sábado, 27 de fevereiro de 2010

APONTAMENTOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO



Capítulo I – O Direito Internacional


Formação e evolução

1.1. Direito Internacional e história

O direito internacional tem que ser compreendido através da sua história. Em sentido lato, a sua história é a história do Estado, pois onde quer que haja Estado, este mantêm relações mais ou menos duradoiras com outros, tornando-se necessária a existência de normas jurídicas.

Distinguem-se então dois períodos da história deste direito:

Direito Internacional Clássico: dominado pelas relações entre os Estados, incluindo a Santa Sé, que são no fundo as únicas entidades de direito internacional, havendo quase exclusivamente tratados de comércio e navegação, de aliança e de paz.
Direito Internacional Contemporâneo: inicia-se em 1919, e nele já concorrem sujeitos para além dos Estados, adquirindo-se uma subjectividade internacional e multiplicando-se as organizações internacionais e os tratados multilaterais, desta vez sobre variados temas.


1.2. O Direito Internacional Clássico

O direito internacional nasce nos séc. XV, XVI, XVII, mas é nos séc. XVIII e XIX que se desenvolve. Sucedem-se três fases:

Primeira abrange os tempos anteriores à paz de Vestefália (1648)
Segunda decorre até à Revolução Francesa, nos fins do séc. XVIII
Terceira termina na Primeira Guerra Mundial

Nesta primeira fase ocorrem vários acontecimentos, como o Renascimento, e os Descobrimentos. Os Descobrimentos são o acontecimento mais marcante pois vão incidir nos limites de poderio dos Estados concorrentes, e também no modo de lidar com o encontro de novos povos, surgindo assim um regime jurídico do mar e da liberdade de navegação.

Os tratados de Vestefália, vêm assegurar a doutrina absolutista na órbita interna, na independência dos Estados europeus, e no princípio da soberania excluindo qualquer outro poder. O equilíbrio que se gera é produto da força militar, o que vai originar um fluxo comercial e consequente aumento de tratados bilaterais entre os Estados, surgindo assim as normas consuetudinárias em áreas tão vitais como os poderes dos Estados, sobre os limites dos seus territórios, as representações diplomáticas e a própria guerra.

Já no séc XVIII, as revoluções iluministas, francesas e americanas vão coincidir com o liberalismo burguês, com o nacionalismo romântico e com o apogeu europeu. Claro que a independência dos Estados Unidos cria um novo sujeito de direito internacional fora do espaço europeu, mas é a Revolução Francesa, que transitará o poder do monarca para o povo, que é o acontecimento mais determinante, pelo que o Direito Internacional deixa de ser as relações entre os soberanos, e passa a ser as relações entre os povos, povo de indivíduos iguais, livres e autodeterminados.

O Congresso de Viena assinalará novamente o triunfo dos reis, e reforçará a ideia de que é a diplomacia que irá concertar a quase anarca Europa. Mas esta Santa Aliança, como foi chamada acabou por não impedir as independências coloniais da metrópole espanhola e portuguesa, como também da Bélgica. Ainda, determinados movimentos liberalistas levaram à unificação italiana e alemã, como à independência dos países balcânicos. Ainda neste período, deve ser assinalado a integração de países não europeus e não cristãos à comunidade, a criação de uniões administrativas internacionais, a do Direito Internacional humanitário de guerra, com a Cruz Vermelha, e por último a arbitragem do modo de fazer guerra – ius in bello.


1.3. O Direito Internacional Contemporâneo

O Direito Internacional neste período, pós Primeira Guerra Mundial evolui, em duas fases:

a) Até 1939, na Segunda Guerra Mundial, fase decorrente do Tratado de Versalhes e do malogro da tentativa de institucionalização da Sociedade das Nações.
b) Segunda fase, foi após 1945, traduzida pela Carta das Nações Unidas, até hoje.

Com o desmantelamento dos Impérios Centrais, surgem novos Estados autodeterminados na Europa Central, desenhando-se com isso movimentos anticolonialistas na Europa. Em anexo ao Tratado de Versalhes de 1919, cria-se a Sociedade das Nações, a primeira organização política internacional, dominada pelos Estados europeus, com exclusão inclusive dos Estados Unidos da América, e cujo assunto dominante é a segurança. Na mesma altura forma-se também a Organização Internacional do Trabalho que desempenha um papel relevante no âmbito do progresso social, demonstrando através da sua peculiar representação (por delegados governamentais) o termo de um direito intergovernamental. Regista-se ainda a criação do Tribunal Internacional de Justiça, instancia jurídica pioneira, que soluciona litígios internacionais em harmonia com critérios estritamente jurídicos. Porém acontece nos anos 20 e anos 30, o declínio da Sociedade das Nações e os seus vários pactos (como o de renúncia geral de guerra), que se viu incapaz de enfrentar as agressões japonesas na China e italiana na Etiópia, o rearmamento alemão e a guerra civil espanhola e ainda os sinais de espíritos exuberantes de nacionalismo.

A Organização das Nações Unidas, foi o organismo já mais completo que as nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial quiseram criar. Os traços mais distintivos são:

• A elevação da cooperação económica e social, com promoção dos direitos do homem e vontade de manutenção da paz e segurança
• Empenho político no sentido da independência de territórios tutelados e não autónomos
• Proibição da guerra e atribuição de coercibilidade à Organização, para que a paz fosse objectivo mais concretizável
• Sistema de órgãos – Assembleia-geral, Conselho de Segurança, Conselho Económico e Social, Conselho de Tutela, Tribunal Internacional de Justiça e Secretário-Geral.

A par desta instituição surgem outras de carácter para-universal, social, económico e cultural como a UNESCP, a FAO, e a Organização Mundial de Saúde. Vinculadas à Organização supra-citada, mas juridicamente independentes. Ainda surgiram outras organizações em espaços geográficos distintos, sendo de âmbito continental ou subcontinental, com interesses políticos, militares e económicos.

Com o aparecimento de novos países e com a independência de tantas colónias, a Organização tem que por fim a determinados princípios seus, que estavam obsoletos, uma vez que correspondiam a uma organização de países colonialistas e imperialistas. Um novo direito mais justo e socialmente equilibrado para que o progresso social fosse realidade. Tal adaptação provou que o Direito Internacional é dotado de maior flexibilidade do que o Direito Interno e não é mera superestrutura dependente de interesses menores.

Após 1945, o mundo seria atravessado por um confronto político e ideológico entre o capitalismo ocidental e o oriente soviético, nascendo assim dois blocos militares e potencialmente hegemónicos. Tal bipolarização foi mãe do aparecimento das armas de destruição maciça, mas foi esse mesmo perigo que ambos blocos detinham que os equilibrou e sustentou. O conflito era psicológico e formal, mas materialmente respirava-se paz. Com o desmoronamento do mundo soviético (queda do muro de Berlim a 1989) entrar-se ia numa nova fase confusa.

Actualmente aponta-se para os seguintes aspectos:

Globalização económica, social, cultural e informativa
Êxodos extensivos
Exacerbamento de contrastes entre minorias e maiorias
Problemas ambientais

A tudo isto, mesmo num ambiente de desejo pelo respeito da justiça e das garantias do ser humano e seus direitos, o Direito Internacional não tem conseguido sublinhar o seu papel. Este não esta concreto, talvez enevoado, uma vez que continuam a subsistir um espírito anti-universalidade.


1.4. Características distintivas e institucionalização do Direito Internacional

Há características do Direito Internacional que o distinguem do Direito Estatal:

Sistema complexo de diferenciação de fontes – costume e tratado
Diversificação no âmbito das normas
Menor incompletude quando menor for a densidade normativa do Direito Internacional
Sistema complexo de sujeitos:

No Direito Estatal, os sujeitos com capacidade plena são as pessoas singulares, no Direito Internacional são os Estados soberanos
A multiplicidade de sujeitos no âmbito interno é bem superior ao âmbito internacional, ora veja-se que no primeiro há pessoas singulares, colectivas, direito privado, direito público, e já no segundo o nº de indivíduos é reduzido
No Direito Interno a igualdade jurídica é coincidente com a igualdade biológica, no Direito Internacional, embora os indivíduos sejam juridicamente iguais, não o são na intensidade de poderio ou de dimensão

Dependência do direito interno
Domínio nos actos jurídicos das manifestações de vontade funcional e normativa
Prevalência das formas de responsabilidade colectiva
Garantia das normas obtidas através dos tribunais por ele instituídos como de tribunais instituídos pelos ordenamentos estatais
Reduzido significado das sanções

A institucionalização da comunidade internacional vem assumindo manifestações importantes:

• Criação de organizações de vários tipos
• Imposição das Nações Unidas dos seus princípios aos países não membros
• Assunção de uma tarefa de codificação das normas consuetudinárias, pela Comissão de Direito Internacional
• Reconhecimento da imperatividade do ius cogens, pela Convenção de Viena sobre os Tratados
• Prescrição de que as normas da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre quaisquer outras obrigações internacionais
• Pratica de tratados multilaterais e abertos a Estados não participantes na sua formação
• Predisposição de espaços geográficos sob uma Autoridade Internacional, como a Antárctica e os fundos marinhos.


2 – Sentido do Direito Internacional

Âmbito do Direito Internacional

Direito Internacional, Direito Internacional Público, Direito das Gentes são tudo expressões possíveis, mas para a sua caracterização importa considerar:

• Primeiro critério: Direito Internacional é o direito das relações entre Estados (nacionais ou tendencialmente nacionais). Esta não é definição puramente correcta, pois existem outras entidades para alem dos Estados – organizações internacionais, Santa Sé, movimentos de pessoas, o próprio indivíduo, empresas privadas especiais – , com vida juridicamente internacional. Em contrapartida existem Estados, de cariz federativo que não participam da vida internacional e por outro lado, uma definição concebida na base das relações entre Estados ignora normas de Direito Internacional que incidem no interior de cada Estado em particular.
• Segundo critério: já contempla todos os sujeitos de Direito Internacional
• Terceiro critério: parte do objecto das normas. Tudo o que seja matéria internacional é objecto de normas de Direito Internacional, este aparece como o Direito relativo a matérias internacionais e não como o direito das relações entre Estados e outros sujeitos. Porém, nem sempre se consegue determinar o “domínio reservado aos Estados”, principalmente no que concerne a segurança internacional
• Quarto critério: aponta para os processos de formação das normas. O direito internacional abrange as normas resultantes de processos de formação contrapostos aos de Direito Interno. Esta diferença é visível, pois não encontramos leis como modos de formação centralizado numa entidade autoritária. O costume assume por isto importância muito maior do que no mundo interno. Todavia, por mais verdade que seja este facto da descentralização da ordem jurídica, uma definição assente nas fontes de Direito é demasiado formal. Falta as razões, o sentido e o alcance do Direito Internacional.
• Quinto critério: convocação da ideia de comunidade internacional. O direito internacional é a expressão jurídica da existência de uma comunidade internacional. Há aqui também dificuldades, uma vez que não se pode descartar a importância do peso dos Estados dentro da comunidade internacional, quer em relações bilaterais, multilaterais e ate no âmbito de organizações internacionais. Para alem disto, não existe uma só comunidade internacional, mas várias, sectoriais e regionais, tornado esta definição demasiado metajurídica.
• Sexto critério: o mais correcto de todos. Junta-se o elemento formal da formação das normas e o elemento material do substrato, que é no fundo a comunidade internacional

O Direito Internacional compreende processos de formação específicos e singulariza-se pelo papel mais extenso que o do costume, pela ausência de lei como acto normativo e autoritário, e pelo significado peculiar de factores convencionais. No plano substantivo, ele liga-se a uma dinâmica feita pelas entidades colectivas e pelas pessoas singulares, ultrapassando fronteiras políticas, pois patenteia um círculo alargado de comunidades jurídicas para além da comunidade estatal, exprimindo a unidade da humanidade.

O Direito Internacional é um conjunto de normas e instituições jurídicas, mas diferente da moral internacional, da comitas gentium, da moral e normas de cortesia, pois a diferença está no aspecto que as normas do Direito das Gentes, tem por destinatários as instituições primordiais – Estados e outras entidades – enquanto que as restantes ordens normativas internacionais, têm por destinatários os indivíduos.


2.2. Áreas do Direito Internacional

O Direito Internacional não é um ramo do direito, mas um ordenamento jurídico, contrapondo-se aos restantes direitos e não se acrescentado a nenhum deles. A primeira grande análise deste direito foi levada por Grócio, distinguindo o direito de guerra e o direito de paz. Hoje em dia o Direito das Gentes tende à universalidade, mesmo surgindo determinadas parcelas regionais, moldados em funções de características peculiares. Situação esta que é prevista pela Carta das Nações Unidas. O Direito Internacional regional mais antigo vem a ser o Direito americano, mais de base consuetudinária do que convencional. Também interessante é o Direito comunitário tão próprio das Comunidades Europeias.

Dicotomia arreigada é a que separa o Direito Internacional geral ou comum e Direito Internacional convencional, sendo o primeiro da vinculação global e o segundo apenas para alguns. Até há pouco tempo só o costume provocava direito internacional geral, enquanto que os tratados e convenções só provocavam direito internacional convencional. Actualmente, as coisas estão diferentes, pois não só o costume pode ser usado para o tal direito convencional, como também os tratados podem ser multilaterais. Por tudo isto procede-se a duas distinções: em razão do âmbito ou do número de sujeitos vinculados pelas normas de Direito Internacional e em razão das fontes. Mesmo uma divisão tricotómica se torna compreensível com o crescente peso das normas provenientes das organizações internacionais:

a) Direito Internacional geral e comum: reconduzível aos princípios gerais de Direito Internacional e ao costume universal ou para-universal
b) Direito Internacional convencional
c) Direito interno das organizações internacionais

Fenómenos recentes permitem salientar normas com diferentes funções: os princípios de ius cogens, as normas da Carta das Nações Unidas e do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, ou as normas constantes das Convenções de Viena, sobre conclusão, interpretação, validade, aplicação e cessação da vigência de tratados. Falemos portanto de um direito fundamental ou constitucional, que estrutura as relações internacionais, definindo a posição jurídica dos sujeitos de tais relações e do quadro em que se desenvolvem; que obviamente, por serem nucleares são de importância superior às demais.

Nova distinção é aquela entre o Direito Internacional geral e o especial. O primeiro cobre o direito internacional fundamental e as normas de carácter geral. O direito internacional especial subdivide-se, por seu turno, em diversos sectores e ramos.


2.3. O fundamento do Direito Internacional

Questão discutida foi a do carácter jurídico do Direito Internacional. Nos séc. XVII e XVIII, o seu carácter foi negado e até mesmo depois da Revolução Francesa, continuou-se a secundizar este direito. O positivismo, doutrina do séc. XIX, definindo o direito pela coercibilidade, tende a definir o Direito das Gentes como Direito estatal externo. As teorias voluntaristas, surgidas já no séc. XX conexas com os regimes totalitários, voltaram a por em causa o Direito Internacional e a contestá-lo. Porém, nesse mesmo século, o que prevalece são as teorias não voluntaristas, as que explicam a obrigatoriedade jurídica ou a necessidade do cumprimento das normas de Direito Internacional à margem ou para além da vontade estatal. Entre elas:

Teses normativistas de Kelsen: reconduzem o sistema do Direito Internacional não à vontade, mas a uma norma – fundamental.
Teses solidaristas de Duguit, Scelle e Politis : baseadas pelo positivismo sociológico e que fundamentam o Direito Internacional como o Direito Interno, na solidariedade entre indivíduos, sendo portanto, factores sociológicos que explicam as normas jurídicas
Teses institucionalistas de Santi Romano: consideram o Direito Internacional como o ordenamento da comunidade internacional tomada esta como instituição
Teses Jusnaturalistas de Afonso Queiró: o direito internacional assenta em valores suprapositivos, em critérios éticos de obrigatoriedade, em princípios jurídicos transcendentes

O Direito Internacional possui o mesmo fundamento e razão do restante direito, uma vez que também contém uma estrutura normativa necessária de uma sociedade ou de certo tipo de convivência entre as pessoas humanas, individuais ou colectivas. Existindo uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos, existe uma tensão dialéctica entre eles e entre valores universais de justiça e segurança, como uma constante comunicação. Também porque é o sentido racional e ético, muito mais do que o medo das sanções ou a reciprocidade de interesses que nos faz obedecer a normas, o destinatário da norma é livre de a cumprir ou não, mas a norma que se lhe dirige não tem por base essa sua vontade, funda-se sim em princípios objectivos de ordem que o transcendem ou num sentido de bem comum, coisa que vale tanto para o Direito Interno como para o Direito Internacional.

A comunidade internacional tem já lei e tribunais internacionais, carente porém de polícia ou exercito e portanto de medidas coercivas. O direito internacional actual é um direito de cooperação e subordinação em sentido estrito.


2.4. O Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado

No direito internacional público está patente uma vida internacional que vale por si mesma, manifestando-se em processos de formação de normas e que se liga a formas relacionistas e institucionais específicas. O direito internacional privado, não se afasta do Direito Interno de cada Estado, havendo situações que estão em conexão com mais do que um ordenamento jurídico, mas o ordenamento jurídico a que corresponde é aquele que vai decidir qual o Direito aplicável para resolver um conflito de leis.

Claro que no caso português e noutros também, o direito internacional privado reside em Código, no chamado de Civil. Só é internacional pela circulação extra-nacional das pessoas, negócios jurídicos e dos bens, tendo assim, algo em comum com o direito internacional público. Mas para suavizar disparidades entre países, tem sido o direito internacional público que através de convenções internacionais tem resolvido conflitos de leis, mas isso só confirma a distinção, confirma a tendência do direito internacional público em assumir zonas crescentes de intervenção, tornando todas estas normas em normas de direito internacional privado pelo seu objecto e pela sua força jurídica, direito internacional público.

A distinção entre direito público e privado surgiu estatalmente, pressupondo uma articulação entre poder e comunidade que o Direito Internacional desconhece. O direito internacional clássico falava só de relações entre Estados, mas o actual fala já de uma amplitude de sujeitos que chega ao indivíduo em si. Considerando o carácter publicístico dominante das normas, justifica-se uma notação de Direito público, mas diferente daquele interno de cada Estado.


2.5. Direito Internacional e ciência do Direito Internacional

Cabe distinguir Direito Internacional objectivamente e subjectivamente, leia-se o conjunto de normas e o conhecimento das normas. A ciência do Direito Internacional é a ciência jurídica que tem por objectivo este direito, é a disciplina que com seu método, reconstrói o direito como sistema normativo e institucional, proporcionando a sua aplicação, e ainda é a ciência que apreende o sentido da comunidade internacional e das relações e matérias que entram no seu âmbito através do conhecimento das normas que as regem.

Já não se contesta a juridicidade do Direito das Gentes, mas há ainda um certo reflexo nacionalista e patriota, que a anula, mas em contrapartida este direito põe o jurista muito próximo dos problemas radicais do ser e do seu valor, e também porque o direito vive num mundo em transformação, a doutrina ganha relevo, pois tem um papel importante no desenvolvimento objectivo do direito internacional.

Há disciplinas jurídicas do direito estatal próximas do direito internacional, como exemplo: o direito constitucional e o administrativo. Mas cabe referir as disciplinas não jurídicas como os estudos jurídicos internacionais e a história das relações internacionais.





Capítulo II – Fontes de Direito Internacional


1- Aspectos gerais

1.1 O art. 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça

A tipologia tradicional das fontes de Direito faz incluir no respectivo elenco, a lei, o costume e a jurisprudência. A doutrina, outrora fonte de Direito, deixou de o ser, podendo ser repescada como fonte material do Direito. A lei ocupa um lugar privilegiado, ao traduzir uma vontade ordenadora de disciplina social, democraticamente legitimada e formalmente proclamada. O costume pede contrário, reflecte um comportamento espontâneo se bem que em perda de terreno face à capacidade de especialização material da lei, e nele dá-se um íntimo entrelaçamento entre a dimensão ordenadora e o respectivo acatamento social. A Jurisprudência (diz Joaquim Bacelar Gouveia) posiciona-se como fonte normativa porque, a partir da aplicação do Direito, podem emergir orientações normativas de carácter permanente, genericamente aplicáveis aos diversos operadores jurídicos.

O Direito Internacional, em matéria de tipificação das fontes normativas que para o mesmo se afiguram pertinentes, suscita uma dificuldade suplementar: é que, mercê do seu carácter fragmentário e policêntrico, não oferece nenhuma estrutura centralizada que determina a relevância das respectivas fontes normativas, faltando deste prisma qualquer poder constitucional paralelo ao que vigora nos Estados. Para responder a esta questão têm-se então recorrido ao art. 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, que tem aquele preceito involuntariamente cumprido esse papel. O conceito de fontes é ambíguo, pois é plural (formal, material, documental, orgânico, sociólogo) e porque as análises internacionais divergem. O art. 38º do Tribunal Internacional de Justiça, define o termo:

O Tribunal cuja função é resolver, de acordo com o Direito Internacional, os litígios que lhe sejam submetidos, aplicará:
As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio
O costume internacional, como prova duma prática geral aceite como de direito
Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas
Sob reserva das disposições do art. 59º, as decisões judiciais e os ensinamentos dos publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meios auxiliares para a determinação das regras do direito
Esta disposição não prejudicará a faculdade de o tribunal, se as partes estiverem de acordo, decidir ex aequo et bono.

Na fórmula adoptada distinguem-se entre fontes primárias (convenções, o costume e os princípios gerais do direito) ou principais e fontes secundárias ou auxiliares (jurisprudência e doutrina); e que se confundem modos de produção ou de revelação do direito e normas jurídicas. Tal formula não é clara nem correcta, pois o que importa distinguir é a fonte da norma do direito.

É certo que o art. referido não enumera exaustivamente as fontes que terão que ser apreciadas segundo a nossa época, para além de que não se infere uma hierarquia nem das fontes nem das normas. Não se esgotam os meios de produção ou revelação, nem se impedem mutações futuras. Se houvesse uma hierarquia porém, daríamos o primeiro lugar aos princípios gerais do direito, especialmente o ius cogens, seguido do costume e depois o tratado.

A a) do art. 38º critica-se por não transmitir o critério de distinção entre a convenção geral e a convenção especial e também porque as regras convencionais não são reconhecidas, mas sim estabelecidas, para além de que referir regras expressas pode limitar o alcance da interpretação. Costume internacional é definido como “prova de uma prática geral aceite como direito”, noção que não se deve acolher porque costume não é prova de uma prática, mas sentido ou orientação de uma prática, para além de que “prática geral”, não esclarece se é constante ou universal. Os princípios se reconhecidos pelas “nações civilizadas”, que é distinção inadmissível até porque não há nações e sim Estados soberanos. Na d) deparamo-nos com a contradição de que por um lado as decisões do tribunal só obrigam as partes entre si e relativamente ao litígio, e por outro a aplicação de decisões deste tribunal para resoluções futuras, isto quando só podem estas em causa orientações jurisprudenciais. Por último no nº2 do art., refere-se à equidade (“ex aequo et bono”) como fonte de direito, sendo esta na verdade, a aplicação ideal da justiça ao caso concreto, ou seja, mero critério de decisão.


O problema é que este artigo está longe de ser uma solução perfeita para a determinação das fontes de Direito Internacional, tal o volume de deficiências que comporta. Para além das dificuldades específicas referidas, são cinco as genéricas:

1) Nem todas as fontes apresentadas o são próprio sensu, podendo algumas ser outra coisa, mas não certamente fontes de Direito
2) A definição das fontes normativas é feita incorrectamente padecendo a respectiva formulação de alguns erros técnicos
3) A alusão às fontes, na sequência adoptada, não pode ter o significado de proceder à respectiva hierarquização
4) A enumeração das fontes, no conjunto das que foram consideradas, levanta o problema do seu carácter exaustivo, perguntando-se acerca da relevância de outras não contempladas
5) A aprovação deste preceito não tem qualquer valor vinculativo internacional no estabelecimento universal de um sistema de fontes genericamente obrigatório.

Estas dificuldades contribuem para uma certa desvalorização do artigo, mas não atropelam por completo a sua utilidade, em face da ausência de qualquer outra melhor indicação.



1.2 O Sistema das fontes

Na tarefa de determinar as fontes de Direito Internacional, o ponto central do artigo 38º do Estatuto referido, suscita uma incapacidade virtual de operar. Isso sucede por força da colocação desse preceito no âmbito do Estatuto, que diz respeito a um órgão que, embora judicial, não desfruta de uma jurisdição obrigatória ao nível internacional. O Estatuto e os seus artigos não possuem uma eficácia internacional erga omnes, nem sequer pretendem rigidamente fixar a orientação por que o Tribunal Internacional de Justiça deve prosseguir. Ainda, devido às relações de desigualdade entre os Estados, acaba por ser difícil impor um texto constitucional sobre este assunto, pelo que o extensamente criticado artigo acaba por ser a derradeira hipótese.

Do artigo, se conclui que as fontes de Direito Internacional são:

Tratados internacionais
Costumes Internacionais
Princípios Gerais do Direito
Jurisprudência
Doutrina
Equidade

O artigo erra duplamente: por excesso e por défice. Primeiramente, os Princípios Gerais do Direito não podem ser fonte de Direito, pois não são fontes normativas, porque eles incorporam o próprio ordenamento normativo, não podendo ser lógico, comportarem simultaneamente o produto revelado pela fonte e a própria fonte de onde o resultado é extraído. A doutrina não tem viabilidade como fonte normativa, pois não suscita produção ou revelação de quaisquer normas jurídicas-internacionais. Naturalmente que a equidade, não configura fonte, apresentando-se como esquema alternativo de decisão de casos, de cariz não normativo. Em segundo lugar, esquece os actos das organizações internacionais.

Costume, tratado e a decisão de organizações internacionais é a enumeração de fontes mais adequada, acrescentando a jurisprudência de importância reduzida, mas reconhecida na interpretação e integração de normas existentes e na formação do costume jurisprudencial. Jorge Bacelar Gouveia, não acolhe a jurisprudência como fonte de Direito, mesmo que numa forma reduzida, pois diz que não pode emitir decisões com uma eficácia subjectiva e objectiva limitada ao caso sub iudice, não podendo arvorar-se em tendência geral.

Estas fontes surgem de forma abstracta e autónoma, mas em concreto são interdependentes para se entrelaçarem sem prejuízo da consideração de zonas diferenciadas (Direito Internacional Universal e Direito Internacional Regional). Esta interdependência aponta para a precedência do costume:

A jurisprudência pressupõe norma jurídica anterior e declaração do direito ao caso concreto
A decisão da organização internacional repousa na competência de vários dos seus órgãos e reveste a eficácia no respectivo tratado constitutivo.
A conclusão do tratado assenta até à Convenção de Viena de 1969, em normas consuetudinárias, e ainda hoje, em tais normas os Estados que ainda não ratificaram a parte não inovatória da Convenção

Não há obrigatoriedade de todas as normas internacionais serem procuradas no costume, elas têm de se firmar em princípios objectivos. São diferentes os problemas da formação encadeada e da fundamentação das normas.


1.3 O costume internacional

De acordo com o artigo 38º do Estatuto mencionado, a menção do costume internacional é bastante errónea, uma vez que:

O costume não é uma prova de uma prática, é a própria prática que se eleva a norma jurídica internacional
Porque o costume não vincula por ser aceite, mas porque brota espontaneamente da convivência internacional, tendo como tal feição jurídica
Porque o costume relevante não é só geral, no sentido do âmbito da sua aplicação subjectiva, pois que pode ser um costume regional e local, nem por isso deixando de ser costume.

O costume tem um papel bem maior no Direito Internacional do que no Direito Interno. A ausência de uma autoridade central mundial, explica-o, mas mais do que isso explica-o o próprio fundamento do costume para o nascimento e desenvolvimento do Direito Internacional. Há hoje ainda, matérias reguladas pelo costume, como a responsabilidade internacional e imunidades dos Estados assim como factores de efectividade a que estão sujeitas a interpretação e a aplicação das normas criadas por actos internacionais. O caminho para a institucionalização não impede a formação de normas consuetudinárias.

O costume não resulta só das relações bilaterais e multilaterais dos Estados mas da também da prática que se desenvolve no interior das organizações internacionais. Uma grande parte do direito interno, das organizações internacionais é ele próprio produto do costume – como exemplo, o direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança, que explicado reduzidamente significa que tanto o voto contrário como a abstenção dos tais membros equivale a veto.

De todas as classificações de espécies de costumes olhamos para o seu âmbito ou para os seus destinatários, contrapondo o costume geral ou universal e costume particular, em correspondência com a distinção entre Direito Internacional Universal e Direito Internacional regional. De um lado o costume que obriga a maioria dos Estados, de outro o costume nascido e aplicável a certo continente ou em certo conjunto de Estados com afinidades políticas ou culturais. Ainda adiciono a costume local, quase sempre bilateral e obviamente restrito a uma área geográfica circunscrita.

Em relação ao fundamento do costume, a posição mais antiga é a ligada à doutrina da soberania, que tende a reduzir o costume ainda à vontade (um pacto tácito entre Estados, segundo Grócio). No nosso século esta doutrina aflorou, mas as doutrinas voluntaristas estão ultrapassadas, uma vez que o fundamento do costume não pode ser diverso de todo o Direito Internacional. As explicações voluntaristas jamais podem ser aceites pois:

Se assim fosse, isso pressuporia que todos os Estados deveriam conhecer a formação do costume, quando tal não acontece
Tal teoria não explica o motivo por que os novos Estados que ascendem à vida internacional se considerem vinculados a costumes relativamente aos quais, no momento da sua formação, nem sequer existiam, por maioria de razão não podendo dizer sim ou não, mesmo que tacitamente, no tocante à sua vigência.

Portanto reafirma-se que o fundamento dos costumes internacionais jamais pode ser a vontade dos Estados, devendo ao invés, assentar no respeito por valores supremos decorrentes do Direito Natural.

O costume internacional decompõe-se num elemento material – no uso – e num elemento psicológico – na convicção de obrigatoriedade:

• Elemento material (o corpus): que se traduz na existência de uma prática reiterada, que oportunamente é levada a cabo pelos respectivos destinatários. O uso exige tempo e repetição de comportamentos de diversa natureza: actos diplomáticos, actos de execução de tratados, leis e actos políticos.
• Elemento psicológico (o animus): que consiste na convicção de que aquela prática, não sendo tradicional ou rotineira, é para ser cumprida, tendo uma natureza de Direito aplicável. A convicção da obrigatoriedade reporta-se, claro está, não a qualquer psicologia colectiva, mas à interpretação funcional e normativa da vontade manifestada por sujeitos de Direito Internacional ou pelos seus órgãos; e depreende-se antes de mais, da consideração objectiva dos actos praticados ou deixados de praticar por esses sujeitos (entre os quais o reconhecimento, o protesto e a notificação). O tribunal internacional de justiça consagrou a necessidade da opinio iuris vel necessitatis.

Foi durante muito tempo requerido para a formação do costume internacional, nesta sua vertente material, uma prática generalizada e imemorial, num duplo sentido:

Que a prática fosse executada por um número apreciável de sujeitos internacionais, não podendo ser relevante um número reduzido
Que a prática fosse levada a cabo há muito tempo, não sendo suficiente a sua formação recente.

Esta já não é a opinião dominante, pois no tocante ao número, o costume pode ser realizado por um número restrito, no âmbito do costume regional e local; e relativamente à exigência de uma duração longa dos costumes internacionais, está completamente posto de parte o requisito da imemorabilidade, por força da velocidade das mudanças que vão ocorrendo na sociedade, pelo que não é de excluir costumes instantâneos. Daí que o costume neste seu elemento material deva apenas nascer de uma prática geral e constante, ainda que se reconheça a dificuldade da sua determinação: geral e constante no sentido de uma prática uniforme, senso insusceptível se se aceitar ziguezagues de comportamento, mantendo-se estável.

A apreciação do elemento psicológico expressa a convicção prática que se executa e que é juridicamente obrigatória. A convicção tem que se instalar num sentido normativo, associando a convicção a uma norma de natureza impositiva. A acentuada complexidade de caracterizar estas vertentes, leva-nos a aceitar a existência de uma presunção iuris tantum – de que a formação do corpus, nada havendo em contrário, permite supor a formação do correspondente animus.

As normas jurídicas de origem consuetudinária e de origem convencional possuem o mesmo valor jurídico, admitindo-se à partida a modificação e a revogação. À partida é difícil revogar o costume universal por tratado. Em contrapartida, as normas consuetudinárias encontram-se também subordinadas ao ius cogens e com este não se confundem mesmo as de costume universal visto que:

1) O ius cogens não pode ser afectado por normas consuetudinárias
2) O costume postula sempre a prática, o ius cogens impõe-se ainda quando não haja qualquer prática, seja no sentido do seu cumprimento ou noutro


1.4 Os actos das organizações internacionais

Há vários actos de organizações internacionais:

Actos de eficácia externa e actos de mera eficácia interna
Actos políticos, judiciais (decisões de tribunais existentes no seu seio) e actos administrativos (respeitantes à estrutura e ao funcionamento dos seus órgãos e serviços)
Actos normativos e actos não normativos
Actos imediatamente aplicáveis e actos não imediatamente aplicáveis, ou noutro prisma, decisões perceptivas e decisões programáticas ou directivas

Recomendações (Assembleia Geral das Nações Unidas)
Decisões
Pareceres (Tribunal Internacional de Justiça)

Os actos normativos, quer de eficácia interna, quer de eficácia externa, são fontes de Direito Internacional. Os estatutos, cartas ou constituições de organizações internacionais são-no naturalmente, também, mas reconduzem-se a tratados, não têm autonomia.

Decisões gerais e abstractas são as de afirmação ou reafirmação de princípios ou regras do Direito Internacional (autodeterminação); e decisões gerais e concretas as da Assembleia-geral sobre finanças e até a manutenção da paz por parte do Conselho de Segurança. As mais importantes das decisões normativas são as que emanam dos Órgãos das Comunidades Europeias. Lê-se no art. 249º do Tratado de Amesterdão de 98: “Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente tratado, o Conselho e Comissão adoptam regulamentos e directivas, retomam decisões e formulam recomendações ou pareceres. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-membros. A directiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela designar. As recomendações e os pareceres não são vinculativos.”

Os actos das organizações internacionais, seja qual for a sua natureza, estão subordinados às regras constantes dos respectivos tratados constitutivos – e tanto às regras orgânicas e formais como às regras materiais. Fala-se assim de um princípio de legalidade no interior das organizações internacionais. Falta porém e ainda, os meios adequados de garantia.


1.5 A jurisprudência

Aludindo este conceito, consideramos as decisões de tribunais internacionais, arbitrais e judiciais, como também de tribunais internos, pois estes aplicam directamente o Direito Internacional e as suas decisões podem ter relevância jurídica internacional.

Mesmo havendo uma crescente relevância na elaboração jurisprudencial do Direito, o art. 38º e 59º do estatuto do Tribunal Internacional, não atribuem às suas decisões, efeitos erga omnes, nem a prática da regra do precedente.


1.6 Os actos jurídicos unilaterais

Actos jurídicos unilaterais do direito internacional, existindo como fonte, são os actos normativos de uma organização internacional (unilateral porque provém de um só sujeito internacional – organização – que tem uma organização plurisubjectiva e colegial de Estados), as decisões de conteúdo geral e abstracto ou conteúdo geral e concreto dos seus órgãos. Decisões não normativas e os actos jurídicos unilaterais dos Estados, por patentear a vontade do seu sujeito, dirigida à produção de efeitos jurídicos, não criam Direito e não se encontram na categoria de fonte.

Actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais contrapõem-se aos não autónomos ou acessórios, ou seja, uma oposição entre actos que aparecem à margem de quaisquer outros actos, válidos por si e os actos que se inserem na formação de outros ou que decorrem directa ou indirectamente de outros. Os actos principais são o reconhecimento, o protesto, a modificação, a promessa, a renúncia e podem produzir efeitos directos e imediatos em relações com outros sujeitos, ou efeitos indirectos, quando se inserem na prática dos Estados, formando ou revelando costume internacional e interpretando normas preexistentes. Actos acessórios são a assinatura, a ratificação, a adesão, as reservas, a aceitação, a objecção e a revogação de reservas, a denúncia, etc.

Reconhecimento: declaração unilateral pela qual se considera certo facto ou situação, conforme com as regras jurídicas e satisfatórias em relação aos requisitos.
Protesto: declaração contrária, segundo a qual certo facto ou situação não respeita o Direito Internacional
Notificação: levar ao conhecimento a outro sujeito mediante declaração relativa a certo facto ou situação
Promessa: declaração unilateral de vontade de certos sujeitos que se compromete a determinado comportamento.
Renúncia: acto jurídico unilateral de um sujeito que exclui da sua esfera certo direito ou se abstêm de o exercer.

Para além desta lista, encontramos outros actos unilaterais das organizações internacionais, sendo o seu número, múltiplo. Resolve-se a questão com o seguinte esquema:


• Actos vinculativos e actos consultivos: ou que produzem efeitos obrigatórios ou actos que apenas contêm recomendações ou pareceres
• Actos internos e actos externos: ou que se destinam à organização e funcionamento dos seus órgãos, ou que se projectam nas relações jurídicas com outras entidades
• Actos normativos e actos não normativos: ou que incorporam normas jurídicas ou que contêm apenas efeitos individuais e concretos
• Actos auto-exequíveis e actos hetero-exequíveis: ou que se aplicam por si mesmo ou que para se tornarem operativos, carecem de um outro actos que lhes confira executoriedade.

Actos jurídicos autónomos unilaterais têm em comum:

Provêm de um só sujeito de Direito Internacional
Expressão da própria capacidade internacional dos sujeitos
Independentes de requisitos formais – não têm de se revestir de forma escrita nem estão sujeitos ao registo junto do Secretariado das Nações-Unidas, embora possam ser registados, implicando uma heterogeneidade formal. Todavia não dispensam publicidade.


1.7. Tratados internacionais

Os tratados internacionais são a mais relevante das fontes internacionais. Fazendo uma alusão directa ao artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, encontramos uma série de erros:

• Porque na individualização do género não faz sentido aludir às suas duas espécies
• Porque as regras resultantes do género não podem ser simultaneamente “aceites” e “criadas”, como se fosse possível uma dupla posição – constitutiva e declarativa – relativamente àqueles efeitos
• Porque as regras não têm apenas de estar relacionadas com os Estados em litígio, podendo ter outros alcances mais latos, subjectivos e objectivos

A atenção que se dá a esta fonte de Direito, é de teor quantitativo, mas principalmente qualitativo. Os tratados não suscitam dúvidas na sua consideração como fonte uma vez que se verifica um modo de produção e revelação de normas jurídicas internacionais. Sendo então genericamente aceite, hesita-se no caso de um tratado ser essencialmente, categoria que se contrapõe ao tratado-lei. Contudo, ainda aí, parece ser conceptualismo escusado desconsiderar a sua inserção na tipologia de fontes de Direito Internacional.


1.8. A codificação do Direito Internacional

Para que se observe a prática das normas do Direito Internacional consuetudinário, estas têm sido incorporadas em textos escritos sob a forma de convenção ou declaração. É âmbito das Nações Unidas, esta codificação. Pelo seu órgão, a Comissão de Direito Internacional. Esta codificação, obedece a uma necessidade de certeza e segurança jurídica, mas também a uma finalidade de aperfeiçoamento normativo e técnico, como ainda uma finalidade política – proporcionar aos Estados ainda não soberanos no início, intervirem na formação de normas consuetudinárias.

Tal passagem a escrito não afecta o carácter consuetudinário, pois os Estados aderentes ficam imediatamente vinculados a estas normas.



2. Os tratados

2.1 Noção de tratado

Tratado ou convenção internacional é um acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional, que constitui direitos e deveres ou outros efeitos jurídicos. São só fontes de Direito Internacional, tratados criadores ou modificadores de normas. O conceito envolve:

Um acordo de vontades
As partes são e agem como sujeitos de Direito Internacional
A regulamentação do Direito Internacional
Produção de efeitos jurídicos-institucionais relevantes

O conceito não implica:

a) Que as partes sejam Estados – art. 47º da Carta das Nações Unidas – ou sujeitos de Direito Internacional que não Estados como os do art. 63º
b) Que o tratado seja reduzido a escrito
c) Que, sendo escrito, se reduza a um único instrumento (pode formar-se através de notas)

Até alguns anos atrás, era particularmente difícil estudar os tratados internacionais, por causa da ausência de um regime genericamente esclarecedor dos aspectos fundamentais da sua produção. Mas em 1969 celebra-se com êxito a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, esclarecendo um conjunto de orientações normativas atinentes à feitura dos tratados internacionais, numa manifesta vocação de aplicação geral. Na sequencia do sucesso daquela Convenção, haveria a oportunidade de elaborar um outro tratado, desta vez feito em 1986, abrangendo a celebração de tratados entre Estados e organizações internacionais e também destas entre si.

A Convenção de Viena de 1969 define tratado como um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido por Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou vários instrumentos conexos – art. 2º, nº1 a). No art. 3º esclarece a convenção, que aqueles acordos entre Estados e outros sujeitos de Direito Internacional, como aqueles não escritos, não perdem o seu valor jurídico ou aplicação de todas as regras desta Convenção, por não estarem abrangidos na definição.

Todavia esta definição de tratado não é feliz, havendo a assinalar-lhe diversos reparos:

Omite diversos elementos que se afiguram essenciais na caracterização desta fonte internacional, sobretudo no confronto com outras fontes estruturalmente díspares, como o seu conteúdo ou a posição dos respectivos intervenientes, não os realçando ou não os realçando devidamente
Inclui aspectos que rigorosamente não pertencem ao género, mas sim à espécie, como é o caso do modo da formalização documental de tratado, apresentando duas modalidades, que estão para além do conceito, que deve ser único
É redundante na inclusão do adjectivo “internacional”, uma vez que se insere no Direito Internacional, só deste se estando a curar
Confunde o nível da definição conceptual do tratado com o seu nível regimental do ponto de vista da forma escrita dos tratados, que é apenas uma exigência de validade imposta pela Convenção
Mistura o nível conceptual do tratado internacional com o seu âmbito pessoal de aplicação, que é apenas atinente aos sujeitos internacionais a que se vincula, que são os Estados, não fazendo sentido alcandorá-los no plano da definição do tratado internacional, tendo o preceito anterior já frisado este aspecto, que além do mais se torna redundante

Em alternativa, um corrigido conceito de tratado internacional inclui três elementos:

Elemento material: implica que o tratado repouse num acordo de vontades de cariz plurilateral, o que chama simultaneamente a atenção para dois aspectos fundamentais: por um lado, haver a expressão de uma vontade, produto de uma intenção de criação de normas jurídicas: por outro lado, ser uma manifestação internacional geneticamente combinada entre dois ou mais sujeitos
Elemento subjectivo: sublinha a consideração das entidades que produzem o acordo de vontades, não sendo irrelevante a sua qualidade: devem ser sujeitos de Direito Internacional, por este reconhecidos a outorgar nesta fonte normativa
Elemento formal: consiste na especial configuração da vontade manifestada segundo três características fundamentais:

Ser uma vontade normativa, dirigida à criação de proposições normativas
Ser uma vontade que se destina à produção de efeitos colocados ao abrigo do Direito
Serem efeitos normativos regulados pelo Direito Internacional, não de qualquer outro sector jurídico


2.2. Distinção de realidades afins

Dos tratados distinguem-se:

Actos unilaterais: emitidos por diferentes Estados com conteúdo idêntico, sob forma de declaração (aceitação da neutralização da Austria em 1955)
Actos estritamente políticos: sem produzir efeitos jurídicos, mas a que sucedem verdadeiros tratados (Acta Final de Helsínquia de 1975)
Gentlemen’s agreement: não são imediatamente vinculados a nível jurídico – acordo informal
Comunicados de reuniões e conferencias diplomáticas: anunciam a conclusão de negociações ou a alteração de acordos (notifica a respeito de tratados)
Os acordos, contratos entre organizações internacionais e particulares

Contratos entre Estados e empresas privadas transnacionais e entre Estados empresas públicas, como contratos de investimento ou prestação de serviços, têm vindo a alcançar uma importância económica e política. Aproximam-se portanto de tratados, por serem celebrados pelos órgãos de representação internacional dos Estados, pelos seu regime envolver regras de Direito Internacional e porque o seu litígio é decidido por uma arbitragem à margem do Direito Interna. Nestes casos recorre-se à assimilação desta categoria paralela de actos convencionais, uma vez que estas empresas não possuem personalidade jurídica internacional.


2.3. Terminologia

Na prática internacional, cita-se tratado ou em geral convenção, mas no Direito Interno português, os dois termos são bem mais amplos. Os tratados recebem designações diferentes, devido ao seu objecto específico:

Carta, constituição ou estatuto: tratado constitutivo de uma organização internacional ou regulador de um órgão internacional (Carta das Nações Unidas)
Pacto: tratado de aliança militar ou de grande importância política (Pacto de Varsóvia)
Concordata: tratado entre a Santa Sé e um Estado acerca da situação da Igreja Católica perante este
Acta geral ou Final: tratado conclusivo de uma conferencia ou congresso internacional de Estados
Convenção técnica: tratado sobre matérias especializadas de conceitos técnicos, complementar
Protocolo adicional: tratado complementar ou modificativo de outro sobre matérias políticas
Modus vivendi: acordo provisório
Compromisso: acordo tendente à solução arbitral de conflitos


2.4. Classificações

Tratados normativos ou tratados-lei: estabelece comandos gerais e abstractos ou gerais e concretos submetendo as partes a comandos constitutivos ou pré-existentes
Tratados
Tratados não normativos ou tratados-contrato: estipula prestações recíprocas e esgota-se com a sua realização.


Tratados bilaterais: de duas partes, onde se mostra reciprocidade de interesses
Tratados
Tratados multilaterais: pluralidade de partes onde se avulta, interesses comuns. Estes podem ser gerais (totalidade dos Estados) ou restritos


Tratado solene: distingue-se pela exigência de acto de ratificação. O processo termina aquando da aprovação, ou nalguns casos aquando da assinatura. Esta exigência é de índole material do tratado
Tratados
Tratado não solene: a convenção simplificada pode ser em forma simplificada ou ultra-simplificada. Os acordos ultra-simplificados são vinculativos, aquando da assinatura, por parte do Ministro dos Negócios Estrangeiros ou outro chefe diplomático, dispensando ratificação ou aprovação (que acontece nos acordos simplificados – aprovação).








Tratados abertos: admitem a assinatura, ratificação ou a adesão de sujeitos que não tenham participado na génese do tratado. Por regra, os multilaterais assim o são
Tratados
Tratados fechados: rejeitam a adesão de novos sujeitos – concordatas, acordos entre as Nações Unidas e as organizações especializadas são fechados


Tratados institutivos: constituem organização internacional
Tratados
Tratados não institutivos: não têm cariz constitutivo


Tratado exequível por si mesmo: obtém plena actividade só por si na administração interna
Tratados
Tratado não exequível: só indirectamente se tornam efectivos



Tratados perpétuos: sem termo final
Tratados
Tratados temporários: com termo final


Tratado principal: matriz
Tratados
Tratado acessório: subsequente ao primeiro, dependente e complementar, dá-lhe força de concretização


Tratado público: é conhecido o seu conteúdo
Tratados
Tratado secreto: desconhecido o seu conteúdo


2.5. Limites à liberdade convencional

Mesmo havendo liberdade de vontades, de celebração e estipulação das partes contratantes, o Direito Interno e o Direito Internacional, reduzem essa liberdade, limitando-a

Nenhum Estado pode celebrar contratos contrários à sua Constituição, e o mesmo se passa com os actos unilaterais que se propõem. Os limites do Direito Internacional são:

a) Princípios de ius cogens
b) Derivados de tratados principais relativamente a acessórios ou excepções (art. 30º, nº 2 – Convenção de Viena)
c) Derivados de tratados constitutivos de organizações internacionais ou de entidades afins em fase de quaisquer tratados que os Estados-membro ou as próprias organizações venham a celebrar
d) Decorrentes de normas emanadas de organizações internacionais ou outras entidades, quando tal se encontra previsto nos seus tratados constitutivos


2.6. A regulamentação das fontes de vinculação internacional dos Estados

A regulamentação consta de normas de Direito Internacional e de Direito Interno, é por isso de carácter misto. Deveria ser ao Direito Internacional atribuído tal tarefa, porém, há regras da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que delega ao Direito Interno tal função. Tal verifica-se porque a institunalização internacional é ainda deficiente, porque a conclusão de um tratado depende também do Direito Interno, que exerce a sua função política no Estado e porque havendo soberania dos Estados, estes têm liberdade de organização.


2.7. O processo e as formas de vinculação

É este o tema geral da conclusão dos tratados internacionais, que iniludivelmente apresenta uma faceta procedimental, que nunca é o fruto de um acto instantâneo, antes é a combinação de diversos actos interlocutórios que resultam, na emanação de um acto final que é o tratado internacional celebrado. Note-se que esta não é uma tarefa despicienda, nela se vão descobrir consequências práticas, ao sublinhar-se estes três aspectos fundamentais:

• A determinação do tipo de participação preparatória no procedimento
• As consequências dos vícios que atinjam os actos prévios, porquanto, não possuindo autonomia funcional, se repercutem no acto final
• A determinação da aplicação das leis no tempo, à luz do princípio tempus regit factum

Na leitura da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e deparados com arrumação das matérias sobre a conclusão dos tratados, encaramos a falta de ciência na distribuição de matérias. Esta falta de unanimidade também se reflecte na jusinternacionalística portuguesa que sobre este ponto teve ocasião de se pronunciar:

 Albino de Azevedo Soares: refere cinco momentos:

o Negociação
o Autentificação do texto
o Manifestação do consentimento à vinculação
o Entrada em vigor
o O registo e publicação

 André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros: designam as fases, não tanto pelos seus efeitos na conclusão dos tratados, mas sobretudo por alguns aspectos que as diferenciam entre si, como a assinatura representativa da adopção do texto – mas este não sendo decerto o único acto aqui possível – ou a ratificação – como demonstrativa da ratificação – embora também salientando a assinatura dos tratados simplificados e a adesão nos tratados abertos
 Jorge Bacelar Gouveia: refere cinco momentos:

o Negociação do texto do tratado
o Adopção do texto do tratado
o Vinculação internacional ao tratado
o Entrada em vigor do tratado
o Registo e publicação do tratado

A definição do procedimento de conclusão não foi indiferente à passagem do Estado pré-constitucional – monárquico e absoluto – ao Estado Constitucional – com representação democrática e separação de poderes. Ali, o procedimento concentrava-se no rei, titular do poder absoluto que negoceia directamente ou fazia-o indirectamente, embora depois no acto final de ratificação absorvesses todos os actos interlocutórios antecedentes. Aqui, o procedimento é dispersivo do ponto de vista dos órgãos intervenientes, essencialmente com a participação do Chefe de Estado e da assembleia representativa. Seja como for, a proeminência do Chefe de Estado no momento da ratificação parece que se conservou como um importante resquício do tempo monárquico.

No Direito Internacional Contemporâneo, a tripartição da vinculação é:

Negociação (com assinatura)
Aprovação
Ratificação

A negociação é um processo obrigatório, mas a ratificação e a aprovação nem sempre acontecem. A Convenção de Viena permite que a vinculação de um Estado pode manifestar-se pela assinatura, ratificação, pela aceitação, pela aprovação ou pela adesão (art. 11º). Este princípio supletivo estipula a forma do tratado nos art. 12º, 13º, 14º e 15º, pelo que cada Estado pode prescrever uma das formas de vinculação.

Nas formas de governação de centralização plena do poder, como as monarquias absolutas, estes três processos eram concentrados, na mão régia. Na época do constitucionalismo, a divisão dos poderes é critério indiscutível, pelo que o processo de vinculação percorre vários órgãos do Estado.


2.8. A negociação e a assinatura

A negociação de qualquer tratado cabe às pessoas investidas com poderes plenipotenciários, como os representantes do Estado. São considerados representantes de cada Estado: o chefe de Estado, chefe de governo, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Chefe de missão diplomática, ou qualquer outro que seja acreditado pelo Estado para a adopção do texto do tratado (art. 7º, nº 2). Acto como este, feito por pessoa ilícita, não produz efeitos jurídicos a não ser quando posteriormente o Estado o confirma e assume.

A adopção do texto efectua-se através do consentimento de todos os Estados participantes (art. 9º), realizando-se uma conferência internacional para esse fim, efectuando-se pela maioria de ⅔ dos Estados votantes, a não ser que estes, por maioria, apliquem regra diversa (art. 9º, nº2).

Segue-se a autentificação do texto, por processo nele estabelecido ou acordado. Na falta de acordo, então por assinatura, assinatura ad referendum, ou rubrica do texto do tratado ou acta final (art. 10º). A assinatura não é requerida para todos os casos, mas há tratados abertos que prevêem assinatura.

A assinatura não obriga o Estado-membro, salvo nas convenções ultra-simplificadas: uma vez aprovado e ratificado, ou só aprovado. A consequência da assinatura é, fixado o texto, tornar adstrito o Estado, por boa-fé, a abster-se a actos que privem o tratado do seu fim (art. 18º). É a Convenção de Viena que regula a rectificação de todos os erros.


2.9. A aprovação e a ratificação

Todos os tratados, excepto os ultra-simplificados, requerem aprovação pelo órgão interno competente. Porém nem todos requerem ratificação. Até pode um tratado configurar-se solene para uma parte ou membro e como acordo na forma simplificada para outra parte.

A ratificação é um acto livre para quem o emite. Já o ena na monarquia absoluta, mostrando a vontade soberana do príncipe e é-o também agora por ser internacionalmente livre no espaço e no tempo. Na monarquia absoluta, os efeitos notavam-se no momento da assinatura do monarca e nos governos representativos, os efeitos da ratificação apenas podem produzir-se no futuro.


2.10. Os órgãos internos competentes

Independentemente de tratado é o Direito Interno que o classifica de tratado solene, simplificado ou ultra-simplificado, sendo também ele que estipula que órgãos são competentes para vincular o Estado. São as normas constitucionais que regem estes detalhes.

As Constituições contemporâneas dão ao Poder Executivo a competência da negociação e assinatura. Também a ratificação é atribuída, desta vez ao Chefe de Estado ou órgão sucedâneo. Assim se passa na maioria dos Estados, mas na aprovação de tratados solenes, surgem já divergências.

Cada país consagra o seu modo de aprovação de tratados, de acordo com o tipo e o objecto do tratado. Governos centralizados, têm como negociador e assinante o próprio órgão que aprova, porém em governos com uma desconcentração do poder, por haver uma separação de poderes há um órgão para cada fase, até para que haja um critério de fiscalização. Em termos do Direito Comparado, encontramos diferentes intervenções do Parlamento, que vão desde a exclusão, à mera consulta.


2.11. A violação das regras constitucionais sobre a conclusão de tratados

O art. 46º da Convenção de Viena contempla este problema, a que chama de ratificação incompleta. Lê-se nestes termos:

“A circunstancia de o consentimento de um Estado a obrigar-se por um tratado ter sido expresso com violação de um preceito do seu Direito interno relativo *a competência para a conclusão dos tratados não pode ser alegada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação tenha sido manifestada e diga respeito a uma regra do seu Direito interno de importância fundamental.
Uma violação é manifesta, se é objectivamente evidente para qualquer Estado que proceda, nesse domínio de acordo com a prática habitual de boa-fé.”

Os requisitos de invocabilidade são:

• Infracção de regra interna fundamental – regra de carácter constitucional
• Violação seja manifestada

2.12. Registo e publicação

Para uma maior certeza do direito internacional, consagra-se a regra do registo. A Convenção de Viena vem impor o registo relativamente a todos os tratados, sejam ou não as partes membros das Nações Unidas (art. 80º). Esta Convenção não determina a consequência jurídica da falta de registo. Somente o art. 102º nº2 da Carta, aponta que nenhuma partem em qualquer tratado que não tenha sido registado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das Nações Unidas (tão-pouco do Tribunal Internacional de Justiça).


2.13. Efeitos dos tratados perante terceiros

Um tratado não constitui nem direitos, nem deveres para um Estado que não seja parte, a não ser com o seu consentimento (art. 34º Convenção de Viena).

No caso de deveres, é necessário que o terceiro Estado os aceite expressamente e por escrito (art. 35º). No caso de direitos, presume-se o consentimento se não houver objecções (art. 36º). Tratados abertos são por definição aqueles que conferem direitos a terceiros (de aderir por exemplo). A modificação ou revogação do direito ou dever constituído depende do Estada e das partes, por meio de tratado acessório.

Todos os Estados devem respeitar os tratados concluídos por outros Estados e não interferir na sua execução.

Independentemente das regras sobre a eficácia dos tratados perante terceiros, pode uma norma constante de um tratado tornar-se obrigatória em relação a terceiros Estados como norma consuetudinária. A Carta das Nações Unidas impõe-se a todos os Estados, mesmo que não sejam seus membros.


2.14. Entrada em vigor

Qualquer tratado entre em vigor segundo as modalidades e nas datas fixadas pelas suas disposições ou convencionadas por acordo dos Estados que tenham participado nas negociações (art. 24º). Essa data é geralmente, a do depositário, mas na falta de disposição sobre este assunto, o tratado entra em vigor logo que se manifesta consentimento de todos os Estados participantes. Quando o consentimento de um Estado, a data será quando se manifestar, salvo disposição contrária. Obviamente que todas as questões levantadas antes da entrada em vigor são aplicáveis desde a adopção do texto. Admite-se a aplicação de tratados provisórios (art. 25º).

Geralmente, as cláusulas dos tratados não têm retroactividade. A não ser que resulte do próprio tratado, todas as disposições de um tratado não vinculam a qualquer situação que tenha deixado de existir à data de entrada em vigor (art. 28º).


2.15. Modificações dos tratados

Na Convenção de Viena consagram-se duas regras procedimentais básicas, para qualquer modificação do tratado:

O acordo entre as partes (art. 39º, nº1)
Possibilidade de cada tratado regular as suas próprias modificações (art. 39º, nº2 e art. 40º), donde o carácter supletivo das normas da Convenção. O processo de revisão é complicado nos tratados multilaterais relativamente aos bilaterais. Admite-se que 2 ou mais partes concluam um acordo destinado a modificar qualquer destes tratados no respeitante às relações entre si.


2.16. Limites materiais de revisão de tratados

Há limites de carácter geral à estipulação originária, com relevo para o ius cogens. Há limites de carácter material à Convenção do Direito do Mar, à Carta das Nações Unidas, por serem tratados constitutivos de organizações internacionais ou de tratados de natureza institucional. Os limites materiais decorrem logicamente da ideia de Direito, pois o tratado exprime a congruência interna das suas normas e assegura a sua identidade. As partes podem por fim a um tratado e até substitui-lo, mas conservando-o, este deve ser respeitado como está.


2.17. Cessação da vigência

Causas formais da cessação:

a) Cessação por vontade das partes:

o Abrogaçao
o Celebração de tratado ulterior sobre a mesma matéria

b) Cessação por caducidade:

Decurso do prazo de vigência
Execução do próprio tratado
Alteração de circunstancias radical e fundamental ou cláusulas rebus sic stantibus (art. 62º)

c) Impossibilidade superveniente de execução
d) Formação de costume contrário, mero desuso (cessação nunca total, mas parcial do tratado)

Para os tratados bilaterais acresce:

Denúncia (que tem que estar prevista no próprio tratado caso contrário, só é tácita quando as partes admitem essa possibilidade).
Inexecução do tratado por uma das partes

A denúncia, é o recesso, quando tratamos de tratados multilaterais. Este não é admitido em convenções de codificação e em convenções respeitantes a situações internacionais objectivas. A denúncia funda-se na vontade, tácita ou expressa ou conjectural, e tanto pode ter por causa a alteração de circunstâncias como a não ter; pelo contrário, a clausula rebus sic stantibus decorre de um princípio geral do Direito conjugado com o facto jurídico strictu sensu (caducidade). A denuncia não esta sujeita a requisitos, ela é administrada ou não. A alteração de circunstancias invoca-se como motivo para por fim a um tratado, ou tão-só uma exigência de revisão do tratado.

Também a guerra pode provocar a cessação ou a suspensão da vigência de certos tratados, mormente de tratados bilaterais.


2.18. Validade e invalidade dos tratados

As regras básicas:

a) A validade só pode ser contestada por aplicação da Convenção de Viena (art. 42º), ao passo que a denuncia, extinção, recesso dão-se com o disposto no tratado.
b) A nulidade do tratado, não afecta o dever do Estado de cumprir todas as obrigações constantes do tratado em virtude do Direito Internacional (art. 43º)
c) Uma causa de nulidade de um tratado somente pode ser invocada em relação ao conjunto do tratado
d) Um Estado não pode alegar uma causa de nulidade para um tratado, que previamente, havia considerado válido (art. 45º).

o Primeira regra: função coordenadora da Convenção de Viena
o Segunda regra: coordenação do Direito Internacional convencional e comum
o Terceira regra: a da indivisibilidade
o Quarta regra: uma parte que aceita um facto não pode alegar a sua invalidade – estoppel

O regime de invalidade assenta na distinção entre violação de regras internas, vícios de consentimento ou na formação de vontade interna e desconformidade material. Os vícios de consentimento (erro, dolo, corrupção, coacção) opõem-se ao ius cogens, atacando o Estado e a ordem internacional

A par do erro, o dolo (art. 49º), a corrupção do representante do Estado (art. 50º), a coacção exercida sobre o Estado pela ameaça de força (art. 52º). As disposições de um tratado nulo não têm força jurídica (art. 69º).

Regula a Convenção de Viena, o processo de arguição das causas de invalidade (art. 65º) e contempla a solução de eventuais diferendos emergentes, através do Tribunal Internacional de Justiça (art. 66º).

2.19. O procedimento de conclusão dos tratados internacionais multilaterais

O procedimento que acabamos de ver corresponde ao regime geral de conclusão de tratados, mas os tratados internacionais multilaterais, que se contrapõem aos tratados internacionais bilaterais, são uma categoria que se constrói sobre o critério do número das partes que os mesmos se vincularam, devendo ser necessariamente superiores a duas. Deparamos com uma distinção susceptível de ulteriores subespecificaçoes, pois que se aceita esta separação:

Tratados multilaterais gerais: quando o número é alargado, aproximando as respectivas normas do Direito Internacional Geral
Tratados multilaterais restritos: quando o número, indo além de dois, é reduzido, estando por isso aproximado do Direito Internacional Particular

As consequências que lhe são directamente associadas (aos tratados multilaterais) são:

• Negociação em conferencia internacional: devido à pluralidade de interessados, não é possível que seja realizada através de encontros bilaterais. O esquema +e o da conferencia internacional, que representa a reunião numa assembleia de todos os representantes, e a outra possibilidade é da submissão da negociação aos auspícios de organizações internacionais que patrocinem os interesses em apreço, embora aqui se exigindo uma conexão entre o objecto e o âmbito do tratado e as atribuições dessa organização
• Aprovação e a autenticação do texto separadamente: o que bilateralmente não faz sentido separar, o fim das negociações e a sua autentificação, passa a ser viável no plano multilateral, individualizando-se dois momentos:

o Aprovação do texto: feita por votação, requerendo que mais de dois terços dos representantes dos sujeitos negociadores votem favoravelmente
o Autentificação do texto: feita por assinatura ou outro acto equivalente, a realizar no momento seguinte, por cada um daqueles representantes

• Oposição de reservas: tratado no ponto 2.19.1
• Abertura a terceiros Estados: coloca-se a questão da abertura a outros outorgantes, Estados terceiros relativamente àqueles que adoptaram o texto e que, posteriormente, o ratificaram. São três as possibilidades de tratados:

o Tratados fechados: não admitem a inclusão de sujeitos terceiros, manifestando vontade nesse sentido, sem dependência de outra formalidade
o Tratados semi-abertos ou semi-fechados: que ponderam a admissão de outros sujeitos, mas desde que cumprindo alguns requisitos, formais ou substanciais, como a necessidade de um convite formal ou da sua aceitação
o Tratados abertos: que permitem a admissão de outro sujeito, bastando para isso que produzam essa vontade num acto unilateral, sem o preenchimento de qualquer outro condicionalismo. Pensando na intervenção dos Estados em tratados abertos, ela pode concretizar-se em dois momentos distintos:

Na assinatura deferida: quando, por certo período, se permite a um Estado que não adoptou o texto, o venha a fazer, automaticamente adquirindo o direito de ratificar o texto do tratado ou sendo ela própria, no caso de acordos, essa vinculação, assinalando-se a vantagem de se conferir a estes Estados, in extremis, o título de Estados fundadores dos tratados
Na adesão: quando a vontade de o Estado terceiros se vincular ao mesmo, não tendo participado nas suas negociações e não tendo adoptado o seu texto, vem a consumar-se numa manifestação de vontade unilateral, em tudo equivalente ao acto de ratificação.

• Instituição do depositário: tratado no ponto 2.19.2.


2.19.1. As reservas

As partes de um tratado obrigam-se à totalidade das suas cláusulas. A vinculação a apenas algumas, só é possível se o tratado permitir ou se as outras partes o consentirem (art. 18º - Convenção de Viena). Nos tratados multilaterais, podem ser admitidas reservas, verificados certos parâmetros da alteração especial, dos termos da vinculação. Nelas, há 2 interesses opostos. O primeiro é a extensão da convenção e o segundo é a preocupação da integridade da Convenção, pois devem as mesmas regras valer para todos.

Reserva é então a declaração unilateral, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado (art. 20º, nº1 da Convenção de Viena). Distinguem-se:

• Rectificações do texto
• Declarações interpretativas
• Disposições transitórias e cláusulas de exclusão
• Declarações anexas a um tratado de alcance político
• Modificações ou emendas

A emissão de reservas está sujeita a limites materiais, temporais e formais:

a) Limites materiais: podem ser expressos – proibição de reserva pelo tratado ou autorização somente de determinadas reservas – e tácitos – incompatibilidade da reserva com o objecto e o fim do tratado (art. 19º a), b) c) da Convenção de Viena); há tratados que não consentem reservas: Constitucionais, estatutos, convenções de codificação, respeitante ao direito dos homens e ao ius cogens
b) Limites temporais: traduzem-se na exigência de a reserva coincidir no processo de vinculação, e nunca depois: no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação ou aprovação do tratado ou no momento da adesão
c) Limites formais: necessidade da reserva ser formulada por escrito e comunicada aos outros Estados. Tem de ter objecto e conteúdo determinado.

Para que produza efeito, é necessário pelo menos que um Estado contratante a aceite (art. 20º) contudo:

a) Quando o nº de contratantes é pequeno, o objecto e fim do tratado necessita de uma aplicação na íntegra, então o consentimento da reserva depende de todas as partes
b) Quando se constitui uma organização, a reserva exige a aceitação do órgão competente da organização

A aceitação da reserva pode ser tácita – quando se não tiver objectado quer nos 12 meses subsequentes, quer no momento em que se tiver expresso o seu consentimento a vincular-se pelo tratado, se o fez posteriormente.

A vinculação aos tratados, em face das reservas é:

a) Estados que não apresentam reserva nem objectaram reservas, vinculam-se integralmente
b) Estados que reservam e para os que aceitam, terão uma espécie de tratado bilateral, em que as disposições foram alteradas
c) Estados objectantes, relacionam-se com os Estados que formulam as reservas da seguinte maneira:

1) Formulam a objecção, somente
2) Formulam a objecção e opõem-se à entrada em vigor do tratado entre eles e os Estados que formulam a reserva

As reservas podem ser revogadas, a todo o tempo, sem que seja necessária a aceitação do Estado que as tenha aceite (art. 22º). A objecção pode também ela ser revogada, mas nunca a aceitação.

Internamente, a emissão de reservas, a aceitação ou objecção de reservas depende da Constituição de cada Estado. Se um tratado recai na competência do Parlamento, todos esses comportamento serão por ele formulados ou aprovados.


2.19.2. O depósito dos tratados

Nos tratados multilaterias há o instituto do depósito previsto nos art. 76º e 77º. O depositário é um Estado, ou vários Estados negociantes ou outro sujeito que tem uma função imparcial e internacional (art. 76º, nº 2). A função do depositário é:

Assegurar a guarda do texto original do tratado
Estabelecer cópias autentificadas, e noutras línguas
Receber todas as assinaturas do tratado, guardar todos os instrumentos
Informar os outros da aceitação, ratificação e promover o registo
Informar partes futuras da data de assinaturas e ratificações




3- A Conclusão dos Tratados em Portugal

3.1. As formas dos tratados ou convenções perante o Direito português

Perante o Direito Constitucional português, encontram-se formas de tratados: tratados solenes e tratados em forma simplificada. A terminologia portuguesa:

Convenção: quaisquer tratados
Tratados: solenes e submetidos a ratificação
Acordos internacionais: tratados em forma simplificada, apenas carecidos de aprovação e não de ratificação

Distinção entre tratados e acordos é relevante porque:

A vinculação do Estado dá-se com a ratificação nos tratados e com a aprovação nos acordos (art. 8º C.R.P.)
Os tratados são sujeitos à aprovação do Parlamento, os acordos podem ser aprovados pelo Parlamento ou pelo Governo (art. 161º, nº1 C.R.P.) salvo aqueles exclusivos da Assembleia da Republica
Só questões objecto de tratado podem ser submetidas a referendo (art 115º nº3 C.R.P.)
O Presidente da República intervém nos tratados na ratificação, e nos acordos através da assinatura dos decretos de lei ou das resoluções de aprovação (art. 135º 3 134º)
Fiscalização preventiva da constitucionalidade de ambos, mas com efeitos diversos: se o tribunal constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade, pode ainda verificar-se a ratificação do Tratado, se a Assembleia da República o aprovar por maioria de ⅔ de deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de função (art. 279º, nº4 C.R.P.), porém, o Presidente da República não pode assinar o decreto ou a resolução de aprovação de acordos (art. 2709º) e portanto Portugal não se vincula.

O direito português exclui acordos ultra-simplificados porque as únicas formas de vinculação em Portugal se dão por ratificação ou aprovação (art. 8º nº2 C.R.P.) e porque o Presidente não pode ser afastado de assuntos internacionais sendo ele, o representante do Estado. Há uma excepção a este caso: acordos com vista à autodeterminação de Timor.


3.2. A distinção material entre tratados e acordos

É o Direito Interno que impõe a forma de tratado às matérias que quiser, seja ele geral ou determinado, assim como pode excluir as formas que entender.

Partindo do art. 161º i), conjugado com o art. 197º nº1 da C.R.P. relativo ao governo, visa-se a intervenção do Parlamento nas Convenções de maior relevância para o país. As matérias referidas nos art. 161º, 164º e 165º necessitam de aprovação absoluta do Parlamento. Ao Governo compete negociar e ajustar as convenções internacionais. Ora as matérias de tratado são:

a) Matérias referidas no art. 161º – participação de Portugal em organizações internacionais, amizade, paz, defesa, rectificação de fronteiras e assuntos militares
b) Matérias contempladas em preceitos avulsos de reserva de convenção – cidadania, exercício em comum de poderes necessários à integração europeia, funções do Banco de Portugal, extradição
c) Matérias que envolvam decisões políticas relevantes ou primárias – Declaração Conjunta Portugal – China – por paridade de razão com matérias das duas primeiras categorias e por imperativo do Estado de Direito Democrático

Matérias da reserva legislativa do Parlamento: o art. 164º i) da C.R.P. garante a intervenção do Parlamento, mas distingue-se acordo de tratado; quando estejam em causa opções políticas primárias.

Os referendos incidem sobre questões de relevância nacional o que significa que apenas questões de objecto de tratado podem ser levadas a referendo. De resto, os art. 161º, 164º e 165º abrangem normas reservadas absolutamente a tratado e normas relativas que podem ser reserva de tratado ou acordo em forma simplificada. Em termos simplificados, o seguinte esquema das distinções:

• Na fase de aprovação: os tratados solenes são sempre competência da Assembleia da República, enquanto que os acordos podem ser aprovados tanto por aquele órgão como pelo Governo
• Na fase de vinculação: a ratificação manifesta a vontade do Estado Português de se vincular aos tratados solenes, enquanto que nos acordos simplificados isso sucede logo com o acto de aprovação parlamentar ou governamental
• Na fiscalização preventiva: quanto aos tratados solenes, admite-se que possa haver confirmação, no caso de pronúncia pela inconstitucionalidade, o mesmo já não é verificado no caso de acordos simplificados, pelo menos numa interpretação de teor literal


3.3. A negociação e assinatura

Na Constituição actual, a negociação e a assinatura competem ao Governo (art. 197º nº1 b)). Atribui-se nitidamente ao Governo, os poderes de negociação internacional do Estado: a clara autonomia deste órgão, face ao Presidente da República. A condução política cabe ao Governo (art. 182º C.R.P.), porém isso não dispensa a interdependência com a Presidência da República (art. 111º nº1). O Primeiro-Ministro informa previamente o Chefe de Estado da política externa (art. 201º nº1 c)).

A Assembleia da República não participa na negociação, mas não obsta que não recomende ao Governo certa negociação. O Governo tem o dever de informar os partidos políticos representados no Parlamento (art. 114º). Essa informação obviamente abrange a negociação de qualquer convenção de repercussões relevantes.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros conduz as negociações internacionais e é responsável pelos procedimentos vinculativos sem prejuízo dos outros órgãos. O início das negociações fazer-se-á mediante enquadramento político que o Ministério presta e deverá informa e pronunciar-se sobre ele. Todavia a rubrica ou assinatura estão sujeitos à aprovação do Conselho de Ministros, dependendo este da delegação de tal competência por parte do Primeiro-Ministro.


3.4. A participação das regiões autónomas

Sendo o Estado português um Estado unitário regional, a participação das regiões autónomas nas negociações de tratados e acordos internacionais acontece, sempre que directamente lhes digam respeito.

Estes tratados que respeitam predominantemente interesses regionais ou, que mereçam no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões, em funções particulares ou tendo em vista estes territórios, contam com a participação das regiões autónomas. Entre esses tratados, contam os que reportam às políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos, a organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e cooperação inter-regional e ao processo de construção europeia, como também tratados que versem sobre a utilização do território regional por entidades estrangeiras, sobre a poluição do mar e a conservação e exploração de espécies vivas, e sobre navegação aérea e a exploração do espaço aéreo controlado.

O órgão regional que intervêm nestes assuntos é o Governo Regional, e até os partidos da oposição representados na Assembleia Legislativa Regional têm direito de ser ouvidos. A participação dá-se através da representação efectiva na delegação do Estado português que negoceia o tratado ou acordo.


3.5. A aprovação

É o Governo e o Parlamento que aprovam. O papel específico do Parlamento:

a) A aprovação de tratados
b) A aprovação de acordos em forma simplificada sobre matérias de competência a ele reservado

Do Governo:

a) Aprovação dos restantes acordos, mas podendo submetê-los à aprovação do parlamento


3.6. O procedimento e as fontes de aprovação

Processo parlamentar de aprovação de acordos:

Iniciativa: reserva do Governo (art. 210º)
Apreciação: por comissão competente, pelo órgão das regiões autónomas, ou tratando-se de Convenção de carácter militar, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional. O parecer é emitido no prazo de 30 dias
Discussão e votação: no plenário, sendo a votação global

Acordos aprovados pelo Governo, exige-se uma deliberação em Conselho de Ministros, o que traduz uma fiscalização intra-orgânica (art. 200º nº1 d)). Os actos de aprovação tomam forma de resolução ou de decreto:

Tratados aprovados pela Assembleia da República – tomam a forma de resolução (art. 166º) que é publicado independentemente da ratificação do Parlamento (166º b)).
Acordos aprovados pela Assembleia da República – tomam a forma de resolução, submetida a assinatura (não à promulgação) do Presidente (art. 134º)
Acordos aprovados pelo Governo – tomam a forma de decreto simples (art 197º) também assinado, mas não necessita de promulgação.


3.7. O referendo nacional e a aprovação de tratados

Num procedimento de conclusão de tratado pode surgir um referendo, mesmo que não esteja em curso nenhum procedimento de aprovação. O regime de referendo é:

a) As questões a decidir, são objecto de tratado já negociado e assinado, e que esteja para ser aprovado
b) Questões relativas a tratados futuros, ou existentes (revogação de reservas, a própria desvinculação)
c) Cada referendo cai sobre uma matéria e tem 3 perguntas
d) A população não aprova o tratado, mas decide se o parlamento o deve aprovar ou não, mediante a sua opinião referendada.
e) A decisão do referendo vincula o órgão competente
f) Se o nº de votantes não for superior a metade dos eleitores inscritos, o referendo não é vinculativo
g) O Presidente da República não pode recusar a ratificação por discordância com o sentido apresentado no referendo

O processo referendário implica:

Como os tratados são da competência da Assembleia da República só este órgão pode propor referendo sobre o objecto do tratado
A iniciativa da Assembleia decorre dos grupos parlamentares, dos deputados, bem como de cidadãos eleitores em nº não inferior a 75 mil
A aprovação pelo Parlamento da proposta sobre a questão objecto de acto em formação implica a suspensão do processo
As propostas de referendo tomam a forma de resolução, publicada no Diário da República
O Presidente da República é obrigado a submeter a resolução à fiscalização preventiva constitucional
O Presidente da República interino não pode decidir a convocação do referendo
Não se realiza referendo em época de eleições gerais
Nenhum acto relativo a referendo, excepto a iniciativa pode ser realizado em estado de sítio ou de emergência
Propostas de referendo recusadas pelo Presidente da Republica, ou cujas respostas sejam negativas não podem ser renovados sem mudança de sessão legislativa, nova eleição do Parlamento ou até demissão do Governo


3.8. A fiscalização preventiva de constitucionalidade

Todos os tratados são passivos de serem fiscalizados pelo Tribunal Constitucional, a requerimento do Presidente da República: antes da ratificação, no caso de tratados, e antes da assinatura dos correspondentes actos de aprovação, no caso de acordos. A Constituição não pode expugnar norma considerada inconstitucional constante de tratado ou acordo internacional

Resta à Assembleia da República ou ao Governo, aprovar a convenção de novo, e introduzir-lhe reservas. O Presidente da República pode no entanto voltar a requerer. Numa 2ª deliberação, o Parlamento pode aprovar por maioria de ⅔ dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta de deputados em funções, um tratado de que constem normas inconstitucionais. E o Presidente poderá então ratificá-lo, embora o acto seja sempre livre.


3.9. A ratificação dos tratados

Compete ao Presidente ratificar os tratados depois de aprovados (art. 135º b)). A ratificação consiste na declaração solene de vinculação do Estado, pondo fim à conclusão do tratado, a ratificação não interfere no entanto no seu conteúdo: o Presidente da República não pode formular reservas.

A ratificação é livre, excepto quando obrigado pelo referendo. O prazo de ratificação é de 20 dias. Recusando a ratificação, deve informar o Chefe de Estado, a Assembleia da República. A discordância pode ser política ou então constitucional

A ratificação toma a forma de Carta de ratificação, destinada a troca ou a depósito, consoante o tratado seja multilateral (depósito) ou bilateral (troca), e corresponde no Direito Interno, o aviso de ratificação.


3.10. A assinatura dos actos de aprovação dos acordos

Ora em acordância com o regime constitucional português, não podemos deixar de achar bizarro, o facto de o Presidente da República identicamente intervir no processo de conclusão de acordos simplificados, não pela ratificação enquanto acto autónomo, que não existe, mas através da assinatura, como acto conexo, da resolução da Assembleia da República ou do decreto-lei do Governo, conforme os casos, que venha a aprovar, no plano interno, tais acordos. Discute-se então a utilidade da separação entre acordos simplificados e tratados solenes. Mas há uns que resolvem a questão rapidamente considerando a assinatura do Presidente da República como acto obrigatório, tornando-se o Presidente num mero notário desse contrato internacional. Não se vê como entender obrigatório um acto que exige a manifestação da vontade do Chefe de Estado, pelo que há quem conteste a solução mencionada. Falaremos de Jorge Miranda e Jorge Bacelar Gouveia.


3.10.1. Tese de Jorge Miranda

Habitualmente nega-se a possibilidade do Presidente da República poder recusar a assinatura de do acto de aprovação de um acordo internacional em forma simplificada, uma vez que só as leis, decretos de lei e decretos regulamentares estão sujeitos a veto. Porém, a resposta deve ser positiva, uma vez que:

Por conteúdo dos acordos em forma simplificada tender a ser idêntico dos decretos regulamentares e estes poderem ser vetados pelo Presidente.
Por não haver possibilidade de recusa da assinatura de decretos de aprovação de acordos, o Governo pode frustar o veto exercido sobre decretos regulamentares, uma vez que as convenções prevalecem sobre os actos de Direito interno
Por o Presidente da República poder suscitar a fiscalização preventiva de acordos e por, sendo insuperável a pronúncia do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade, seria de estranhar que o Presidente, frente aos mesmos actos, não possa recusar por razoes políticas
Porque o Presidente da República é representante do Estado nas relações internacionais, logo tanto se poderá opor a tratados solenes como a acordos na forma simplificada


3.10.2. Tese de Jorge Bacelar Gouveia

Também coincidente com Jorge Miranda, diz-nos que a assinatura da aprovação de acordos, não tendo já qualquer autonomia formal e incorporando-se naqueles actos, suscita saber se é obrigatória ou não. A doutrina considera-a livre, como a ratificação, uma vez que não se pode impor ao Chefe de Estado intervenções obrigatórias quando pratica actos jurídico-públicos. E acrescenta:

O princípio geral de que a atribuição de uma competência constitucional a inscreve, dentro da lógica das coisas, numa avaliação da oportunidade da correspondente decisão, que ficaria completamente obnubilada se essa decisão fosse forçada
Comparação com o regime da ratificação, através de um argumento de maioria de razão, porque se para as convenções mais importantes é livre, o mesmo deve suceder para as convenções menos relevantes
A ausência de mecanismos de superação da recusa apoia o seu exercício pleno, os quais devem ser vistos como limitando uma recusa que, de outro modo, seria totalmente livre, sendo isso o que sucede com a generalidade dos actos presidenciais, em relação aos quais não se defende, que se saiba, o seu carácter obrigatório só porque nada se diz a respeito do que acontece no caso de ter havido a sua recusa


Competência e forma em caso de desvinculação

A desvinculação reclama a colaboração de diferentes órgãos em harmonia com estritas regras de competência e de forma. Assim, ainda que o acto formal de denúncia caiba ao Governo, entende-se que:

a) Não o pode fazer sem o consentimento do Presidente da República
b) Se for tratado o acordo é da competência do Parlamento, a decisão de desvinculação é portanto deste


3.12. A publicação

Todas as convenções internacionais ratificadas ou aprovadas, para originarem intervenientes, têm de ser publicados (art. 8º C.R.P.) no Diário da República. Esta é necessária mas não é suficiente. Os tratados e acordos só vigoram na ordem interna desde que vigorem na ordem internacional.







Capítulo III – As Normas de Direito Internacional

1- Regras e Princípios

1.1. Os princípios gerais do Direito Internacional

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, mas sim ordenação ou conjunto significativo, que implica coerência, consistência, projecta-se em sistema, é unidade de sentido e valor incorporado me regra. Direito Internacional não se reduz também a regras avulsas, compreendendo regras e princípios, e apenas os princípios, logicamente anteriores, permitem integrar as regras num todo sistemático, ultrapassar o seu carácter parcelar, fragmentário e, por vezes, conjuntural, e submetê-las a comuns critérios de interpretação e aplicação. Os princípios não estão acima do Direito, eles fazem parte do complexo ordenamental. Exercem uma função imediata, ao conformar ou abrindo caminho a soluções jurídicas, como uma função mediata pela interpretação e construção doutrinal. Como os princípios são mais gerais do que as regras, estão dotados de menor determinação e densificação. Encerrando certo conteúdo valorativo, admitem varias realizações.

O art. 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça contempla os “princípios gerais do Direito”, oferecendo elucidativamente a sua presença na dinâmica jurídica internacional, pois eles são colocados a par do costume e do tratado como fontes de Direito. Com essa norma afirma-se a necessidade de o Tribunal resolver juridicamente qualquer caso, mesmo na falta ou deficiência de preceito que o preveja.


1.2. O ius cogens

Dentro os princípios do Direito Internacional geral ou comum avultam os princípios do ius cogens, o direito imperativo, cogente, vinculativo. Corresponde ao ius strictum do Direito Romano, que se contrapunha ao ius dispositivum isto é, o Direito que nascia da vontade das partes. O que se pretende é que são princípios que estão para alem da vontade ou de acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional, que desempenham uma função eminente no confronto de todos os outros princípios e regras, e que tem uma força jurídica própria, com inerentes efeitos na subsistência de normas e actos contrários. Todavia, é só na época actual (desde 1945) que princípios com essa característica e esse valor são proclamados em textos solenes, internacionais e nacionais, são tomados como critérios de decisão para efeito de solução de conflitos e se lhes procura conferir consistência. E esse desenvolvimento tem como pano de fundo alguns factores ou tendências nem sempre coincidentes: a nova consciência do primado dos direitos fundamentais, após os cataclismos provocados pelos regimes totalitários da Segunda Guerra Mundial; as novas exigências de paz e de segurança colectiva e a crise de soberania; a ideia de autodeterminação dos povos e o aparecimento de novos Estados empenhados em refazer a ordem internacional; e o impulso dado pela ciência internacionalista.

Os grandes passos para o reconhecimento do ius cogens foram:

1) A Carta das Nações Unidas: ao estabelecer que a Organização “fará que os Estados que não são membros ajam de acordo com os princípios da Carta em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e segurança internacional” art. 2º, nº 6, e ao estatuir que “em caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da Carta e as obrigações decorrentes de qualquer outra convenção internacional prevalecerão as primeiras (art. 103º nº1)
2) O acórdão do Tribunal de Nuremberga
3) Convenção de Genebra: prescrevendo que a sua eventual denuncia não teria eficácia sobre as obrigações a que as partes num conflito estariam adstritas em virtude dos princípios do Direito das Gentes, tal como resultariam de “usos entre nações civilizadas, leis de humanidade, e exigência da consciência pública”
4) Tratados dos direitos do Homem: declarando alguns dos direitos fundamentais inderrogáveis
5) Pareceres e acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça: casos de reserva à convenção sobre Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio
6) Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados
7) Resolução nº 2625 da Assembleia das Nações Unidas, proclamando a proibição do recurso à força nas resoluções internacionais, da solução pacífica de conflitos, da não-ingerência nos assuntos internos, da cooperação, da igualdade dos Estados

Nenhuma organização internacional goza de poder para estabelecer as regras do ius cogens. O costume internacional não poderia aplicar-se a um Estado que se opusesse à sua formação; quanto aos mecanismos convencionais, eles seriam os menos indicados em consequência da regra absoluta segundo a qual os tratados não produzem efeitos em relação a terceiros. Desenha-se no entanto, uma espécie de representação mental tendente a ver a comunidade internacional como vagamente personificada, com um instrumento novo chamado “consenso” e podendo por essa vida legiferar mesmo por tratado. Por outro lado, surge o problema do grau hierárquico das normas imperativas. A teoria do ius cogens, tal como aplicada pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, é hostil à ideia do consentimento como base necessária do Direito Internacional. Ali se pretende, que tal no domínio centralizado e hierarquizado de uma ordem pública interna, regras imperativas – geradas pelo voto maioritário das assembleias ou noutro foro, o que pouca diferença faz. O ius cogens pressupõe hierarquia de normas. No entanto, numa sociedade privada de aparelho legislativo como é a sociedade internacional, torna-se muito difícil determinar que normas entram na categoria de normas cogentes. É tautológico dizer que a norma imperativa é aquela que não admite derrogação (é uma redundância).


1.3. O ius cogens nas convenções sobre Direito dos Tratados

As duas Convenções ocupam-se deste direito nos arts. 53º (nulidade de tratado incompatível, no momento da sua conclusão, com norma imperativa de Direito Internacional); 64º (nulidade por superveniência de norma imperativa); 71º (consequências); 66º a) (solução de conflitos relativos à interpretação ou à aplicação dos arts. 53º e 64º); 44º nº5 (não-divisibilidade, para efeitos de denuncia ou suspensão, de tratados contrários a ius cogens); 60º nº5 (não há cessação da vigência das clausulas relativas à protecção da vida humana contidas em tratado de natureza humanitária, por causa da violação do tratado por uma das partes).

Os preceitos básicos são os arts. 53º, 64º e 71º:

• É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão é incompatível com uma norma imperativa de Direito Internacional (art. 53º 1ª parte)
• Uma norma imperativa do Direito Internacional é a que seja aceite e reconhecida pela comunidade internacional no seu conjunto como norma à qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de Direito Internacional geral com a mesma natureza (art. 53º 2ª parte)
• Se sobreviver uma norma imperativa do Direito Internacional geral, todo o tratado existente que for incompatível com esta norma, tornar-se-á nulo (art. 64º)
• Quando um tratado for nulo, as partes serão obrigadas:

a) A eliminar, na medida do possível, as consequências de todo o acto praticado com base numa disposição que seja incompatível com a norma imperativa de Direito Internacional geral
b) A tornar as suas relações mútuas conformes com essa norma (art. 71º nº1)

• Se um tratado se tornar nulo, a cessação da sua vigência:

Libertará as partes da obrigação de continuar a executar o tratado
Não afectará nenhum direito, nenhuma obrigação, nem nenhuma situação jurídica das partes criadas pela execução do tratado antes de ele se extinguir, mas este direito, obrigação ou situação não se manterá no futuro, salvo na medida em que a sua eliminação não for em si mesma incompatível com a nova norma imperativa de Direito Internacional geral (art. 71º, nº2)

O ius cogens tem por tudo isto, os seguintes preceitos:

Faz parte do Direito Internacional Geral
Pressupõe a aceitação e reconhecimento
Tem de ser aceite e reconhecido pela comunidade internacional no seu conjunto, o que significa que tem de ser universal, não podendo haver ius cogens regional
Possui força jurídica superior a qualquer outro princípio ou preceito de Direito Internacional
Opera erga omnes
A sua violação envolve invalidade de norma contrária e não simplesmente responsabilidade internacional
É evolutivo e susceptível de transformação e de enriquecimento pelo aditamento de novas normas

O ius cogens não se assimila ao Direito natural internacional. O Direito natural Internacional é mais amplo visto que os arts. 53º e 64º das Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados requerem a aceitação e o reconhecimento pela Comunidade Internacional; e pode haver portanto Direito Internacional positivado


1.4. Determinação das normas de ius cogens

Apesar de nenhum preceito apontar para o modo como se revela ou determina o ius cogens, nem sistematiza e analisa os princípios em que se desdobra, parece possível com base em textos internacionais, aventar linhas de orientação, até porque a referencia à comunidade internacional mostra que não se trata de algo meramente formal.

No tocante à revelação do ius cogens, o exigir-se que sejam aceites e reconhecidas pela comunidade internacional no seu conjunto implica que se deva ter em linha de conta essencialmente as fontes mais próximas dessa dimensão universal ou quase universal. São elas:

O costume internacional geral
Os tratados multilaterais gerais, como a Carta das Nações Unidas, as próprias Convenções de 1969 e 1986 e os tratados sobre os direitos do homem
As resoluções da Assembleia-geral das Nações Unidas

Não é que se afaste de todo o Direito Natural, do ius cogens, o que tem de ser é o Direito Natural positivado através destas manifestações de vontade jurídica internacional.

Quanto aos princípios em si mesmo, desde o preâmbulo que se faz referencia aos princípios de Direito Internacional que não oferecem dúvidas sobre o seu alcance. Diz-se que os princípios do livre consentimento e da boa-fé e a regra pacta sunt servanda “são universalmente reconhecidos” e proclama-se os princípios de cooperação pacífica entre Estados, sejam quais forem os regimes constitucionais e sociais; da solução pacífica dos conflitos; da igualdade e do direito dos povos de disporem de si próprios, da igualdade soberana e da independência dos Estados; da não ingerência nos assuntos internos; da proibição da ameaça e do emprego da força e do respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Além disso, o art. 52º estatui que é nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo emprego da força e violação dos princípios do Direito Internacional contidos na Carta das Nações Unidas.

Estes princípios vêm enunciados no art. 2º da Carta das Nações Unidas e coincidem com os constantes do preâmbulo da Convenção de Viena. Antes, no preâmbulo, a Carta reafirma a “fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas”. Por seu turno, a Declaração Universal dos Direitos do Homem enfatiza a igual dignidade de todos os seres humanos, acrescentando no seu art. 1º que “dotados de razão e consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade”. Em face ao exposto, propomos o seguinte quadro de princípios de ius cogens:

a) Princípios atinentes à comunidade internacional como um todo:

Principio de cooperação
• Princípio da resolução pacífica de conflitos
• Princípio do acesso aos benefícios do património comum da humanidade

b) Princípios atinentes às relações entre os Estado

• Princípio da igualdade jurídica dos Estados
• Princípio do respeito da integridade territorial
• Princípio da não-interferência nos assuntos internos de outros Estados
• Princípio da legítima defesa contra a agressão
• Princípio da continuidade do Estado

c) Princípios atinentes às obrigações dos sujeitos de Direito Internacional

Princípio do livre consentimento
Princípio da reciprocidade de interesses e da equivalência das relações contratuais
Princípio de pacta sunt servanda
Princípio da responsabilidade por actos ilícitos
Princípio de boa-fé

d) Princípios atinentes à pessoa humana

Princípio da igual dignidade de todos os homens e mulheres
Princípio da proibição da escravatura, do tráfico de seres humanos e de práticas semelhantes
Princípio da proibição do racismo
Princípio da protecção de vítimas de guerras e conflitos
Princípio da garantia dos direitos “inderrogáveis” enunciados no art. 4º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (direito à vida, integridade física e moral de pessoas, reconhecimento da personalidade jurídica, liberdade de pensamento, consciência e de religião, não-retroactividade de lei penal, proibição da prisão perpétua), sem embargo das dificuldades e contradições que ainda subsistem.



2- Interpretação, integração e aplicação

A interpretação em geral

Os cânones gerais da hermenêutica jurídica aplicam-se também ao Direito Internacional Público. Não cabe contrapor a interpretação em Direito Interno à interpretação em Direito Internacional. O que pode haver é a necessidade de adequação ou adaptação.

Durante muito tempo, porque o número de entidade dotadas de jus tractuum, eram poucas, compreendia-se que se desse relevância às intenções reais das pessoas físicas intervenientes na celebração de convenções internacionais, numa interpretação de pendor subjectivista e historicista. Pelo contrário, quando o número dessas entidades se multiplica, abundam os tratados multilaterais e os processos de conclusão de tratados tornam-se mais complexos com a interferência de vários órgãos, é irrecusável o papel decisivo dos elementos objectivos, teleológicos e sistemáticos. Por maioria de razão, tem de ser assim na interpretação quer do costume quer das decisões de organizações internacionais. Por outro lado, tem sido usual sustentar a necessidade de interpretação restritiva das normas que contendam com a soberania dos Estados ou que os limites a esta soberania se não presumem. Mas um asserto como este não pode hoje aceitar-se com o mesmo vigor de outros tempos.

Existe de todo o modo, um princípio que permanece imprescindível, e que é o princípio de boa-fé, o qual significa:

• A aceitação da força vinculativa das normas internacionais e o seu respeito com objectividade
• A realização dos fins nelas prescritos, procurando o seu efeito razoável e útil
• A relação necessária entre os direitos e as obrigações delas decorrentes, sem interpretações unilaterais ou impostas pela força
• Em qualquer caso, um cumprimento que não seja meramente formal e distorcido “em fraude à lei”.

Aceite, a vigência ou relevância do Direito Internacional qua tale na ordem interna, torna-se óbvio que hão-de ser os mesmos critérios de interpretação das normas internacionais em ambas as ordens jurídicas. Aceitar a incorporação da norma internacional e negar, ao mesmo tempo, a interpretação e a integração da fonte de que deriva naqueles termos significa, em ultima analise, conceder com uma mão o que se retira com outra. Depois, não se descortina motivo sério que justifique que o Estado queira a todo o transe assegurar o respeito dos seus critérios interpretativos e integrativos quando os abandonou ao receber a regra internacional. Se não fosse assim, seria o Direito Internacional que esfrangalharia num conjunto de regulamentações estaduais que lhe fariam perder a unidade.

A interpretação do Direito Internacional pode ser autêntica, se realizada pelas entidades donde emanaram as normas ou pode ser judicial e doutrinal. A interpretação judicial tanto pode ser levada a cabo por tribunais internacionais – judiciais e arbitrais – como por tribunais estatais.


2.2. A interpretação dos tratados em especial

A Convenção de Viena ocupa-se da interpretação dos tratados, acolhendo de forma clara, o princípio de boa fé e, um duplo princípio objectivista e actualista. Um tratado deve ser interpretado de boa fé, e isto implica:

A interpretação não pode conduzir a um resultado manifestamente absurdo ou desrazoável (art. 32º alínea b)
A interpretação não pode ser feita à margem de acordo das partes (art. 31º nº2 e nº3 alínea a)
Se presume que os termos de um tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos em duas ou mais línguas (art. 33º nº3)

A interpretação dos tratados internacionais é regulada pela Convenção de Viena do Direito dos Tratados, que lhe dedica importantes preceitos, sistematicamente organizados. Como decorre da Teoria Geral do Direito, esta é uma tarefa que visa alcançar o sentido normativo que se contém nas fontes normativas analisadas, com os seguintes tópicos:

Objecto da interpretação: descoberta de normas jurídicas internacionais, que se objectivam nas fontes convencionais, de acordo com uma orientação que é, a um tempo, objectivista e actualista:

Objectivista: porque se pretende a mens legis (espírito da lei) e não a mens legislatoris (espírito do legislador), esta traduzindo uma orientação subjectivista, redutora e, na maior parte dos casos, impossível, dada a dificuldade de uma colocação psicológica no espírito do autor
Actualista: porque se pretende surpreender as normas no contexto actual, não uma vontade normativa, só exteriorizada no momento em que entrou em vigor, o que seria, uma orientação historicista, presa ao passado e muitas vezes totalmente inútil

Sujeito da interpretação: todo aquele a quem sejam dirigidas as fontes, relativamente às quais deve conformar o seu comportamento, carecendo por isso de previamente lhe extrair num sentido normativo. Há certas entidades que na sua análise conferem à interpretação um valor acrescentado:
• Interpretação autêntica: feita pelos autores do tratado
• Interpretação jurisprudencial: feita pelos órgãos judiciais a quem incumbe a aplicação do tratado
• Interpretação feita pelos Estados partes: sendo só aquela feita a título colectivo considerada como autêntica
• Interpretação feita por outros sujeitos de Direito Internacional
• Interpretação feita pelos órgãos internos dos sujeitos partes
• Interpretação feita pelos restantes operadores jurídicos, avultando a doutrina

Elementos de interpretação: são os meios de que o interprete se serve para atingir o objecto da interpretação – mens legis – e muitas vezes o resultado não é o da coincidência entre a letra e o espírito da fonte normativa em questão. Os elementos da interpretação distinguem-se então:

• Elemento sistemático: o que tem maiores referencias, sendo aludido pelo contexto dos termos de um tratado, e é visto abrangentemente pois que nesse conceito se incluem “…além do texto, preambulo e anexos incluídos…”, outros acordos celebrados e que com o mesmo possuam uma relação específica
• Elemento teleológico: a interpretação deve procurar o sentido normativo do tratado “…à luz dos respectivos objecto e fim”
• Elemento histórico: impõe-se que “…os tratados preparatórios e as circunstâncias em que foi concluído o tratado…” sejam expressamente mencionados como referência de confirmação ou de determinação de um sentido normativo

Resultado da interpretação: a interpretação pode ser de quatro tipos:

• Interpretação declarativa: correspondência entre a letra e o espírito do tratado
• Interpretação restritiva: necessidade de limitar o alcance da letra, porque o espírito é mais contido, pelo que o articulado do tratado disse mais do que o que queria dizer
• Interpretação extensiva: necessidade de aumentar o alcance da letra, havendo um sentido do espírito mais lato, pois o que o tratado disse era menos do que queria dizer
• Interpretação abrogante: total ou parcial, que se impõe quando se chegue à conclusão de que a letra do tratado não faz sentido, por incongruência lógica interna ou porque deve ser eliminada em favor de outro sentido normativo tipo por prevalecente.

Um tratado deve ser interpretado segundo o sentido comum atribuível aos seus termos no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim (art. 31º nº1, 2ª parte), tal é o princípio objectivista. O tratado deve ser sistematicamente interpretado na perspectiva geral do Direito Internacional e, desde logo, do ius cogens. Os trabalhos preparatórios e as circunstancias em que foi concluído o tratado são meios complementares de interpretação a que só se pode recorrer autonomamente, quando os outros meios deixem o sentido ambíguo ou conduzam a um resultado absurdo (art. 32º). Quanto à comparação dos textos autênticos em mais de uma língua aponte para uma diferença de sentido irremediável, adopta-se o sentido que melhor concilie esses textos tendo em conta o objecto e o fim do tratado (art. 33º nº4). Todavia (em tratados bilaterais em multilaterais restritos e não nos tratados multilaterais), permite-se que um termo seja entendido num sentido particular se estiver estabelecido que tal era a intenção das partes (art. 31º nº4). A consideração do objecto e do fim importa critérios adequados de interpretação de certos tratados como os de criação de organizações internacionais, de protecção dos direitos do homem e de justiça penal internacional.

O princípio objectivista acarreta uma interpretação evolutiva e, não fixista. Relativamente aos tratados constitutivos de organizações internacionais, verifica-se a tendência para um papel activo de interpretação pelos próprios órgãos das organizações, sejam ou não órgãos judiciais.

Do princípio da igualdade jurídica entre sujeitos de Direito Internacional deriva o corolário da igualdade das partes na interpretação dos tratados que as vinculem, daí que a interpretação autêntica só possa ser efectuada mediante novo tratado a isso destinado ou ligado à sua aplicação.

Acolhida a supremacia de princípio das normas constitucionais sobre as normas convencionais, a resposta à pergunta se poderá haver interpretação conforme com a Constituição de tratados internacionais, será negativa. A interpretação conforme com a Constituição de qualquer preceito legal pode ir, dentro de um postulado de economia jurídica, até onde for razoável para o salvar; e pode descobrir-lhe um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. Já não a interpretação de normas constantes de tratados, a qual tem de se deter perante o imperativo de harmonização e de boa fé nas relações internacionais. Se da interpretação conforme com a Constituição não resultar para as normas internacionais no plano interno um significado essencialmente diverso do que goza no campo do Direito das Gentes, poderá admitir-se.

Para além destas questões gerais, a interpretação dos tratados internacionais tem o problema específico da interpretação de textos que tenham sido redigidos em diversas línguas, perante uma divergência positiva, não propriamente linguística. A grande linha divisória passa por saber se aos tratados internacionais feitos em diversas línguas correspondem ou não textos autentificados em todas essas línguas:

• Se os dois ou mais textos não são todos autênticos, a orientação geral é a de fazer prevalecer o sentido do texto que tenha sido redigido na versão autêntica
• Se os dois ou mais textos são autênticos, presume-se que o respectivo valor é idêntico, só podendo a divergência ser ultrapassada adoptando-se “…o sentido que melhor concilie esses textos, tendo em conta o objecto e o fim do tratado”.


2.3. A integração de lacunas

Se o Direito das Gentes não apresenta o mesmo carácter fragmentário que ostentava antes, não oferece, por certo, a homogeneidade que avulta no Direito Interno. As lacunas são visíveis sim, em relação a este ou àquele conjunto de normas – desde tratados bilaterais à Carta das Nações Unidas, ou a decisões de organizações internacionais (bem como, porventura, em relação a alguns costumes internacionais). E é no respectivo contexto sistemático que se há-de verificar se determinada situação deve ou não ser juridicamente regulada e se falta ou não a norma que sobre ela deveria versar.

As lacunas internacionais representam a ausência de um sentido ordenador em vista de um caso que dele absolutamente carece, para ser resolvido ao nível do Direito aplicável. É que nenhum decisor – maxime, enquanto seja julgador – pode invocar a ausência de norma como desculpa para não decidir. Só ocorre uma verdadeira lacuna quando são percorridos todos os níveis normativos e fontes do Direito Internacional e adicionalmente é necessário que a incompleiçao não seja pretendida pelo Direito Internacional, verificando-se uma falha que contraria o seu programa normativo, Direito Internacional que teria previsto uma solução se se tivesse apercebido dessa mesma falha.

A determinação de lacunas envolve, uma prévia interpretação: só existe lacuna quando se conclua que certa matéria está sujeita a regulamentação jurídica internacional. Uma vez apurada a lacuna, o seu preenchimento far-se-á através dos meios usuais: a analogia e os princípios gerais do Direito. De maneira sistemática e na fala de indicações particulares, não se vê razão para o afastamento dos esquemas que são válidos no âmbito da Teoria Geral do Direito, no qual se pontificam:

• A analogia legis, em que se apela à aplicação de normas que regulam casos dotados de analogia com o caso que carece de tratamento
• A analogia iuris, hipótese em que directamente se recorre a princípios gerais, de acordo com as diversas possibilidades que se organizam.


2.4. A aplicação do Direito Internacional

A Convenção de Viena formula alguns grandes princípios acerca da aplicação dos tratados, os quais valem igualmente para todas as outras fontes:

1) O princípio da boa fé (art. 26º)
2) O princípio da não-invocabilidade de disposições de Direito interno para justificar a não-execução (art. 27º) – o que deixa imprejudicado o problema das relações entre Direito interno e Direito Internacional
3) Princípio da não retroactividade, salvo disposição em contrário (art. 28º)
4) O princípio da aplicação das normas internacionais à totalidade do território dos Estados seus destinatários (art. 29º)
5) O princípio da prevalência da norma nova sobre a anterior a respeito da mesma matéria (arts. 59º e 30º)

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ocupa-se directamente deste assunto, juntando aos tópicos típicos da aplicação das fontes normativas a questão da relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno, sendo de discernir os quatro aspectos fundamentais:

Aplicação temporal: abrange simultaneamente três questões distintas:

Inicio da vigência temporal: o início da vigência temporal, já vista aquando do estudo do procedimento de feitura dos tratados internacionais, ocorre na falta de momento especial, depois do último sujeito que assinou o texto ao mesmo manifestar a vontade de lhe ficar obrigado. Estabelece-se a regra de que os tratados não são retroactivos, mas esta orientação geral que aceita derrogações, pode haver efeitos retroactivos se essa for a vontade das partes, expressa ou tacitamente produzida.
Fim da vigência temporal: concretiza-se nos diversos momentos de caducidade, de revogação e de desvalor jurídico
Sucessão de tratados internacionais: joga-se no problema da sua temporalidade, sendo necessário que a certa regulação suceda outra regulação dita nova; mas a questão pode assumir contornos mais complexos sempre que seja necessário estabelecer um regime jurídico internacional transitório, podendo diferenciar-se entre um regime formal – que remete para uma das regulamentações em causa, a antiga ou a nova – e um regime material – que elabora uma solução própria, com normas específicas.

Aplicação espacial: associada aos sujeitos que à mesma se vincularam, embora não tenha de se lhes necessariamente reduzir. A orientação prevalece é a que for determinada pelas disposições finais de cada texto convencional, podendo até estabelecer-se regras de delimitação a respeito do espaço geográfico. Na falta de tais disposições, é de supor que os tratados internacionais se aplicam à totalidade dos territórios dos sujeitos que aos mesmos se obrigaram, tendo sido a sua vinculação feita sem especificações territoriais.
Aplicação pessoal: refere-se ao círculo de entidades jurídicas internacionais a quem os respectivos efeitos são concernentes. Prevalece o princípio segundo o qual os efeitos atingem quem nos mesmos autorizou, pois pacta tertiis nec nocent nec prosunt, afirmação do princípio da relatividade dos tratados internacionais – “um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o consentimento deste”.
Aplicação interna: num eventual incumprimento nesta aplicação, existem três teorias sobre este assunto: (i) a da irrelevância, devendo o tratado ser válido; (ii) a teoria da relevância, não podendo o tratado ser válido; (iii) a teoria da relevância parcial, não afectando a validade, mas instituindo o Estado em responsabilidade internacional. Estabeleceu-se no entendimento geral da irrelevância geral do Direito Interno para efeitos de validade internacional dos tratados: “uma parte não pode invocar as disposições do seu Direito Interno para justificar a não execução de um tratado”. Assim sendo, o Direito Constitucional não pode ser alegado em defesa da não aplicação interna dos tratados internacionais. A razão é que se assim não fosse dada a heterogeneidade dos sistemas constitucionais estaduais, nunca se alcançaria qualquer uniformidade na contratação internacional. Se esta orientação não existisse, também nunca existiria uma vinculação comum e por isso há mecanismos para libertar os \ Estados de certos constrangimentos internos, assim como há mecanismos para que os Estados reflictam bem aquando da vinculação a determinado tratado internacional. Mas esta aplicação da irrelevância do Direito Interno não é absoluta, sendo limitada: “a circunstancia de o consentimento em ficar vinculado por um tratado ter sido manifesto com violação de uma disposição do seu Direito Interno relativa à competência para concluir tratados não pode ser invocada para esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, salvo se essa violação tiver sido manifesta e disser respeito a uma norma de importância fundamental do seu Direito Interno”. Sendo assim apenas duas situações são relevantes:

Violação manifesta: do preceito do Direito Interno relativo à competência para a conclusão de tratados internacionais
Violação de importância fundamental: de regra do Direito Interno atinente à competência para a conclusão de tratados internacionais

Quando os Estados Unidos celebram um tratado, vinculam todos os 50 Estados; quando Portugal celebra um tratado, vincula o Continente e as ilhas, mas não territórios exteriores como Macau.

Ocorre sucessão de tratados quando um novo tratado, concluído entre as mesmas partes, visa expressamente substituir o que até então se encontrava em vigor ou contém cláusulas incompatíveis com as deste (arts. 59º, nº1 e 30º nº3 Convenção de Viena). Todavia, se as partes no primeiro tratado não são todas partes no segundo, é o tratado no qual os dois Estados sejam partes que rege os seus direitos e obrigações recíprocos (art. 30º) seja este tratado novo ou antigo.





Capítulo IV – Direito Internacional e Direito Interno

1- Aspectos fundamentais

Uma primeira área desta problemática é a concepção respeitante à estrutura do Direito Internacional e à sua conjugação com o Direito Interno, a do entendimento a dar ao Direito Interno como ordem jurídica frente ao Direito estatal. Um segundo domínio é o modo de estabelecer a relação entre as normas de Direito das Gentes e as normas de Direito interno. Uma terceira questão concerne as relações hierárquicas e funcionais entre as normas de Direito Internacional aplicáveis na ordem interna, e as normas de direito interno, sejam estas constitucionais, sejam ordinárias.


2- Dualismo e monismo

Segundo as concepções dualistas de Heinrich Triepel, o Direito Internacional e o Direito interno são dois mundos separados, dois sistemas com fundamentos e limites distintos. Nenhuma comunicação directa e imediata, existe entre ambos. Este pensamento põe em causa a natureza do ordenamento do Direito das Gentes. Os seus argumentos são:

Diferença de fontes: enquanto no plano interno a lei, como acto jurídico público de feição unilateral, no plano internacional, vai prevalecendo mais e mais o tratado, que tem uma raiz contratual e não unilateral
Diferença de sujeitos: enquanto que no plano interno as fontes normativas se aplicam a uma multidão de entidades jurídicas, públicas e privadas, singulares e colectivas, no plano internacional o conjunto dos sujeitos é restrito a uma dimensão ainda demasiadamente institucional, composta por entidades de Direito Público
Diferença de mecanismos garantísticos: enquanto que no plano interno os mecanismos de coerção funcionam com eficácia, a partir dos tribunais, apoiados depois nas forças policiais e nas forças armadas, no plano internacional, a estrutura jurisdicional, ainda que existente, é bastante frágil, sendo poucos os mecanismos de aplicação das respectivas sanções

As correntes monistas afirmam a unidade sistemática das normas de Direito Internacional e das normas de Direito interno. São ordenamentos comunicáveis, um não pode ignorar o outro e tem de haver meios de relevância recíproca das respectivas fontes. As normas desta ou daquela origem vêm reger as mesmas situações da vida, as mesmas relações, matérias, obrigações e articulações. Os seus argumentos são:

• Proximidade de fontes: se é verdade que para os tratados internacionais, enquanto tal, não têm paralelo no Direito Interno, não é menos verdade que, ao nível interno, há já sinais de intensa “contratualizaçao legislativa”, para além do facto de que no Direito Internacional serem relevantes outras fontes, como o costume, que é estruturalmente idêntico ao costume interno que também se considera aplicável
• Coincidência de sujeitos: não pondo em causa o maior pendor institucional do Direito Internacional não se pode também dizer que outros sujeitos, como a pessoa humana, não sejam directos destinatários das suas normas, sendo ainda de considerar que o Estado, ao nível interno, é também destinatário dos actos jurídicos públicos que ele próprio dimana
• Diversificação dos mecanismos de garantia: o ponto de partida quanto à perfeição do aparelho estadual de coerção nem sempre é verdadeiro, com o recurso cada vez mais frequente às soluções arbitrais, ao mesmo tempo que, no plano internacional, se tem privilegiado a consolidação das estruturas jurisdicionais, de que o recente Tribunal Penal Internacional vem a ser exemplo.


O monismo divide-se abstractamente no monismo com primado no direito interno e monismo com primado no direito internacional.

Monismo com primado no direito interno: reverte para uma negação do direito internacional por se aproximar muito da orientação já ultrapassada, que o direito internacional é uma espécie de direito estatal externo. Há só um universo jurídico, e quem o comanda é o direito interno. O fundamento do direito internacional encontra-se numa norma do direito interno. Não resolvendo o problema do dualismo, esta concepção acaba por cair no mesmo erro epistemológico de base, que é o da exaltação da vontade estadual. Como refere Albino de Azevedo Soares: “fundando-se num voluntarismo radical, acaba por negar todo o Direito Internacional Público, ficando completamente cega ao facto de o Direito Internacional geral fazer parte da ordem jurídica de cada Estado, mesmo sem que a vontade deste se manifeste em tal sentido”.
Monismo com primado no direito internacional: reitera de forma pouco nítida a integração das normas jurídicas internacionais e estatais num todo mais amplo, mas esta unidade resulta do direito internacional e da projecção das suas normas no direito interno. Prevalecem portanto as normas do direito internacional sobre as do direito interno. Este género de monismo ainda se divide no monismo radical e no monismo moderado:

Monismo radical: qualquer norma de direito interno, inclusive o constitucional, só será válida se respeitar as normas do direito internacional, porque a norma do direito internacional é a fundamental
Monismo moderado: linha mais mitigada que assume que a relação entre os dois ordenamentos não se reconduz necessariamente a uma linha de validade, pois só por haver desconformidade com a lei interna e o tratado, não significa que a lei é invalida e claro que, separando o direito constitucional do direito ordinário, é o direito constitucional, que é interno que vai regular o modo como as normas internacionais adquirem relevância ou são recebidas na ordem interna.

Em relação a tudo isto, ao longo das décadas a adesão ao monismo com primado no direito internacional tem sido grande, por variadíssimas razões como o alargamento das matérias objecto de regulamento pelo direito internacional. A doutrina vem a preferir um monismo moderado, pois um radical iria, desrespeitando o Estado, criar um federalismo sem base. Finalmente, relembrando o ius cogens, que tem primado sobre todo o direito, leva-nos a concluir que o primado do bem comum universal é o que prevalece.


3- Sistemas de relevância do Direito internacional na ordem interna

Existem dois sistemas ou modelos típicos de conferir relevância às normas internacionais na ordem interna de um Estado:

a) Sistemas de transformação ou de execução – as normas internacionais só vigoram na ordem interna quando convertidas em normas de direito interno. O Direito Internacional, ao chegar ao Direito Estatal, muda de natureza, operando-se uma transmutação radical assente nas doutrinas dualistas. Distingue-se os sistemas de transformação implícita, quando as normas internacionais têm de ser objecto de acto interno para vigorar internamente, mas basta que seja um acto inserido em procedimento de natureza idêntica à do acto legislativo; e os sistemas de transformação explícita, quando as normas internacionais têm de ser conteúdo de lei ou de outro acto normativo interno, têm de por ele ser repetidas ou reproduzidas.
b) Sistemas de recepção – assenta na ideia de que o Direito Internacional pode fazer parte do Direito Interno, conservando a sua natureza original, não sendo necessário fazer qualquer operação no seu título de validade, com tudo quanto isso implica do ponto de vista da sua hermenêutica e da aferição do seu âmbito de aplicação. Esta concepção assenta no monismo estrutural e distingue-se em

• Recepção automática: as normas internacionais vigoram enquanto tais, interpretadas e integradas de acordo com os critérios de Direito Internacional e sofrendo as vicissitudes que aí sofram. Pode este sistema ser de recepção plena ou formal, quando a recepção de quaisquer normas internacionais vinculativas do Estado, independentemente da matéria se verifica; e de recepção semiplena ou material, quando só se recebem as normas consoante as matérias.
• Recepção condicionada: acontece quando a incorporação do Direito Internacional no Direito Interno carece de um acto de interposição, que não transforma a sua natureza, mas que condiciona a respectiva vigência

Distinto do conceito de recepção é o conceito de efeito directo, a possibilidade de invocação de norma internacional perante os tribunais de direito interno, seja contra o Estado e as entidades públicas (efeito directo vertical), seja frente a particulares (efeito directo horizontal). Este efeito refere-se a normas internacionais atributivas de direitos ou de reconhecimento de interesses legítimos ou de imposição de adscrições. Claro que havendo recepção automática, há sempre efeito directo.

A ilação que se tira é a de que ao Direito Interno, essencialmente o Direito Constitucional, compete a tarefa de definir os termos da incorporação do Direito Internacional, passando-se de um modelo – que é conceptual – a um sistema – que implica a sua inserção numa opção jurídica positiva concreta.


4- Relance de Direito Constitucional Comparado quanto à inserção e posição internas do Direito Internacional

O Direito estadual aceita o Direito Internacional de diversas formas, para que ele vigore na ordem interna dos Estados. Um confronto das várias experiências estaduais mostra-nos que os sistemas possíveis são três:

a) O Estado recusa em absoluto a vigência do Direito Internacional na ordem interna. Por isso, para que o conteúdo de uma norma internacional vigore na ordem interna tem de se reproduzido por uma fonte interna. Consequentemente a norma internacional nunca vigorará como tal na ordem interna mas apenas como norma interna. É o chamado sistema de transformação, que às vezes se exprime pela simples ordem de execução – sistema de Estados que adoptam uma solução dualista
b) O Estado reconhece a plena vigência de todo o Direito Internacional na ordem interna, mediante uma cláusula geral de recepção automática plena. A regra internacional vigora na ordem interna mantendo a sua qualidade de norma de Direito Internacional – sistema corolário da solução monista com o primado do Direito Internacional
c) Sistema misto: O Estado não reconhece a vigência automática de todo o Direito Internacional, mas reconhece-o só sobre certas matérias. As normas internacionais respeitantes a essas matérias vigoram portanto, na ordem interna independentemente de transformação, ao contrário, todas as outras vigoram apenas mediante transformação. Este sistema é conhecido por sistema da cláusula geral semiplena.

4.1. O Direito Constitucional Britânico

O Direito Constitucional tem logo a dificuldade de não se consubstanciar num texto formalmente constitucional, sendo as soluções esparsamente formuladas, mas em que parece ser de distinguir entre o Direito Internacional Costumeiro e o Direito Internacional Convencional:

• No Direito Internacional Costumeiro, adopta-se o modelo de recepção automática, uma vez que se aplica o brocado “International Law is part of the Law of the Land”
• No Direito Internacional Convencional, segue-se o modelo da transformação, dada a necessária participação do Parlamento que produz um acto legislativo, em nome do sacrossanto princípio da soberania parlamentar

• Hierarquicamente, o Direito Internacional, no Direito Britânico, ocupa uma posição idêntica à Lei. Falamos numa conjugação da recepção automática plena (do Direito Internacional geral) e da transformação (do Direito Internacional Convencional).


4.2. O Direito Constitucional Italiano

Este Direito contém disposições acentuadamente dualistas em relação à incorporação do Direito Internacional, na esteira das correntes dualistas que durante muito tempo frutificaram na correspondente dogmática publicística:

• No Direito Internacional Geral reconhece-se uma recepção automática plena por parte do Direito Interno
• No Direito Internacional Convencional são várias as disposições que esclarecem a intervenção dos diversos órgãos competentes, quer do Presidente quer da Câmara

No tocante à hierarquia, não havendo disposição especial, tem o problema sido enquadrado numa óptica da legalidade. Mesmo dualista, a Constituição Italiana aceita a recepção automática plena.


4.3. Lei Fundamental de Bohn – Direito Constitucional Alemão

O Direito Alemão em relação à inserção do Direito Internacional, separa o Direito Internacional Costumeiro do Direito Internacional Convencional:

Para o primeiro, que “as normas gerais do Direito Internacional Público fazem parte integrante do Direito Federal”, que prevalece sobre as leis
Para o segundo, que se adopta um procedimento interno equivalente ao procedimento legislativo, tendo valor de lei federal. Pelo que neste passo é mencionado o processo de celebração dos tratados mas não a sua validade. A jurisprudência alemã tem aceite a vigência do Direito Internacional Convencional no plano interno, divergindo, todavia, quanto ao fundamento a dar-lhe. Na doutrina alguns autores defendem a existência de uma cláusula geral, outros, a de uma transformação implícita, porque o artigo 59º da Lei Fundamental de Bohn exige para a conclusão dos tratados internacionais o mesmo processo de elaboração da lei interna. Afirma-se-nos que a melhor solução é a primeira, porque a prática tem mostrado que o tratado só entra em vigor internamente no momento do início da sua vigência internacional e não no da ratificação, o que parece indicar que ele vigora, primariamente, como fonte internacional e não como fonte interna.


5- Relações entre normas de Direito Internacional e normas de Direito Interno

A força jurídica das normas de produção interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posições:

Força jurídica supraconstitucional das normas internacionais
Força jurídica constitucional dessas normas
Força jurídica infraconstitucional, mas supralegal dessas normas
Força jurídica igual às normas legais
Força jurídica infralegal

Na Constituição Portuguesa, o lugar das normas internacionais não está explícito, pelo que a legislação se mostra prudente. Há maneiras, que se seguem nos seguintes desenvolvimentos, de tirar conclusões.


6- A relevância do Direito Internacional na ordem interna à sobra da Constituição de 1976

A Constituição vigente confere vigência ao Direito Internacional na ordem interna portuguesa. Depois de no artigo 7º definir os princípios que devem presidir às relações internacionais de Portugal, reza a Constituição no seu artigo 8º:

“As normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum fazem parte integrante do Direito Português
As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português
As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.

Da leitura deste preceito ressalta que cada um destes três números em que ele se divide adopta um sistema diferente para a vigência das respectivas regras do Direito Internacional.

Assim, no seu nº1 esse artigo 8º recebe “as normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum” através de uma clausula geral de recepção plena. Surge um problema de saber o que é que se encontra abrangido por esta expressão “as normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum”. Para André Pereira e Fausto de Quadros, cabe aí tudo o que se engloba no conceito de “Direito Constitucional Internacional”, de aceitação generalizada da Comunidade Internacional, abrangendo os princípios gerais do Direito e do Direito Internacional, os tratados internacionais universais e para-universais, como a Carta das Nações Unidas, normas que para alguns fazem parte do chamado ius cogens internacional, logo direito imperativo para os Estados. Ainda neste número, ao depararmo-nos com a contemplação do “direito geral ou comum” levar-nos-ia a negar formalmente a possibilidade deste número englobar também costumes bilaterais e particulares e, em geral, os costumes regionais ou locais. Também para André Gonçalves e Fausto de Quadros, tal não é assim, por declararem que o legislador não quis excluir, se não na sua letra pelo menos não no seu espírito, o Direito consuetudinário particular. Existem certas convenções internacionais de teor universal, e a sua existência punha em dúvida quanto ao seu reconhecimento de um género de Direito Internacional Convencional Geral, persistindo a duvido quanto à sua recepção: será automática ou condicionada. Prefere-se, por ser mais apropriada, que não seja automática.

O artigo 8º nº2, por sua vez, confere vigência ao Direito Internacional convencional que não ficou abrangido pelo nº1 desse artigo. Também aqui a Constituição se serve de uma cláusula geral de recepção plena, ainda que não seja absoluta, mas sim condicionada, por exemplo à “publicação oficial” das convenções. Claro que uma recepção condicionada em nada se assemelha a uma transformação uma vez que não havendo actos legislativos, há sim actos políticos. Na previsão cabem tanto os tratados solenes como os acordos em forma simplificada. Isto quer dizer que a eficácia de convenção que não a sua validade, está dependente da verificação de duas condições: a sua publicação no jornal oficial e a regularidade do processo da sua conclusão por Portugal (“regularmente ratificadas ou aprovadas”). Estes requisitos são:

• Em primeiro lugar impõe-se que sejam regularmente ratificados ou aprovados, sendo aqui o padrão aferidor dessa regularidade simultaneamente internacional, maxime pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, e interno, à luz das disposições constitucionais aplicáveis
• Em segundo lugar, é necessário que se dê a sua antecipada publicação no jornal oficial de Portugal
• Em terceiro lugar, exige-se que as normas constantes dessas convenções já vinculem internacional o Estado Português, sendo certo que os momentos de vigência internacional e interna não têm de coincidir sempre

Acrescenta, porém, que essas convenções só vigoram na ordem interna “enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”. De facto, as convenções internacionais só vigoram na ordem interna portuguesa a partir do momento em que obrigarem Portugal. Assim, com certeza que nunca vigorarão na ordem interna antes da data da sua própria entrada em vigor na ordem internacional, só vigorarão no Direito Português a partir do momento em que Portugal esteja vinculado põe elas. Antes desse momento não se poderá colocar qualquer problema de responsabilidade internacional do Estado português pelo não acatamento dessas convenções: nenhum sujeito de Direito é responsável pelo não cumprimento de regas que ainda o não obrigam.

Por sua vez, o nº3 do artigo 8º acrescentado na revisão constitucional de 1982, teve em vista conceder vigência na ordem interna ao Direito Comunitário derivado, isto é, às normas e aos actos emanados dos órgãos das Comunidade que veio a ocorrer com efeitos a partir de 1986. Diz-nos ainda André Gonçalves e Fausto de Quadros que o sistema aqui adoptado foi o da aplicabilidade directa (“vigoram directamente na ordem interna”), com o sentido de aplicabilidade imediata e automática na ordem interna, sem necessidade de interposição de qualquer acto legislativo, regulamentar ou administrativo da parte do Estado Português. Falam de aplicabilidade directa porque, logo em face dos tratados institutivos das Comunidades, ela consiste num conceito fundamental do Direito Comunitário, e falamos da aplicabilidade automática e não de recepção automática porque quanto ao Direito Comunitário não se coloca o problema da sua recepção pelo Direito interno. Segundo os mesmos autores este nº 3, está infectado por 3 vícios:

1) Este nº 3 concede ao Direito Comunitário derivado um regime mais favorável que ao Direito Comunitário original, isto porque ao primeiro concede aplicabilidade directa e ao segundo uma cláusula de recepção plena e ainda por cima condicionada, como se o Direito Comunitário se confundisse com a generalidade dos tratados internacionais. Desta forma ignora a Constituição que aos preceitos de tratados comunitários, a jurisprudência do Tribunal das Comunidades Europeias, reconhece efeito directo na ordem interna dos Estados, ou seja, a invocação de um sujeito a um tribunal nacional, para afastar uma qualquer norma nacional contrária ao regime comunitário. Não há nenhuma razão para que o Direito Comunitário, quer originário quer derivado não tenha um regime original e único, e muito menos que o originário tenha um regime de vigência menos favorável do que o de fonte inferior – o derivado.
2) Esquece de atribuir às decisões emanadas dos órgãos das Comunidade Europeias, quando têm como destinatários sujeitos de Direito Interno dos Estados, uma aplicabilidade directa na ordem interna, como se confere às normas. Esquece que o artigo 189º do Tratado da União Europeia, exige esta aplicação directa, uma vez que estas decisões são autênticos actos administrativos definidos e executórios, portanto, actos individuais e não normas.
3) Toda a filosofia deste número 3, dá mais importância à vigência do Direito Comunitário do eu à legitimação constitucional da limitação dos poderes soberanos do Estado Português, resultante da sua adesão às Comunidades Europeias.


6- Normas de Direito Internacional geral e normas constitucionais

A Constituição declara formalmente vários princípios de Direito Internacional geral ou comum, a respeito dos direitos dos homens, dos direitos dos povos à autodeterminação, à solução pacífica de conflitos, etc. (art. 7º). Diz ainda que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais têm que ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração dos Direitos do Homem (art. 16º). Ainda admite a punição, nos limites da lei interna, da acção ilícita criminosa segundo os princípio do Direito Internacional (art. 29º). Mas serão estes princípios supra constitucionais, constitucionais ou infra constitucionais?

Os princípios consignados no art. 7º, correspondem a princípios de ius cogens. Ora estes princípios são estruturantes da comunidade internacional e sobrepõem-se à Constituição, pelo que o ius cogens é um limite heterónomo à lei constitucional, sendo portanto supra constitucional. Em relação aos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que não pertençam ao ius cogens (princípio da igualdade por exemplo, que pertence), têm valor constitucional, por virtude da recepção formal operada no art. 16º. Quanto aos princípios referidos no art. 29º, fazem parte do corpo da lei e, portanto não podem ultrapassar os quadros do Direito ordinário.

A universalidade da nossa Constituição leva-nos a hesitar a respeito das restantes normas de Direito Internacional geral, se lhe daríamos grau constitucional, infra constitucional. Há quem pergunte que sentido teria afirmar que determinadas normas ou determinados princípios se impõem a todos os Estados se depois se vem admitir que a Constituição pode infringir tais normas. Quem sustente que todo o Direito Internacional geral ou comum é essencialmente ius cogens, ou quem proclame o princípio de harmonia da Constituição com o Direito Internacional, principalmente com o Direito Internacional dos direitos do Homem. Mas antes de contra alegar estas ideias vamos vê-las, pois são elas particularmente de Fausto Quadros e André Gonçalves.

Para estes, são três as razões que os levam a colocar o Direito Internacional geral acima do Direito Constitucional:

1) A sua própria natureza e a sua composição, como vimos ele é composto por regras consuetudinárias ou pactícias que se impõem a todos os Estados, ora dizer-se que o Direito Internacional Geral cede perante as Constituições dos Estados é negar que ele obrigue todos os Estados, é ignorar que ele é geral ou comum
2) Reside no facto de o Direito Internacional geral ser, essencialmente, Direito Internacional imperativo, ou seja, ius cogens. Ora não se vê como é que uma norma internacional pode ser imperativa para um Estado se não prevalecer sobre todas as suas fontes de Direito Interno, inclusive sobre a Constituição
3) Só se consegue que as normas e princípios do Direito Internacional comum façam parte integrante do Direito Português, se for dado ao Direito Internacional geral uma grau supra constitucional

É fácil criticar a ideia, uma vez que os próprios arts 53º e 64º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, supõem que nem todas as normas do Direito Internacional geral sejam comuns ao ius cogens. Claro que ao saber que todas estas normas, excepto as de ius cogens e dos direitos universais do Homem, são motivo de fiscalização constitucional, prova sem sombra de dúvida a superioridade do poder constitucional.

A nossa Constituição é universalista, mas devemos considerar que as restantes leis do direito internacional geral são supralegais, mas infraconstitucionais.


7- Normas de Direito Internacional convencional e normas constitucionais

As normas constantes de tratados internacionais perante a Constituição posicionam-se numa relação e subordinação. Bastaria lembrar a sujeição de tais normas à fiscalização de constitucionalidade, se bem que com especialidades significativas.


8- Normas de direito das organizações internacionais e normas constitucionais

Se o direito internacional convencional se queda num plano inferior da Constituição, então o direito próprio das organizações internacionais, o qual repousa nos tratados constitutivos destas organizações, também, há-de logicamente, assim se situar. Poderia dizer-se que é não é tão simples, porque não pode obliterar-se a dinâmica inerente a certas organizações, a relativa autonomia que adquirem em face dos momentos e actos fundadores. Mas a vida institucional própria não implica transformação em realidades diferente com apagamento das Constituições dos Estados.

Problema mais sério e o do Direito Comunitário, cuja ordem jurídica forma um sistema extenso e compacto, em crescimento constante, e que se pretende autónomo em relação ao restante Direito Internacional. Sobre este tema, vamos ver três doutrinas sobre esta questão: (i) Jorge Miranda e (ii) André Gonçalves e Fausto Quadros.


8.1. Teoria do Direito Comunitário de Jorge Miranda

O Tribunal de Justiça das Comunidades, numa ousada construção pretoriana, tem vindo ao longo destes anos, a definir o primado do seu Direito sobre o Direito interno dos Estados membros, incluindo do Direito Constitucional, através de asserções como estas:

“O recurso às regras ou noções jurídicas do Direito nacional para julgar a validade de actos emanados das instituições da Comunidade teria efeito atentar contra a unidade e a eficácia do Direito Comunitário”;
“A proeminência do Direito Comunitário é confirmada pelo artigo 189º do Tratado de Roma, nos termos do qual os regulamento têm valor obrigatório e são directamente aplicáveis em qualquer Estado membro”;
“A esse Direito não poderiam, em virtude da sua natureza, ser opostas em juízo regras do Direito nacional, fossem elas quais fossem, sob pena de se perder o seu carácter comunitário e de ser posta em causa a base jurídica da própria Comunidade”;
“As disposições dos tratados e os actos das instituições directamente aplicáveis têm por efeito impedir a formação de novos actos legislativos nacionais incompatíveis”

No nosso país, o Tribunal Constitucional não teve que se pronunciar até agora sobre isto, pelo que deixamos este problema para a doutrina. Segundo os autores que propugnam a supremacia do Direito Comunitário, para que este Direito vigore na ordem interna dos Estados e prime sobre o Direito do Estado, não é necessário que a Constituição o diga: quando um Estado adere às Comunidades aceita implicitamente a sua ordem jurídica com todas as suas características essenciais – com todos os seus atributos – e o primado é o primeiro deles. O disposto, no art. 8º nº3, diz Fausto Quadros, deve prevalecer aos art. 204º e 278º da Constituição. E em linha mais radical Eduardo Correia Baptista, considera incontornável o regime do Direito Comunitário e os factos decorrentes do seu “implacável” sistema de garantias. É algo de penoso ter de o reconhecer, mas a existir uma norma nula internamente, esta norma será a constitucional por contrariar a norma comunitária e não o inverso … e as normas nulas não vinculam tribunais.

Julga, Jorge Miranda, que o Tribunal de Justiça tem ido longe demais no seu zelo integracionista e que a doutrina da supremacia absoluta do Direito Comunitário só se justifica numa fase de Estado federal. A construção produzida não decorre do sentido básico do Tratado de Roma. Proveniente de juízes sem legitimidade democrática, não espelha a vontade comum dos parlamentos dos Estados membros. Conduz a resultados inadmissíveis tanto no contexto daquele tratado como dos tratados de Maastricht, Amesterdão e Nice. Como tem sido sublinhado, há uma contradição com os alicerces políticos das Comunidades. Estas apelam aos princípios democráticos e ao respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos. Ora não é num Estado democrático, a Constituição a máxima expressão da vontade popular manifestada por assembleia constituinte ou por referendo? Como conceber então que a ela se sobreponha uma normação proveniente de órgãos sem base democrática imediata (o Conselho e a Comissão)? Como conceber que às democracias Constituintes dos países europeus se sobreponha uma normação burocrática e tecnocrática como a que desses órgãos dimana?

O Direito Comunitário tem que encontrar harmonia com as Constituições nacionais, pois é o próprio Tratado da União Europeia que acolhe, se não a supremacia, pelo menos a recepção formal das normas constitucionais. A relação entre o Direito Interno e o Direito Comunitário constrói-se com base nos princípios da atribuição de competências e da colaboração ou complementaridade funcional de ordenamentos autónomos e distintos.

É certo que as normas comunitárias não são fiscalizadas constitucionalmente, mas aqui o que conta é o princípio da constitucionalidade expresso no art. 3º nºs 2 e 3, e justificado pelo princípio da repartição material de competências, concretizado nas cláusulas implícitas ou explícitas da limitação de soberania, e mesmo assim esta não fiscalização só se dá naquelas normas que garantam o núcleo essencial da Constituição, insusceptível, por natureza, de integrar o âmbito da delegação de competências pacticiamente definido. Não se trará de conferir à norma comunitária um valor supraconstitucional, insuperavelmente contraditório com a própria ideia de Constituição.


8.2. André Gonçalves e Fausto Quadros

O primado do Direito Comunitário sobre o Direito Estatal traduz-se na expressão de Hans-Peter Ipsen, numa emanação do “princípio da garantia da capacidade para o cumprimento das funções das Comunidades”, isto é, do princípio que assegurava a capacidade das Comunidades prosseguirem os seus objectivos e, portanto, que garante a própria subsistência das Comunidades. Ou seja, se num caso de conflito entre uma norma comunitária e uma norma constitucional, a primeira pudesse ser afastada pela segunda, seria a própria subsistência do Direito Comunitário como Ordem Jurídica aos Estados membros, que viria ser posta em causa, porque é da sua natureza intrínseca, da sua essência, a sua uniformidade para todos os Estados. Sem essa uniformidade não há integração, sem integração não há Comunidade.

Ora a uniformidade do Direito Comunitário impõe o primado de todo o Direito Comunitário sobre o Direito estadual, para que ocupe um lugar supraconstitucional. Pelo que haver primado do Direito Comunitário sobre tudo menos sobre o Direito Constitucional, equivale a recusar o primado absoluto e incondicional, necessário à universalidade do Direito. Ainda, estar a filtrar o Direito Comunitário pelas 15 Constituições diferentes é perder a característica essencial deste Direito, que é a sua uniformidade.

Este primado recorre de artigos da CEE, que não foram mudados no Tratado de Maastricht, como o 5º que consagra a manifestação de boa fé, e impõe aos Estados membros o dever de se absterem de tomar quaisquer medidas susceptíveis de por em perigo a realização dos objectivos daquele tratado, e o artigo 189º que confere de forma expressa, ao regulamento “aplicabilidade directa”, que tem como pressuposto lógico o primado.

Claro que tudo isto vai contra o que está suposto na nossa Constituição, onde estes autores encontram enfermidades, bem legitimadas pelas suas convicções. Ora sabemos que pelo nº 3 do artigo 8º que o primado não engloba o Direito Comunitário original, que está previsto no nº2 do mesmo artigo. Ideia reforçada pela sujeição de todos os tratados serem submetidos a fiscalização constitucional (reforça-se a ideia que o Direito Comunitário derivado não é fiscalizado constitucionalmente) pelos arts. 204º; 278º e 279º. Encontram para esta realidade, críticas fortes, já enumeradas no ponto 6 deste capítulo.


9- Normas de direito internacional e normas de direito ordinário

As normas de direito internacional geral ou comum, e convencional, primam sobre as normas de direito ordinário português, anteriores ou posteriores. O direito internacional convencional posterior deve prevalecer sobre o direito ordinário português anterior. Podem no entanto, surgir dificuldades entre o direito internacional convencional anterior e o direito ordinário posterior, ainda que aqui todos se pronunciem pela supremacia do primeiro. Isto tudo por vários motivos:

a) Pelo princípio geral de direito segundo o qual alguém que se vincule perante outrem (no caso, por meio de tratado) não pode depois por acto unilateral (no caso, por meio de lei) eximir-se ao cumprimento daquilo a que se tenha obrigado
b) Pela conveniência ou pelo interesses fundamental de harmonização da ordem interna e da ordem internacional que só dessa forma se consegue
c) Pela lógica da recepção automática, que ficaria frustrada se o Estado, em vez de denunciar certa convenção internacional, viesse por lei dispor o contrário
d) Pela prescrição do art. 8º, nº2 de que os tratados vigoram na ordem interna “enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”
e) Embora só complementarmente, pela colocação, no art. 119º, nº 1 das convenções internacionais imediatamente depois das leis constitucionais antes dos actos legislativos


10- Regime de inconstitucionalidade de normas internacionais

Do primado das normas constitucionais relativamente às normas convencionais e derivadas de organizações internacionais decorre e inconstitucionalidade destas quando desconformes. A Constituição rege os comportamentos dos órgãos do poder que se movam no âmbito do direito interno, e, por conseguinte, todos os seus actos quanto a todos os seus pressupostos, elementos, requisitos, têm de ser conformes com ela. Aí se incluem actos de direito interno que correspondem a fases do processo de vinculação internacional do Estado, os quais podem, pois, ser inconstitucionais ou não. Pelo contrário, os actos que decorram na órbita do direito internacional não são, enquanto tais, susceptíveis de inconstitucionalidade. São susceptíveis de inconstitucionalidade os conteúdos desses comportamentos enquanto deles se desprendam, quer tomados em si mesmos (inconstitucionalidade material), quer tomados em conexão com actos de direito interno atinente à vinculação do Estado e, assim de certa maneira à sua produção (inconstitucionalidade orgânica e formal). Daí, um eventual juízo de inconstitucionalidade de normas jurídicas internacionais se limite à ordem interna do Estado cujos órgãos de fiscalização o emitem, e não para além dele – o que, sendo inteiramente lógico, levanta delicados problemas.

Se nenhum preceito específico da nossa Constituição se ocupa da inconstitucionalidade material das normas internacionais, da inconstitucionalidade orgânica e formal cuida o art. 277º, estabelecendo que a inconstitucionalidade orgânica e formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental. Justifica-se pois em nome da preferência do elemento teleológico sobre o elemento literal e o histórico, proceder a uma interpretação do art. 277º. Na óptica da “violação de disposição fundamental”, parecem caber na previsão do art. 277º, nº2 quatro hipóteses:

a) Incompetência absoluta, por aprovação de convenção por órgão sem competência de aprovação de tratados internacionais (ex: Presidente da República)
b) Incompetência relativa, por aprovação pelo Governo de qualquer tratado político das categorias indicadas na primeira parte do art. 161º i) da C.R.P.
c) Aprovação de tratado sobre questão relativamente à qual tenha havido resultado negativo em referendo, antes do decurso dos prazos constitucionais
d) Inexistência jurídica da deliberação da Assembleia da República, por falta de quórum ou de maioria de aprovação

O art. 277º nº 2 não afecta a fiscalização preventiva da constitucionalidade de tratados; apenas afecta – limitando-a no seu alcance – a fiscalização sucessiva.


11- Regime da desconformidade de leis com normas internacionais

Afirmada a prevalência das normas do direito internacional sobre as leis internas, podem acontecer desconformidades. Na hipótese de infracções de princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, trata-se de inconstitucionalidade por causa da recepção operada pelo art. 16º da Constituição. No caso de contradição entre lei e tratado, a doutrina divide-se na resposta. Se for inconstitucionalidade, aplicar-se-á de pleno o correspondente regime geral de fiscalização; se não for e se não for possível estender-lhe esse regime, haverá que procurar uma solução adequada. Mantemos a opinião segundo a qual a desconformidade entre normas dos dois tipos não se reconduz a inconstitucionalidade, pois o que está em causa é uma contradição entre normas não constitucionais, daí talvez se possa falar de uma inconstitucionalidade indirecta. Para além do mais, não se verifica inconstitucionalidade quando ocorre violão de um tratado relativo aos direitos do homem, como o art. 16º nº1 refere, por conter uma clausula aberta de direitos fundamentais, mas não converte as normas que remete em normas de valor constitucional.

O que se diz acerca da relação entre a lei e tratado vale outrossim para a contradição entre lei e direito internacional geral ou comum ou entre lei e direitos das organizações internacionais ou de entidades afins.

Quanto à eventual infracção de normas de direito comunitário por lei interna, também os tribunais em geral são competentes para apreciar e para não aplicar em tal hipótese, a norma interna portuguesa. Na lógica do direito comunitário, a haver recurso será para um tribunal das próprias Comunidades Europeias, por meio do reenvio prejudicial. E a solução análoga deverá ser dada à desconformidade entre norma de direito comunitário derivado e norma de direito comunitário originário.


12- As consequências da desconformidade

A desconformidade entre norma legal e norma constitucional determina na invalidade, diversamente entre a norma convencional e constitucional ou norma legal e norma convencional determina em ineficácia jurídica. A diferença decorre de a Constituição ser o fundamento de validade da lei e dos demais actos, e apenas limite de produção de efeitos das normas jurídicas internacionais. E tão-pouco o tratado é fundamento de validade de lei, mas somente obstáculo à sua eficácia: ou seja, o clausulado apenas se limita a impedir que a lei produza os seus efeitos típicos.

Haverá repristinação em caso de inconstitucionalidade de norma convencional ou de ilegalidade de norma legal contrária a tratado, isto por tudo decorrer do direito português. A repristinação de tratado anterior a tratado inconstitucional já não acontece: Portugal ora se considera vinculado a por este tratado ou não, não podendo ir buscar outro tratado marginal do consenso das outras partes.





Capítulo V – Sujeitos de Direito Internacional

1 – Aspectos gerais

1.1. A subjectividade internacional

No direito estatal, o sujeito de direito é sempre a pessoa, mesmo com a existência da pessoa colectiva esta não passa de extensão analógica da pessoa singular. No Direito Internacional a actividade jurídica decorre entre um número relativamente pequeno de sujeitos, em que cujo papel do Estado, como sujeito, é sobrevalorado. O indivíduo e algumas pessoas colectivas também podem ser sujeitos de direito internacional, situação disputada doutrinalmente ao longo dos tempos. Para os pensamentos positivista do séc. XIX, ela identificava-se com a soberania, para a escola realista francesa, pelo contrário, verdadeiros indivíduos eram os indivíduos.

A experiência mostra que a comunidade internacional continua a não englobar senão os Estados e outros entes, e não por agora os indivíduos. A comunidade internacional não segue o exemplo de determinados direitos estatais, que consideram a própria comunidade política como pessoa jurídica. Pois não é reconhecida personalidade jurídica internacional à comunidade internacional, esta não é sujeito deste direito, quanto muito podem aparecer como seus sucedâneos a Organização das Nações Unidas.

Formalmente, sujeito de direito é quem é susceptível de direitos e deveres, quem pode entrar em relações jurídicas, quem pode ser destinatário directo de normas jurídicas. Esta noção é valida para o Direito Internacional, mas carece de concretização através da possibilidade de actividades jurídicas internacionais relevantes e a virtualidade da uma relação directa e imediata com outros sujeitos, agindo nessa qualidade, ou com centros institucionalizados da via internacional.

Aos cidadãos de qualquer Estado são conferidos, através de normas internacionais, direitos que, acrescendo ou não nas contempladas por normas constitucionais, eles poderão invocar perante as autoridades internas. Porém, isso não equivale a transformá-los em sujeitos de Direito Internacional. É preciso ainda que essas pessoas possam agir na vida jurídica internacional. Tem de haver então a possibilidade de acesso a instâncias internacionais para a realização desses direitos atribuídos pelo Direito das Gentes. Tem de haver meios internacionais de defesa ao dispor das pessoas e não só a invocabilidade de normas internacionais. Coisa simétrica se passa com a responsabilidade internacional criminal. Só uma quando se infringe uma norma internacional se pode ser considerado responsável criminalmente ao nível internacional.


1.2. Personalidade e capacidade internacional

Personalidade jurídica não se identifica com capacidade – medida de direito que uma pessoa pode ter (capacidade de gozo) ou que pode exercer, directa e livremente (capacidade de exercício). Pode suceder que, um sujeito de Direito Interno possua graus diferentes de capacidade em relação ao Direito Internacional. Na ordem interna, as pessoas singulares têm capacidade genérica e as colectivas têm capacidade limitada. Na ordem internacional é o Estado soberano que beneficia de uma capacidade genérica e os outros sujeitos, uma capacidade especial.

À capacidade segue a responsabilidade, de maior ou menor capacidade de pratica de actos segue-se a sujeição às consequências dos seus actos, ilícitos ou lesivos, certos ou justos.


1.3. Atribuição da personalidade e reconhecimento

O reconhecimento de Estado e de entidades afins desempenha um papel não despiciendo numa comunidade internacional relativamente fechada e desprovida de órgãos supremos. A sua importância terá diminuindo com a institucionalização operada no nosso século, mas não desapareceu. Em vez de decisão autoritária de cima para baixo, são os sujeitos pré-existentes que interferem no acesso a essa comunidade. Só não há reconhecimento, pela natureza das coisas, no referente aos individuais e às organizações internacionais para-universais.


1.4. Quadro dos sujeitos de Direito Internacional

Este quadro que a seguir se apresenta não esquece alguns sujeitos que existiram no passado. Assim:

• Estados e sujeitos não estatais
• Sujeitos de base territorial e sujeitos sem base territorial
• Sujeitos originários de Direito Internacional e sujeitos não originários – sendo os originários os Estados e a Santa Sé e não originários todos os outros sujeitos
• Sujeitos de fins gerais e sujeitos de fins não gerais – consoante visam ou não uma pluralidade não determinada de fins e sendo os primeiros, os Estados e, eventualmente, entidades afins, e sujeitos de fins não gerais ou de fins especiais são os outros sujeitos
• Sujeitos permanentes e sujeitos não permanente – sendo sujeitos permanentes aqueles em que se verifica uma vocação de estabilidade, de duração sem limites, e sujeitos não permanente aqueles que são apenas reconhecidos em função de certas circunstancias mais ou menos transitórias e tendendo a serem substituídos a médio e a longo prazo por outros sujeitos (como sucede com os beligerantes e movimentos nacionais)
• Sujeitos de reconhecimento geral e sujeitos de reconhecimento restrito – consoante são reconhecidos ou têm vocação ao reconhecimento pela generalidade dos Estados ou somente por alguns (Ordem de Malta)
• Sujeitos de capacidade plena e sujeitos de capacidade não plena – consoante gozam ou não de todos os direitos de participação previstos em normas jurídicas internacionais (aqueles ate agora apenas são os Estados, e não todos os Estados – apenas os Estados soberanos)
• Sujeitos activos e sujeitos passivos – conforme lhes sejam atribuídos direitos e outras situações activas ou ficam apenas adstritos a deveres ou a outras situações passivas de direitos internacional

Tende-se a agrupar tendo em conta estes critérios, os sujeitos em 4 categorias:

• Estado e entidades afins: manifestam-se os elementos relacionais e exclusivistas (tantas vezes) de prossecução de objectivos próprios, que se pretendem gerais em toda a sociedade humana, em confronto com os objectivos de outras sociedades
• Organizações internacionais: fenómeno da institucionalização da vida internacional, havendo dialéctica entre estes organismos e os Estados, uma vez que os Estados afirmam a sua soberania e as organizações a concretização dos seus fins, valores e interesses
• Instituições não estatais: instituições que agem de acordo com os seus fins com uma relativamente pequena interdependência com os Estados
• Indivíduo: pessoa singular que se projecta para além do Direito Interno, e ainda pessoas colectivas privadas.

Há subdistinções a fazer:

Estados e entidades afins:

Estados:

Estados soberanos
Estados com soberania reduzida ou limitada:

Estados protegidos
Estados vassalos
Estados exíguos
Estados confederados
Estados ocupados e divididos

Entidades Pró-Estatais:

Rebeldes beligerantes
Movimentos nacionais, de libertação nacional

Entidades Infra-Estatais:

Colónias autónomas
Mandatos
Fideicomissos (territórios sob tutela)
Territórios sob regime internacional especial

Entidades Supra-Estatais:

Confederações

Organizações Internacionais
Instituições não Estatais (Santa Sé, Ordem de Malta, Cruz Vermelha Internacional)
Indivíduo e, eventualmente, pessoas colectivas privadas

Não são as mesmas fontes normativas de personalidade jurídica internacional:

Quanto aos Estados e à Santa Sé, o Direito Internacional é geral ou comum
Quanto às organizações internacionais e ao indivíduo o Direito Internacional é o convencional
Quanto aos movimentos de libertação, decisões de organizações internacionais


1.5. Os Estados

Classicamente, revelam a existência de soberania três direitos: ius tractuum, ius legationis e ius belli, ou respectivamente o direito de celebrar tratados, o direito de receber e enviar representantes diplomáticos e o direito de fazer guerra. Actualmente com a proibição de fazer guerra, excepto por legítima defesa, acrescenta-se um novo direito ao retirar outro: o direito da impugnação ou reclamação internacional, destinado à defesa dos direitos dos Estados perante órgãos políticos e jurisdicionais de entidades internacionais, e autonomiza-se o direito de participação em organizações internacionais de carisma político essencialmente. Claro que nem todos os Estados têm tido este género de soberania plena.

Pela actualidade e pela observação do passado temos os seguintes tipos de Estado, se bem que é bom repetir, que se caminha para uma igualdade jurídica entre os Estados:

a) Estados protegidos: Estados com a titularidade de direitos internacionais, mas só os podendo exercer através de outros Estados ditos protectores, a cuja supremacia territorial se encontram sujeitos
b) Estados vassalos: Estados que tendo aqueles direitos, estão adstritos a certas obrigações relativamente a outros, não podendo nomeadamente exercer alguns deles sem a sua autorização
c) Estados exíguos: Estados que, pela extiguidade do seu povo ou do seu território, não possuem a plenitude da capacidade internacional e se encontram em situação especial perante os Estados limítrofes
d) Estados conferados: Estados, que por serem membros de uma confederação, ficam com a sua soberania limitada em certas matérias, ainda que se trata de uma limitação de soberania com a contrapartida, ao invés do que acontece nos outros casos, de participação na entidade que dela deriva
e) Estados ocupados e Estados divididos: Estados em situação excepcional decorrente da guerra ou de outras vicissitudes e sujeitos a ocupação ou a formas específicas de limitação político-militar

A capacidade de gozo é limitada para os Estados exíguos, medida essa que fica intacta para os restantes Estados, pois só a sua capacidade de exercício é que fica restringida. Há autores que acrescentam a categoria de Estados neutralizados, referindo-se aqueles que não participam em alianças ou acordos militares, mas tal consideração não é suficiente para a elevar a categoria.

Podem haver Estados sem acesso à vida internacional: os Estados federados que só conservam a soberania na ordem interna, em coerência com a soberania dos Estados que se integram, não já na ordem internacional. Tomando a soberania como capacidade internacional plena, os Estados classificam-se em:

Soberanos
Com soberania reduzida (Estados vassalos, protegidos, confederados, ocupados)
Não soberanos (Estados federados, quer em regime de união republicana quer em união real)


1.6. As entidades pró-estatais

As entidades pró-estatais abrangem os rebeldes beligerantes e os movimentos nacionais e de libertação nacional. São entidades transitórias, ao contrários do que acontece com os Estados, mas entidades que pretendem assumir, na sua totalidade, atribuições afins dos Estados.

Os rebeldes beligerantes, são uma situação emergente onde se verifica uma guerra civil e em que os rebeldes ocupam um território, onde exercem a sua autoridade idêntica ao poder estatal e conseguem manter esta situação por um tempo prolongado.

Por princípio nenhum Estado deve intervir noutro em que ocorra uma rebelião, mas quando esta se prolonga, certos factores políticos, sociais e humanitários levam ao reconhecimento dos rebeldes como beligerantes por parte de alguns Estados, que declaram assumir uma posição de neutralidade entre os contendores. Daí pode advir algumas vantagens para o próprio Governo legal, no domínio da responsabilidade internacional por actos cometidos em territórios em que não consiga exercer a sua autoridade.

Distinguem-se dos beligerantes, os insurrectos, que nunca chegam ao reconhecimento de uma personalidade internacional. Ao passo que os beligerantes pretendem substituir o regime por outro, os movimentos de libertação nacional agem em nome de uma nação ou de um povo que se pretende unir como um novo Estado. Os beligerantes exercem um poder efectivo sobre parte do território, mas o movimento nem é obrigado a uma guerra de guerrilha ou a combate político. A despeito da proclamação da autodeterminação, tal não implica a atribuição de personalidade jurídica aos povos não autónomos ou dependentes. São os movimentos nacionais ou de libertação que podem invocar, através de alguns direitos reconhecidos internacionalmente.


1.7. As entidades infra-estatais

As entidades infra-estatais foram comunidade de base territorial, em alguns casos autónomos, que obtiveram por si, ou através das entidades administrantes, um acesso limitado à vida internacional. Incluem-se as colónias autónomas, alguns “mandatos”, os territórios sob tutela e os territórios internacionalizados.

As colónias autónomas são formas especificas de administração colonial britânica. O seu estatuto era o anterior ao da independência. O art. 1º do pacto da Sociedade das Nações, admitiu a subjectividade internacional das colónias autónomas e dos domínios. Temos hoje em dia Gibraltar e as Bermudas, como exemplos únicos.

Os “mandatos” ou territórios sob mandato eram territórios subtraídos à Alemanha e à Turquia, vencidos na Primeira Guerra Mundial. O art. 22º do Pacto das Nações Unidas considerava um dever, um mandato da comunidade internacional a promoção do bem-estar das suas populações. Havia o tipo A de mandato, em que cujas populações deveriam ser associados ao respectivo governo; mandatos tipo B, onde se aplicava um regime colonial limitado; e os mandatos tipo C, em que a administração era integrada na das potencias mandatárias. Apenas os mandatos tipo A podiam ser sujeitos de Direito Internacional, numa situação semelhante à dos Estados sob protectorado.

Após a Segunda Guerra Mundial os mandatos do tipo B e C foram transformados em fideicomissos, ou territórios sob tutela. Estes territórios estavam sob a alçada da autoridade conjunta da Organização das Nações Unidas.

Os territórios internacionalizados, devido à circunstância histórica, podem através de um seu vizinho com quem tenham vínculos próximos, ter um acesso circunscrito à vida internacional. Falemos pela sua relevância para Portugal, do caso de Timor-Leste, que foi território que recebeu uma “administração transitória” a cargo das Nações Unidas, até à proclamação como Estado soberano.

Diferente desses territórios internacionalizados, com capacidade limitada, e à situação dos territórios internacionalizados sem capacidade jurídica internacional: assim a Antártida, o alto-mar, os fundos marinhos.


1.8. Os poderes internacionais das regiões autónomas portuguesas

As regiões autónomas portuguesas gozam de alguns poderes de incidência internacional, uns com característica de poderes de prossecução por elas próprias de interesses regionais, outros com a natureza de poderes de participação. São poderes de prossecução (art. 227º C.R.P.):

Estabelecer cooperação com outras entidades regionais
Participar em organizações que tenham por objectivo fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional
Participar do processo de construção europeia, mediante representação nas respectivas instituições regionais
Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos.
Participar nas negociações e tratados e acordos internacionais que directamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes
Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, em matérias de interesses específico, na definição das posições do Estado português no âmbito do processo de construção europeia
Participar nas delegações envolvidas em processos de decisão comunitária quando estejam em causa matérias do seu interesses específico

Estes poderes não tornam as regiões autónomas em verdadeiros sujeitos de Direito Internacional. Participam na cooperação inter-regional, e com entidades desprovidas de personalidade jurídica internacional e sempre de acordo com as orientações do governo central sobre a política externa. Quanto à representação em instituições europeias regionais, falamos do Comité das Regiões, sem poderes de decisão, e de todo o modo os representantes das regiões apenas aparecem como seus titulares enquanto representantes do Estado Português. Na negociação de convenções, tudo se passa, como referi, no interior da representação ou delegação de Portugal.


1.9. As entidades supra-estatais

As federações e uniões reais são entidades supra-estatais, que se erigem em novos Estados assimilando outros, porem a forma do Estado é indiferente para efeitos internacionais. Já as confederações assumem relevo no Direito das Gentes por poderem ter personalidade jurídica a par dos Estados confederados. Do pacto confederativo resulta uma identidade, com órgãos próprios, mas não emerge um novo poder político e daí que uma capacidade de direitos é sempre limitada.


1.10. As organizações internacionais

Organizações internacionais são instituições criadas por Estados e também por alguns sujeitos (Santa Sé), destinadas a atingir por seus meios, fins a que se propõem. Eles estão para os Estados como as pessoas colectivas estão para as pessoas singulares, ou seja, são do tipo associativo e adquirem menor grau de autonomia relativamente aos sujeitos que as constituem. Nestas organizações domina o espírito de solidariedade que conduz a fins tendencialmente de carácter geral, a fins inerentes à comunidade internacional

Se as organizações internacionais não são órgãos da comunidade internacional apresentam já expressões de comunidade organizada e de um Direito que ultrapassa a sua mera realização. As principais classificações de organizações internacionais são:

• Quanto aos fins:

o Plurais (Organização das Nações Unidas)
o Especiais

Jurídico-politicas (Conselho da Europa)
Económicas (Fundo Monetário Internacional)
Sociais (Organização Mundial de Saúde)
Culturais, cientificas e técnicas (Organização das Nações Unidas para a Educação)
Militares (NATO)

Quanto ao âmbito geográfico:

Para-universais (ONU)
Regionais ou continentais

• Quanto ao acesso:

o Relativamente abertas (ONU)
o Restritas, ora por razoes geográficas (Organização dos Estados Americanos), ora por razoes de outra natureza (Liga Árabe), ora por razoes político-ideológicas (COMECON), ora por umas e outras (Conselho da Europa)

• Quanto à duração:

o Perpétuas (quase todas)
o Temporárias (NATO)

Quanto aos poderes:

Cooperação (quase todas)
Integração (Comunidades Europeias até ao Tratado de Maastricht)


1.11. As Comunidade Europeias e a União Europeia

As Comunidades europeias são indiscutivelmente, sujeitos de Direito Internacional. Em 1992, o Tratado de Maastricht criou a União Europeia que “se funda na Comunidades Europeias, completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente tratado” (o Tratado de Amesterdão de 1998). A União “dispõe de um quadro institucional único” competindo ao Conselho Europeu, que reúne os Chefes de Estado ou de Governo dos países membros, bem como o Presidente da Comissão. Exercem as atribuições e competências previstas no Tratado da União, o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Constas.

Mesmo com tudo isto, a União Europeia não é um sujeito de direito internacional, pois é uma arquitectura institucional e não uma única entidade. É um sistema de relações que não é uma organização internacional, mas também não é um Estado federal, talvez se aproxime de uma confederação.

Os poderes desta União, não são poderes próprios da União, mas conferidos, aumentados, modificados enfim por meio de tratado: não há uma cidadania da União, nem autoridades comunitárias de coação, somente uma convergência económico-financeira, e matérias de interesse-comum.


1.12. As instituições não estatais

Como instituições não estatais que são sujeitos de direito internacional temos a Santa Sé, a Ordem de Malta e a Cruz Vermelha Internacional. Diferentes, mas em comum têm:

a) A sua formação independente de tratado
b) A natureza não político-temporal dos seus fins
c) A independência em relação aos Estados
d) A sua base não territorial
e) O seu carácter comunitário e institucional

A Santa Sé a expressão jurídica internacional da Igreja Católica. Foi membro fundador da comunidade internacional, e sua personalidade jurídica é reconhecida. A capacidade traduz-se no ius legationis e no ius tractuum, bem como na participação em certas organizações internacionais. Para garantia da sua independência tem um território com jurisdição própria, que é o Estado do Vaticano.

A Ordem de Malta é desde a bula papal de 1446 soberana e desenvolve fins de assistência espiritual e social. Só cerca de 20 Estados reconhecem tal organismo como sujeito de Direito Internacional.

A Cruz Vermelha Internacional tem-se desenvolvido no meio das sociedades nacionais como decisiva no Direito Humanitário. A sua relevância internacional e por não ter sido criada por tratado confere-lhe uma capacidade limitada enquanto sujeito. O Comité Internacional da Cruz Vermelha tem celebrado tratados com Estados

Distinguem-se destas, as organizações não governamentais, que são meras organizações privadas de âmbito internacional que colaboram na prossecução de fins de cooperação, promoção e desenvolvimento vizinhos dos daquelas instituições e organizações (Amnistia Internacional, Greenpeace). O art. 71º da Carta das Nações Unidas, atribui-lhes funções consultivas junto do Conselho Económico e Social. No entanto trata-se de personalidade de direito privado, deixando o essencial do seu estatuto à legislação interna.


1.13. O indivíduo

O Direito Internacional nunca deixou de se ocupar dos indivíduos, das pessoas singulares, pelo menos «quando inseridas em certas situações. Todavia, a relevância jurídica não equivale a personalidade jurídica, tratamento do indivíduo enquanto tal ou enquanto investido de determinada função não significa, por si, consideração como sujeito no sentido rigoroso, a par de outros sujeitos. Não pode haver uma norma que estabeleça direitos e deveres, posições de vantagem ou de vinculação para um indivíduo, mesmo objecto de incorporações automáticas na ordem interna, para que este se torne sujeito de Direito Internacional. Para que exista esta qualidade, o indivíduo tem de ter a possibilidade de uma relação com outros sujeitos de Direito Internacional, nomeadamente organizações internacionais.

São pois, as seguintes condições em que se justifica falar em subjectividade internacional do indivíduo:

a) Quando membro de minaria nacional, ética, linguística, religiosa, ou de povo não autónomo a que seja conferido direito de petição perante qualquer organização internacional
b) Quando cidadão de Estado que possa dirigir-se a órgão internacional invocando violação ou lesão de um seu direito por esse mesmo Estado
c) Quando cidadão de qualquer dos Estados das Comunidades e da União Europeia enquanto titular do direito de petição perante órgãos comunitários e de direito de queixa perante o Provedor de Justiça Europeu relativamente a acções ou omissões daqueles órgãos
d) Quando titular de órgão de organização internacional (em nome próprio – como é o Secretário-Geral das Nações Unidas)
e) Quando funcionário internacional
f) Quando arguido de crimes sujeitos à jurisdição de tribunais internacionais



2 – Os Estados

2.1. Direitos e deveres fundamentais dos Estados

Há por um lado, princípios e regras atinentes à existência, à independência e à participação jurídica e internacional dos Estados; há, por outro lado, princípios e regras – principalmente de carácter programático – que estabelecem, ou procuram estabelecer, condições concretas dessa existência, do seu desenvolvimento e do seu acesso ao progresso material e cultural. As primeiras regras aglomeram-se na Carta das Nações Unidas, e as outras na Carta de Direitos e Deveres Económicos dos Estados.


2.2. Direitos e deveres políticos

Do art. 2º da Carta das Nações Unidas constam:

Direito à igualdade jurídica
Direito à independência política
Direito à integridade territorial

Como seus corolários temos:

• Direito de definição das regras de atribuição da sua cidadania à luz de um princípio de relação efectiva
• O direito exclusivo de execução autoritária das leis no seu território
• O direito de aplicação de sanções aos infractores das suas leis
• O direito de definição das formas de vinculação internacional por tratado
• O direito de escolha de forma de organização política, económica e social interna
• O direito à presunção da regularidade dos seus actos e documentos com fé pública
• O direito à imunidade internacional dos titulares dos seus órgãos e dos seus representantes diplomáticos
• O direito de protecção diplomática dos seus cidadãos no estrangeiro

O mesmo art. 2º contém uma panóplia de deveres dos Estados que devem ser observadas:

Dever de agir de boa fé nas relações internacionais
Dever de solução pacífica de conflitos
Dever de abster do uso da força
Dever de respeitar a independência e a integridade territorial dos outros Estados
Dever de assistência às Nações Unidas, por parte dos seus membros, em qualquer acção que elas empreendam em conformidade com a Carta

E outros deveres são:

Dever de não assumir obrigações contrárias à Carta das Nações Unidas (art. 103º)
Dever de respeitar as imunidades dos outros Estados, designadamente as diplomáticas
Dever de protecção das pessoas e dos bens estrangeiros no seu território

O princípio de igualdade entre os Estados é homólogo ao princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei interna. A lei não sofre nenhum limite, mas no concernente aos Estados existem restrições ou distorções no âmbito do Direito interno de certas organizações internacionais. Recorde-se o estatuto especial dos cinco Estados permanente do Conselho de Segurança.


2.3. Domínio reservado e intervenção

No direito internacional clássico, a soberania de cada Estado era exclusivamente garantida frente aos outros, mas no contemporâneo precisa de ser garantida também frente às organizações para-universais de fins políticos. Logo no Pacto das Nações se lia: “Se uma das partes num conflito pretender e o Conselho reconhecer que o conflito respeita a um assunto que o direito internacional devolve à competência exclusiva dessa parte, o Conselho certificá-lo-á em relatório, sem recomendar qualquer solução”. Actualmente o art. 2º nº 7 da Carta das Nações Unidas diz: “nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependem essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução nos termos da presente Carta, este princípio não prejudicará, porém a aplicação das medidas coercivas constantes do capítulo VII”. Ou seja, a Carta reforça a garantia dos Estados, falando em assuntos que dependam essencialmente da sua jurisdição.

Não se tem conseguido consenso nesta intervenção: se significa decisão ou se abrange qualquer tipo ou forma de acto das Nações Unidas ou no seu âmbito; nem na jurisdição interna dos Estados: se seriam assuntos não submetidos a tratado internacional ou assuntos sem repercussões internacionais, designadamente.

Na prática, as Nações Unidas têm-se pronunciado, recomendado e deliberando, ou até aceitando debates nos seus órgãos com ou sem consequências imediatas, ultrapassando assim esta disputa sobre o alargamento da intromissão desta entidade. Seria exagerado considerar o domínio algo de ilusório, pois nunca deixa de existir um conteúdo essencial, uma zona irredutível de livre condução da vida colectiva de cada Estado sem dependência das Nações Unidas.


2.4. Desigualdades de facto e direitos económicos dos Estados

Existem desigualdades de facto entre os Estados, algumas delas têm sido reduzidas por várias medidas das Nações Unidas. Tal é o sentido do novo Direito Internacional do Mar, que não esquece os Estados sem litoral. Às preocupações da igualdade social, efectiva, real de que se fala relativamente aos cidadãos no Direito interno, e a protecção que os grupos desfavorecidos recebem não diminui a igualdade dos cidadãos. O mesmo acontece com os Estados mais carenciados, que aceitam propostas vantajosas que vão diminuir as desigualdades existentes. Tudo isto, no entanto, em nada compromete a soberania de todos os Estados. Por referir este imperativo de igualdade efectiva entre os Estados, encontra-se direitos relevantes na Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados:

• “Cada Estado tem e exerce livremente uma soberania plena e permanente sobre todas as suas riquezas, recursos naturais e actividades económicas
• Cada Estado tem o direito de ter comércio internacional
• Todos os Estados têm direito de se agrupar em organizações de produtores
• Todos os Estados têm o direito de participar nos benefícios do progresso e das inovações técnicas”.


2.5. O reconhecimento do Estado

Reconhecimento é o acto jurídico internacional pelo qual um sujeito afirma que determinada situação é conforme com o direito ou pelo qual afirma que se verificam os pressupostos exigidos por uma norma internacional para a produção de certos efeitos. Segundo uma maneira de ver, somente a partir deste acto, o Estado existiria, como se o reconhecimento lhe desse a qualidade de sujeito de direito internacional, portanto quaisquer eventos anteriores a este, seriam inválidos. Ora a esta teoria chamada constitutiva contrapõem-se a teoria declarativa, aceite actualmente. A teoria diz que o Estado existe desde que efectivamente se achassem reunidas as suas condições de existência; o reconhecimento limitar-se-ia a verificá-las, nada acrescentaria de novo, e portanto teria efeitos retroactivos.

Já em relação ao reconhecimento como beligerantes, de movimento nacionais e outras entidades, terá natureza constitutiva. Refere-se os vários pontos do reconhecimento do Estado:

Na actual fase do Direito Internacional apenas é relevante o reconhecimento que outros Estados façam; não o que possam ou pretendam fazer outros sujeitos (excepto a Santa Sé)
Não há nunca um dever de reconhecimento, de nenhum Estado pode ser obrigado a reconhecer outro
O direito de reconhecer é limitado e condicionado, por pressupor um mínimo de condições objectivas, não pode traduzir-se em intervenção nos assuntos internos do outro Estado; e, sobretudo exige um comportamento de boa fé
O acto de reconhecimento tem valor declarativo, ele pressupõe a efectividade do poder que se pretende de um novo Estado numa parte significativa do território que reivindica como seu. E se tal não acontecer, o reconhecimento prematuro é ilícito
Se o próprio Estado que faz o reconhecimento tiver contribuído ou estiver contribuindo pela força ou outro método ilícito para criar a situação, haverá grave violação do direito internacional, pelo que os outros Estados têm a obrigação de não reconhecer
O reconhecimento tanto pode ser expresso como tácito e pode ser feito por diversas formas
Pode haver reconhecimento colectivo

Por detrás do reconhecimento do Estado, está o reconhecimento do governo, ou do regime político, acontecendo (como na Alemanha) haver dois governos e assim haver dois Estados num só país. Nestas circunstâncias, os factores políticos sobrepõem-se aos factores estritamente jurídicos.


2.6. O reconhecimento do Governo

O reconhecimento do Governo, refere-se ao conceito próprio do direito internacional, atinente aos poderes e responsabilidade de condução das relações externas do estado. O problema surge apenas na quebra da continuidade e quando é necessário saber quem. Doravante, vai exercer os poderes de ius tractuum e ius legationis, e os demais direitos.

O princípio é o da continuidade do Estado, este mantém-se com os seus direitos e deveres, independentemente da sucessão de governante, seja qual for o modo como esta se opere. No domínio da Constituição ou mesmo do regime político o problema não se põe, uma vez que o reconhecimento de um Estado obriga ao respeito pelo seu direito fundamental de escolher este ou aquele regime político sem interferência do exterior, pelo que os novos governantes não precisam de ser reconhecidos. O problema também não se põe na transição constitucional ou passagem de uma Constituição material a outra no respeito das regras da mesma Constituição formal.

O problema põe-se quando se dá uma revolução, uma mudança forma de constituição, com ruptura ou solução de continuidade. Claro que um Estado estrangeiro não tem que se pronunciar sobre tal mudança, mas é preciso saber, por respeito à segurança das relações internacionais, quais as condições que o novo poder oferece ao cumprimento dos compromissos internacionais do Estado.

O único critério de reconhecimento do Governo é o da efectividade, não o de qualquer juízo de valor. Reconhecer um governo não é reputá-lo ou não, é somente verificar se ele está dotado das qualidades e meios para agir como tal. Logicamente este reconhecimento tem natureza declarativa, e em princípio todos os actos praticados antes e depois desta formalidade são juridicamente eficazes.


2.7. Representação

Quando um estado solicita a outro que se encarregue da defesa dos seus interesses perante um terceiro com o qual não mantém relações diplomáticas, ou quando o que dá quando um Estado exíguo solicita a um Estado limítrofe a realização de certas tarefas ou actividades jurídicas internacionais são casos de representação. Ora este processo de substituição de vontades com a imputação dos efeitos dos actos praticados pelo representante na esfera jurídica do representado, é necessário haver entre eles um vinculo, um instrumento válido e que seja possível de distinguir, havendo claramente uma procura de interesses do Estado representado.


2.8. A sucessão de Estados

Eis a problemática da sucessão de Estados e as suas vicissitudes:

• Cessação da soberania ou da administração de um Estado relativamente a certo território – seja por incorporação dele no território de outro ou por transferência de administração, seja por ele se tornar o território de um novo Estado
• Cessação da própria soberania do Estado – por anexação por outro estado, por integração em Estado composto ou por fusão com outro ou outros Estados dando origem a um novo Estado

Tudo consistem em saber quais as implicações da mudança de estatuto jurídico e político do território e da comunidade existente na condição das pessoas e dos bens e na condição da própria comunidade nas relações internacionais. Há pontos firmes sobre estes princípios:

1. A mudança de soberania determina a mudança da cidadania ou da nacionalidade dos habitantes do território – ainda que deva ser garantido um direito de opção individual – e sempre com respeito pelo direito de qualquer pessoa de ter uma nacionalidade
2. As fronteiras em relação a territórios exteriores não sofrem alteração
3. O Estado sucessor adquire, automaticamente e sem necessidade de compensação ou indemnização a propriedade dos bens públicos sitos no território de titularidade do Estado predecessor
4. O Estado sucessor é livre de modificar ou revogar as leis internas e criar novas (que no entanto não podem agredir o ordenamento internacional)

Quanto aos tratados, os princípios de carácter geral são:

• Subsistência das obrigações enunciadas em qualquer tratado que decorram do Direito Internacional, independentemente do tratado
• Continuidade de tratados territoriais sejam eles de delimitação de fronteiras, ou relativos ao uso de certo território ou a restrições ao seu uso
• Possibilidade de, por tratado, se conceder a um Estado sucessor direito de opção quanto à sua eventual participação nesse tratado

E por outro lado, princípios adequados a diferentes situações:

No caso de mudança de soberania sobre um território, cessação da vigência de tratados do Estado predecessor e extensão da vigência de tratados do Estado sucessor
Havendo formação de novo Estado por acesso à independência, não-continuidade dos tratados antes vigentes. Todavia pode o novo Estado aceder a tratados multilaterais salvo for incompatível com o seu fim, no caso de tratado restrito, se houver oposição de qualquer das partes. E poderá, com acordo da outra parte, expressa ou tacitamente, vir a considerar-se vinculado a um tratado bilateral
Ocorrendo fusão de dois ou mais Estados dando origem a um novo, continuidade dos tratados vigentes nos respectivos territórios e possibilidade, verificados certos pressupostos, da sua extensão à totalidade do território do novo Estado
Na hipótese de desmembramento de um Estado em vários, continuidade dos tratados relativamente a cada Estado sucessor

Raro caso é a reversão: o Estado predecessor recupera o território que havia cedido ao Estado sucessor e torna-se por sua vez, sucessor deste.



3 – As organizações internacionais

3.1. Elementos do conceito

O substrato ou elemento material é o agrupamento de Estados e eventualmente de outros sujeitos. O elemento formal é a personalidade jurídica internacional – conferida de forma expressa ou implícita, pelo tratado constitutivo. No direito internacional a subjectividade jurídica repousa no acordo entre as partes e não numa norma geral ou comum deste direito. As organizações internacionais podem ser analisadas da seguinte maneira:

Agrupamentos de sujeitos de direito internacional
Criados ordinalmente por tratado
Para a prossecução de determinados fins internacionalmente relevantes
Com duração mais ou menos longa
Com órgãos próprios distintos dos Estados
Dotados de personalidade internacional
E com capacidade correspondente aos seus fins

Entende-se disto tudo a individualização, permanência e autonomia destes sujeitos do direito internacional.


3.2. Actos institutivos

O tratado institutivo de qualquer organização internacional estabelece os seus fins e os meios adequados à prossecução, as relações com os membros e com outros sujeito do direito internacional, o seu âmbito geográfico e o seu carácter aberto ou fechado, o sistema de órgãos e as respectivas competências e formas de agir. Nenhum acto interno da organização ou de qualquer Estado-membro pode ser praticado e nenhum tratado pode ser celebrado em contradição com as suas normas.

O tratado assenta, por seu turno, na vontade dos Estados e não em qualquer poder constituinte próprio da organização ou de um seu qualquer substrato sociológico. Tão-pouco caberia falar num poder constituinte da comunidade internacional, mesmo se se descobre aqui um fenómeno de institucionalização progressiva.

A Convenção de Viena do Direito dos Tratados declara-se aplicável a todo o tratado constitutivo de uma organização internacional, sem prejuízo das regras próprias da organização. O seu regime é:

a) Inadmissibilidade de reservar que afectam a estrutura e as condições de funcionamento da organização e, como já se sabe, atribuição do poder de aceitação das demais dos órgãos da organização
b) Interpretação do tratado à luz da sua função institucional e atribuição de poderes específicos de interpretação também aos órgãos da organização
c) Execução do tratado pelos órgãos da organização
d) Duração em princípio ilimitada, salvo prescrição de prazo de vigência
e) Regime muito restritivo de recesso
f) Regime especial das modificações

Neste último ponto deve referir-se em primeiro lugar que as modificações dos tratados institutivos de organizações internacionais tanto se fazem por via de conferência diplomática como a partir dos seus órgãos mas sempre na base da vontade maioritária dos Estados-membros e sem prejuízo dos procedimentos constitucionais internos de aprovação e ratificação. Em segundo lugar – no caso das Nações Unidas a entrada em vigor das alterações depende ainda, necessariamente, de ratificação por todos os Estados-membros do Conselho de Segurança mas, por outro lado, uma vez ratificadas por esses Estados e por ⅔ dos membros da Organização, essas alterações obrigam todos os demais Estados. Em terceiro lugar, chega-se a exigir a participação de determinados termos, dos próprios órgãos das organizações a par ou antes da aprovação pelos Estados-membros.


3.3. Composição e estatuto dos membros

Criadas e compostas basicamente por Estados, também englobam entidades afins, prevê-se mesmo a existência de membros associados e de observadores ao lado dos membros propriamente ditos, mas que não gozam da plenitude dos direitos.

Sendo as organizações abertas há membros originários, parte nos respectivos tratados constitutivos – e membros admitidos. A admissão depende sempre de requisitos processuais e às vezes requisitos de fundo (política, economia).

Cada membro tem direitos de participação na formação da vontade e na vida interna da organização e deveres no acatamento das decisões e contribuição financeira. O princípio fundamental é o da igualdade, ainda que relativo.

O não cumprimento das obrigações pode levar à suspensão e à expulsão. Quanto ao recesso ou à saída voluntária é discutível se existe clausula que a determine no tratado constitutivo, mas pode utilizar-se sempre a clausula rebus sic stantibus. Havendo expulsão ou recesso, um regresso, não passa de uma readmissão, pelo que o Estado terá que obedecer às mesmas regras de um Estado admitido e não originário.

Não há organizações exclusivamente compostas por indivíduos, mas este não está fora da estrutura. Pode apresentar-se nas seguintes formas:

Como representante de Estado-membro
Como titular de órgão político autónomo
Como juiz (de tribunais internacionais inseridos na organização)
Como funcionário e agente administrativo
Como peticionário, reclamante ou queixoso


3.4. Personalidade e capacidade jurídica

O tratado constitutivo de uma organização internacional confere-lhe o status de pessoa jurídica internacional, a qual vale quer em relação aos Estados-membros, quer em relação a Estados terceiros quer a outros sujeitos.

Numa perspectiva monista das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno, dificilmente se compreenderia que as organizações internacionais não tivessem a sua personalidade reconhecida à face do direito interno. Tal implica que se acrescente às categorias de pessoas colectivas de direito público e direito privado, a categoria de pessoa colectiva de direito internacional, englobando as organizações internacionais e a Santa Sé. Entre nós, o art. 34º do Código Civil dispõe: “a lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é designada na convenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta de designação, a do país onde estiver a sede principal.

À personalidade jurídica corresponde uma capacidade delimitada em razão dos fins de cada organização, de harmonia com um princípio de especialidade semelhante ao que rege as pessoas colectivas de direito interno. Cabe-lhes o direito de celebrar tratados com Estados-membros, com terceiros Estados e com outras organizações, direito de reclamação ou impugnação internacional e o direito de protecção dos seus agentes.

Para lá dos direitos ou poderes explicitamente declarados nos tratados constitutivos, deparam-se poderes implícitos que são invocados para a prossecução de fins específicos. No âmbito da ONU, assim se explicará, em particular o desenvolvimento das chamadas operações de paz. Mas o limite a esta prática expansiva é o princípio da subsidiariedade. Nenhuma organização pode arrogar-se poderes que contendam com os poderes e direitos essenciais dos sujeitos que as integram nem tão-pouco com os poderes e direitos, explícitos e mesmo implícitos de outras organizações.


3.5. Os órgãos

Como quaisquer entidades colectivas, as organizações internacionais só podem agir através de órgãos, centros autónomos institucionalizados de formação da sua vontade. Cada órgão compreende uma instituição, competência, titular e cargo. Mas avultam-se peculiaridades.

Em primeiro os titulares. Os órgãos aparecem sempre através de indivíduos, que estão lá, não enquanto indivíduos ou titulares de órgãos dos Estados, porque são os Estados os verdadeiros elementos das organizações internacionais. São ainda raros os órgãos com membros a título individual (Secretário-Geral das Nações Unidas). Caso especial é a representação tripartida de cada Estado da Conferencia Internacional do Trabalho.

Os titulares dos órgãos têm independência perante os Estados (não os representantes diplomáticos dos Estados). Nos órgãos com titulares a título individual, o princípio é de igualdade entre todos, o que já pode não acontecer com os representantes diplomáticos dos Estados.

A competência é o conjunto de poderes funcionais conferido a um órgão para a realização das atribuições da entidade a que pertence. Nas organizações internacionais, para cada grande diversidade de fins traduzida em diversidade de poderes externos dos respectivos órgãos, encontra-se uma relativa coincidência de poderes internos. Existindo mais do que um órgão, haverá o tratado constitutivo da organização que distribui competência pelos vários órgãos, à luz dos objectivos institucionais adoptados. Relativamente ao ius tractuum, problema importante consiste em saber que órgão o exerce ou se se distinguem competências para a negociação e para a vinculação. Há numerosas classificações para os órgãos:

Órgãos intergovernamentais e órgãos independentes
Órgãos restritos (conselhos) e órgãos amplos (assembleias)
Órgãos principais e órgãos auxiliares
Órgãos deliberativos e órgãos executivos

Diferem dos órgãos os agentes internacionais, que não formam, nem exprimem a vontade da organização, limitam-se a colaborar na sua formação ou, o mais das vezes, a dar execução às decisões que dela derivam, sob as suas direcções e fiscalização.


3.6. A autonomia das organizações internacionais

Sendo estas essencialmente agrupamentos de Estados, não admira que nelas permaneçam órgãos intergovernamentais, mas porque lá se forma uma vontade colectiva, torna-se indispensável a sua autonomia frente aos outros Estados. A autonomia revela independência dos seus órgãos com titulares individuais e a dependência exclusiva dos agentes dos órgãos competentes das organizações sem interferência dos Estados de que são cidadãos. O art. 102º da Carta das Nações Unidas refere: “no cumprimento dos seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal dele dependente não solicitarão, nem aceitarão instruções de nenhum governo, nem de nenhuma autoridade exterior à organização”.

Sendo assim, as organizações gozam de imunidade nos Estados, isenções tributárias, imunidades diplomáticas dos seus funcionários e agentes. Não tendo território seu, cada organização internacional tem de instalar a sua sede no território deste ou daquele Estado, com os inerentes problemas jurídicos e políticos, celebrando para isso tratados com esse Estado.


3.7. Vicissitudes

Uma vez criada a organização esta pode sofre modificações subjectivas, pela entrada ou pela saída de membros, modificações objectivas, em consequência de tratados que alarguem ou restrinjam os fins ou alterem o tratado constitutivo. Também a organização pode extinguir-se por exaustão dos fins ou por qualquer circunstância superveniente.

Pode também ocorrer a sucessão de organizações internacionais: entre duas organizações existentes ou entre uma organização até então existente e que se dissolve e outra que surge de novo.


3.8. A Sociedade das Nações

A Sociedade da Liga das Nações foi criada pelos vinte e seis primeiros artigos do Tratado de Versalhes e extinta com o eclodir da Segunda Guerra Mundial. Foi o início da institunalizaçao das relações internacionais, mas apresentou-se logo sem estrutura jurídica nem capacidade política suficiente para responder às intenções do Presidente Wilson e dos outros inspiradores.

Tinha membros originários e membros admitidos, e podiam ser membros não só Estados mas também colónias autónomas. Previa-se a expulsão, o recesso ou a saída voluntária.

Havia dois órgãos: a Assembleia e o Conselho, assistidos por um Secretariado Permanente. A Assembleia composta por representantes de todos os membros e todos com um voto exerciam competência genérica no âmbito das atribuições sociais. O Conselho, reduzido a alguns membros permanentes e a quatro membros não permanentes, tinha a seu cargo a segurança colectiva.

Tinha sede em Genebra e devia manter a paz. O Pacto previa:

Redução dos armamentos ao mínimo compatível com a segurança nacional e o cumprimento das obrigações internacionais
O compromisso de todos os membros de respeitarem e manterem a integridade e a independência uns dos outros e o dever do Conselho de tomar as medidas necessárias em caso de ameaça à paz ou de agressão
A sujeição dos litígios internacionais a decisão arbitral, judicial ou da SDN, ficando proibida a guerra antes de expirado o prazo de 3 anos após a decisão e contra qualquer das partes que se conformasse com as conclusões do relatório do Conselho aprovado por unanimidade
Previsão de medidas económicas, diplomáticas e militares contra qualquer Estado que ilicitamente fizesse guerra
O registo e a revisão dos tratados

Na verdade não passou de um malogro e como causas intrínsecas:

O ter-se tratado de pouco mais do que uma espécie de concerto diplomático de Estados soberanos
A falta de poderes vinculatórios e coercivos do Conselho, simples órgão de medição a exclusão originária dos vencidos de 1918, a ausência dos Estados Unidos e o excessivo peso do bloco anglo-francês.


3.9. A Organização das Nações Unidas

Também esta organização surgiu no seio da guerra. Os seus princípios foram pensados aquando da Carta do Atlântico proclamados na Declaração das Nações Unidas (1942). Na sua preparação tiveram um papel elevado a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a URSS. Além de dotada de uma estrutura mais vasta e aperfeiçoada do que a anterior, esta foi investida de poderes jurídicos que lhe permitem atingir todos os problemas mundiais. A Carta foi concebida como o repositório dos grandes princípios das relações entre os Estados e tendo primazia sobre quaisquer outras obrigações internacionais.

Só os Estados podem ser membros das Nações Unidas, havendo que distinguir os originários e os admitidos, que aceitam as obrigações da Carta e estão dispostos a cumpri-las. A admissão compete à Assembleia Geral, precedendo recomendação do Conselho de Segurança, sendo também esse o processo para a suspensão e expulsão. A Carta prevê também a privação do direito de voto a Estados que não cumpram as suas obrigações de contribuir para as despesas da organização. Não prevê o recesso, a suspensão ou a expulsão dos membros permanentes do Conselho de Segurança. São os Estados, enquanto tais, através dos seus representantes diplomáticos que integram os órgãos políticos deliberativos. E são os Estados que participam nos acordos relativos a forças armadas internacionais, nos acordos que criem instituições especializadas ou que fixem a constituição ou o termo do regime de tutela.

São os órgãos das Nações Unidas a Assembleia-geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Económico e Social, o Conselho de tutela, o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretário-Geral. A Carta ainda contempla aquilo a que se chama “família das Nações Unidas”, constituída por agências ou instituições especializadas como a UNESCO e a FAO. São em princípio independentes das Nações Unidas, com personalidade jurídica própria, mas ficam ligadas à ONU por acordos celebrados com o Conselho Económico e Social e aprovados pela Assembleia-geral.


3.10. A Assembleia-geral das Nações Unidas

A Assembleia-geral tem uma competência específica, correspondendo às relações internacionais em geral, estas à vida interna da organização, e aos actos praticados ao abrigo da primeira não revestem força jurídica vinculativa para os Estados. Assim pode o órgão discutir quaisquer questões ou assuntos que caibam nas finalidades das Nações Unidas, nomeadamente a manutenção da paz e da segurança internacional, desarmamento, solução pacífica de conflitos, cooperação política, económica, social e cultural, e codificação do Direito Internacional. Todavia, quando o Conselho de Segurança estiver a ocupar-se de qualquer conflito ou situação no exercício das suas funções, a Assembleia não poderá emitir nenhuma recomendação sobre esse conflito ou essa situação, a não ser que o Conselho lho solicite. São competências específicas exclusivas da Assembleia:

Aprovação do orçamento da organização
Apreciação dos relatórios do Conselho de Segurança
Eleição dos membros não permanente do Conselho de Segurança
Eleição dos membros do Conselho Económico e Social
Aprovação de acordos com as organizações especializadas
Autorização de pedidos de parecer ao Tribunal Internacional de Justiça
Definição do regime dos funcionários da Organização
Aprovação de emendas à Carta

São competências específicas a exercer com o Conselho de Segurança:

Decisão sobre a admissão, expulsão, suspensão de Estados da Organização
Designação do Secretário-geral
Decisão sobre as condições de acesso de Estados não membros a partes no Estatuto do tribunal Internacional de Justiça
Eleição de juízes para este tribunal

Na Assembleia, cada Estado tem direito a um voto, as deliberações mais importantes são tomadas por ⅔ dos membros presentes e votantes. Sobre as outras questões são tomadas por maioria dos presentes e votantes.


3.11. O Conselho de Segurança

O Conselho de Segurança define-se pela sua competência específica: cabe-lhe a responsabilidade principal na manutenção da paz e da segurança internacionais. E os membros das Nações Unidas ficam adstritos a aceitar e a aplicar as decisões do Conselho. Compõe-se com 15 membros, sendo 5 permanentes: EUA, Reino Unido, França, Japão, Rússia e China. Os 10 não permanentes são escolhidos bianualmente, sobretudo por um critério geográfico. O Conselho tem funcionamento permanente.

As decisões sobre questões processuais não são tomadas por maioria de 9 membros, coisa que já acontece com questões não processuais, incluindo dos membros permanentes, sem que nenhum vote contra. Um membro destes que seja parte num conflito terá que se abster, nestas deliberações.

Consagra-se o direito de veto dos membros permanentes, que existe não só nos casos expressamente exceptuados pela Carta: quando um membro permanente esteja envolvido ou quando seja convocada uma conferencia geral para revisão da Carta, e ainda quando da eleição dos juízes do Tribunal Internacional de Justiça. Trata-se de um duplo veto, porque a qualificação de uma questão processual é considerada não processual e sujeita a veto. Nem poderia deixar de ser de outro modo: apesar de a qualificação ser em si mesma, logicamente, uma questão prévia, no plano político só assim se garante a posição dos membros permanentes (se são, na maioria de nove membros em cada momento – a priori, até dispensando os cinco membros permanentes poderia declarar sempre uma questão como processual e, deste modo, frustrar o direito de veto). Na Assembleia rege o princípio da igualdade, para qual a qualificação de uma questão como importante depende da maioria, já no Conselho, reina o princípio da supremacia dos membros permanentes, pelo qual a qualificação de uma questão processual ou não processual implica direito de veto.


O Conselho Económico e Social

O Conselho Económico-social é composto por cinquenta e quatro Estados-membros, eleitos pela Assembleia-Geral, por um período de três anos, com renovação anual de um terço. Cada membro tem um voto e as deliberações do Conselho são tomadas pela maioria dos membros presentes e votantes. Representantes das organizações especializadas podem participar, sem voto, assim como representantes do Conselho podem participar em reuniões de órgãos dessas instituições.

As tarefas cometidas ao Conselho são:

• Realizar ou promover estudos e relatórios sobre questões internacionais nos domínios económicos, sociais e culturais
• Formular recomendações sobre estas questões à Assembleia-Geral, aos Estados-membros da Organização e às instituições especializadas interessadas
• Formular recomendações com vista a assegurar o respeito efectivo dos direitos e das liberdades fundamentais
• Preparar projectos de convenções, a submeter à Assembleia-Geral
• Convocar conferências internacionais
• Celebrar acordos com as organizações especializadas
• Coordenar a actividade das organizações especializadas
• Receber relatórios regulares de organizações especializadas
• Receber relatórios dos Estados-membros acerca das medidas por eles adoptadas em execução de recomendações suas e da Assembleia-Geral
• Comunicar à Assembleia-Geral a sua apreciação desses relatórios
• Fornecer informações ao Conselho de Segurança e prestar-lhe a assistência que ele solicite
• Prestar, com autorização da Assembleia-Geral, aos Estados-membros e às organizações especializadas os serviços que eles lhes solicitem



Tribunal Internacional de Justiça

3.13.1. Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça

Menciona-se este tribunal com louvor, pois é fruto da progressiva judicialização das relações internacionais, bem como da resolução dos conflitos que delas possam emergir.

O Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, não tem sofrido até ao momento qualquer género de alteração formal, é contemporâneo da Carta das Nações Unidas, assumindo a natureza de tratado anexo. O Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não é a única parcela de fontes normativas que especificamente regulam o Tribunal. Outro documento é o Regulamento do Tribunal, que é aprovado pelos respectivos juízes, em sessão plenária. O Regulamento, para além da sua função regulamentar acerca do exercício da respectiva actividade, deve ainda dispor sobre os seguintes temas:

• As condições de acesso à respectiva jurisdição
• A possibilidade da contratação de assessores dos juízes
• A possibilidade de haver reuniões fora da sede do Tribunal Internacional
• A dispensa dos juízes das sessões plenárias
• A formação de uma ou mais câmaras específicas

Também interessa, o Capítulo XIV da Carta das Nações Unidas, que expressamente estabelece os fundamentos gerais do estatuto jurídico-internacional do Tribunal. Fixa-se o automatismo de os Estados partes da Carta das Nações Unidas, serem partes do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, abrindo-se a possibilidade de outros Estrados, não membros, da Organização, igualmente se vincularem àquele Estatuto. Ao Conselho de Segurança, defere-se o relevantíssimo papel de dar execução coerciva às sentenças deste Tribunal, no caso de estas não virem a ser voluntariamente cumpridas: “Se uma das partes em determinado caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pelo Tribunal, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança, que poderá, se o julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença. O Tribunal não é uma jurisdição exclusivista porque a Carta admite a sujeição de litígios a outros tribunais: preserva-se assim o princípio da solução jurisprudencial dos litígios, mas sem que isso signifique a exclusividade do Tribunal.

O Estatuto prevê o regime aplicável na introdução de emendas, nos termos do seu último capítulo. O princípio geral é o do paralelismo dos procedimentos entre a revisão do Estatuto e a revisão da Carta das Nações Unidas, aqui se aplicando o regime estabelecido para esta. Pode também o Tribunal propor ao Secretário-Geral quaisquer emendas ao seu Estatuto que julgar necessárias, a fim de que as mesmas sejam consideradas em conformidade com as disposições do art. 69º.


Aspectos de índole organizatória

O Tribunal Internacional de Justiça, sendo o principal órgão judicial da ONU, é composto por 15 juízes, ano havendo mais do que um por cada nacionalidade, e tem a sua sede na cidade de Haia. Os juízes são eleitos pela Assembleia-Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, num caso curioso de votação separada em cada um destes órgãos. Essa escolha pela eleição deve, no entanto, estar condicionada à intenção de os juízes a eleger representarem as diversas regiões e sistemas jurídicos do mundo: “Em cada eleição, os eleitores devem ter presente não só que as pessoas a serem eleitas possuam individualmente as condições exigidas, mas também que, no seu conjunto, seja assegurada a representação das grandes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos do mundo. A jurisdição que lhe está atribuída, apenas se exerce sobre os Estados, apresentando-se, assim, este tribunal como um órgão judicial onde apenas aqueles sujeitos internacionais podem ser partes, na sequência de resto, da sua inserção na ONU, também ela reservada aos Estados. A conexão dos Estados com o Tribunal apresenta-se sob duas modalidades:

• Uma via directiva: através da qual se reconhece que o Tribunal está aberto a todos os Estados que também sejam partes na Carta das Nações Unidas;
• Uma via indirecta: através da possibilidade de outros Estados também lhe acederem

Esta orientação não tem privado tanto as organizações internacionais como os indivíduos de poderem ver os respectivos direitos protegidos, reflexamente, por decisões do Tribunal Internacional de Justiça.

O Estatuto requer aceitação respectiva como obrigatória para se dispor aos Estados como seus sujeitos processuais. Para além da vinculação ao Estado, uma condição suplementar exige que tome o nome de “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória”, nos seguintes termos:

“Os Estados Partes do presente Estatuto poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem como obrigatório ipso facto e sem acordo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição do Tribunal, em todas as controvérsias jurídicas que tenham por objecto:

a) A interpretação de um tratado
b) Qualquer questão de Direito Internacional
c) A existência de qualquer facto que, se verificado, constituiria violação de um compromisso internacional
d) A natureza e a extensão da reparação devida pela ruptura de um compromisso internacional”

As competências que se inserem no âmbito da jurisdição que é normativamente deferida ao Tribunal Internacional de Justiça são de duas naturezas:

• Competência decisória: refringe o cerne do exercício do poder público-internacional por parte do Tribunal, cabendo-lhe a resolução das controvérsias, em consonância com a estrutura judicial, bem como o exercício de uma função judicial reconhecida pelo Direito Internacional. Isso mesmo se infere não apenas da sua caracterização geral como do elenco das disposições de índole processual
• Competência consultiva: permite a emissão de pareceres – que são apenas facultativos e consultivos


Aspectos de índole processual

Apesar do seu carácter unitário, o funcionamento do Tribunal é perspectivado segundo várias instâncias decisórias:

Plenário
Câmara
Presidente

Por sua vez, o processo está dividido numa:

Uma fase escrita
Uma fase oral

De forma mais analítica, a divisão do iter processual, é da seguinte forma:

• Fase dos articulados: compreende a delimitação dos elementos fundamentais do processo: o objecto, as partes, o pedido e a causa de pedir. Esse é o esforço que se realiza segundo o princípio do contraditório dada a possibilidade de cada parte contestar o entendimento da outra
• Fase do julgamento: apreciação feita pelo plenário e em audiência pública, dos elementos probatórios, bem como das questões jurídicas internacionais, que se consideram pertinentes
• Fase da sentença: escrita e fundamentada, inclui a decisão do litígio com a possibilidade da indicação de posições individuais dos juízes no caso de não ser unânime, deliberando o plenário por maioria. O efeito da sentença é de caso julgado material, inter alia das partes em litígio e subordinada à questão que esteve em juízo.

Não se vislumbra uma específica fase de execução da sentença, o que constitui um aspecto frágil da estrutura processual do Tribunal: quem o poderá fazer é o Conselho de Segurança da ONU, numa solução política que se enxerta num esquema que começa por ser judicial, hoje manifestamente obsoleta e que carece de urgente revisão, como diz Patrick Daillier. Igualmente não se prevê qualquer esquema de recurso ordinário, pois que “a sentença é definitiva e inapelável”. Se houver dúvidas interpretativas, só há lugar à interpretação autêntica, a cargo do próprio Tribunal, a solicitação das partes.

O Estatuto, não exclui a revisão material da sentença, sendo essa possibilidade de revisão extraordinária de sentença limitada por um período de 10 anos.








Capítulo VI – Conflitos Internacionais

Diversidade de conflitos

Conflitos há, sobretudo entre Estados com as causas mais diversas (territoriais, ideológicas, estratégicas, estritamente políticas). Menos numerosos têm sido os conflitos entre sujeites diferentes (ex: conflito entre Israel e a Autoridade Palestiniana). Há conflitos que se desenrolam no interior do território do Estado ou sob a sua administração – guerras civis, de secessão ou coloniais – e que devido à sua extensão se tornam em conflitos internacionais – porque então o que importa é a repercussão externa desses eventos ou a medida em que afectam a comunidade internacional. Em contrapartida, não tem de ser considerados litígios aqueles que sejam partes indivíduos. Embora formalmente internacionais, estes conflitos não o são materialmente, falta-lhes dimensão ou relevância na perspectiva da comunidade internacional; apenas conflitos entre entidades colectivas internacionais são significativos para efeitos jurídicos específicos.

A Carta das Nações Unidas fala em situação e em conflito, parecendo apontar para diferentes competências e formas de processo (arts. 11º nº3, 34º e 35º). De notar que a Assembleia-Geral e o Conselho de Segurança tanto conhecem de situações como conflitos e que o Tribunal Internacional de Justiça, no âmbito da sua competência contenciosa, e pela natureza das coisas, só conhece dos conflitos.

O conflito apresenta-se como jurídico se discutir a interpretação, a validade, ou a aplicação de normas de Direito Internacional; ou político se entrarem em jogo, interesses políticos, mas na prática, os conflitos jurídicos têm uma componente política e só por causa dela se tornam conflitos internacionais, assim como os conflitos políticos se podem revestir de roupagem jurídica.

Em razão de gravidade, há conflitos que ameaçam a paz e outros não (art. 33º e ss.). Apenas os primeiros cabem na competência do Conselho de Segurança, conquanto mais uma vez aqui as fronteiras não possam ser traçadas em abstracto. Os conflitos que ameaçam a paz dividem-se num momento inicial, em que se procura uma solução, e o momento de conflito armado ou a sua iminência.


Os conflitos armados e a evolução do seu tratamento

Os conflitos armados nunca deixaram de ser objecto de normas do Direito das Gentes e os juristas sempre procuraram, se não evitá-los, pelo menos atenuar os seus efeitos. No Direito Internacional Clássico avultam:

Reconhecimento do ius belli como uma das prerrogativas da soberania dos Estados
Reconhecimento de uma faculdade discricionária de fazer a guerra em concreto, de um ius ad bellum, só com as limitações – morais ou religiosas, ligadas à ideia de “guerra justa”
Pequena ou nenhuma relevância ou distinção entre guerra defensiva e guerra ofensiva
Imposição, por via consuetudinária, de certos ónus ou deveres procedimentais (exigência prévia de declaração de guerra e regime de ultimato)
Irrelevância jurídica internacional da guerra civil e de guerra colonial

No séc. XIX e XX, com o aparecimento de meios de destruição terríveis, os Estados procuraram restringir o ius ad bellum como, sobretudo o ius in bello, o modo de fazer guerra, daí se manifestaram as seguintes tendências, no Direito Internacional Contemporâneo:

Desenvolvimento da arbitragem
Regime de neutralidade e de neutralização
Princípio da protecção de vítimas, através da Cruz Vermelha
Estabelecimento de regras restritivas sobre a condução de guerra
Limitação dos armamentos e as restrições do emprego de certos tipos de armas
Estabelecimento de certas regras em caso de ocupação militar

O Direito Internacional Contemporâneo assenta na conjugação do Direito de Guerra, ou direito de Haia e do Direito Humanitário, ou direito de Genebra e ainda com os princípios proclamados no Pacto da Sociedade das Nações e da Carta das Nações Unidas, como as marcas traumáticas das duas Grandes Guerras Mundiais:

Proibição do uso da força para dirimir conflitos internacionais (art. 2º e 3º da Carta)
Consequente nulidade de qualquer tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou emprego da força (art. 52º da Convenção de Viena)
Consequentemente também, a inadmissibilidade de aquisições territoriais pela força
Apenas o reconhecimento da legitima defesa, individual e colectiva (art. 51º da Carta)

Por outro lado, também:

A variedade e complexidade dos fins da guerra e a indefinição das fronteiras entre guerras internacionais e certas guerras no interior dos Estados, como as guerras desencadeadas em nome da autodeterminação)
Reforço do Direito Humanitário e o seu alargamento a guerras não internacionais (Convenções de Genebra)
O desenvolvimento da noção de crimes de guerra, conexa com a formação de uma justiça penal internacional
O estabelecimento de espaços desmilitarizados (Antárctica)
Na linha dos esforços vindos já do séc. XIX, limitação ou vedação de armas especialmente mortíferas ou que podem provocar destruição global


O uso da força, legítima defesa, agressão

Há uma clara contraposição no que tange o uso da força entre o Direito Internacional Clássico e o Contemporâneo. Naquele era admissível, quase só com os referidos limites procedimentais. Pelo contrário, na fase contemporânea, o uso da força dos Estados é excepcional ou residual e prevalece o uso da força pela comunidade internacional, podendo falar-se ali, em uso privado e aqui, em uso público da força.

Tudo se passa hoje no plano de princípios e não de factos. As Nações Unidas, através do Conselho de Segurança, se arrogam, não do monopólio da força, mas da sua avaliação (art. 24º e 38º ss. da Carta). A Carta apenas consente o uso da força pelos Estados em duas circunstâncias:

Em caso de legítima defesa, individual ou colectiva (art. 51º)
Em caso de assistência às próprias Nações (art. 2º nº 5), como participação em acções por elas levadas a cabo ao abrigo do Capítulo VII ou noutras (operações de paz e de ingerência humanitária), por elas determinadas ou admitidas.

A legítima defesa decorre do Direito Internacional geral ou comum e constitui mesmo um Direito Natural como se lê na Carta. Este direito não é exclusivo dos membros das Nações Unidas, mas todos o podem invocar, até sujeitos não estatais com base territorial. Pelo princípio da proporcionalidade, a defesa há-de ser adequada à forma e ao conteúdo da agressão, à sua intensidade e gravidade. Em face das competências específicas do Conselho de Segurança, o agredido tem o ónus de lhe comunicar a situação e a sua reacção e deve cessar esta, logo que o Conselho adopte as providências necessárias (art. 51º 2ª parte). Donde o seu carácter subsidiário e temporário

Uma Resolução da Assembleia-Geral estabeleceu uma lista de actos qualificados como agressão, entre os quais:

A invasão ou ataque por forças armadas
Ocupação e a anexação territorial em consequência do uso da força
Bloqueio dos portos ou das costas de outro Estado
Ataque contra as forças armadas ou contra os navios e os aviões comerciais de outro Estado
Havendo contingentes militares no território de outro Estado, o prolongamento da sua presença contra a vontade deste Estado
Concessão de facilidades a um Estado para cometer agressão contra um terceiro Estado
Envio de bandos armados contra o território de outro Estado


Os meios de solução de conflitos

Inevitável dimensão de qualquer sector jurídico é a que ocupa da sua efectividade, que se vê em situações de crise, perante a violação das respectivas disposições. Não é de espantar que a garantia do Direito Internacional venha a assumir um particular relevo numa vertente adjectiva, dela dependendo a sua capacidade de controlo da actividade internacional.

A solução de conflitos internacionais, em geral, pode percorrer dois caminhos distintos:

• Via pacífica, sem o recurso à coerção
• Via bélica, com recurso à força.

Nesta óptica, o Direito Internacional tem sido muito sensível à resolução pacífica dos conflitos internacionais, não sendo preciso, recorrer à força. Na verdade, pode mesmo ser lido na Carta das Nações Unidas: “as partes numa controvérsia que possa a vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha”.

A Carta das Nações Unidas indica a negociação, o inquérito, a mediação, a conciliação, a arbitragem, a solução judicial e o recurso a entidades ou acordos regionais (art. 33º nº1), a que cabe acrescentar os bons ofícios, o grupo de contacto e a própria intervenção das Nações Unidas. É possível discernir entre meios relacionais de solução (meios diplomáticos) e meios institucionais (aparecimento das organizações internacionais), e entre políticos e meios jurídicos.

• Negociação: conversação entre as partes, o entendimento directo e imediato, através dos canais diplomáticos adequados
• Inquérito: criação de uma comissão que vai indagar dos factos que estão na base do conflito
• Bons ofícios: há um terceiro Estado, ou sujeito de Direito Internacional, que tenta aproximar os Estados em conflito levando-os a abrir ou a reatar as negociações ou a procurar outra forma de composição do litígio
• Grupo de contacto: visa essencialmente obter informações acerca da disponibilidade das partes para a abertura de negociações
• Mediação: o terceiro Estado já entra nas negociações e pode chegar a formular ou a propor uma solução para a ultrapassagem de conflito
• Conciliação: uma comissão independente examina a questão e propõe uma solução

A resolução dos conflitos internacionais pode também operar-se por intermédio de processos de cunho jurisdicional, indo assim além de esquemas de natureza política. Pressupõe-se neste caso, a intervenção de entidades independentes que agirão segundo a veste própria da função jurisdicional, nas suas características de independência e de imparcialidade relativamente aos conflituantes, aplicando parâmetros jurídicos. Claro que a eficácia desta via, em nada se assemelha ao rigor e extensão desta via, verificada no Direito Interno, isto porque aquela ainda assenta no dogma da vontade dos Estados de se lhe submeterem, seja directamente na constituição dos tribunais arbitrais, seja mediatamente pela vinculação aos tratados que possam determinar a sua aplicação, maxime, tribunais internacionais. Esta solução jurisdicional pode dividir-se em:

• Via arbitral: resolução do litígio a partir da formação de um tribunal arbitral, que tem como particularidade, não estando integrado no poder judicial público, a indicação voluntária dos árbitros, bem como o seu limitado número, para além de poder incluir a respectiva regulamentação, substantiva e adjectiva. Estes tribunais podem ser:

o Tribunais arbitrais ad hoc: são apenas constituídos para a resolução de um específico litígio, extinguindo-se encontrada a solução
o Tribunais arbitrais permanentes: são permanentes, estando já parcialmente pré-definidos, aos mesmos as partes recorrendo para lhes pedir uma específica intervenção na composição do conflito que entre elas surgiu e querem ver solucionado

A utilização do tribunal arbitral pode ainda ser titulada por três factores, devendo assentar na vontade das partes que assim decidem resolver o seu litígio, dizendo-se a primeira arbitragem facultativa e as outras duas obrigatórias:

o Compromisso arbitral: sempre que as partes, levantado um litígio, entendam submeter a respectiva resolução a um tribunal arbitrar a constituir
o Cláusula arbitral: sempre que os litígios resultantes da interpretação ou aplicação de certo tratado devam ser antecipadamente resolvidos por tribunal arbitral, por força de uma das suas clausulas, que assim o prevê
o Convenção geral de arbitragem: sempre que as respectivas partes assumam a vontade de resolver os litígios entre si emergentes relativos a diversos tratados celebrados, de acordo com o tribunal arbitral naquela previsão

• Via judicial, representa a resolução de litígio a partir da intervenção de tribunais judiciais, estruturas permanentes e integradas no poder judicial internacional. Diferentemente dos tribunais arbitrais, nestes as partes em conflito não interferem na escolha dos juízes, que formam um corpo próprio e estável. O tribunal judicial permanente julga segundo critérios de legalidade estrita em processo ritualizado. Um tribunal constituído antes do litígio e com decisões de força jurídica pré-determinada pressupõe uma institucionalização mais ou menos avançada do Direito das Gentes. É o caso do Tribunal Internacional de Justiça, que, embora não possua o monopólio da justiça internacional é, o tribunal vocacionado para dirimir os diferendos jurídicos entre os Estados que possam afectar a paz e a segurança internacionais.


Os princípios de solução de conflitos

Os quatro grandes princípios são:

O dever de ius cogens de procurar a solução pacífica de qualquer conflito
A liberdade de escolha dos meios considerados adequados à solução do conflito em concreto
O dever de agir de boa fé, não inviabilizando a concretização do meio escolhido
O dever de acatar a solução do conflito uma vez encontrada ou definida e também de a executar de boa fé.

A Carta completa-os:

1) A proibição de recurso à força ou a poderes de facto contraditórios ao principio da igualdade soberana dos Estados (art. 51º e 2º nº2 e 4)
2) O carácter aberto dos meios de solução consignados (art. 33º)
3) A possibilidade de acordos regionais ou de intervenção de organizações internacionais (arts. 52º e ss.)
4) Carácter subsidiário ou supletivo das Nações Unidas (art. 33º nº2 e 36º nº2)
5) Primado do Conselho de Segurança, não podendo a Assembleia-geral fazer nenhuma recomendação acerca de um conflito quando dele se esteja ocupando o Conselho (art. 12º).


A intervenção do Conselho de Segurança

O uso da força no Direito Internacional esteia-se no papel do Conselho de Segurança, que não o partilha com outro órgão. Compete-lhe ser o guardião da paz e da segurança internacionais, tendo o poder exclusivo sobre duas vertentes:

Externamente: porque nenhuma outra instancia se pode arrogar do exercício de poderes de manutenção da paz internacional sendo esta uma incumbência só atribuída à ONU, o que não belisca os acordos de legítima defesa colectiva, que se lhe subordinam
Internamente: porque nenhum outro órgão pode intervir, o que a acontecer é sempre por impossibilidade ou a mando do Conselho de Segurança, cabendo-lhe mesmo as decisões do Tribunal Internacional de Justiça, apenas a Assembleia-Geral podendo excepcionalmente intervir no caso de paralisação do Conselho de Segurança

O procedimento que incumbe ao Conselho de Segurança, na aplicação de sanções, é diversificado, comportamento diversos momentos:

Iniciativa: o Conselho de Segurança intervém nos conflitos internacionais por sua iniciativa (art. 34º e 36º), por iniciativa da Assembleia-Geral (art. 11º nº3) e por iniciativa do Secretário-Geral (art. 99º). E intervém por iniciativa de qualquer dos Estados envolvidos, seja membro ou não das Nações Unidas (art. 35º nº1 e 2); o Estado não membro tem de aceitar neste caso, as obrigações decorrentes da Carta (art. 35º nº2).
Apreciação: reunião de todos os elementos necessários, para avaliar em que termos está a ocorrer a ruptura da paz. Por princípio de imparcialidade, todas as decisões que o Conselho tome ao abrigo do Capítulo VI da Carta, um Estado-membro do Conselho, que seja parte num conflito deve abster-se de votar (art. 27º nº3). Em contrapartida, um membro das Nações Unidas, que não seja membro do Conselho ou qualquer Estado não membro das Nações Unidas será convidado, se for parte num conflito submetido ao Conselho, a participar sem direito de voto na respectiva discussão, ou mesmo um Estado não membro do Conselho pode participar na discussão, sem poder de voto, quando de alguma forma o assunto joga com os seus interesses.
Deliberação: após ponderar sobre a situação, considera-se se não existirá nenhuma, efectiva ou potencial situação de ruptura da paz; se será necessário obter mais elementos para justificar uma decisão material; se se justifica chamar à atenção dos Estado em conflito para o respeito à Carta, através da vis directiva; se se aplica as sanções previstas, através de uma vis coactiva

A intervenção do Conselho traduz-se num dos seguintes resultados, por grau crescente: convite às partes no sentido da solução pacífica do conflito, abertura de inquérito, recomendação dos processos ou métodos adequados de solução, recomendação de solução adequada. Claro que a decisão do Conselho não se impõe às partes, ao invés do que se dá com a via judicial. Vinculativa pode ser ou não, a decisão do Conselho de Segurança, quando o conflito degenere em conflito armado ou este se torne iminente.


Meios de intervenção na ocorrência de conflito armado

Compete ao Conselho de Segurança verificar a existência da situação e, de seguida, tomar as medidas apropriadas para as vencer. A situação pode se ou não uma ameaça à paz, uma ruptura da paz ou uma agressão. À sua diversidade de gravidades correspondem medidas ajustadas, segundo princípio da proporcionalidade: medidas provisórias, recomendações e depois decisões obrigatórias. As decisões podem desembocar em sanções ou meios coercivos contra os Estados infractores ou agressores.

As sanções podem ser:

Coactivas não militares: coactivas por serem obrigações e não recomendações, não envolvem o uso da força, avançando-se o seguinte elenco de recursos:

Interrupção completa ou parcial de relações económicas
Interrupção completa ou parcial de meios de comunicação
Rompimento das relações diplomáticas
Retorsão
Represália
Embargos ou sequestros (proibição comercial)
Boicotes ou proibições (não participação do infractor em actividades internacionais)

Coactivas militares: “…poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”. Pode ser tipificada em duas reacções:

Demonstrações
Bloqueios

O uso da força militar pode ser feito directamente pelos Estados sendo autorizados a tanto, ou por forças da ONU, embora até ao momento este quadro próprio nunca tenha sido constituído.

No Pacto da Sociedade das nações, só as sanções económicas eram obrigatórias aos Estados-membros. Na Carta das Nações Unidas, são-no tanto as económicas, diplomáticas, militares.

A cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais envolve para os Estados-membros e até para os não membros das Nações Unidas, o dever de execução do Conselho de Segurança, directamente ou através dos organismos internacionais adequados (art. 48º).


As operações de paz das Nações Unidas

As operações de paz não se confundem obviamente, com os processo de solução de conflitos, porque em si mesmas não visam resolver conflitos, ou sequer estão previstas na Carta. Visam atingir os seus efeitos ou impedir que se produzam. E tão-pouco se confundem com as acções em caso de ameaça da paz, ruptura da paz ou agressão porque não são repressivas, nem assumem carácter sancionário. Não abrangidas pela Carta, podem fundamentar-se todavia, no fim geral das Nações Unidas de “manter a paz e a segurança internacional”, com a possibilidade de tomadas as medidas colectivas eficazes que sejam necessárias (art. 1º). Aliás, se as Nações Unidas podem empregar a força para restabelecer a paz, por maioria de razão hão-de organizar operações para impedir que a paz seja afectada.

O regime jurídico das operações é formado pelo costume internacional, da prática do Conselho de Segurança, do Secretário-Geral e da Assembleia-geral. Analisa-se os seguintes princípios:

As operações são actividade das Nações Unidas, desenrolam-se sob a sua bandeira, os seus participantes usufruem de privilégios e imunidade da Organização e à Organização é imputável a responsabilidade pelos prejuízos que delas venham a resultar
Elas implicam o consentimento do Estado em cujo território se realizem (embora situações tais, em que o poder não está instituído, apenas existe uma decisão externa) e pressupõem sempre o respeito pela sua independência e pela sua integridade territorial
Têm natureza não coerciva, só se admitindo o recurso à força em caso de legítima defesa
Postulam imparcialidade entre as partes envolvidas no conflito – Estados ou facções no interior do Estado
Têm duração limitada, e cessam ou por se ter alcançado o seu objectivo, ou por ele se ter tornado impossível ou a pedido do Estado em cujo território se efectuam
O órgão competente para decidir a realização de operações é o Conselho de Segurança, como órgão a que cabe a “responsabilidade principal da manutenção da paz”
A direcção das operações compete ao Secretário-Geral, o qual determina a composição das forças, celebra os necessários acordos com os Estados que fornecem destacamentos e com os Estados em cujos territórios eles são colocados e comanda superiormente as acções
O financiamento recai sobre a Organização através das contribuições (obrigatórias) dos Estados-membros nos termos a fixar pela Assembleia-Geral

Antes da revisão constitucional de 97, poderia perguntar-se se seria admissível, à face da Constituição, a participação de forças portuguesas em operações de paz. Mas, apesar do art. 275º – que enuncia as funções das Forças Armadas – ser omisso, a resposta seria positiva, tendo em conta os grandes princípios da inserção internacional de Portugal declarados no art. 7º. Após aquela revisão5, tal dúvida não faz sentido, uma vez que o art. 275º refere “incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça”. A decisão há-de pertencer ao Governo, em concertação com o Presidente (art. 120º, 182º e 201º nº1 alínea c da C.R.P.) e com o acompanhamento pela Assembleia da República (art. 161º alínea j).

Estas operações de manutenção da paz podem ser de duas categorias, oscilando entre a consensualidade e a coercibilidade:

Forças restritas: compostas por um reduzido número de observadores, que apenas pretendem garantir o respeito pelo acordo de paz assinado, e mantendo a paz (peace keeping)
Forças amplas: fortemente militarizadas, que implicam deslocação de força militares, com uso de armamento equiparável ao de um verdadeiro exercito regular, impondo a paz (peace enforcement)


As intervenções humanitárias

Diferentes das operações de paz se bem que muitas vezes conexas e próximas delas quando procedidas ou acompanhadas de contingentes militares ou de polícia, são as acções ditas de intervenção humanitária, destinadas especificamente a acudir às vítimas de catástrofes e conflitos e que têm vindo a ser concretizadas em várias partes do Mundo, por obra das Nações Unidas, ou organizações com o aval desta Organização.

As intervenções humanitárias subordinam o princípio da soberania ao princípio do respeito dos mais fundamentais dos direitos do homem. Donde os seguintes traços individualizantes:

• Como pressuposto, estado de necessidade – situação que afecta uma população ou um grupo, pondo em causa a sua sobrevivência ou a sua subsistência
• Como pressuposto igualmente, a exaustão ou a ausência de alternativas, com incapacidade das autoridades locais para tomarem as providencias adequadas
• Desnecessidade de consentimento do Estado em cujo território se desenrolam as operações, podendo inclusive falar-se em dever de aceitação da assistência do Estado a par de um dever de assistência da comunidade internacional
• Necessidade de autorização, homologação ou convalidaçao pelas Nações Unidas
• Adstrição dos meios aos fins e a sua racionalidade
• Limitação no espaço e no tempo
• Isenção na condução das operações
• Subordinação, a par disso, dos interesses dos Estados, das organizações e dos indivíduos envolvidos nas operações aos fins das Nações Unidas, designadamente o respeito pela autodeterminação dos povos.





Capítulo VII – Protecção Internacional dos Direitos do Homem

1- Conceitos e problemas gerais

1.1. Protecção internacional dos direitos do homem e institutos afins

A protecção internacional dos direitos do homem é uma das modalidades de protecção das pessoas através do Direito Internacional, digamos que a modalidade mais importante. Aqui se enquadra a protecção das minorias. Paralelamente subsistente a protecção diplomática, a protecção humanitária e a protecção dos refugiados. Ela entrecruza-se com a subjectividade internacional do indivíduo, sendo os fenómenos paralelos e autónomos

Protecção diplomática – proporciona a cada Estado, através dos seus representantes diplomáticos e consulares, defender pessoas e bens dos seus cidadãos em relação aos Estados estrangeiros nos quais os mesmos se encontrem. Esta protecção implica relações jurídicas internacionais entre os Estados. A protecção internacional dos direitos do homem mesmo quando consista na atribuição directa de direitos internacionais aos indivíduos, pretende assegurar os seus direitos e assegurá-los perante o Estado de que são membros.

Protecção humanitária – associada à acção da Cruz Vermelha, surgiu para proteger militares afastados de combate e populações civis. Tem como fontes primordiais as 4 Convenções de Genebra de 1949. Os seus princípios aplicam-se não só a conflitos armados, como também catástrofes naturais e tecnologia. Esta protecção ultrapassa a defesa contra os poderes políticos, pois até porque o seu móbil vem a ser a solidariedade humana, e refere-se a situações de extrema necessidade, como a sobrevivência humana.

Protecção dos Refugiados – aproxima-se da protecção humanitária porque os refugiados são vítimas de conflitos armados ou de situações de violência. Contudo, não se identifica com a Protecção humanitária porque revela 1 relação forte com os Estados e com a Comunidade dos Estados. A Declaração sobre o Asilo territorial foi o pacto relativo ao estatuto dos refugiados e as Nações Unidas, têm por isso um seu Comissário para os refugiados.

A protecção internacional dos direitos do homem acompanhada de subjectividade internacional do indivíduo significa que este é titular de direitos subjectivos à face do Direito Internacional de dupla natureza: de direitos de natureza substantiva e dos direitos processuais destinados à defesa.


1.2. Origem e sentido

Os antecedentes remotos da protecção internacional dos direitos são:

• Acordos para a protecção dos Cristãos no Império Otomano ou dos residentes europeus no Extremo Oriente.
• Tratado para a abolição da escravatura e do tráfico de escravos
• Concordatas e acordos entre a Santa Sé e os Estados, relativos às garantias da sua situação e da liberdade da Igreja Católica nos respectivos países
• Protecção humanitária e asilo territorial

Antecedentes próximos (após 1918):

• Protecção das minorias nacionais, étnicas e linguísticas
• Organização Internacional do Trabalho

Origens imediatas:

• Atropelos à dignidade das pessoas (2ª metade séc. XX)
• Transformações jurídicas e políticas

Existe uma relação forte entre a institucionalização da Comunidade Internacional e a protecção internacional dos direitos do homem. Só a existência de órgãos e instituições internacionais com autoridade acatada pelo Estado, proporciona 1 garantia dos direitos do homem face a esses Estados.


1.3. O desenvolvimento da protecção

A Organização das Nações Unidas, consciente da ligação entre os direitos do homem e a paz, teve um papel fulcral no desenvolvimento da protecção desses direitos. É também relevante a obra das organizações especializadas da “família das Nações Unidas”: OIT, UNESCO, FAO, UNICEF.

A nível regional salienta-se:

Acção do Conselho da Europa projectada na Convenção Europeia de Salvaguarda dos direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e na Carta Social Europeia
A Carta da Organização dos Estados Americanos e a Convenção Internacional de Direitos do Homem
A protecção dos direitos do homem no âmbito das Comunidades Europeias e a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia
O Sistema da Acta Final de Helsínquia
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
Declaração dos Direitos do Homem no Islão
A Carta Árabe de Direitos do Homem

Em contrapartida, não existia nenhum género de protecção humanitária no antigo bloco soviético.


1.4. A protecção das minorias

A problemática das minorias (nacionais, étnicas ou religiosas) e da sua protecção não é recente:

Tratamento dos judeus na Idade Média
Édito de Nantes

Apenas a partir de da 1ª Guerra Mundial se lhe atribui importância e atenção sistemática. Na verdade está em causa também o reconhecimento dos mesmos direitos e condições de exercício para as minorias. Não basta superar a discriminação, é preciso assegurar o respeito da identidade do grupo e proporcionar-lhe meios de preservação e de desenvolvimento. Também tem de haver a atribuição de direitos particulares e a prescrição ao Estado de correspondentes incumbências por normas constitucionais ou por normas internacionais.

No final da 2ª Guerra Mundial a tendência tem sido para a formação de regras multilaterais gerais, de protecção destes grupos:

• Art. 5º da Convenção sobre a luta contra a discriminação no domínio do ensino
• Art. 27º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
• Nº1, VII Acta Final de Helsínquia
• Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas a Linguísticas (aprovada pela Associação Geral das Nações Unidas)
• Convenção – quadro para a protecção das minorias nacional (aprovada pelo Conselho da Europa). Constam os seguintes direitos:

o 1 Pessoa pertencente a 1 minoria nacional pode escolher ser ou não tratada como tal
o Proibição de discriminações
o Promoção de igualdade na vida económica, social e cultural


1.5. As normas de Direito Internacional dos direitos do homem e as suas fontes

As normas de Direito Internacional têm como objecto relações interestaduais e relações entre os Estados e os respectivos cidadãos. Deste modo se realça a unidade profunda das ordens jurídicas, tendo o homem como referente.

Funções:

De garantia e de reforço de normas consagradas no Direito Interno – manifestada
Prospectiva ou directiva – manifestada em tratados de carácter especial, tendentes à atribuição de novos conceitos e ficando os Estados a adoptar medidas para a sua concretização

Sobressai a diferença entre direitos, liberdades e garantias e direitos sociais. Em relação aos 1ºs as normas são auto-exequíveis, sobre as 2ªs as normas são aplicadas dentro do possível. Aos tratados de direitos do homem aplicam-se por princípios gerais com adaptações derivadas do seu objecto e fim, isto implica:

Interpretação à luz do tratamento mais favorável
Proibição em determinados tratados de reservas
Quando se trata de reservas relativas aos órgãos de protecção ou de fiscalização do cumprimento dos tratados, necessária aceitação por esses órgãos.

Em qualquer caso a regra básica é a ressalva das disposições mais favoráveis de direito interno. Não há contradição com cláusulas no domínio dos direitos fundamentais, como a que existe no art. 16º da C.R.P. Há complementaridade e dupla garantia. Tal como direito interno, os tratados de direitos do homem admitem a suspensão de direitos em estado de necessidade:

• Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ou a Convenção Europeia sob o nome de “derrogações” – sujeitos aos princípios da personalidade e não podem infringir certos direitos fundamentais (ius cogens)

Em suma, o direito internacional dos direitos do homem vai sendo crescente e automatizando-se dentro do Direito Internacional Contemporâneo, com características:

a) Direito de geometria variável com expressões mundiais e regra de alcance geral ou sectorial
b) Direito objectivo – multilateral, orientado pelos fins que se lhes impõem independentemente da reciprocidade de vantagens e obrigações entre os Estados
c) 1 Direito correspondente no seu princípio e no seu conjunto a um mínimo ético, universal, a par de avanços e em certas áreas
d) 1 Direito de fonte convencional
e) 1 Direito de cooperação


1.6. As formas internacionais de protecção

Formas internacionais de protecção:

• Formas não institucionais (correspondentes à acção reciprocidade dos Estados e as relações internacionais de cooperação)
• Formas institucionais (correspondentes às organizações internacionais)

Formas não institucionais de garantia:

• Informações recíprocas dos Estados
• Processos diplomáticos de comunicação ou chamada de atenção por violação de direitos fundamentais
• Processos relacionais de solução de conflitos

Formas institucionais:

Apreciação de relatórios dos Estados sobre o cumprimento das suas obrigações
Os inquéritos
O Conhecimento de queixas de Estados contra outros a propósito de obrigações internacionais sobre os direitos do homem
O conhecimento de petições, comunicações, queixas de indivíduos ou organizações não governamentais relativas a violações de direitos nos respectivos Estados

Órgãos aos quais podem ter acesso os indivíduos para a defesa dos seus direitos fundamentais:

Comissão europeia dos direitos do Homem
Comité sobre discriminação racial
Comité contra a tortura e tratamentos cruéis e desumanos
Estatuto especial – Comité da Liberdade Sindical – OIT

Os indivíduos não exercem 1 direito com a natureza de direito de petição. Ao invés já não é petição, mas algo misto de queixa e acção, a figura prevista nas Convenções Europeias e Interamericana dos Direitos do Homem. Pode ser obrigatória ou facultativa a natureza das cláusulas relativas à apreciação por órgãos internacionais de queixas de Estados contra outros Estados. Tem prevalecido a natureza facultativa com dependência de declaração de aceitação dos Estados. Dai o carácter subsidiário da protecção internacional dos direitos do Homem. Excepção-Regime do Comité de Liberdade Sindical da OIT

A queixa de 1 cidadão contra o seu Estado perante 1 órgão internacional abala o dogma da sua soberania. Existe 1 grau mais intenso de protecção dos direitos do Homem e de compreensão dos poderes do Estado. É o direito internacional Penal quando combina a criminalização das ofensas mais graves daqueles direitos pelos titulares de órgãos e agentes desse Estado e institua tribunais para os punir. No limite apela-se a 1 justiça internacional.



Os sistemas das Nações Unidas e das organizações especializadas

2.1. Da Carta das Nações Unidas à Declaração Universal

A Carta das Nações Unidas contém normas substantivas sobre direitos do Homem. É a Declaração Universal dos Direitos do Homem que enuncia grandes princípios de respeito pela pessoa e pela sua dignidade e que apresenta direitos, liberdades e garantias e outros económicos, sociais e culturais. Em si o valor da Declaração Universal não sofre dúvidas. Não é um tratado, porque foi aprovada sob a forma de resolução da Assembleia-geral das Nações Unidas, não vinculativa pelos Estados. O conteúdo da Declaração não pode ser desprendido dessa forma e situado noutra perspectiva?

Os princípios contidos na Declaração constituem princípios gerais de Direito Internacional, quer se entenda que se reduzem a fontes materiais ou que equivalem a fontes formais; e eles projectam-se não só sobre os Estados-membros da ONU como também sobre quaisquer Estados. Esta tese é preferível porque é mais atenta aos sinais dos tempos, à convicção da inviolabilidade dos direitos do homem e às referências à Declaração que se encontram em Constituições, tratados, leis e decisões de tribunais. Foi a partir da Declaração Universal que os princípios relativos aos direitos do homem se difundiram e começaram a sedimentar-se na vida jurídica internacional a ponto de alguns se elevarem a princípios de ius cogens.


2.2. Os instrumentos de carácter específico

 Declarações relativas a categorias de pessoas:

o Declarações de direitos da Criança
o Declarações de direitos do deficiente mental
o Convenção dos Direitos da criança

 Instrumento relativos a formas de anti – discriminação

o Convenção sobre os Direitos políticos da mulher
o Convenção sobre a eliminação das formas de descriminação racial
o Convenção sobre a eliminação das formas de descriminação contra a mulher
o Declaração sobre a eliminação das formas de intolerância e de descriminação por causa da religião ou de convicção

 Convenção e recomendação relativas ao Casamento, à idade mínima para casar e ao registo do casamento

o Condenação para a repressão do trato de seres humanos e da exploração da prostituição
o Protocolo da alteração relativa à escravatura
o Convenção suplementar relativa à abolição da escravatura

 Instrumentos relativos à cidadania, à apatriaçao e aos refugiados

o Convenção relativa ao estudo dos apatriados
o Convenção sobre a nacionalidade da mulher casada
o Convenção sobre a redução dos casos de apatriaçao

 Convenção contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis
 Instrumentos relativos genocídio e aos crimes de guerra e contra a humanidade
 Declaração sobre o progresso e o desenvolvimento no domínio social


Os órgãos com competência no domínio dos direitos do homem

Os órgãos previstos na Carta das Nações Unidas com competência no domínio dos direitos do homem são:

1. O Conselho de Direitos do Homem como órgão técnico do Conselho Económico e Social e a que têm acesso a organizações não governamentais
2. A Assembleia Geral como órgão para promover os Estados e fazer recomendações e o Alto Comissário para os refugiados como 1 órgão subsidiário
3. O Tribunal Internacional de Justiça como órgão jurisdicional que pode ser chamado a decidir questões entre os Estados atinentes a direitos do homem ou a emitir parecer

Fora da Carta:

O Comité dos direitos do Homem
O Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais
Os Comités especiais


As formas de protecção

A informação que os Estados prestam a órgãos internacionais é 1 forma de protecção dos direitos do homem (daí os relatórios previstos). Formas mais relevantes:

a) As comunicações de Estados ao Comité dos Direitos Humanos sobre o não cumprimento por outros Estados sãs suas obrigações (assim como para outros Comités)
b) As comunicações de particulares ao Comité dos Direitos do Homem e ao Comité contra a tortura


2.5. O papel da Organização Internacional do Trabalho

Preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho contém 1 declaração de direitos dos trabalhadores baseada no facto de que só com justiça social houve paz universal. Temas:

Fixação de 1 limites da jornada e da semana do trabalho
Lutas contra o desemprego
Protecção dos trabalhadores em caso de doença profissional ou acidente
Protecção das crianças, mulheres
Pensões de velhice
Defesa dos trabalhadores emigrantes
Principio da liberdade sindical
Ensino profissional e técnico

Relativamente à fiscalização do cumprimento das obrigações:

Os relatórios anuais sobre as convenções ratificadas
As queixas e os inquéritos
A sujeição dos litígios ao Tribunal Internacional de Justiça
O processo especial de protecção da liberdade sindical que recebe queixas do Governo, das organizações de trabalhadores e das organizações patrimoniais

Algumas das principais Convenções internacionais do trabalho:

• Convenção nº 87, sobre a liberdade sindical e protecção deste direito
• Convenção nº100 – igualdade de remuneração entre mão-de-obra masculina e mão-de-obra feminina
• Convenção nº122 – política de desemprego


2.6. A UNESCO e os direitos culturais

Também o acto constitutivo da UNESCO estabelece ligação entre a construção da paz e o seu campo de actividade – progresso da educação da ciência e da cultura. Principais convenções e recomendações da UNESCO:

Recomendação sobre o ensino técnico profissional
Convenção sobre a discriminação no domínio do Ensino
Convenção sobre a protecção do Património Mundial
Recomendação sobre a Educação para a cooperação e a paz internacionais e sobre a educação relativa aos Direitos do Homem e às Liberdades fundamentais
Recomendação sobre a condição dos Investigadores científicos
Recomendação relativa à participação e à contribuição do povo na vida cultural
Recomendação sobre a Permuta dos Bens culturais
Recomendação sobre o desenvolvimento da Educação do Adulto
Declaração dos princípios da Cooperação Cultural Internacional – “toda a cultura tem 1 dignidade e 1 valor”, “todos os povos têm o direito e o dever de desenvolver a sua cultura e que na sua variedade fecunda e influencia recíproca as culturas pertencem ao património comum da humanidade”


Os sistemas regionais

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 1950, foi o primeiro texto de protecção a nível regional e o primeiro que introduziu o acesso directo do indivíduo a uma instancia internacional para a defesa dos seus direitos contra o próprio Estado. Surgida num contexto histórica de pós-guerra, sob o impulso do Conselho da Europa e beneficiando da experiência acumulada de sistemas constitucionais de democracia pluralista e de Estado de Direito tanto como da experiência de reacção aos regimes totalitários, veio a dar origem a um muito aperfeiçoado sistema de garantias, a um Direito europeu dos direitos do homem, não menos significativo que o Direito Comunitário. A Convenção vincula hoje 40 Estados, Portugal viria a ratificá-la e aos protocolos até então celebrados após a entrada em vigor da Constituição de 1976.

O tratado de 1950 viria a ser complementado por 11 protocolos adicionais, sendo o mais importante o 11º, assinado em 1994 e entrado em vigor em 1998, o qual simplificou e reforçou o sistema de garantias dos direitos e tornou obrigatória a jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para receber queixas dos Estados e “petições” individuais. Após este último Protocolo, o Regulamento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Acórdão Europeu Relativo às Pessoas Participantes nos Processos Pendentes no Tribunal, ambos de 1998.

Os direitos, liberdades e garantias proclamados são relativamente modestos. Em 1955 eram: o direito à vida, a proibição da tortura e de penas desumandas, a proibição da escravatura, de servidão e de trabalho forçado, direito à liberdade e à segurança, certas garantias do processo civil e criminal a não-retroactividade da lei penal, a inviolabilidade da vida privada, do domicilio e da correspondência, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião, o direito de casamento e o direito à tutela dos direitos. Acrescentar-se-iam depois: o direito de propriedade, o direito à instrução, o direito de educação dos pais e o direito de sufrágio, no Protocolo 1º; não haver prisão por dívidas, a livre circulação de pessoas e garantias relativas à expulsão, no Protocolo 4º; a abolição da pena de morte, salvo em tempo de guerra, no Protocolo 6º; as garantias dos estrangeiros quanto a expulsões, o direito a recurso, o princípio nin bis in idem e o direito à indemnização por erro judiciário em processo penal e a igualdade de direitos dos conjugues no Protocolo 7º.

Conexa com as matérias da Convenção de 1950 e também obra do Conselho da Europa, é a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratos Desumanos ou Degradantes, de 1987, a qual institui um comité destinado a apreciar o modo como são tratadas as pessoas privadas da liberdade.


As reservas à Convenção Europeia

A Convenção admite reservas, mas só de carácter específico e fundadas em disposições vigentes de Direito interno. O seu efeito consiste em obstar à invocação perante os órgãos que ela prevê dos direitos a que se reportam.

Quando da aprovação para a ratificação da Convenção por Portugal, foram formuladas oito reservas, respeitantes às seguintes matérias: prisão disciplinar de militares, incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE-DGS, televisão, lock-out, serviço cívico, organizações de ideologia fascista, expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas, ensino público e particular. Um correcto confronto das normas constitucionais, mesmo no texto inicial, e da Convenção mostraria não se justificarem as reservas quanto ao lock-out (não garantido pelo art. 11º da Convenção), quanto ao serviço cívico (admissível à face das alienas b e d do art. 4º, nº3 da Convenção); quanto às expropriações (pois o art. 82º, nº2 da Constituição apenas autorizava, não determinava expropriações sem indemnização) e quanto ao ensino (pois a garantia dos direitos dos pais constante do art. 2º do 1º Protocolo encontra-se, com mais rigor, nos arts. 36º nº5 e 43º da Constituição). Tão-pouco eram necessárias as reservas quanto à prisão disciplinar (não contemplada senão em 1982 pela Constituição) e quanto à vedação da propriedade privada da televisão (de acordo com o entendimento dominante do art. 10º da Convenção). As reservas sobre o ensino e sobre as expropriações, de resto até podiam ser consideradas inconstitucionais, por envolverem sentidos contrários aos das correspondentes normas constitucionais ou restrições de direitos fundamentais por elas não admitidos.

O problema foi ultrapassado quase por completo com a Lei nº 12/87, pela qual foram retiradas seis das reservas, permanecendo a reserva relativa à prisão disciplinar de militares a à incriminação dos agentes e responsáveis da PIDE-DGS. Em contrapartida, a reserva respeitante às organizações fascistas deveria manter-se enquanto se mantivesse o art. 46º nº4, da Constituição, que permite a liberdade de associação.

Por outro lado, quando da aprovação para ratificação do Protocolo 7º, foi ainda formulada a reserva: que por “infracção penal” e “infracção” no sentido dos arts. 2º e 4º do Protocolo, Portugal só considerava os factos que constituíssem infracção penal segundo o seu Direito.


O sistema institucional da Convenção Europeia

O sistema institucional da Convenção compreendia inicialmente:

• A Comissão Europeia dos Direitos do Homem, como órgão de inquérito e conciliação e de exame de petições
• Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

Os particulares dirigiam-se à Comissão e o processo só desembocava no Tribunal por iniciativa da própria Comissão ou de outro Estado. Com vista a simplificar e acelerar os processos, evitando repetições e reforçando o seu carácter jurisdicional, o Protocolo nº 11 suprimiu a Comissão e reestruturou o Tribunal.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode receber petições de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Estado vinculado pela Convenção, de qualquer direito reconhecido tanto na Convenção como nos sues Protocolos. O Tribunal funciona por comités de 3 juízes, em secções de 7 e em tribunal pleno de 17. Não declarada inadmissível uma petição pelo comité, cabe a uma das secções pronunciar-se quanto à admissibilidade e quanto ao fundo, podendo, em caso de questão grave ou de contradição com anterior decisão do Tribunal, a questão ser devolvida ao tribunal pleno.

O Tribunal não anula ou revoga as decisões dos tribunais internos dos Estados, apenas decide se houve ou não violação de direitos garantidos pela Convenção, e em caso positivo poderá – se o Direito Interno só de forma imperfeita permitir remediar as suas consequências – conceder à vítima uma reparação razoável. As decisões definitivas são vinculativas e, para efeito da sua execução, transmitidas ao Comité de Ministros.

O Tribunal possui igualmente competência consultiva, a pedido do Comité de Ministros, pode emitir pareceres sobre questões jurídicas relativas à interpretação da Convenção e dos seus protocolos.


A Carta Social Europeia

Paralela à Convenção, encontra-se a Carta Social Europeia, aprovada em 1961 e alterada por Protocolo em 1991. Portugal ratificou-a somente em 1991.

Da Carta constam principalmente direitos dos trabalhadores a que corresponde uma relativa diversidade de obrigações de Estados, devido à menor homogeneidade dos países europeus quanto aos direitos económicos e sociais do que a respeito dos direitos de liberdade.

São órgãos de aplicação os comités de peritos, o comité governamental, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o Comité de Ministros. A fiscalização do cumprimento das obrigações faz-se através de relatórios ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.


A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina

Esta Convenção assenta em três grandes princípios:

1) O primado do ser humano sobre os interesses da sociedade e da ciência
2) O princípio do consentimento
3) O respeito pela vida privada

E tem normas de grande interesse, como as sobre o genoma, a investigação científica, a colheita de órgãos e tecidos em dadores vivos para fins de transplante e a utilização de partes do corpo humano. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recebe competência para emitir parecer sobre a sua interpretação e prevê-se o envio de relatórios dos Estados-partes ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.


As Comunidades Europeias e os direitos do Homem

O Tratado de Roma, constitutivo da Comunidade Económica Europeia, logicamente apenas contemplava a liberdade de circulação e não-discriminaçao entre os trabalhadores (arts. 48º e ss.), assim como as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços (arts. 52º e ss.). Porém, à medida que a integração avançava, foi-se sentindo a necessidade de suscitar de forma mais alargada o problema dos direitos das pessoas no interior dos processos comunitários. O aumento das atribuições das Comunidades e a formação da União Europeia viriam tornar mais forte a necessidade de subordinação dos seus órgãos a normas de garantia desses direitos. Daí, a elaboração também nesse caso levada a cabo pelo Tribunal de Justiça das Comunidades; a declaração conjunta, dos Presidentes do Parlamento Europeu, da Comissão e do Conselho Europeu sobre direitos fundamentais; várias cláusulas expressas dos Tratados de Maastricht e de Amesterdão, em que se declara que a União assenta nos princípios da liberdade, da democracia e do Estado de Direito e respeita os direitos fundamentais tal como os garante a convenção Europeia dos Direitos do Homem e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, como princípios gerais de Direito Comunitário. Daí ainda prever que, no caso de violação grave e persistente de qualquer desses princípios por qualquer Estado-membro, este possa ser suspenso de alguns dos direitos decorrentes do Tratado da União, incluindo o direito de voto dos representantes do seu Governo no Conselho.

Uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, elaborou-se a partir de uma convenção e proclamou-se em Dezembro de 2000, pelo Parlamento, pelo Conselho e pela Comissão, mas desprovida de carácter vinculativo imediato (só mediatamente, enquanto conjunto de princípios, o poderá adquirir), por não ter assumido a forma de tratado e estatuir expressis verbis que não cria novas atribuições ou competências para a Comunidade ou para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas no Tratado.


A Carta de Direito Fundamentais da União Europeia

A Carta é um longo texto de 54 artigos dividido em 7 capítulos: I – Dignidade; II – Liberdade; III – Igualdade; IV – Solidariedade; V – Cidadania; VI – Justiça; VII – Disposições gerais. Em confronto com a Convenção Europeia, ela alarga substancialmente o acervo de direitos e oferece uma melhor sistematização, embora seja menos pormenorizada ao descrever os respectivos conteúdos. Mas tem o cuidado de precisar que, havendo correspondência entre os direitos nela declarados e os previstos na Convenção, o sentido e o âmbito deles são iguais aos conferidos pela convenção, a não ser que a Carta garanta uma protecção mais extensa. Por outro lado, a Carta estipula ainda que nenhuma das suas disposições pode ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos e liberdades fundamentais, reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo Direito da União, pelo Direito Internacional e pelas convenções internacionais de que são partes a União, a Comunidade e todos os Estados-membros, nomeadamente a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como pelas Constituições dos Estados-membros.

A Carta, na qual se manifestam subliminarmente sinais paraconstitucionais e parafederalistas, sugere-nos críticas:

1) Se estão apenas em causa direitos perante ou contra as Comunidades e a União ou perante os Estados-membros enquanto apliquem o Direito da União, e não também perante ou contra os Estados-membros nas suas ordens internas, mal se compreende por que motivo o respectivo catálogo e os inerentes mecanismos de garantia ficam fora dos Tratados
2) Se estão apenas em causa direitos perante ou contra os órgãos das Comunidades e da União, mal se compreende como a Carta contém proclamações de carácter geral, redundantes em face do referido artigo 6º do Tratado de Amesterdão, e até garantias de direitos que não fazem sentido senão perante ou contra os Estados-membros
3) Não obstante o intuito afirmado de respeito pelas Constituições nacionais, corre-se o risco de o Tribunal de Justiça, na sua tendência uniformizadora, as secundizar ou, numa leitura positivista, deixar de recorrer ou recorrer menos às tradições constitucionais comuns.
4) A Carta pode cavar um fosso entre os países comunitários e os restantes países europeus. Estes continuariam partes na Convenção Europeia – com uma lista relativamente curta de direitos, mesmo depois dos protocolos adicionais. Ao invés, os cidadãos dos países-membros da União beneficiariam tanto da tutela atribuída pela Convenção quanto da tutela adicionada pela Carta (embora com dificuldade de sobreposição e da compatibilização a efectuar)

Nada justificaria esta separação. Se há fortes razoes económicas e políticas para o alargamento das Comunidades se efectuar por fases, nenhuma razão se divisa para o sistema de direitos fundamentais, a nível convencional, não ser o mesmo para todos os Estados europeus. Se há património comum a todos eles, esse é o dos valores subjacentes aos direitos da pessoa humana.


O sistema interamericano de protecção dos direitos do Homem

Há um sistema interamericano de protecção dos direitos do homem, cujos textos básicos são:

• A Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948
• Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948
• A Carta Internacional Americana das Garantias Sociais de 1948
• A Convenção Interamericana dos Direitos do Homem de 1969, com protocolo adicional de 1988.

Há semelhanças e diferenças entre a Convenção interamericana e Europeia. As diferenças principais consistem na maior extensão e na maior minúcia nos direitos abrangidos, na previsão genérica dos direitos económicos, sociais e culturais, no carácter obrigatório da cláusula relativa a petições de pessoas ou grupos de pessoas ou grupos de pessoas, e na maior complexidade sistemática.


O sistema africano

África também ensaia um sistema de protecção, com base na Organização da Unidade Africana de 1969, regulamentada na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981. Os pontos fundamentais da garantia da Carta são:

• O processo perante a Comissão Africana
• As comunicações dos Estados e outras comunicações
• Os relatórios da Comissão e a sujeição das questões à Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo




Capítulo VIII – Responsabilidade Internacional

1- A responsabilidade internacional em geral

Sempre que um sujeito de Direito viola uma norma ou um dever a que está adstrito em relação com outro sujeito ou sempre que, por qualquer forma lhe causa um prejuízo, incorre em responsabilidade, fica constituído num dever específico para com o lesado. O Estado e os demais sujeitos de Direito Internacional respondem pelos actos ilícitos que pratiquem ou por certos lícitos que lesem direitos e interesses de outros sujeitos

Embora seja princípio comum a todos os ordenamentos, o princípio da responsabilidade sofre em cada um as refracções ou adaptações decorrentes da sua estrutura e do seu estádio de evolução e aperfeiçoamento. Assim, no Direito Internacional sobressaem:

a) A relevância dos interesses políticos conexos com a soberania dos Estados e a tendencial identificação dos danos morais com a lesão desses interesses
b) A não rara complexidade das relações, por o Estado, como sujeito de Direito Internacional, ter de prosseguir interesses ou ter de responder por acções ou omissões quer dos seus órgãos e agentes, quer dos órgãos e agentes de outras entidades públicas, quer de particulares dentro do seu território
c) A consequente relevância, entre as modalidades de reparação dos danos, a par da restitutio in integrum e do ressarcimento da satisfação
d) A prevalência dos mecanismos diplomáticos sobre os mecanismos jurisdicionais de efectivação
e) A frequência de formas de autotutela como retorsão (resposta a violação de interesses do Estado por meio de actos ilícitos) ou a represália (reacção através de acto ilícito, seja pacífico ou não).

O fenómeno apresenta alguns sinais de mudança:

a) A responsabilidade internacional era até há pouco responsabilidade dos Estados nas relações entre eles, hoje, conhece-se também a responsabilidade de organizações internacionais
b) Classicamente, a responsabilidade era só dos Estados uns perante outros, agora também há responsabilidade de Estados perante organizações internacionais e entidades afins, e até perante o indivíduo
c) A responsabilidade internacional surgiu como responsabilidade colectiva e próxima da responsabilidade civil
d) Classicamente, a responsabilidade pressupunha actos ilícitos, a violação de deveres, hoje entremostra-se, com cada vez maior importância, uma responsabilidade objectiva, uma responsabilidade pelo risco
e) Até à Carta das Nações Unidas, aceitava-se o emprego da força para o Estado lesado ou ofendido restaurar a situação anterior; hoje, como se sabe, somente tal é permitido ao Conselho de Segurança, apesar de a prática das grandes potencias não o confirmar
f) Num Direito predominantemente relacional como era o Direito Internacional até 1945, tudo desembocava numa relação bilateral entre o Estado-violador e o Estado-vítima, mas a institucionalização da vida internacional e aparecimento da ideia de bem comum da humanidade tem vindo a fazer emergir uma responsabilidade para com a comunidade internacional no seu conjunto – assim, a responsabilidade criminal do indivíduo e, de certo modo, a responsabilidade por danos ambientais


2- A responsabilidade dos Estados

Em qualquer ordenamento ou sector jurídico, a responsabilidade envolve quatro elementos:

1) Comportamento
2) Imputação (ou de outra perspectiva a imputabilidade)
3) O dano
4) O nexo de causalidade

Tem de haver uma acção ou omissão, atribuída ou atribuível a certo sujeito e que cause um prejuízo moral ou patrimonial de outro, verificando-se uma relação necessária entre o comportamento e o dano. As diferenças encontram-se no modo como os elementos se conformam e manifestam.

Considerando a problemática respeitante ao Estado verifica-se que a conduta pode assumir diferentes configurações:

Responsabilidade por acção e responsabilidade por omissão
Responsabilidade directa – derivada de acção ou omissão dos próprios órgãos ou agentes do Estado; responsabilidade indirecta – decorrente de acção ou omissão de órgãos ou agentes de outras entidades públicas – Estados federados em Estados federais, regiões autónomas, autarquias locais, etc. – até particulares.
Responsabilidade por actos de Direito Internacional ou regidos pelo Direito Internacional – sejam actos unilaterais, tratados ou outros actos – e responsabilidade por actos de Direito Interno – sejam da função legislativa (lei contrária a tratado, nacionalização sem indemnização), da função administrativa (expropriação sem indemnização, maus tratos da polícia) ou da função jurisdicional (morosidade ou denegação de justiça, decisão ilegal)
Responsabilidade por actos no interior do território e por actos no território de outro Estado (maxime, território ocupado).
Responsabilidade em tempo de paz e responsabilidade em tempo de guerra ou por causa de guerra (dos beligerantes, do Estado neutro por incumprimento de dever de neutralidade, do Estado que intervém em guerras civis).

O fundamental é, no entanto, a conduta em si mesma, com o resultado dela adveniente. A culpa e o dolo dos titulares dos órgãos e dos agentes poderão, contudo, em certas circunstancias, interessar para graduar a responsabilidade.

Simples particulares podem também praticar actos que acarretem responsabilidade do Estado a que pertencem em face do Estado estrangeiro (ou de outro sujeito de Direito Internacional). É o que acontece em motins ou outra perturbação pública que afecte a representação ou cidadãos estrangeiros, mormente quando as forças da ordem não tenham sido eficazes. Responsabilidade indirecta pode igualmente sobrevir perante certos danos ambientais graves.

Ocorrendo rebelião ou insurreição, o Estado responde tanto pelos danos provocados pelas autoridades constituídas e pelos seus agentes quanto pelos danos provocados pelos rebeldes ou insurrectos. Derrotados ou vitoriosos estes, o Estado – enquanto instituição que perdura para além dos detentores concretos do poder e que mantém sempre a sua identidade jurídica internacional – nunca deixa de estar adstrito à obrigação de reparar tais danos. Só não será assim quando se tratar de danos causados por rebeldes estrangeiros cujo Estado lhes haja reconhecido o estatuto de beligerantes.

A conduta é do Estado, a imputação de qualquer acção ou omissão faz-se a partir de pessoas físicas que, no momento da sua prática, possuam efectivo poder de decisão no Estado e que, portanto, devem ser consideradas titulares dos seus órgãos – sejam eles quais forem – de vinculação internacional. A eventual incompetência ou usurpação de funções, de ordinário, só será tida em conta para efeitos do Direito Interno.

O lesado pode ser um particular, não gozando de subjectividade internacional, haverá que obter a mediação do Estado por via de protecção diplomática. Coisa diversa se verifica nas hipóteses de protecção internacional dos direitos do homem, em que o Estado fica obrigado a indemnizar um seu cidadão, vítima de uma acção ou omissão sua lesiva de direitos dele.

A legítima defesa, o consentimento da vítima, a força maior e o estado de necessidade são causas de exclusão de ilicitude. Mas não isentam (salvo legítima defesa) do dever de indemnizar.


3- A responsabilidade internacional penal do indivíduo

Eis os traços básicos da competência do Tribunal Penal Internacional tal como resultam do estatuto:

a) Crimes sujeitos a jurisdição do Tribunal são o genocídio, os crimes contra a humanidade, de guerra, de agressão, e ficando a jurisdição relativa a este último crime dependente de disposição aprovada nos termos do procedimento de alteração ao estatuto.
b) Um Estado que seja parte no estatuto aceita a jurisdição do Tribunal relativamente àqueles crimes quando as correspondentes condutas tenham sido cometidas no seu território ou quando sejam seus cidadãos os acusados da sua prática
c) Não obstante, o Tribunal não admite um caso quando ele seja objecto de inquérito ou de processo no Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não estiver disposto a levar até ao fim a investigação ou o processo ou não mostrar capacidade para o fazer
d) O Conselho de Segurança pode impedir o início ou a continuação de uma investigação ou de um processo por períodos não superiores a 12 meses com base em resolução aprovada – quer dizer, por razoes de paz e de segurança internacional
e) De todo o modo, o Tribunal só conhece de crimes cometidos após a entrada em vigor do estatuto

Por outro lado estabelece-se, pela função do Tribunal:

a) Não-imunidade dos titulares de cargos políticos, dos chefes militares e dos superiores hierárquicos
b) Não-isençao de responsabilidade criminal dos subordinados, quando as ordens cumpridas sejam ilegais e quando se trate de genocídio e de crimes contra a humanidade
c) Imprescritibilidade dos crimes
d) Obrigações de cooperação dos Estados, designadamente para a entrega de pessoas ao Tribunal
e) Proibição de reservas ao estatuto, embora admitindo o recesso

No que tange às normas substantivas, organizatórias e processuais a que o Tribunal fica vinculado, anote-se:

a) Reafirmação dos princípios fundamentais do Direito Penal e das garantias básicas de processo criminal inerentes ao Estado de Direito, conquanto não se comine, à partida, a pena correspondente a cada tipo de crime
b) Garantia, designadamente, de um segundo grau de jurisdição – estando o Tribunal organizado em câmaras ou secções de Questões Preliminares, de 1ª instancia e de Recursos
c) Garantias de independência e imparcialidade dos juízes
d) Para lá do estatuto e de normas conexas ou complementares, aplicabilidade de normas de Direito Internacional convencional, de Direito Internacional geral e dos princípios gerais que o Tribunal extraía do Direito Interno segundo do diferentes sistemas jurídicos do mundo
e) Iniciativa do processo a cargo de qualquer Estado-parte, do Conselho de Segurança e do Procurador que funciona junto do Tribunal
f) Como pena máxima, não a de morte, mas a pena de prisão por 30 anos ou, se a extrema gravidade do crime e as condições pessoais do agente o justificarem, a de prisão perpétua com um necessário reexame, ao fim de 25 anos de execução pelo Tribunal
g) Princípio de reparação das vítimas

Com o Tribunal Penal Internacional aparece um novo paradigma do Direito Penal Internacional, no entrosamento da ordem jurídica internacional e das ordens jurídicas internas.

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