeito o seguro, restituindo metade do prémio – art. 437º, 2º.

61º O sinistro e a indemnização

● O sinistro e a participação
O sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador.
O art. 440º, impõe que o segurado participe ao segurador o sinistro, nos oito dias imediatos àquele em que ocorreu ou àquele em que do mesmo tenha conhecimento.
Se a participação não for feita nos referidos 8 dias, o segurado responde pelos danos que cause ao segurador, com a demora – art. 440º. O art. 440º é imperativo. A sanção não pode, designadamente pelas condições gerais, ser alargada ao ponto de se considerar ineficaz o seguro, por falta de participação atempada.
Verificado o sinistro, o segurado ou o tomador, consoante a concreta situação ocorrida, têm o dever, ex bona fide – art. 762º/2 do Código Civil – de minorar os danos ou de evitar a sua propagação. No limite, o segurador poderá não responder pelo suplemento de danos que o segurado poderia ter prevenido e não evitou : é uma decorrência do art. 437º, 3º.

● A indemnização

Constatado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro, até ao limite do dano, quando esse seja o caso. Trata-se da indemnização.
A indemnização deve ser paga nos termos previstos no contrato. Em princípio, ocorrerá um pagamento único, que permita ao segurado recuperar o bem segurado, directamente ou por equivalente.
A indemnização deve ser paga logo que os danos sejam conhecidos. Se não for, vencem-se juros de mora.
No cálculo da indemnização, há que observar as regras dos parágrafos do art. 439º. Mais precisamente:
- a indemnização equivale ao valor do objecto ao tempo do sinistro – art. 439º, 1º; o segurado nunca poderá pois receber um valor superior, em nome do princípio que já ocorre no art. 435º;
- sendo fixado por arbitradores apontados pelas partes, o segurador não pode contestar ; nos outros casos, o valor será determinado por todos os meios de prova admitidos em direito.
O segurado não pode abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, não sendo estes incluídos na indemnização – art. 439º, 2º
Os direitos existentes sobre a coisa alargam-se à indemnização do seguro. Assim, o penhor constituído sobre uma coisa incidirá sobre a indemnização devida pelo segurador: aflora a regra patente no art. 692º/1 do Código Civil.

● A sub-rogação do segurador

O segurador que pague uma indemnização pela perda ou deterioração da coisa segura fica sub-rogado em todos os direitos do segurado contra o terceiro causador do sinistro. Por seu turno, o segurado responde perante o segurador por todos os actos que possam prejudicar esses direitos – art. 441.º.
A sub-rogação do segurador nos direitos que o segundo tenha contra terceiros limita-se ao que tenha a ver com a lesão e o seu autor: não se alarga a outros responsáveis nem ao dono da coisa segura.
Assim:
- o segurador parcial pode agir sozinho em sub-rogação: o artigo 441.º, § único
não exige, nessa eventualidade, uma actuação em conjunto;
- a sub-rogação opera contra todos os terceiros solidariamente responsáveis;
- a procedência da pretensão de um segurador contra terceiro causador do sinistro, ex vi artigo 441.º, exige a prova do pagamento ao segurado.
No caso de responsabilidade civil automóvel, obrigatório e especialmente regulada pelo Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, prevêem-se múltiplas hipóteses de “direito de regresso”.Assim:
- contra causador do acidente que o tenha provocado dolosamente;
- contra os autores e cúmplices do roubo, furto ou furto de uso do veículo
causador do acidente;
- contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado.
As alíneas d), e) e f) do Decreto-Lei nº 522/85 prevêem outras hipóteses de “regresso”.
O beneficiário do seguro de acidentes pessoais, já indemnizado pela seguradora, não pode demandar o responsável pelo acidente: é uma consequência da sub-rogação, a qual envolve uma efectiva transmissão do crédito envolvido.

62º As vicissitudes do seguro

● Transmissão e cessação

Nos termos do art. 431º : “mudando o objecto segurado de proprietário durante o tempo do contrato, o seguro passa para o novo dono pelo facto da transferência do objecto seguro, salvo se entre o segurador e o originário segurado outra cousa for ajustada”
O contrato de seguro postula prestações recíprocas. Assim, a transmissão de qualquer uma das suas posições sempre implicaria o acordo dos três intervenientes, nos termos do art. 424º do Código Civil.
A regra do art. 431º opera perante seguros de coisas. Tratando-se de outras modalidades, designadamente do seguro de responsabilidade civil, ela não pode ter aplicação.
A cessação do contrato de seguro obedece às regras gerais da cessação das relações obrigacionais complexas. Ele é sensível, em especial, à resolução por incumprimento, com as especificidades acima apontadas a propósito do não-pagamento do prémio.

● O co-seguro e o resseguro

O contrato de seguro pode surgir isolado, como modo de transferir um risco para o segurador. Mas ele surge, por vezes, em articulação com outros contratos de seguro, como forma privilegiada de diluir e responsabilidade entre várias entidades.
A primeira hipótese nesse sentido é a do co-seguro. Este faculta uma repartição horizontal de responsabilidade entre os vários seguradores.
O co-seguro surge-nos no RGES de 98: artigos 132º a 147º e é o art. 132º/1 que o define.
É admitido em todos os ramos, relativamente a contratos de certa importância – art. 132º/2 – sendo titulado por uma apólice única- art. 133º. Cada co-seguradora responde pela quota- parte do risco assumido – art. 134º
A co-seguradora líder tem funções gerais de exercício de posição contratual conjunta, especificadas no art. 135º/1. Entre todos os co-seguradores haverá um acordo regulador – art. 136º. Havendo sinistro, a líder procede à liquidação recebendo depois as quotas-partes das restantes –art. 138º. O co-seguro comunitário surge nos artigos 141º e seguintes.
O resseguro é um contrato de seguro pelo qual o segurador transfere para outro segurador – o ressegurador – total ou parcialmente, o risco de ter de ressarcir um sinistro. O próprio ressegurador pode ressegurar os riscos que recebeu : trata-se de retrocessão.
O esquema do resseguro possibilita uma repartição vertical de responsabilidades, vindo previsto genericamente no art. 430º. Aplicam-se-lhes as regras próprias dos seguros.

63º Seguros obrigatórios

● Generalidades; responsabilidade civil automóvel

O seguro de responsabilidade civil fundada em acidentes de viação começou por ser obrigatório apenas em certos casos depois previstos no CE de 1954.
A obrigação de segurar vem prescrita no art. 1º do Decreto-Lei nº 522/85 de 31 de Dezembro : recai sobre toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques – nº1. sem esse seguro, o veículo não pode circular, podendo ser apreendido nos termos do art. 32º. A obrigação impende sobre o proprietário, usufrutuário ou locatário financeiro – art. 2º /1- embora possa ser cumprida por terceiros – nº2.
O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cobre os danos emergentes por sinistro e por veículo causador – art. 5º - com as exclusões, assaz complexas, do art. 7º.
O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores ou condutores do veículo – art. 8º/1. Ele garante ainda os danos causados pelos autores de furto, roubo ou furto de uso e os dolosamente causados – nº2 – com a exclusão do nº3.
A lei prevê um capital máximo, sucessivamente elevado- art. 6º. Havendo várias vítimas, há que proceder a rateio.
O art. 21º prevê o Fundo de Garantia Automóvel – O FGA, que se integra no ISP – art. 22º- dando uma dimensão supracontratual aos esquemas da responsabilidade civil automóvel.
O próprio segurador tem direito de regresso nos casos referidos no art. 19º do Decreto-Lei nº 522/85.

● Seguro de incêndio na propriedade horizontal

A obrigatoriedade de celebração de contrato de seguro contra o risco de incêndio está prescrita no próprio Código Civil.
Assim, tratando-se de prédios em propriedade horizontal, esse seguro é obrigatório, quer quanto às fracções autónomas , quer quanto às partes comuns – art. 1429º/1 do Código Civil.
O seguro deve ser celebrado pelo condomínio, no prazo e pelo valor fixados em assembleia. Não sendo acatada essa deliberação, pode o administrador efectuá-lo reavendo, dos faltosos, o respectivo – art. 1429º/2 do Código Civil.

● Seguro de acidentes de trabalho

O regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais resulta hoje da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, regulada pelo Decreto-Lei nº 143/99 de 30 de Abril. Nos termos e com as exclusões previstas naquele diploma, as entidades empregadoras são objectivamente responsáveis por tais acidentes ou doenças.
O art. 38º prevê uma apólice uniforme, a aprovar pelo ISP.Os riscos recusados pelos seguradores serão objecto de norma do ISP – art. 60ºº do Decreto-Lei nº 143/99 de 30 de Abril.

● Caução global de desalfandegamento

Pela importação de mercadorias são – ou podem ser – devidos determinados impostos : os denominados direitos alfandegários. Já na fase de levantamento das alfândegas, nas relações intra- europeias, foi criado um seguro obrigatório tendente a acelerar as operações de dealfandegamento.

Secção VIII – Os contratos de compra e venda e de troca mercantis
64º A compra e venda comercial

● Delimitação

O Código Comercial regula a compra e venda no título XVI do seu livro segundo, dedicando-lhe 14 artigos: do art. 463º ao 476º. Subjacente está o regime geral da compra e venda ou compra e venda civil, hoje consignado nos artigos 874º a 939º do Código Civil.
A compra e venda comercial funciona como efectivo contrato mercantil especial : ela pressupões subjacente, o regime civil, limitando-se a estabelecer especialidades.
A compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade – isto é: o direito de propriedade – de uma coisa ou outro direito, mediante um preço – art. 874º do Código Civil. O direito transmitido é-o por efeito do contrato – art. 879º, al. a); além disso, este obriga-se a entregar a coisa e a pagar o preço – alíneas b) e c), do mesmo preceito, também do Código Civil.
Perante a existência de dois regimes para a compra e venda – civil e o comercial- compreende-se a preocupação que o legislador pôs na exacta delimitação do tipo mercantil.
O art. 463º começou por fixar o que considera compras e vendas comerciais. São elas, seguindo os seus cinco números:
- a compra de móveis para revenda ou para aluguer;
- a compra, para revenda, de fundos públicos ou de quaisquer títulos de crédito;
- a venda de móveis, de fundos públicos ou de títulos de crédito, quando tivessem sido adquiridos com o intuito de revenda;
- as compras, para revenda, de imóveis e a revenda dos imóveis adquiridos com esse intuito;
- as compras e vendas de partes ou de acções de sociedades comerciais.
O Direito comercial separa sempre a compra e venda, distinguindo as duas operações: a compra em si, pela qual o sujeito adquire o direito, pagando o preço e a venda, pela qual ele arrecada um preço, abrindo mão do direito. Trata-se de técnica possibilitada pela existência dos chamados “actos mercantis unilaterais”: os que são apenas com referência a uma das partes – art. 99º
Infere-se dos quatro primeiros números do art. 463º que a pedra de toque da comercialidade da compra ou da venda reside na sua inserção num processo de aquisição para revenda. Entendem-se que as exclusões dos números 2º a 4º do art. 464º são:
- aos produtos agrícolas
- ao artesanato
- à agro-pecuária

● Modalidades

A primeira modalidade consagrada por Veiga Beirão é a do contrato para pessoa a nomear. O art. 465º declara possível essa ocorrência sem, para ela, prescrever qualquer regime. O Código Civil de 1966 veio regular a figura, nos seus artigos 452º a 456º : trata-se de regras subsidiariamente aplicáveis no campo comercial.
Temos, depois, a venda sobre a amostra : segundo o art. 469º ela considera-se sempre feita debaixo da condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada.
Os artigos 470º e 471º reportam-se a vendas que não estejam à vista nem possam designar-se por um padrão, submetendo-as ao que o Código Civil chama “segunda modalidade de venda a contento” – art. 924º do Código Civil. O art. 471º dá um prazo de 8 dias para a consolidação das vendas por amostra ou a contento.
As “cousas não vendidas a esmo ou por parte incerta, mas por conta, peso ou medida” – art. 472º- seguem o regime das obrigações genéricas, previsto nos artigos 539º a 542º do Código Civil.
O art. 467º permite a compra e venda de bens futuros, incluindo os alheios. A matéria está tratada no art. 839º do Código Civil. Mais explícita, a lei comercial parte de um prisma de validade do negócio e determina, expressamente, o dever do vendedor de adquirir a coisa – art. 467º.

● Particularidades do regime

Desde logo o art. 466º admite que o preço da coisa se venha a determinar posteriormente. A regra consta hoje, com mais pormenor, do art. 883º do Código Civil.
A entrega da coisa antes do preço, quando devida, cessa na hipótese de falência do comprador, salvo caução – art. 468º
O prazo para a entrega da coisa é supletivamente fixado em 24 horas: art. 473º: uma regra sem correspondência no Direito Civil onde, na falta de estipulação das partes, haverá que recorrer à regra geral do art. 777º/1, deste último Código. Subespécie mercantil é a da compra e venda em feira ou mercado, a executar no mesmo dia ou no dia seguinte – art. 475º.
Segundo o art. 474º, se o comprador de coisa móvel não cumprir com aquilo a que for obrigado, pode o vendedor depositar a coisa ou fazê-la revender. Esta última hipótese envolve a resolução do contrato. A revenda – 1º - deve ser feita em hasta pública ou, tendo a coisa preço cotado na bolsa ou no mercado, por intermédio corrector, ao preço corrente, salvo o direito do vendedor ao pagamento da diferença entre o preço obtido e o estipulado e a indemnização. O comprador deve ser avisado – 2º.
O vendedor não pode recusar a factura, com o recibo do preço – art. 476º. Trata-se de uma manifestação do direito à quitação – art. 787º do Código Civil.
Podemos ainda considerar como particularidade da compra e venda mercantil o regime especial da tutela da confiança previsto no art. 1301º do Código Civil.

65º Escambo ou trocas comerciais

● A equiparação à compra e venda

Sobre o escambo ou troca contém o Código Veiga Beirão um único artigo, que preenche todo o título XVIII do seu Livro II: o artigo 480º. Diz esse preceito: “o escambo ou troca mercantil nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se-á pelas mesmas regras estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou condições daquele contrato.”
Este preceito terá de ser interpretado no sentido de ser mercantil a troca feita para revenda da coisa trocada.

Secção IX – O reporte
66º O reporte

● Noção geral

O Código Veiga Beirão dá, do reporte, uma definição legal. Segundo o art. 477º: “o reporte é constituído pela compra , a dinheiro de contado, de títulos de crédito negociáveis e pela revenda simultânea de títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e a revenda feitas á mesma pessoa”
Procurando distinguir o papel de cada um dos intervenientes, verifica-se que:
- uma pessoa ( o reportado) vai obter a disposição de uma certa soma em dinheiro, com títulos de que se não pretende, em definitivo, desfazer;
- uma outra pessoa ( o reportador ) vai conseguir a disponibilidade temporária de certos títulos.
Conforme as circunstâncias, assim se pode distinguir, no reporte em sentido amplo, o reporte estrito e o deporte : no reporte estrito, os títulos são mais caros na retransmissão, sendo o reportador remunerado através dessa diferença; no deporte, os títulos são mais baratos na retransmissão, cabendo a remuneração ao reportado.

● Modalidades e características

Existe uma contraposição entre o chamado reporte de banca e o reporte de bolsa:
- no reporte de banca pretende obter-se dinheiro ou assegurar temporariamente a disponibilidade de um determinado conjunto de títulos;
- no reporte de bolsa visa diferir-se uma venda de títulos a prazo, quando, na altura, não vejam realizadas as suas previsões sobre a alta ou a baixa dos títulos.
O reporte em geral tem as seguintes características:
- é um contrato consensual
- real quoad constitutionem
- sinalagmático e bivinculante
- oneroso
- relativo a títulos
- de dare e de facere
- típico e nominado
Trata-se de um contrato consensual por não haver, na lei, qualquer particular exigência de forma para se proceder à sua válida celebração.
A sua natureza real quoad constitutionem resulta da exigência legal expressa – art. 477º do Código Comercial.
É sinalagmático e bivinculante porquanto implica prestações recíprocas, ficando ambas as partes vinculadas.
Surge oneroso porquanto ambas as partes são chamadas a efectuar sacrifícios económicos.
É relativo a títulos de crédito negociáveis: o legislador afastou o reporte referente a outros títulos, o qual, a ser admissível e quando o seja, terá de se reivindicar da liberdade contratual.
Dá lugar a prestações de dare e de facere: na sua configuração clássica, o reporte obriga as partes a entregar e restituir determinados objectos, surgindo, em simultâneo, múltiplos deveres de actuação a cargo de ambas.
Apresenta-se, por fim, como um contrato típico e nominado, uma vez que, além da designação própria dispõe, na lei, de uma regulação específica e autónoma.

● Função e natureza

A discussão que se poderia travar em torno da natureza do reporte tem a ver com a sua essência unitária ou não – unitária. No primeiro caso, o reporte constituiria um tipo negocial próprio e autónomo, dotado da sua regulação.A doutrina defende a natureza unitária do reporte.
Mas queda ainda verificar se, sendo unitário, o reporte não poderá reconduzir-se a algum outro tipo negocial.
Em termos algo abstractos, têm sido referidos três grandes grupos de teorias:
- as teorias do empréstimo
- as teorias do penhor
- as teorias da compra e venda
As teorias do empréstimo vêem no reporte uma espécie de mútuo: o reportado receberia, no essencial, uma coisa fungível – o dinheiro – obrigando-se a restituir outro tanto; o reportado, por seu turno, receberia títulos que, de igual modo, teria de restituir.O regime do reporte não tem a ver com as regras do mútuo.
As teorias do penhor enforcam, no reporte, a dimensão de garantia: a entrega dos títulos teria, no fundamental, o papel de assegurar a efectivação da restituição do dinheiro.
Nas teorias de compra e venda o reporte analisar-se –ia, de facto, em duas compras- e-vendas simultâneas, uma imediata e outra diferida, de sinal contrário. Trata-se, porém, de uma orientação abandonada entre nós.
É, pois, com tranquilidade que a doutrina actual considera o contrato de reporte como um negócio próprio, autónomo, típico ou sui generis dotado de regras específicas e com objectivos financeiros.

● Os denominados direitos acessórios

Os direitos acessórios são, genericamente, todas as vantagens que, pelo Direito, caibam aos titulares dos títulos de crédito dados de reporte. Em princípio, eles irão variar com o tipo de títulos em jogo.
Põe-se a questão de saber a quem competem tais direitos acessórios, durante o reporte: se ao reportador, se ao reportado. Conclui-se que, afinal, os direitos acessórios competem ao reportado

Secção X – A locação comercial
67º A locação comercial

● O aluguer comercial

O aluguer objectivamente comercial está associado à compra e venda : segundo o art. 481º, ele será mercantil quando a coisa tiver sido comprada para se lhe alugar o uso.
O Código Comercial, para além do citado, contém apenas um preceito sobre o aluguer comercial : o art. 482º que, excepcionando os fretamentos de navios, remete simplesmente para o regime civil.
Resta recordar que o fretamento consta, hoje, de legislação avulsa e mais precisamente do Decreto-lei nº 191/87 de 29 de Abril, que revogou, no seu art. 49º, os artigos 541º a 562º do Código Comercial.

Secção XI – Transmissão e reforma de títulos de crédito mercantis
68º Transmissão e reforma de títulos de crédito

● Remissão

O Código Comercial, no título XX do seu livro II regula a transmissão e reforma dos títulos de crédito mercantil. Trata-se dos últimos “contratos comerciais” nele previstos. Dedica-lhes os art. 483º e 484º
Embora formalmente inserida no Código Comercial, esta matéria prende-se, materialmente, com a dos títulos de crédito, hoje uma disciplina comercial autónoma.

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