domingo, 14 de março de 2010

APONTAMENTOS DIREITO UNIÃO EUROPEIA ll

Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito











Direito Institucional da União Europeia


Prof. Doutor Paulo Pitta e Cunha













2005/2006
Luís Manuel Lopes do Nascimento



























Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito











Direito Institucional da União Europeia


Prof. Doutor Paulo Pitta e Cunha













2005/2006
Luís Manuel Lopes do Nascimento














































«Les Étas Unies d’Europe ont Commencé»
Jean Monet 1955












PARTE I – O DIREITO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA

SECÇÃO I – A INTEGRAÇÃO EUROPEIA

. A ideia da Europa ao longo da história

A origem da palavra Europa remonta ao séc. VII a.C., tendo sido introduzida por Hesíodo. Foram portanto os gregos que criaram uma noção geográfica da Europa: um espaço vasto, apresentado como indo do Atlântico aos montes Urais. É este o primeiro sentimento de unidade em torno da Europa, o geográfico.
Já no séc. IX d.C. será Carlos Magno, a interpretar essa unidade como tendo um sentido mais profundo, essencialmente identificado com a cristandade (Respublica Christiana) – unidade ideológica e espiritual. Importante foi também o contributo dos Doutores da Igreja (S.Tomás de Aquino).
Com a viragem da Idade Média para o Renascimento a Europa divide-se: no plano político (soberania dos Estados) e no plano religioso (reforma) no plano económico (mediante o crescimento do nacionalismo). Perante isto fracassam os projectos de Rosseau e de Kant (Paz Perpétua e Projecto para a Paz Perpétua).
È também nesta época que se começa a construir uma identidade cultural (Leibnitz, Victor Hugo)
O século XIX nasce com o escrito de Saint Simom «Da organização da sociedade europeia...». Baseado nesse espírito as cinco grandes potências da época (Inglaterra, França, Áustria, Prússia, Rússia) criam o «concerto europeu», como herdeiro da Santa Aliança.
O século XX aprofunda o exacerbar dos nacionalismos, o empolamento do jus belli e o livrecambismo económico.

. Os projectos de integração europeia#

No rescaldo da Guerra, os estados europeus tomam consciência da sua fragilidade e dos perigos da sua desunião. Surgem propostas de associação para Estados europeus (Nação europeia; federalismo europeu). Esse movimento aprofunda-se após 1927 com a divulgação de obras que propõem uma União Aduaneira Europeia e como uma união Europeia de tipo Confederal.
Todas estas propostas fracassam, diante o contexto da grande depressão de 1929 e do ressurgir das rivalidades nacionais que conduziram à 2.ª Grande Guerra.

. O início da integração europeia

A integração europeia, tal como a vivemos hoje, só se iniciou depois da 2.ª Grande Guerra, diluindo-se com a própria história da Europa no séc. XX. A primeira personalidade a alertar para a importância da reconciliação franco-alemã foi Churchill em 1946, avançando com o conceito de «Estados Unidos da Europa». Churchill, em 1946 falou pela primeira vez na «cortina de ferro» que se estendia a Leste..
Em Dezembro do mesmo ano é fundada em paris a União Europeia dos Federalistas. Em 1947 é proposto o Plano Marshall (que marca também a divisão com o Bloco de Leste). Em Junho de 1948, dezasseis Estados, entre os quais Portugal, instituem a OECE, mas já em Janeiro desse ano havido sido fundado o Benelux. Em Março desse ano era assinado o Tratado de Bruxelas, que instituía a União da Europa Ocidental.
Em Janeiro de 1949 é instituído o Conselho da Europa (em Estrasburgo). Em Abril desse ano haveria de ser assinado o Tratado do Atlântico Norte, que criava a NATO.
Assim, se a OECE dava corpo à cooperação económica entra Estados da Europa Ocidental, com o pretexto de gerir o plano Marshall, o Conselho da Europa e a NATO visavam servir de Suporte à cooperação política e militar entre eles.
Note-se que a República Federal da Alemanha só teria a sua Lei Fundamental em 1949, pelo que o federalismo alemão do pós-guerra não podia ainda, servir de modelo de inspiração para os adeptos da integração europeia.

Cronologia

Data Tratado/Discurso Cidade/Instituidor
19 de Setembro de 1946 Estados Unidos da Europa Zurique/Winston Churchill
17 de Dezembro de 1946 U.E. dos Federalistas Paris/Spinelli
5 de Junho de 1947 Plano Marshall Marshall
1 de Janeiro de 1948 Convenção Aduaneira – Benelux
17 de Março de 1948 Tratado de Bruxelas – União da Europa Ocidental Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido
16 de Abril de 1948 Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE)
28 de Janeiro de 1949 Conselho da Europa Reino Unido, França e os Estado do Benelux
4 de Abril de 1949 Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) Washington



. Do Plano Schuman à criação das Comunidades

A criação do Conselho da Europa, numa base essencialmente de cooperação intergovernamental, retirava do processo de integração, o elemento político. Por isso, os fundadores da integração europeia decidem começar o processo pelo método funcional, ou de integração sectorial.

Em 9 de Maio de 1950 Robert Schuman Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, propõe o Plano Schuman. Este Plano visava «colocar o conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob uma Alta Autoridade comum, numa organização aberta à participação dos outros estados Europeus». O plano Schuman deve ser visto, pois, como a verdadeira Carta fundadora da Europa Comunitária. Inspirava-se no Plano de modernização e de equipamento francês, elaborado por Jean Monet.

Quanto ao modo – Começando pela integração ao nível do carvão e do aço, a integração deveria ser evolutiva ou gradual: «A Europa não se fará de imediato, mas numa construção conjunta; ela far-se-á através de realizações concretas, pela criação, para começar, de uma solidariedade de facto».

Quanto aos fins – o Plano, era claro ao ligar as causas da integração aos objectivos prosseguidos, imediatos e mediatos. Era urgente consolidar-se a paz na Europa. Era necessário pôr termo à oposição franco-alemã, e por isso se dizia, que dele resultariam «os primeiros passos concretos para uma Federação europeia indispensável à preservação da paz».

O Reino Unido rejeita desde logo a ideia de uma entidade dotada de poderes supranacionais, mas Alemanha, Itália e Benelux resolvem aderir àquele Plano. Das negociações surgiria em 18 de Abril de 1951 o Tratado que instituía a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
Os Seis países da CECA decidem retomar a componente política do processo de integração, que fora sugerida pelo Congresso de Haia mas havia sido abandonada pela criação do Conselho da Europa numa base intergovernamental. Assim em 27 de Maio de 1952 assinam o Tratado da Comunidade Europeia de Defesa.
No seguimento fazem aprovar em 15 de Março de 1954 o Tratado que instituía uma Comunidade Política Europeia (ComPE). Esta teria como objectivo salvaguardar os Direitos do Homem, garantir a segurança dos Estados membros contra qualquer agressão, coordenar a sua política externa e estabelecer progressivamente um Mercado Comum. Ela absorveria a CECA e a CED, fazendo com que o método funcional fosse substituído, na integração europeia, pelo método global. Contudo, dada a rejeição pela Assembleia Nacional francesa, da CED, a ComPE não haveria de avançar.
Não estavam ainda reunidas condições para a integração política, pelo que se regressa à integração sectorial.
A partir de 1955 relança-se a integração económica, sendo aprovado na Conferência de Messina a criação do Mercado Comum Europeu e a Comunidade para a energia nuclear. Em 1957 são assinados em Roma, dois Tratados, que criavam a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómicas. Subsidiariamente é assinado um terceiro Tratado, a Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias, que criou para as três comunidades uma única Assembleia, um único tribunal e um único Comité económico e Social. Era o primeiro «Tratado de fusão» de órgãos comunitários (o segundo tratado de fusão viria a ser assinado em 1965 – Tratado que cria um Conselho único e uma Comissão única para as Comunidades Europeias). Os três tratados de Roma entrariam em vigor em 1958.
Com efeito Inspirando-se na concepção neo-liberal quanto às vantagens do alargamento do mercado e do estímulo da concorrência, a CEE teve por base uma união aduaneira, a que se fez acrescer a livre circulação dos factores de produção, configurando a união aduaneira completada pela livre circulação dos factores o estádio do processo de integração conhecido por «mercado comum».
A união aduaneira e o mercado comum eram fórmulas de integração «liberal» ou «negativa», traduzida na supressão de obstáculos às relações económicas entre os espaços nacionais. Era possível completá-la por esforços de integração «concertada» ou positiva, envolvendo a coordenação de políticas económicas e adopção de políticas comuns. Na visão original da CEE, era nítida a prevalência da integração «negativa».

Cronologia

Data Tratado Cidade/Instituidor
9 de Maio de 1950 Plano Schuman Robert Schuman
18 de Abril de 1951 CECA
22 de Maio de 1952 Comunidade Europeia de defesa (CED) Paris
10 de Setembro 1952 – 15 de Março 1954 (Preparação e redacção final) Tratado que institui uma Comunidade Política Europeia (ComPE)
Junho de 1955 Conferência de Messina
25 de Maio de 1957 Tratados de Roma – Comunidades Económicas Europeias; Comunidade Europeia para a Energia Atómica; Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias. Roma


. Da criação das Comunidades ao primeiro alargamento

Tendo-se recusado a participar na criação da CEE, a Inglaterra procurou envolver os países em causa numa vasta zona de comércio livre abrangendo a generalidade dos países da Europa ocidental. A ideia foi rejeitada em Novembro de 1958 por iniciativa da França, afirmando-se o propósito de consolidar a integração económica e politica prosseguida no âmbito da CEE.
Com efeito, pressentido os efeitos negativos de ter ficado de fora da CEE o Reino Unido toma a iniciativa de criar um simples zona de comércio livre, que será instituída em 4 de Janeiro de 1960, a convenção de Estocolmo, que cria a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) - (Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suiça e Portugal).
Nesse mesmo ano a OECE dá lugar à OCDE, mais ambiciosa nos seus objectivos (deixava de ser uma organização meramente europeia e abria-se a todos os Estados de Economia de Mercado, não prosseguindo apenas objectivos económicos).
A 5 de Setembro de 1960, o Presidente Charles De Gaulle propõe o reforço da cooperação política entre os seis, através da instituição de uma União política Europeia. A proposta de De Gaulle encerrava, em si mesma, uma contradição substancial, pois ao mesmo tempo que defendia a unificação, ela aceitava que os órgãos da União só tivessem atribuições «técnicas», nos domínios da política, da Economia, da Cultura e Defesa, mas recusava a ideia de uma «autoridade sobre os Estados».
Esta concepção materializou-se num projecto de Tratado, o Plano Fouchet. Este defendia a criação de uma união política Confederal, com personalidade jurídica própria, baseada no respeito pela personalidade dos povos e dos estados membros. Era a segunda tentativa de criar uma Comunidade Política Europeia de carácter global.
Por outro lado, a França, nos anos que se seguiram á instituição da CEE mostrou-se contrária à aceitação de soluções baseadas no modelo supranacional, opôs-se, a partir de 1965, a que fossem aplicadas as regras do Tratado CEE em que se previa a passagem da votação no Conselho por unanimidade para a votação por maioria qualificada. A «crise da cadeira vazia»# foi resolvida pelo compromisso do Luxemburgo, de Janeiro de 1966, no qual a França fez valer o seu ponto de vista de que, estando em causa decisões muito importantes para um Estado-membro, se deveria prosseguir na discussão do problema até se alcançar acordo unânime.

Cronologia

4 de Janeiro de 1960 EFTA Convenção de Estocolmo
5 de Setembro de 1960 Plano Fouchet


. Do primeiro alargamento à criação da União Europeia

Em face da evolução do progresso da integração europeia, o Reino Unido decide pedir a adesão às comunidades. Só em 1969, na Cimeira de Haia se dá resposta positiva ao pedido britânico. A adesão haveria de ocorrer em 1 de Janeiro de 1973, com Reino Unido, Dinamarca e Irlanda a entrarem nas comunidades. A Noruega, que também negociara a adesão, ficaria de fora, perante a recusa ao Tratado de adesão, forçada por referendo.
A Europa dos Seis passava, dessa forma, a Europa dos Nove.
A CEE resolve acelerar a integração e prepara a União Económica e Monetária. Haveriam de falhar três tentativas de a estabelecer (Plano Barre de 1969; o Plano Werner de 1970; e a Iniciativa Jenkins de 1977) por falta de vontade política. Igual destino têm as tentativas de criar uma União Política.
Entretanto, em 1981 a Grécia, haveria de ser o décimo membro das Comunidades. Nesse ano o Plano Genscher-Colombo, proposto pelos Ministros do Negócios Estrangeiros da Alemanha e da Itália, vem relançar e aprofundar a integração europeia.
A 12 de Junho de 1985, Portugal e Espanha, assinam, com as comunidades, o respectivo tratado de adesão, que haveria de entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1986.
Com a entrada dos dois Estados da Península Ibérica aprofundou-se a distância entre os Estados ricos e pobres das comunidades e, por isso, não admira que tenha sido então que começaram a surgir no léxico da integração europeia expressões como «integração a duas velocidades». Com efeito, os Estados mais ricos deviam assumir a função de «locomotiva» da integração e gozar das regalias a isso inerentes.
Os sucessivos alargamentos tornaram imperiosa a reforma do processo de decisão. É neste quadro que surge o Acto Único Europeu, aprovado no Conselho da Europa no Luxemburgo, em 2 e 3 de Dezembro de 1985 e assinado pelos doze em 28 de Dezembro de 1986. A principal inovação do AUE residia na previsão da criação do Mercado Interno Comunitário para 1993, dispondo sobre os meios de ele ser alcançado. O mercado Interno era definido, na redacção que o AUE dava no novo artigo 8.º-A, parágrafo 2, do Tratado CEE, como «um espaço sem fronteiras internas».
Antes de avançarmos na definição dos Tratados Europeus, o Prof. Paulo Pitta e Cunha aborda a evolução do tratamento das comunidades à economia

. A Cimeira da Haia e o projecto de união económica e monetária

Com efeito logo na cimeira de Haia, em 1969, foi aprovado o aprofundar do processo de integração europeia, sendo adoptado, através de Resoluções do Conselho do princípio da década de 70, um plano, tendo por base um relatório de um Comité de peritos (Comité Werner), em que se previa a passagem a um estadia mais exigente de integração, a união económica e monetária.
Entrava-se numa fase de euro-optimismo#, que conhece um final abrupto provocado crise petrolífera internacional. De pé ficou apenas um dos dispositivos para uma primeira fase: o acordo entre bancos centrais visando o estreitamento das margens de flutuação entre as moedas comunitárias, em que se baseou a experiência que ficou conhecida como a «Serpente comunitária».

. O Sistema Monetário Europeu

No final dos anos 70 registaram-se importantes avanços no processo de integração. As primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu vieram reforçar a legitimidade democrática deste órgão e suscitar a renovada ambição de conseguir mais poderes.
O lançamento do Sistema Monetário Europeu (1979) retomando o esquema do mecanismo de taxas de câmbio da Serpente e completando-se com a introdução de facilidades de crédito e com a criação de uma unidade de conta europeia, o ECU, correspondeu ao objectivo de fazer da Europa comunitária uma zona de estabilidade monetária e deixou antever novos progressos na linha da integração positiva.
A prática das cimeiras regulares de Chefes de Estado e de Governo consolidava-se, com a adopção da nova designação de «Conselho Europeu» - 1974.
Os anos 80 não foram fáceis para a comunidade. A questão orçamental britânica (insistência do Reino Unido em obter compensação para o que considerava ser o contributo excessivo que lhe era exigido para o orçamento comunitário) ensombrava as relações entre Estados-membros, enquanto o compromisso do Luxemburgo continuava a entorpecer o funcionamento da Comunidade.
Embora o Sistema Monetário Europeu tivesse tido comportamento satisfatório, não deixou de se registar no início dos anos 80 o problema dos desfasamento da política económica francesa em relação à dos restantes participantes no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema, com reflexos em repetidas desvalorizações do franco n quadro SME.

. O Acto Único Europeu e a perspectiva do mercado interno

O Parlamento Europeu aprovou, em Fevereiro de 1984, um projecto do Tratado de União Europeia.
Tal projecto não teve continuidade, mas serviu de catalisador para a revisão do Tratado de Roma que se processou com base na conferência intergovernamental iniciada em Setembro de 1985, tendo como ponto central o estabelecimento do mercado único (ou mercado interno), previsto para o final de 1992.
Num Livro Branco então apresentado pela Comissão reconhecia-se que, realizado o "mercado comum", subsistiam barreiras técnicas, físicas e fiscais à livre circulação, enumerando-se cerca de três centenas de propostas de medidas de liberalização a adoptar pelo Conselho para realização do "mercado interno".
Em Fevereiro de 1986, os 12 Estados-membros assinaram o Acto Único Europeu (o Tratado de adesão de Portugal e Espanha, de Junho de 1985, havia entrado em vigor no início de 1986), assim denominado por reunir num só documento as matérias da revisão dos tratados comunitários e da cooperação no plano da política externa.
O Acto Único definiu o objectivo, para o final de 1992, de formação de "um espaço sem fronteiras internas" (o "mercado interno"); deu impulso à "coesão económica e social", visando a redução do atraso das regiões mais desfavorecidas; e consagrou várias políticas que haviam sido activadas pelo recurso à extensão de competências prevista no artigo 235° (actual 301°).
A celebração do Acto, incorporando o desafio do mercado interno, trouxe renovado dinamismo à Comunidade.

. A união económica e monetária e a união política
O relatório de um Grupo de peritos criado em Junho de 1988 para feito de estudar e propor a realização da união económica e monetária foi aprovado pelo Conselho Europeu em Junho de 1989. Previam-se três estádios para alcançar o objectivo proposto, fixando-se o início do primeiro em 1 de Julho de 1990, data da entrada em vigor de uma directiva comunitária prevendo a livre circulação dos capitais.
A queda do muro de Ber1im em 1989, em contexto colapso do sistema comunista, precipitara a unificação política da Alemanha, tendo os Laender que compunham a extinta República Democrática Alemã sido integrados na República Federal.
A Alemanha e a França extraíram dos acontecimentos no Leste a conclusão de que deveria acelerar-se a construção política da Europa, na linha do compromisso anteriormente estabelecido de transformar as relações entre os Estados-membros da Comunidade numa União Europeia.
Foi, prevista, a par da conferência intergovemamenta1 re1ativa à criação da união económica e monetária, uma outra consagrada à prob1emática da união política europeia.
Tendo-se decidido, em Outubro de 1990 fixar a data de 1 de Dezembro de 1994 para início da segunda da União Económica e Monetária, as duas conferências intergovernamentais principiaram em Roma, em Dezembro de 1990.


. A União Europeia: de Maastricht a Nice

. O Tratado de Maastricht

Com a aproximação de 1993 e o esgotamento do objecto do AUE, o Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária em Dublin (1990) resolve convocar duas conferências intergovernamentais, visando criar, uma, a União Política, outra, a união Económica. Dessas duas conferências resulta a aprovação, na cimeira de Maastricht de um único tratado, o Tratado da união Europeia (TUE). A fusão dos dois projectos ficou a dever-se a duas razões: a necessidade de se mostrar que a União Económica e monetária (UEM) e a União Política eram incindíveis e a incerteza da aprovação de dois tratados.
Assim surge o Tratado de Maastricht em 1992. Este Tratado levou a cabo a mais profunda revisão dos Tratados comunitários desde os Tratados de Paris e de Roma. A Grande ambição fica expressa no preâmbulo. Podemos resumir as grande novidades do TUE:
- Conclusão da União Económica e Monetária em 1999-2002;
- As atribuições (elencadas até aí no art. 2.º do Tratado CEE) deixam de ser exclusivamente económicas e estendem-se a outros domínios (art. 2.º e 3.º do Tratado CE).
- Criva-se a «cidadania da União» (Parte II do Tratado CE)
- Institui-se a Política Externa e de segurança Comum (PESC), ainda que numa base intergovernamental.
- Previsão de criação de um Política comum da defesa (Título V do TUE)
- Cria-se um mecanismo de cooperação, também de carácter intergovernamental, em matéria de justiça e de assuntos internos (CJAI título VI do TUE).
- Aprofunda-se a integração em matéria de processo de decisão ao nível comunitário, atribuindo-se ao parlamento Europeu um poder de co-decisão em relação ao Conselho e o poder de investir uma comissão, e alargando-se a regra da maioria qualificada nas votações do conselho em detrimento da regra da unanimidade.

Também em 1992 é assinado o Acordo que criou o Espaço Económico Europeu (EEE), que viria a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1994. Este acordo aprofundou as relações entre a Comunidade Europeia e os Estados membros e, por outro lado, com a EFTA. Este tratado apresenta como grande originalidade o facto de os seus Estados se regerem pelo Direito Comunitário na matéria das «quatro liberalidades» (circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais).
Com a adesão da Áustria da Finlândia e da Suécia, o EEE viu a sua importância reduzida (a Noruega, mais uma vez, viu-se impedida, por referendo nacional, de aderir).

Cronologia

7 de Fevereiro de 1992 /
1 de Novembro de1993 Tratado de Maastricht Holanda
2 de Maio de 1992 /
1 de Janeiro de 1994 Acordo que criou o espaço Económico Europeu Porto


. O Tratado de Amesterdão

O TUE previa a sua revisão em 1996 (artigo O.) Daí resultou o Tratado de Amesterdão assinado em 1997 e que entraria em vigor em 1 de Maio de 1999.
Não foram grandes as modificações traduzidas pelo Tratado de Amesterdão ao TUE. Veio criar um «espaço de liberdade, segurança e justiça» através do reforço do pilar comunitário em detrimento do terceiro pilar. Além disso, não se consagrou avanços em matéria de simplificação, aperfeiçoamento e eficácia do poder de decisão na União, de maior aproximação da união quanto aos cidadãos, de reforço do carácter democrático da União e de aumento da sua capacidade de intervenção nas relações externas.

. O Tratado de Nice

Aproximavam-se os novos alargamentos, que se sabia que iriam ser maciços e que iam abranger Estados da Europa Central de Leste, muito diferentes entre si, e, dos Quinze. Mas não tinham ficado concluídas na revisão de Amesterdão as modificações adequadas e necessárias para adaptar a união a esses alargamentos. Por isso, a conferência intergovernamental de 2000 preparou uma nova revisão dos Tratados, que desembocou no Tratado de Nice assinado em 26 de Fevereiro de 2001, o qual entraria em vigor em 2003.
À margem daquela cimeira mediante uma proclamação conjunta, o parlamento Europeu, o Conselho da união Europeia e a Comissão Europeia aprovaram a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Cronologia

2 de Outubro de 1997
1 de Maio de 1999 Tratado de Amesterdão Holanda
26 de Fevereiro de 2002
1 de Fevereiro de 2003 Tratado de Nice França


. A origem e o conceito da União Europeia

A expressão União Europeia é utilizada em textos oficiais pelo menos desde 1972 (Cimeira de Paris). Contudo nenhum dos documentos em que aparece tal expressão se propõe a criação da união Europeia como entidade que se substituísse às Comunidades, ou seque que lhes acrescentasse qualquer coisa de formalmente autónomo, mas defendia-se apenas um aprofundamento das Comunidades.
Mesmo o Acto Único Europeu não viria pretender criar uma união europeia, limitando-se a afirmar que «as Comunidades Europeias e a Cooperação Política Europeia visando contribuir em conjunto para fazer progredir concretamente a União Europeia» (art. 1.º, par. 1).
Só com o Tratado da União Europeia, se trata dela como realidade distinta das Comunidades. Este tratado veio a reflectir uma série de compromissos, cujo o mais importante terá sido a fusão, num só Tratado sobre a União Europeia, de Trotados, que sempre foram negociados separadamente até Maastricht: o Tratado sobre a União Económica e Monetária (UEM) e o Tratado sobre a União Política (UP). Esses compromissos geraram um projecto de Tratado da União Europeia que ficou eivado de várias incoerências internas (que se haveriam de reflectir na estrutura do Tratado).

A União Europeia, tal como resulta de Maastricht, representa um denominador comum entre as orientações diversas, qualificando-se como «uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estrita entre os povos da Europa» (actual art. 1.º, par.2, UE). O Tratado deixa em aberto o modelo político a atingir (sobretudo depois de, por pressão do reino Unido, se ter afastado a referência à «vocação federal» que se continha no projecto de União Política).
O Tratado não transformou as comunidades em União. Ambas coexistem, fundando-se aquela, desde logo, nestas, e tendo a União, personalidade jurídica própria, ainda que para efeitos de se lhe atribuir uma capacidade jurídica embrionária e de conteúdo muito restrito.
Pode-se dizer que o TUE é um Tratado de Tratados, englobando os Tratados constitutivos das Comunidades Europeias, com algumas alterações.

. A estrutura da união Europeia. O domínio material do Tratado da União Europeia

A estrutura da União Europeia significa o domínio material coberto pelo TUE. O Tratado tem um preceito básico o art. 1.º, par. 3, UE.
Com base neste preceito a união Europeia tem sido assimilada à arquitectura de um templo grego, cuja estrutura apresenta três pilares (embora o prof. prefira a visão de um painel central e dois painéis laterais).
O TUE começa com um frontispício, inserido no seu Título I, onde se enunciam as «Disposições comuns» a toda a União Europeia. São os arts. 1.º a 7.º do Tratado, que disciplinam a criação da União Europeia, fixam os seus objectivos, definem os seus princípios fundamentais e estabelecem os seus órgão. Estas disposições são o arco que cobre os três pilares. Segue-se, então, os três pilares em que se desdobra a União.
Ao optar pela estrutura dos três pilares a UE não repudiou o método funcional, de facto, prosseguindo a orientação já iniciada no AUE, a União Europeia concilia o método funcional, presente no pilar comunitário, de pura integração, com o método de mera cooperação intergovernamental, tentando dar-lhes um carácter unitário e coerente, para o que apela a segunda frase do art. 1.º, par. 3, UE. Esse carácter unitário resulta da natureza indissociável da União (nenhum Estado pode aderir apenas a uma das suas componentes com exclusão das outras).
À margem dos três pilares, a União engloba, por efeito do Tratado de Amesterdão, a cooperação reforçada entre Estados membros que desejarem avançar mais rapidamente na integração, acentuando-se dessa forma a integração diferenciada entre os Estados (arts. 43.º a 45.º, ou seja, o Título VII do TUE). Engloba tb as «Disposições finais» (arts. 46.º a 53.º, correspondentes ao Título VIII do TUE), que regulam, entre mais, um processo único de revisão do Tratado, de novas adesões e de entrada em vigor; o período de vigência do Tratado; as línguas oficiais; e que uniformizam os regimes, que até ao Tratado de Maastricht eram diferentes nos três Tratados institutos das Comunidades.

. Os objectivos da União

Os objectivos primários da integração foram sempre fins políticos (desde o Plano Schuman). Esse fins políticos eram, imediatos ou de longo prazo.
Os fins políticos imediatos da integração, quando foi criado a primeira Comunidade, a CECA, na sequencia do Plano Schumam, eram a prossecução da Paz, pela abolição, como dizia SCHUMAN, da oposição secular entre a França e a Alemanha e pela criação de imediato de uma «solidariedade de facto» entre os Estados europeus.
Os fins políticos de longo prazo, são aqueles a que no Plano Schuman se dá o nome de «Federação europeia» (indispensável à paz, progresso e desenvolvimento). Tendo-se optado, no Plano Schuman, pelo método funcional para o início da integração europeia, os seus fins secundários, mas imediatos, eram fundamentalmente económicos (mercado comum), completados, nos Tratados institutivos das três Comunidades, pela referência, a alguns objectivos de índole social: a melhoria das condições de vida e de estabilidade social. Actualmente, a própria Comunidade Europeia passou a prosseguir objectivos sociais, culturais e políticos. O art. 1.º, par. 2, UE enuncia o objectivo global da UE: «União estreita entre os povos da Europa».
Procurando dar arrumação aos objectivos já afirmados no longo preâmbulo do TUE e também concretizar o referido art. 1.º, par. 2, o art. 2.º do TUE define em pormenor os objectivos que cabe à UE prosseguir. Para além da consolidação da UME (alcançada em 2002) prossegue-se tb fins sociais, culturais e políticos. A UE alcançou a antecâmara da integração política.
Note-se que a UE continua a não comprometer-se com uma natureza de modelo político, nunca utilizando as expressões federal ou federação. Continua-se num método gradualista.
Os objectivos fixados pelo TUE para a União assumem importância acrescida, no plano jurídico, na medida em que o Tribunal de Justiça os tem usado para determinar o sentido das regras contidas nos Tratados e no demais Direito da União, e tb na integração de lacunas. Neste sentido o TJ entende que os preceitos dos Tratados sobre objectivos têm «natureza constitucional», gozando de efeito directo perante os tribunais nacionais – Acs. Hauts forneaux e Bönnhoff.

. Os órgãos da União Europeia

O art. 3.º (ex-art. C) do TUE reflecte o carácter unitário que se quis dar à União. Fala-se aí de um quadro institucional único, transformado num sistema institucional de toda a União, portanto, de todos os seus pilares. Só assim se entende que o Conselho e a Comissão das Comunidades tenham passado a chamar-se Conselho da União Europeia e Comissão Europeia. Assim o Parlamento, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas são órgãos de todos os três pilares, embora actuem, dentro de cada pilar, de harmonia com a competência que aí lhes seja atribuída pelo tratado – art. 5.º do TUE.
O único órgão específico da União é o Conselho Europeu, ao qual compete, no âmbito de todos os três pilares, dará união «os impulsos necessários ao seu desenvolvimento» e definir «as respectivas orientações políticas gerais».

. Cooperação reforçada

Desde há muito, particularmente após o Acto Único Europeu ter acelerado o passo da integração europeia rumo ao Mercado Interno, que se começou a verificar que nem todos os Estados membros das Comunidades se encontravam em condições de progredir no processo de integração de igual modo.
Assim previram-se mecanismos que permitem certos países avançar mais depressa que outros na integração. Retomou-se a noção de «integração diferenciada».
Só com o Tratado de Amesterdão é que essa corrente ficou consagrada nos Tratados, concretamente, no TUE, e sob a designação de «cooperação reforçada». Ela visa permitir que verificadas determinadas condições, certos Estados avancem mais rapidamente do que outros, em domínios concretos da integração.
A cooperação reforçada foi incluída no TUE por iniciativa da França e da Alemanha, para acudir ao estado já actual da integração mas, sobretudo, para prevenir o aprofundamento do desnível entre Estados desenvolvidos e pobres, que vai ser provocado pelos alargamentos a Leste. É uma forma de conciliar integração europeia e aprofundamento do alargamento.

O regime geral da cooperação reforçada para todos os pilares da União encontra-se definido no Título VII do TUE. Ele sujeita-a à verificação dos requisitos previstos nas dez alíneas do n.º1 do art. 43.º e nos arts 43.º-A a 45.º UE, na redacção que lhes deu o tratado de Nice.
Encontramos tb regimes especiais de cooperação reforçada nos Tratados de UE e CE:
 Primeiro Pilar – na redacção dada pelo Tratado de Nice, os arts 11.º e 11.º-A CE.
 Segundo Pilar – arts. 27.º-A a 27.º-E do TUE.
Em sintonia com a «coerência entre o conjunto das políticas da União e a sua acção externa», que veio erguer a um dos objectivos da cooperação reforçada no domínio da PESC (art. 27.º-A, n.º1, 3.º travessão), o Tratado de Nice exclui-a «em questões que tenham implicações militares ou do domínio da defesa» (art. 27.º-B, 2.ª parte). Assim, não se admite a cooperação reforçada em tudo o que diga respeito à componente da segurança, latu sensu, da PESC. Isto é confirmado por uma alteração introduzida pelo Tratado de Nice no art. 17.º, n.º4, do Tratado UE, tal como ele fora incluído neste pelo Tratado de Amesterdão (deixou de se falar em «cooperação reforçada» e passou a dizer-se «cooperação mais estrita»).
Terceiro Pilar – arts. 40.º a 40.º-B UE.
Aqui fica claro que a cooperação reforçada só pode ter como objectivo neste pilar o seu reforço, isto é, «permitir à União tomar-se mais rapidamente um espaço de liberdade, segurança e justiça» - art. 40.º, n.º1.

A integração diferenciada apresenta como maior risco a quebra da coesão económica e social entre os Estados membros. Esta preocupação é acolhida pelo Tratado de Nice. O TUE proíbe a cooperação reforçada nos casos em que ela puser em causa a coesão económica e social.
Será interessante verificar como é que as cooperações reforçadas irão acelerar o processo de integração, como passou a ser exigido na letra do art. 43.º TUE após a revisão de Nice. Há Estados federais que a aceitam e praticam a cooperação reforçada (os Länder da Alemanha). Todavia, a Europa dos Vinte e Cinco não tem os mesmos mecanismos integradores de uma Federação, só devendo aceitar as cooperações reforçadas, em «último recurso», evitando-se que se institucionalize, com carácter mais ou menos definitivo, uma união mais estreita dentro de uma União mais diluída. Nesse caso a cooperação reforçada dificilmente viria consolidar a integração e poderia, ao contrário, transformar-se num irreversível factor de desintegração da União.
O Projecto de Constituição Europeia dedica às «cooperações reforçadas» o Capítulo III do Título V da parte I, que depois desenvolve no Capítulo III do Título VI da Parte III, consagrado às «políticas e funcionamento da União». Não se altera na sua substância o regime hoje em vigor. Nos arts. 40.º, n.º6, e III-213.º, prevê, de modo expresso, a “cooperação estruturada” no domínio específico da segurança e da defesa.

. As Comunidades Europeias como sistema «sui generis»

. Renúncia parcial às competências nacionais

Na evolução da integração europeia, de 1950 até à actualidade, tem havido períodos caracterizados por forte impulso no sentido da união, alternando com fases em que se registam retrocessos no movimento, ou se suscita um clima de cepticismo não propício à progressão do processo unificador.
As Comunidades Europeias constituem um sistema «sui generis», em que se combinam elementos de cooperação intergovernamental e elementos federais. São os últimos que ressaltam à primeira observação a demarcar a diferença em relação às organizações clássicas, embora não se encontrem no seu estado puro, sendo combinados com uma visão intergovernamental.
Assim, se é certo operar-se a renúncia à competência das autoridades nacionais e a correspondente transferência de poderes para os órgãos comunitários, não é menos certo que tal renúncia se processa em relação a domínios específicos, retendo os Estados, nos restantes, as competências nacionais. Esta característica, particularmente visível em relação às Comunidades que promovem fórmulas de integração sectorial ou vertical, não deixa de assentar à própria Comunidade Europeia.
O hibridismo que caracteriza as comunidades acentua-se no quadro mais amplo da União Europeia, em que o pilar comunitário, dotado de crescentes marcas supranacionais, contrastam os pilares de índole intergovernamental.

. Os dois modelos em confronto

A arquitectura institucional das Comunidades, e certas características dos seus órgãos centrais inspiram-se no modelo federal:
Independência da Comissão.
Tomada de decisões por votação maioritária no Conselho.
Designação dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal directo.
Jurisdição obrigatória do Tribunal de Justiça.

Mas também aqui há traços muito importantes da óptica intergovernamental:
Poder de decisão conferido primordialmente ao Conselho, sendo exigida a unanimidade em matérias particularmente sensíveis.
Confinamento da Comissão em funções de iniciativa e de execução.
Participação ainda pouco vigorosa do Parlamento Europeu na adopção de regras comunitárias.
Incapacidade do Tribunal de Justiça de forçar os Estados-membros ao cumprimento das suas obrigações.

É particularmente clara a marca federal, ou supranacional, na caracterização do sistema jurídico comunitário: as autoridades comunitárias detêm um poder legislativo, traduzido na criação de regras de direito directamente aplicáveis aos particulares, a que se reconhece primazia em relação às normas das ordens jurídicas nacionais. Só que as Comunidades não dispõem de competência legislativa geral, mas limitada às áreas em que se operaram transferências de poderes por parte dos Estados-membros, e os diplomas constitutivos são tratados internacionais, e não já constituições em sentido próprio.

. Poderes retidos pelos Estados

Sendo certo que os órgãos comunitários participam nos processos de revisão dos Tratados e de adesão de novos Estados, a verdade é que tais processos envolvem a ratificação por todos os Estados-membros ou por todos os Estados contratantes (adesão), de acordo com as respectivas normas constitucionais - prevalecendo os elementos de direito internacional, atinentes à óptica inter-governamental.
Aos órgãos comunitários é conferido o poder de concluírem acordos internacionais, designadamente no âmbito da política comercial comum; mas, de um modo geral, a competência para a negociação de tratados internacionais é retida pelos Estados. Os Tratados não prevêem a hipótese de abandono das Comunidades por parte de um ou de vários Estados-membros. Mas não parece contestável que, por improvável que seja o seu exercício, ou por penosas que se revelem as suas consequências, o direito de saída subsiste.
Por último, é de notar que as Comunidades possuem um sistema de recursos próprios, independente de dotações orçamentais dos Estados-membros, recursos que lhes são atribuídos com vista a assegurar o financiamento do seu orçamento, e que compreendem, entre outros, as receitas provenientes de direitos da pauta aduaneira comum e as que decorrem da aplicação de uma taxa uniforme à matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado. Se é certo aflorar neste ponto o elemento supranacional, não o é menos que tais recursos próprios são resultantes de impostos estabelecidos a nível nacional, não existindo espécies tributárias criadas e geridas pelas autoridades comunitárias.

. Supranacionalismo e intergovernamentalismo
Sem embargo da alternância de fases de optimismo e de pessimismo, a linha de tendência da integração europeia é nitidamente ascendente. Sobre as cinzas das propostas que, por se revelarem demasiado avançadas nas circunstâncias da época em que são formuladas, sofrem reveses, novas iniciativas se desenham, levando a integração por um caminho diferente. E a períodos de atonia na construção comunitária sucede o lançamento de uma ideia polarizadora no sentido do reforço da integração.
A integração configura-se como um processo em permanente evolução, implicando modificações nas características da União Europeia, que acompanham quer as alterações dos tratados institutivos, quer as próprias mudanças no espírito com que o projecto de construção europeia é entendido.
Coexistindo, na base da concepção da integração comunitária, os dois modelos - Supranacionalismo e intergovernamentalismo -, é compreensível que as Comunidades sejam configuradas como um "quid medium", movendo-se no interior de um espectro cujos pontos extremos são a organização internacional e o Estado federal, tendendo umas vezes a aproximar-se, outras a afastar-se deste último arquétipo.
É da presença simultânea da visão internacionalista e da visão supranacionalista do fenómeno comunitário, a primeira marcada pela acentuação do elemento interestatal, ou intergovernamental, a segunda ligada a uma ideologia de federalização da Europa, em que o Estado-nação deixa de ser encarado como o quadro-limite da organização social, que decorre a originalidade da construção comunitária.

. Ascensão do elemento supranacional
A última década tem sido caracterizada pela intensificação do processo de integração, abrindo-se a perspectiva de, a partir da realização da integração negativa (liberalização dos movimentos de mercadorias, pessoas e capitais), se avançar para formas novas de integração económica positiva (concepção da união económica e monetária), com alargamento dos campos de acção dos órgãos comunitários e afirmação de intenções de caminhar para a «união política».
Tende, assim, a tomar de novo ascendente o elemento supranacional, agora não já na óptica neofuncionalista das Comunidades de integração vertical, mas na perspectiva mais ampla da afirmação da vocação "federal" na integração europeia, que tem, por enquanto, como seu ponto mais saliente a realização da unificação monetária.
A construção europeia, a despeito de todos os progressos registados, tem, porém, bases frágeis. Foi por pouco que o projecto de Maastricht não soçobrou na consulta feita ao eleitorado francês.
Com a criação da união monetária, os Estados-membros renunciaram a um dos poderes tradicionalmente associados à noção de soberania – entendida como a capacidade de dispor do próprio destino: o relativo à moeda.
Os domínios da política externa e segurança comum permanecem ainda exteriores ao pilar comunitário e alheios à metodologia supranacional que o caracteriza.
A menos que, no contexto de uma revisão dos Tratados, os Estados-membros se disponham a efectuar a "comunitarização" do pilar relativo à política externa, manter-se-á afastado o limiar do Estado federal. Mas, sem embargo da ambiguidade do esquema de Maastricht, é visível, subjacente a ele, o impulso federal – revelado não tanto na consagração de progressos directos na via da união política, como nas implicações federais evidentes da união monetária, baseada numa estrutura federalista em que os bancos centrais nacionais se associam no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais, mas em que se estabelece com nitidez a sua subordinação ao poder monetário unificado a nível supranacional (Banco Central Europeu).
É certo que à imagem de centralização que se liga à ideia federal se tem vindo contrapor, para certo conforto dos Estados-membros, a noção de subsidiariedade, que leva a reter nos Estados os domínios de acção em que os objectivos visados não sejam "melhor alcançados ao nível comunitário". Mas a subsidiariedade – cujo sentido descentralizador é claro – não funciona nas áreas que sejam das atribuições exclusivas da Comunidade, como é precisamente o caso da política monetária, e decerto seria também o da política externa e de segurança comum, se o pilar que a regula fosse "comunitarizado", ou seja, subtraído ao método intergovernamental e intenções integrado na óptica supranacional que vai prevalecendo no plano da Comunidade.
Estando a integração empreendida na Comunidade a passar, no plano económico, a um estádio "federal" – com a dinâmica supranacional acrescida implícita na dimensão política da união monetária –, as matérias da política externa e de segurança comum ainda se mantêm em contexto "confederal" (expressão do intergovernamentalismo).
Como opinou o Tribunal Constitucional alemão, no acórdão de Outubro de 1993, no qual analisou a natureza dos compromissos assumidos no contexto da integração, a União Europeia é uma associação de Estados, visando realizar a aproximação progressiva entre os povos da Europa, não um Estado federal, apoiado numa nação europeia.
Não surpreende que os propugnadores do federalismo europeu tenham sido os primeiros a propor a transformação dos Tratados em que se baseiam as Comunidades e a União Europeia numa Constituição, procurando caminhar em direcção à formação, a prazo, de um novo Estado soberano por fusão dos antigos Estados integrantes da União.
Ainda que, em tal circunstância, se procurasse ressalvar, como o dispõe o Tratado da União Europeia, "a identidade nacional dos Estados-membros", parece claro que, nessa situação, os Estados perderiam a sua subjectividade internacional, assistindo-se ao nascimento de uma federação (ainda que atípica, descentralizada e marcada pela subsidiariedade), em que a plenitude da capacidade jurídica internacional passaria para o Estado composto. Estaria, então, formado o Super-Estado europeu, dirigido pelos órgãos centrais da União.

SECÇÃO II – A APROVAÇÃO DO TRATADO CONSTITUCIONAL EUROPEU

. A Convenção sobre o futuro da Europa e o Tratado constitucional

O reconhecimento, pelos seus próprios autores, da falta de vista do Tratado de Nice explica a Declaração sobre o futuro da União (a ele apensa), apelando a "um debate mais amplo e aprofundado sobre o futuro da União Europeia". Deste assunto se incumbiu o Conselho Europeu na sua reunião de Laeken/Bruxelas, em Dezembro de 2001, ao tomar a iniciativa de convocar uma "Convenção" (composta por parlamentares europeus e nacionais e por representantes dos Governos) para se abordarem os grandes temas de reflexão, previamente à convocação, em 2004, de uma nova conferência intergovernamental visando introduzir as correspondentes alterações nos Tratados europeus.
O Tratado de Nice admitiu, assim, a sua própria provisoriedade. E, ao incluir, entre os temas para uma próxima reflexão, a simplificação dos Tratados, "de forma a torná-los mais claros e mais compreensíveis", deixou antever uma profunda reestruturação do ordenamento de base da União Europeia, visando suplantar a rede normativa em que ao texto de Roma se sobrepuseram os do Acto Único, de Maastricht, de Amesterdão e de Nice,
A Convenção desenvolveu, porém, acrescidas ambições, traduzidas fundamentalmente na proposta de substituição dos actuais Tratados por um texto unificado, sobre as vestes de uma "Constituição europeia".
Em Março de 2002, a Convenção iniciou os seus trabalhos, debruçando-se sobretudo sobre problemas de carácter institucional relativos ao funcionamento dos órgãos comunitários na perspectiva de novos alargamentos da União.
O que se pretendia basicamente era introduzir-se nos Tratados, mormente na área institucional, as alterações que ainda se mostrassem necessárias em face de possíveis insuficiências de algumas das soluções adoptadas em Nice, no final de 2000. Sendo esse o objectivo dominante, não parece fazer sentido, a não ser a partir de indemonstrada necessidade de uma estrutura federal para a Europa, avançar-se, como o fez a Convenção, com a proposta de uma "Constituição". A Convenção começara, aliás, por referir, com maior sentido das proporções, visar um «tratado constitucional»; mas depois ganhou acrescida ambição.
O que passou a estar em causa foi a revisão e unificação dos tratados europeus, com vista a elaborar-se um Tratado único dependendo a sua entrada em vigor da ratificação (por processo parlamentar ou referendário) pela totalidade dos Estados membros.
O termo "Constituição" não parece adequado à reforma que se pretende efectuar. Uma constituição reconduz-se a um acto de direito interno, estruturador da organização política de um Estado; no âmbito europeu, isso suporia que os textos fundamentais da passando União deixassem de se conter em Tratados internacionais, ao mesmo tempo que seriam lançadas as bases do Estado federal.
A Constituição autêntica supõe a ascensão a um estádio a que nem os Governos, nem os povos europeus, estão interessados em aceder.
Diversas propostas da Comissão mereciam ser reapreciadas.
A Convenção pretendeu fazer depender a maioria qualificada nas deliberações do Conselho unicamente do factor populacional -solução dificilmente aceitável para os pequenos e médios países. E propôs a redução a quinze do número de Comissários com funções efectivas, o que contraria a perspectiva assumida por numerosos países, favorável a uma composição que integre permanentemente um nacional de cada Estado-membro.
Na própria óptica dos federalistas, que vêm no Conselho o embrião de uma futura câmara alta do Parlamento federal europeu, deveria existir paridade entre os Estados membros na composição daquele órgão. Com efeito, havendo duas legitimidades no processo de integração, a dos cidadãos e a dos Estados, a primeira tem expressão no Parlamento Europeu, onde a representação se liga à dimensão populacional; mas no Conselho, no qual se exprime a legitimidade dos Estados, cada um deles deverá ter o mesmo poder de voto.
Ora, na União Europeia a evolução foi precisamente a contrária. De Maastricht a Nice, de Nice às propostas da Convenção, foi-se alargando o fosso entre os países grandes e os países médios/pequenos.
A Convenção propôs a supressão do actual sistema de presidência se suscita do Conselho (e do Conselho Europeu), em plano de rotação semestral em que participam igualmente todos os países, e a instituição em seu lugar de uma presidência fixa, confiada a uma personalidade política (com mandato de dois anos e meio, renovável uma vez).

. Conclusão

A criação e a evolução das Comunidades Europeia e, depois, da União Europeia, tem sido um processo contínuo e gradual, cuja integração envolve Estados Democráticos, pelo que o futuro será aquele que os seus povos quiserem.

. Os principais pontos do tratado

O novo Tratado constitucional foi adoptado em Junho de 2004 pelos lideres europeus:
É um Tratado constitucional único que substitui todos os anteriores tratados europeus.
A EU passa a ter personalidade jurídica e a poder subscrever tratados internacionais.
Delimitação de competências entre a EU e os Estados membros.
Carta de Direitos fundamentais integrada no novo Tratado.
Presidente do Conselho Europeu que substitui as presidências rotativas semestrais com um mandato de dois anos e meio renováveis.
Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros em substituição do actual Alto representante, preside ao Conselho das Relações Externas em acumulação com as funções de vice-presidente da Comissão.
Nova «cooperação estruturada» no domínio da defesa e criação da Agencia Europeia do Armamento, investigação e Capacidades Militares, sob a autoridade do Conselho.

. A aprovação do Tratado constitucional

Caso venha a entrar em vigor o Tratado que «estabelece uma constituição para a Europa», irá alterar o regime jurídico da união Europeia.
O processo de formação do teste conclui-se em 18 de Junho de 2004, com o consenso dos representantes dos Governos dos 25 Estados membros, tendo sido aceite sem modificações relevantes o texto que figurava do projecto dimanado da Convenção. Para que o novo diploma se torne realidade falta cumprir a fase final do processo de revisão dos Tratados europeus, que em alguns países envolverá, a realização de referendos (processo mais moroso que as aprovações parlamentares).
Concluída a fase que culmina com a aprovação do conteúdo do novo Tratado a nível de Conferência Intergovernamental, a sua assinatura só se processará depois da afinação da redacção das cláusulas.
Caso os processos de ratificação venham a finalizar-se em sentido afirmativo, os Tratados europeus em vigor serão, substituídos por um Tratado unificado, que se pretende instituidor da referida constituição. A União Europeia passa a ter personalidade jurídica#, sendo a Carta dos Direitos Fundamentais inserida no Tratado.
O Tratado unificado, sem embargo de, ao longo da sua elaboração, se ter recuado da expressão «linhas federais» para a de moldes comunitários, representa, sem dúvida, um passo muito significativo no sentido da adopção do modelo federal revelado:
- Na assunção do qualificativo «Constituição», e na atrás referida incorporação da Carta dos Direitos, como na introdução das novas figuras de Presidente (eleito) da União Europeia, com mandato de duração plurianual, e de Ministro dos Negócios Estrangeiros da União (visando reunir sobre uma direcção única as matérias da condução e execução da política externa e de segurança comum e da política comercial exterior).
- Na afirmação sem restrições da superioridade das normas da União em relação às ordens jurídicas nacionais (incluindo implicitamente as normas constitucionais).
- Na própria nomenclatura dos tipos normativos do Direito Comunitário derivado (Leis – regulamento – leis-quadro – directivas –).

. As linhas federais

Quer a aceitação da designação «Constituição», quer as novas figuras introduzidas, declaradas da orgânica interna do Estado, são revelados do espírito federal que inspirou a construção proposta. Não será ainda a federação (o tão falado Superestado europeu), mas as peças integrantes da mesma vão-se acumulando, não podendo esquecer-se o efeito catalisador suscitado por iniciativas europeias do calibre da moeda única e, agora, do Tratado constitucional.
Outros dispositivos vão no mesmo sentido, desde o alargamento dos casos em que o Conselho delibera por maioria qualificada até à atribuição de novos poderes ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, que no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, quer no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu (autorização para a generalidade das cooperações reforçadas; a activação do mecanismo de extensão de competências em que passa a ser requerida a aprovação daquela instituição – art. 308.º –).
Por outro lado, a substituição das instituições da Comunidade por «instituições da União» veio permitir a inclusão do Conselho Europeu no novo elenco, e é sintomático que este órgão, que até aqui pairava sobranceiramente sobre um conjunto institucional a que não pertencia, seja agora incluído em segundo lugar (atrás do Parlamento) na lista das instituições.

. Os dispositivos intergovernamentais

A despeito de todos os avanços no sentido supranacional, a hibridez que tem constituído a marca específica da integração europeia, traduzida na presença simultânea de elementos federais e elementos intergovernamentais., não se apagou.
Os Estados membros mantêm a sua participação decisiva de revisão do tratado, no qual a única inovação é a possibilidade de se intercalar, entre a convocação da CIG e a sua efectivação, a actuação de uma convenção, desprovida de poder de decisão: as ratificações nacionais pela totalidade dos Estados continuam a se requeridas.
Por outro lado, a insistência do Reino Unido, que declarou considerar essencial que não fossem transpostas determinadas «red lines» - traduzidas na persistência da votação por unanimidade em áreas como a política externa e a defesa, a fiscalidade e a segurança social –, essas linhas vermelhas foram efectivamente respeitadas. Quanto à pretensão, afirmada pelos autores do projecto, de que teriam desaparecido os pilares da União Europeia, ligados à fórmula de Maastricht, deve ser qualificada à luz da conservação da intergovernamentalidade no âmbito da PESC, induzindo à conclusão de que, afinal, o segundo pilar se mantém de pé.

. O sistema de votação no Conselho

Ficou decidido que as deliberações no âmbito do Conselho requererão, não já, como estava previsto no projecto da convenção, o voto concordante de 50% dos Estados representando 60% da população, mas o de 55% dos Estados representando 65% da população, sendo ainda exigido que a «minoria de bloqueio» reúna pelo menos quatro países.
Um dos aspectos de grande importância em que o novo Tratado inova é o de sistema de votação no Conselho. Até ao presente, este vem-se baseando numa grelha de ponderações – em que, sem embargo de se atender, de algum modo, à importância populacional dos diferentes Estados, as diferenças resultam substancialmente atenuadas pela deliberada sobre-representação dos pequenos e dos médios Estados#.
No sistema do Tratado constitucional, o peso dos Estados é ligado à respectiva dimensão demográfica (o voto português passa a ser 8 vezes inferior ao alemã). Esboça-se uma espécie de directório dos grandes, também presente na forma de designação do novo presidente do Conselho Europeu, que é feita em função da maioria qualificada. Parece assim haver colisão entre o princípio da igualdade inscrito no projecto de constituição, e as soluções adoptadas no plano da votação.

. O carácter constitucional

Existe há muito a consciência de que os Tratados europeus, desde a CECA e CEE, se configuram como integrantes de uma «constituição» europeia tomada em sentido material (não em sentido formal).
A inovação está na pretensão de formalizar a qualificação como «constituição», quando na realidade se está perante um tratado que nasce de um acordo internacional de Estados soberanos. Será, assim, uma «pseudo-constituição» mas isto não lhe retira as virtualidades de fazer desenrolar o processo europeu em sentido federal.

. Supressão da presidência rotativa

Os países médios e pequenos, aos quais o sistema vigente da presidência semestral, rotativa, da União Europeia confere a oportunidade de se evidenciarem pela forma como se desempenham da missão complexa de organizar e conduzir as reuniões e de, ainda que por breve espaço de organizar e conduzir as reuniões e de integração, vêem retirada essa plataforma de influência.
A presidência passa a caber, por períodos de trinta semestres, passíveis de prorrogação por igual tempo, a uma específica personalidade, designada pelo Conselho Europeu. Os Conselhos europeus passam a realizar-se sempre em Bruxelas.
O sistema actual seria difícil de manter após o alargamento Europa aos países do Leste (os países teriam de esperar 12 anos e meio para reassumir a presidência)#.
Embora confinada, em regra, numa missão de modesto relevo (coordenação do funcionamento do Conselho Europeu e funções de simples), a nova figura presidencial poderá, no futuro, vir a rivalizar em importância com a do presidente da Comissão Europeia, e há quem preveja, numa evoluçaõ federal, a fusão de ambas as personalidades que venha um dia a encabeçar um «Governo europeu».

. Redução do número de comissários

O que ficou decidido sobre o número de comissários não favorece, a prazo, os países médios e pequenos. É certo que até 2014 se manterá o sistema de um nacional por cada Estado membro. Em nome da eficiência no funcionamento do órgão, convencionou-se que a partir dessa data o número de membros da Comissão passará a ser inferior ao dos Estados, observando-se uma rotação que será paritária (os Estados, qualquer que seja a sua dimensão, sendo postos em pé de igualdade).
Aparentemente, os países membros pequenos e médios nada perdem, aqui, em confronto com os grandes: mas estes assumem, em outros domínios, o protagonismo inerente ao factor demográfico, ao passo que os restantes Estados se verão despojados do único ponto de visibilidade ao seu alcance (a posição no colégio de comissários).

. Cooperação reforçada e cooperação estruturada

A autorização para que se proceda a cooperação reforçada é dada pelo Conselho, por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu. Exceptua-se a matéria da política externa e de segurança comum, em que é requerida a decisão unânime do Conselho, precedida de simples parecer do Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Comissão, sendo o Parlamento simplesmente informado. O Tratado constitucional propõe-se progredir na área da defesa, onde os países com melhores condições para avançar podem fazê-lo, activando mecanismos chamados de «cooperação estruturada» que acresce assim à «cooperação reforçada».

. Delimitação de competências

O Tratado introduz a delimitação de competências entre a União Europeia e os Estados membros, catalogando as competências exclusivas e as partilhadas. Contrariamente ao que se previa na Declaração do Conselho Europeu, com base na qual foi designada a Convenção, não se consagrou qualquer devolução de competências aos Estados membros. A tendência parece ser a de uma sempre crescente integração.

. A ratificação do novo Tratado

O Tratado que estabelece uma constituição para a Europa só poderá entrar em vigor quando for ratificado por todos os Estados membros.
Nos países em que as ratificações se processarem por via parlamentar, não é previsível um voto negativo. Porém, nos casos em que a ratificação se operar através de consulta ao eleitorado, o resultado tornar-se-á mais aleatório.
Se é verdade, que de inicio o referendo britânico foi objecto de especial atenção, dada a aversão da opinião pública à intensificação da integração europeia, a verdade é que foi na França e Holanda que se manifestaram as primeiras recusas ao tratado, por via de referendo#.
O Tratado constitucional contem uma cláusula, algo obscura, em que se contempla a hipótese de, decorrido certo tempo, faltar ainda 1/5 dos Estados membros para completar um processo de ratificação, caso em que a questão será submetida à consideração do Conselho Europeu. Não tendo sido conferidos a este órgão poderes de decisão para ultrapassar a fórmula da revisão por unanimidade, é possível que a alusão signifique apenas que dele se espera um impulso político no sentido de se ultrapassar a dificuldade. Mas, de qualquer modo, aquela cláusula não será aplicável à ratificação do Tratado que acaba de ser aprovado, só podendo operar para o futuro, uma vez iniciada a vigência do diploma constitucional.
Em Portugal, a dificuldade do referendo está na formulação da questão que, não podendo, por impossibilidade constitucional, visar frontalmente a aprovação ou rejeição do Tratado, passe a ter, na prática, o mesmo efeito.

. A situação actual

Em 29 de Outubro de 2004, os Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados Membros e dos 3 países candidatos assinaram o Tratado que institui uma Constituição para a Europa, que haviam adoptado por unanimidade em 18 de Junho do mesmo ano.
Este Tratado só poderá entrar em vigor após ter sido adoptado por todos os países signatários em conformidade com os seus próprios procedimentos constitucionais, a denominada ratificação do Tratado pelos Estados Membros. De acordo com as tradições jurídicas e históricas dos diferentes países, os procedimentos previstos para o efeito pelas constituições não são idênticos: esses procedimentos implicam um dos mecanismos seguintes ou, inclusive, uma combinação dos dois:
A via "parlamentar": o texto é adoptado na sequência de uma votação de um texto que ratifica um Tratado internacional pela câmara ou câmaras parlamentares do Estado;
A via do "referendo": é organizado um referendo em que o texto do Tratado é submetido directamente à votação dos cidadãos, que se pronunciam a favor ou contra.
Estas duas fórmulas podem ter variantes ou combinações segundo os países, ou incluir outros requisitos, como por exemplo quando a ratificação do Tratado exige uma adaptação prévia da Constituição nacional devido ao conteúdo do texto.
Uma vez ratificado e notificado oficialmente por todos os Estados signatários (depósito dos instrumentos de ratificação), o Tratado pode então entrar em vigor e produzir efeitos, em princípio, segundo o Tratado, em 1 de Novembro de 2006.
Em França e nos Países Baixos, os cidadãos rejeitaram o texto da Constituição em 29 de Maio e 1 de Junho, respectivamente. Atendendo a estes resultados, o Conselho Europeu de 16 e 17 Junho de 2005 considerou que « a data de 1 de Novembro de 2006, prevista inicialmente para se fazer o ponto da situação das ratificações, não pode ser mantida, uma vez que os países que ainda não procederam à ratificação não estão em condições de dar uma resposta adequada até meados de 2007 ». Está actualmente a decorrer um período de reflexão, de explicação e de debate em todos os Estados-Membros, quer tenham ou não ratificado a Constituição. O Conselho Europeu examinará, durante a Presidência austríaca (1º semestre de 2006), o estado dos debates sobre a ratificação do Tratado constitucional.
O processo de ratificação pelos Estados-Membros não foi portanto abandonado. O seu calendário, se necessário, será adaptado de acordo com as circunstâncias nos países que ainda não procederam à ratificação.

. Riscos para a construção europeia

A constituição europeia comporta riscos sérios de efeitos divisórios na Europa. Cabe perguntar por que terão os governos dado substancial aprovação aos proposto Tratado constitucional, quando o que estava em causa, pelo menos a título imediato, era bem mais simplesmente o ajustamento do sistema institucional à entrada dos novos países, e para tal poderiam ter-se mantido os Tratados da CEE e da EU, com retoques nos dispositivos introduzidos pelo Tratado de Nice.
As divergências entre os governos, mal disfarçadas no consenso formado em torno do Tratado constitucional, a indiferença da opinião pública, patente na elevadíssima percentagem de abstenções nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, a acrescer ao desinteresse que envolveu os diferentes passos da gestação do Tratado, a sobreposição chocante dos interesses nacionais aos compromissos comunitários#, são factores de preocupação.
Ora o Prof. Paulo Pitta e Cunha formula expressamente a critica ao Tratado Constitucional Europeu, recorrendo ao processo de continua construção da União (criação da união económica e monetária, introdução da cidadania europeia, incremento dos poderes legislativos do parlamento aumento da cooperação intergovernamental), para afirmar que nunca a União precisou de dar aos Tratados o carácter de «lei fundamental» em sentido formal.

Secção III – O ORDENAMENTO COMUNITÁRIO

. O poder de criação normativa dos órgãos comunitários

Constituídas com base em tratados internacionais, instrumentos clássicos do Direito Internacional, às Comunidades Europeias são atribuídas pelos Estados-membros poderes que compreendem a capacidade de produção de regras jurídicas nos domínios próprios da sua actividade, visível no caso da CE (ex-CEE), sujo diploma instituidor tem sido qualificado como «tratado-quadro» (por fixar objectivos e enunciar princípios, a serem desenvolvidos pela actividade de criação normativa dos órgãos comunitários), por oposição ao «tratado-lei» criador da Comunidade do Carvão e do Aço.
A marcar a subsistência de influência dos Estados no sistema comunitário, tem-se por vezes considerado preferível à noção de transferência a de atribuição de competências, deixando entrever que se trata de exercício em comum dos poderes assumidos a nível comunitário. Esta qualificação relaciona-se com a visão de «soberania partilhada». Mas, à medida que a integração progride para estádios avançados na perspectiva federalista, vai-se acentuando o carácter eufemístico da fórmula (carácter tendencialmente irreversível, dado que só a saída de um país ou a dissolução da UE, levaria à sua extinção).

. Direito comunitário originário e direito comunitário derivado

Direito comunitário originário – corresponde às fontes primárias resultantes do acordo dos Estados em base convencional. Entre estas compreendem-se:
Tratado de Paris de 1951, instituidor da CECA.
Tratados de Roma de 1957, instituidor da CEE e Com. Europeia de Energia Atómica.
Tratados que complementares: Convenção relativa a instituições comuns (Assembleia e Tribunal de Justiça) de 1957; Tratado que instituiu um conselho e uma Comissão únicos de 1965.
Tratados de 1970 e 1975 referentes ao sistema financeiro comunitária.
Acto sobre a eleição do parlamento Europeu por sufrágio universal de 1976.
Tratados de adesão e alargamento
Tratado da União Europeia de 1992; Tratado de Amesterdão de 1997; Tratado de Nice de 2001.

Sentido formal: os Tratados Comunitários são tratados internacionais e encontram-se sujeitos ao regime jurídico geral dos Tratados internacionais#. Tal não exclui que estes apresentem especificidades decorrentes da função de aprofundamento do regime de integração, fundado na solidariedade e não no individualismo internacional.
Sentido material: os Tratados são a constituição material das Comunidades, não se encontrando, no entanto, nenhuma disposição especifica que revele a prevalência destes sobre as demais fontes comunitárias. Contudo:
- Art. 230.º CE, que confere aos Tribunais Comunitários o pode de anular os actos de direito derivado que contrariem os Tratados.
- Art. 300.º, n.º6 CE, que estabelece que, caso o TJ entenda que um projecto de tratado viola o Tratado CE, não poderá haver aprovação sem que antes haja uma revisão do Tratado CE.

Direito comunitário derivado – concretizam, desenvolvem e aplicam os Tratados Comunitários, sendo composto pelas normas dimanadas dos órgãos da comunidade (fontes secundárias). Algumas destas normas, nos termos dos Tratados, têm a característica de serem directamente aplicáveis nos Estados-membros, independentemente de quaisquer processos de transposição ou recepção no direito interno.

. Tipologia dos actos comunitários

Às normas de direito comunitário derivado, o qual decorre daquilo que o Tribunal de Justiça das Comunidades referiu como «o poder legislativo da Comunidade», não é dada nos Tratados a designação de lei, nem se estabelece entre as diversas fontes qualquer relação hierárquica. Esta tipologia consta do art. 249.º do TUE.

. O regulamento

O Tratado define o regulamento no seu actual art. 249.º, par. 2:
- Tem carácter geral: trata-se da fonte comunitária que mais perto está da noção de lei (Regulamentos de Base). Existem, contudo, regulamentos de execução, hierarquicamente subordinados aos de base.
- É obrigatório para os seus destinatários em todos os seus elementos, ou seja, quanto ao resultado, quanto aos meios de o alcançar e quanto à forma de o fazer: impõe-se a todos os órgãos e instituições da Comunidade, aos Estados membros e aos particulares. Quaisquer reservas quanto às suas disposições não produzem efeitos.
- Goza de aplicabilidade directa na ordem interna dos Estados: constituem uma legislação de primeiro grau (matérias que na ordem interna são da competência do poder legislativo), produzindo por si, por forma automática, efeitos jurídicos na ordem interna dos Estados-membros. Afecta por isso os particulares de forma directa, não dependendo de intervenção do Estado#.
Desta característica decorre o seu efeito directo: por maioria de razão podem os seus destinatários invocar em tribunal nacional direitos ou obrigações dele decorrentes.
Curiosamente certos regulamentos, que se reduzem a textos extremamente curtos, deixando ampla liberdade de escolha na sua aplicação aos Estados-membros, tendem a derivar para a área da directiva. Nestes casos, os Estados estão obrigados a não ir além das medidas expressamente admitidas pelo regulamento (art. 10.º CE).

. A directiva

O Tratado define a directiva no artigo 249.º. par. 3:
- Tem como destinatários só os Estados membros#: Duas finalidades principais da directiva: concretização do programa de liberalização da circulação; harmonização das ordens jurídicas nacionais com o direito comunitário (esta finalidade confere à directiva a natureza de norma).
Não gozando de aplicabilidade directa na ordem interna distingue-se do regulamento (este é acto de supremacia do direito comunitário, aquela acto de cooperação).
- Obriga os Estados destinatários (só) quanto ao resultado que visa alcançar: Nascida de um compromisso entre o reconhecimento de poderes aos órgãos comunitários e a manutenção de certas competências à escala dos Estados-membros, a directiva limita-se a fixar o objectivo a atingir, dando aos Estados flexibilidade na forma de o concretizar.
- Deixa aos Estados destinatários liberdade de escolha quanto à forma e quanto aos meios de alcançar o resultado previsto: É necessário que elas sejam transpostas, acto este que não é acto de recepção mas uma obrigação dos Estados destinatários.

Dos artigos 10.º, par. 2, e 249.º, par. 3, CE, resulta que, como entende o TJ, «enquanto corre o prazo para a transposição os estados devem abster-se de adoptar medidas que possam comprometer o resultado prescrito pela respectiva directiva. E cabe aos tribunais nacionais controlar esse incumprimento». As medidas de transposição devem revestir força suficiente para revogarem as disposições nacionais incompatíveis com a directiva, embora seja da responsabilidade do estado escolher a forma adequada de transposição.
No caso de o Estado destinatário não transpor a directiva dentro do prazo fixado para o efeito, ou no caso de, de algum modo, os seus órgãos não cumprirem a directiva, ele incorre em situação de incumprimento, que pode determinar a abertura de uma processo por incumprimento, nos termos dos arts. 226.º a 228.º CE. Isso resulta do facto de o prazo para a transposição ter carácter imperativo. À mesma conclusão se chega no cão de errada ou insuficiente transposição.
Decorrido o prazo para a transposição da directiva sem que esta haja sido transposta pelo Estado destinatário, a directiva goza de efeito directo (o qual não dispensa o dever de transpor), podendo ser invocada por um particular perante o estado faltoso para fazer valer o direito que a directiva lhe confira:
- O TJ deixou decidido no caso Van Duyh, «especialmente nos casos em que as autoridades comunitárias tenham, através da directiva, obrigado os Estados membros a adoptar um determinado comportamento, o efeito útil desse acto ficaria enfraquecido se os particulares estivessem impedidos de o invocar em tribunal nacional».
- A garantia de transposição da directiva é garantida não só pelo processo de incumprimento mas naquilo que o TJ chamou no caso Van Gend en Loos de «vigilância dos particulares interessados na salvaguarda dos seus direitos», ou seja, no seu efeito directo (arts. 10.º e 249.º CE.
- Limites ao efeito directo: só ocorre quando o estado não transpõe a directiva dentro do prazo fixado; impede-se o Estado de invocar a directiva não transposta contra particulares;
Tem-se dado uma aproximação das directivas aos regulamentos, na medida em que as directivas dimanadas dos órgãos comunitárias tenderam a apresentar-se como claras e precisas quanto ao seu conteúdo, e juridicamente completas, não consentindo às instâncias nacionais qualquer poder de escolha quanto à transposição.
Depois da modificação do actual art. 254.º pelo TUE o regime da entrada em vigor das directivas é o seguinte:
- As directivas aprovadas segundo o processo de co-decisão (art. 251.º, n.º1, CE) são de publicação obrigatória entrando em vigor na data por elas fixada ou, na falta desta, no vigésimo dia a contar da sua publicação.
- As directivas do Conselho e da Comissão dirigidas a todos os Estados membros são de publicação obrigatórias, nos mesmos termos das directivas acima referidas.
- As outras directivas entram em vigor através da sua notificação aos Estados destinatários, sendo publicadas, apenas para conhecimento, no Jornal Oficial, série Comunicações e Informações.

. Hierarquia das normas comunitárias

Em declaração anexa ao Tratado da União Europeia foi aprovada a intenção, de na próxima conferência de revisão do Tratado, ser analisado «em que medida será possível prever a classificação dos actos comunitários, de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas». Não se chegou a acordo naquela conferência sobre a matéria.
No projecto de «Constituição da União Europeia», elaborado em 1993 pelo Comité de Assuntos Institucionais do parlamento Europeu, propôs-se a classificação dos actos normativos da União em «leis constitucionais», «leis orgânicos» e «leis ordinários», todas elas sendo adoptadas, com diferentes exigências de maioria, em pé de igualdade pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.
As leis e os regulamentos eram obrigatórios em todos os seus elementos e aplicáveis em todo o território da união. Esta proposta inseria-se numa perspectiva federalista, e simultaneamente «descentralizada e cooperativo», baseado na dupla legitimidade democrática (dos cidadãos e dos Estados), e não já o modelo federal puro em que a Comissão se tornasse no Governo federal e o Conselho fosse reduzido À condição de um Senado de Estados.
Nas reticências postas à consagração da noção de «lei» comunitária tem aflorado a relutância dos Estados em aceitar a acentuação dos traços federais da construção europeia.
Numa outra declaração anexa ao Tratado da união Europeia frisou-se ser essencial «para a coerência e unidade do processo» que cada Estado-membro «transponha integral e fielmente para o seu direito nacional as directivas comunitárias de que é destinatário, nos prazos fixados por essas directivas»; mas não deixou de reconhecer-se que cabe a cada Estado-membro «determinar a melhor maneira de aplicar as disposições do direito comunitário em função das suas instituições, sistema jurídico e outras condições que lhes são próprias». À figura da directiva, eliminada nestes projectos federalizantes continuou a ser atribuído importante papel.
O tribunal de justiça reconheceu, em relação às directivas que revestem as características de clareza, precisão e incondicionalidade, a possibilidade de os particulares fazerem valer os direitos que delas lhes advêm, independentemente da sua transposição, perante as administrações ou jurisdições nacionais tendo, portanto, efeito directo#.

. As decisões-quadro

O TUE, após a revisão de Amesterdão, passou a prever esta nova categoria. Elas encontram-se admitidas no art. 34.º, n.º2, al. b), EU, no âmbito do terceiro pilar, isto é, da cooperação policial e judiciária em matéria penal. As decisões-quadro têm, por finalidade específica a harmonização das Ordens Jurídicas nacionais e apresentam como características distintas do comum das directivas o facto de o TUE, no preceito citado, lhes recusar, expressamente, efeito directo.

. A decisão

Decisão – medidas individuais de aplicação, dirigidas a Estados-membros ou particulares, desprovidas das características de generalidade e abstracção dos actos normativos, e que se assemelham a actos administrativos do direito interno (art. 249.º, par. 4, CE).

Note-se que nos casos em que se configuram como actos individuais dirigidos apenas a um ou vários Estados, as próprias directivas podem aproximar-se das decisões. Em regra possuem carácter geral e têm como destinatários todos os Estados-membros: as directivas integram-se, a par dos regulamentos, no bloco legislativo da Comunidade.
O mesmos e pode dizer das decisões, que têm de comum com os regulamentos e as directivas serem «actos jurídicos obrigatórios» (com a ressalva de que nas directivas típicas o carácter obrigatório é parcial, dada a liberdade de escolha quanto à forma e aos meios).
Com esta figura esgotam-se os actos obrigatórios (art. 249.º, ao estabelecer que «as recomendações e os pareceres não são vinculativos»).
Em princípio, as decisões entram em vigor com a sua notificação aos destinatários. Algumas decisões são publicadas, em f8nução da sua importância, no Jornal Oficial. Mas essa publicação não dispensa a notificação. O Tratado da União Europeia veio nos termos do art. 54.º, n.º1, tornar obrigatória a publicação das decisões aprovadas segundo o processo de co-decisão, do art. 251.º CE. Por sua vez o art. 110.º, n.º2, CE permite ao Banco Central Europeu que publique as suas decisões.

. Regras comuns relativas aos regulamentos, às directivas e às decisões

Regras comuns: Publicidade e divulgação (art. 254.º CE). A segunda regra consta do art. 253.º CE. Todos os regulamentos, directivas e decisões, têm de ser fundamentados, devendo incluir referência às propostas e aos pareceres que tiverem sido emitidos no respectivo procedimento de decisão.

. As recomendações e os pareceres

O art. 249.º CE indica também, como fontes do Direito derivado, as recomendações e os pareceres. Pelo simples facto da sua designação percebe-se que uns e outros não têm efeito vinculativo.

Pareceres – são, em regra, puros actos consultivos ou opinativos, salvo os pareceres conformes (por exemplo, arts, 48.º e 49.º EU, e 300.º, n.º3, par. 2, CE).

Recomendações – elas encerram um convite aos seus destinatários para a adopção de um dado comportamento. Nesse sentido, elas cumprem a função da directiva, enquanto vêm prever e disciplinar o comportamento dos órgãos aos quais se destinam. Estes sabem que, se a recomendação não for respeitada, ela poderá ser seguida de um acto vinculativo, que acolherá o conteúdo da recomendação que não foi seguida. Poderá ainda definir um quadro geral de actuação dentro do qual o órgão se deverá mover. Produz por isso efeito jurídico persuasivo, não muito afastado do efeito vinculativo.

. Os actos atípicos.

Certos actos não obrigatórios podem ter grande influência no desenvolvimento do sistema comunitário. Atente-se na importância das resoluções adoptadas pelo Conselho, em que se contêm compromissos de realizar certas políticas, a serem desenvolvidas por meio de actos normativos obrigatórias. Não pode ter-se por exaustiva, pelo menos em relação aos actos não obrigatórios, a tipologia enunciada no art. 249.º. A prática da comunidade revelou a existência de actos não visados nestas disposições (fontes «sui generis»), e que, como é o caso das já citadas resoluções, declarações ou programas de acção, definem uma vontade política de alcançar objectivos, a concretizar através da adopção de medidas concretas.
Tem-se entendido que, embora não fazendo parte do direito comunitário em si mesmo, estes actos integram o «adquirido comunitário», cujo respeito se impõe aos Estados-membros aderentes. Neste sentido, os Tratados de adesão referem o dever dos novos membros de acatar os princípios orientações decorrentes das declarações, resoluções e outras posições do Conselho. O Prof. Fausto Quadros distingue:
- Despachos: traduzidos para português seria melhor a terminologia de ordenança. Não se confundem com as decisões (previsto no art. 249.º CE).
Podem provir do Conselho, do Parlamento ou da Comissão. Podem consistir em actos gerais, que não têm destinatários concretos. Nessa hipótese, podem estar previstos nos Tratados é o caso, por exemplo, das decisões sobre recursos próprios). Quando isso suceder, são os próprios Tratados que lhes fixam os efeitos.
Podem também consistir em decisões com efeitos internos.
- As comunicações da comissão: estes actos típicos revestem natureza muito díspar: podem consistir em Livros Brancos sobre assuntos que a Comissão quer colher na opinião dos outros órgãos ou dos particulares antes de apresentar uma proposta legislativa; em relatórios de natureza diversificada; ou em documentos nos quais a Comissão indica qual será, no futuro, o seu comportamento ou qual deverá ser o comportamento dos Estados membros ou dos particulares.
- Conclusões e as resoluções do Conselho: o conselho aprova, entre outros actos, conclusões e resoluções.
Conclusões põem termo a uma sessão do Conselho. Em regra, contêm declarações meramente políticas, mas, não raro, encerram também orientações, e nesse caso, podem produzir efeitos jurídicos. Só a sua interpretação permite fixar-lhes o verdadeiro sentido e conteúdo. Diferentes são as conclusões da Presidência, que não obrigam o conselho, sendo imputáveis apenas à Presidência e valem como meras declarações políticas.
Resoluções do conselho, em regra, são utilizadas para este anunciar um programa de actuação futura num determinado domínio. Nessa medida, não produzem efeitos jurídicos, mesmo quando convidam a Comissão a agir num determinado sentido. Só excepcionalmente o TJ tem atribuído efeito jurídico a estas resoluções.

. A nomenclatura dos actos no Tratado constitucional.

. Introdução

A simplificação dos instrumentos de que a União dispõe constituiu um ponto essencial da Declaração de Laeken sobre o futuro da União, que estabeleceu, designadamente, o mandato da Convenção .
Os trabalhos desta última, retomados pela Conferência Intergovernamental (CIG), permitiram responder a estas expectativas, clarificando o sistema existente. A tipologia dos actos é limitada a seis instrumentos: lei, lei-quadro, regulamento, decisão, recomendação e parecer. A Constituição acaba, portanto, com a proliferação de actos, que tinha conduzido progressivamente à elaboração de cerca de quinze: os cinco actos de base previstos no Tratado CE e numerosos "actos atípicos", tais como resoluções, directrizes, orientações, etc.
Assim, o artigo I-33.º enumera os seis novos actos jurídicos e estabelece uma distinção entre o nível legislativo e o nível não legislativo, o que não tem qualquer precedente nos tratados actuais.
Além disso, contrariamente ao que sucede nos tratados actualmente existentes, cada base jurídica da Comissão passa a especificar o tipo de acto que deve ser utilizado para a sua execução. Esta nova abordagem evitará hesitações na altura da escolha do tipo de acto a utilizar.
No que se refere aos actos de execução, o papel da Comissão encontra-se reforçado, na medida em que ela é, em princípio, titular do poder de execução. No entanto, continua a ser possível a adopção pelo Conselho de actos de execução em matéria de política externa e de segurança comum (PESC), bem como em casos específicos devidamente fundamentados. Além disso, serão os Estados-Membros, e já não o Conselho, quem controlará o exercício pela Comissão do poder de execução.
A Constituição distingue entre a execução dos actos juridicamente vinculativos da União (artigo I-37.º) e a delegação na Comissão do poder de adoptar "regulamentos delegados" que completem ou alterem certos elementos não essenciais dos actos legislativos, sob controlo do legislador (artigo I-36.º).
As disposições relativas à assinatura, publicação e entrada em vigor dos actos da União correspondem às do Tratado CE (artigo I-39.º). De igual forma, o artigo I-38.º retoma as disposições equivalentes dos Tratados existentes no que se refere à fundamentação dos actos e à liberdade de que as instituições dispõem para escolher o tipo de acto a adoptar, quando os textos o não estipulem especificamente.
Por último, os actos utilizados no domínio dos segundo e terceiro pilares são suprimidos, juntamente com a estrutura em pilares que justificava a sua existência. Consequentemente, apenas poderão ser utilizados, incluindo nessas matérias específicas, os seis tipos de actos acima referidos.

. Tipologia dos actos jurídicos

O artigo I-33.º distingue entre actos legislativos e não legislativos. Cada categoria é retomada num artigo específico: artigo I-34.º para os actos legislativos e o artigo I-35.º para os actos não legislativos.
Os actos legislativos são de dois tipos: a lei e a lei-quadro.
Actualmente, o artigo 249.º do Tratado CE contém uma enumeração dos cinco actos de base existentes (directiva, regulamento, decisão, recomendação e parecer) e dos respectivos efeitos. Podem ser estabelecidas correspondências entre estes actos e as novas denominações.
Assim, a definição da lei europeia corresponde à do regulamento na sua forma actual. Tal como o regulamento, a lei europeia é directamente aplicável em todos os Estados-Membros e não necessita de nenhuma transposição para o direito nacional.
A definição da lei-quadro europeia corresponde à da directiva. Fixa os objectivos a atingir, mas deixa aos Estados-Membros liberdade quanto às medidas a adoptar, num determinado prazo, para atingir esses objectivos.
O artigo I-34.º pormenoriza as modalidades de adopção das leis e das leis-quadro, que na maioria dos casos é feita de acordo com o processo legislativo ordinário.
Os actos não legislativos (artigo I-35.º) são de quatro tipos: regulamentos europeus, decisões europeias, recomendações e pareceres.
De acordo com a Constituição, o regulamento europeu é um acto não legislativo de carácter geral destinado a dar execução aos actos legislativos e a certas disposições específicas da Constituição. Estes regulamentos podem ainda assumir a forma de regulamentos europeus delegados ou de regulamentos de execução.
Tais regulamentos poderão ser obrigatórios em todos os seus elementos ou apenas obrigatórios no que respeita aos resultados a alcançar.
Além disso, a decisão europeia, na sua nova definição, inclui tanto a decisão que indique um destinatário como uma decisão geral, ao contrário do que sucede em relação à decisão, na acepção do artigo 249º do Tratado CE, que só afecta os destinatários que designa.
Por último, são igualmente actos não legislativos as recomendações e pareceres que não produzam efeitos vinculativos. No seu último número, o artigo I-35.º confirma o poder geral de recomendação da Comissão, tal como previsto actualmente no artigo 211.º do Tratado CE, e alarga o do Conselho (artigo I-35.º).

. Delegação legislativa e actos de execução

O Tratado Constitucional procede à cisão das competências de execução previstas actualmente no artigo 202.º do Tratado CE em regulamentos europeus delegados (artigo I-36.º) e em actos de execução propriamente ditos (artigo I-37.º).
A Comissão passa a ser a única responsável pela adopção dos regulamentos europeus delegados que tenham por objectivo completar ou alterar certos elementos não essenciais de uma lei ou de uma lei-quadro (o artigo I-36.º precisa que "os elementos essenciais de cada domínio não podem ser objecto de delegação"). Assim, a definição dos aspectos mais técnicos dos actos legislativos pode ser delegada à Comissão, no respeito das condições de aplicação determinadas pelas leis ou leis-quadro em causa (conteúdo, âmbito de aplicação e período de vigência da delegação). Além disso, esta delegação só pode efectuar-se sob controlo dos dois ramos do poder legislativo. O Parlamento ou o Conselho podem decidir a revogação da delegação e a sua entrada em vigor pode ser suspensa com o acordo tácito dos co-legisladores. Estas novas disposições constituem uma inovação importante no âmbito do sistema de decisão da União, embora na prática tivesse já ocorrido a atribuição de tais competências à Comissão em certas matérias, como o mercado interno e o ambiente. Além disso, reforçam o papel do Parlamento, que passa a controlar o exercício da delegação legislativa da mesma forma que o Conselho.
O artigo I-37.º, consagrado aos actos de execução propriamente ditos, recorda que a execução material das normas comunitárias incumbe normalmente aos Estados-Membros. Se a intervenção da União se justificar pela necessidade da aplicação uniforme, podem em princípio ser conferidas competências de execução à Comissão ou, em matéria de PESC e em casos específicos devidamente justificados, ao Conselho. Os actos de execução da União assumem a forma de regulamentos europeus de execução ou de decisões europeias de execução.
Na medida em que a Comissão exerça um poder em princípio reservado aos Estados-Membros, afigura-se lógico que seja enquadrado por comités de representantes dos Estados-Membros encarregados de dar um parecer sobre os projectos de medidas de execução elaborados pela Comissão. Este sistema de controlo tem a designação de "comitologia".
O artigo I-37.º estipula que as regras gerais da comitologia serão fixadas por uma lei europeia adoptada de acordo com o processo legislativo ordinário, deixando assim de ser fixadas unicamente pelo Conselho, como se verifica actualmente. Além disso, esses mecanismos de controlo serão, nos termos desse mesmo artigo, aplicados pelos Estados-Membros, e já não pelo Conselho.

. Disposições específicas (PESC, PESD E JAI)

Nos Tratados actuais, em matéria de Política Externa e de Segurança Comum (PESC), de Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), e de liberdade, segurança e justiça (JAI), isto é, nos segundo e terceiro pilares, que dependem da cooperação intergovernamental e não do método comunitário, podem ser adoptados actos jurídicos de natureza não comunitária. É assim que, no domínio da PESC, o artigo 13.º do Tratado da União Europeia (Tratado UE) precisa que o Conselho recomendará ao Conselho Europeu estratégias comuns e executá-las-á designadamente mediante a adopção de acções comuns e de posições comuns. De igual forma, o artigo 34.º do Tratado UE enumera a lista de actos que o Conselho pode adoptar em matéria de JAI. Trata-se de posições comuns, de decisões e decisões-quadro, bem como de convenções.
Na sequência da desaparição da estrutura em pilares operada na Constituição, todos estes actos são suprimidos. Em matéria de PESC , PESD e JAI , os actos que vão agora ser utilizados devem corresponder à nova tipologia (artigo I-33.º).
O artigo I-40.º confirma que, no domínio da PESC, só podem ser utilizadas decisões europeias, pelo que "ficam excluídas as leis e leis-quadro europeias". Em matéria de PESD, no artigo I-41.º, também só podem ser utilizadas as decisões europeias. Por último, no que se refere à JAI, são suprimidos os antigos actos utilizados, em benefício das leis e das leis-quadro (artigo I-42.º).

. Quadro recapitulativo

Artigos Assunto Observações
I-33.º Actos jurídicos da União (nova tipologia) Novas disposições
I-34.º Actos legislativos Alterações importantes
I-35.º Actos não legislativos Alterações importantes
I-36.º Regulamentos europeus delegados Alterações importantes
I-37.º Actos de execução Alterações importantes
I-40.º Disposições específicas da PESC Alterações importantes
I-41.º Disposições específicas da PESD Alterações importantes
I-42.º Disposições específicas da JAI Alterações importantes

.A jurisprudência do Tribunal de Justiça. A definição dos princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária.

Atente-se na importância da jurisprudência do tribunal de justiça das Comunidades Europeias no desenvolvimento do sistema jurídico comunitário. A ela se deveu a construção de princípios fundamentais do ordenamento comunitário.
Embora do artigo 249.º do tratado CE pareça inferir-se que só os regulamentos são susceptíveis de produzir efeito directo – no sentido de os particulares poderem invocar junto das jurisdições nacionais direitos que estes actos comunitários lhes conferem –, a jurisprudência do TJC, afastando-se da concepção internacionalista que reduz o Tratado a um acordo definindo obrigações mútuas entre os Estados contratantes, sublinhou que do mesmo Tratado resulta a criação de «uma nova ordem jurídica», cujos sujeitos são não só os Estados-membros, mas também os seus cidadãos, daqui partindo para sustentar que certas disposições do direito comunitário originário, e determinadas directivas, são também susceptíveis de produzir efeito directo.

. Relação entre o direito da União Europeia e os direitos estaduais

A teoria do primado do Direito da União Europeia não se subsume na teoria do primado do Direito Internacional, pelo simples facto de o Direito Internacional é o Direito Comunitário serem Ordens jurídicas com diferentes fundamentos filosóficos-jurídicos.

. O primado do direito da União Europeia

. O fundamento do primado

O primado do Direito da União sobre o Direito estadual decorre da especial natureza do Direito Comunitária (Pierre Pescatore: «exigência existencial» do Direito da União).
O primado sobre o Direito estadual constitui um atributo próprio do Direito da União, não resulta de uma concessão do Direito estadual, particularmente, da respectiva Constituição, como acontece com a recepção do Direito Internacional na ordem interna quando este não é ius cogen.
Portando, o Direito Internacional é fragmentário ao passo que o Direito da União é uma Ordem Jurídica uniforme. Por outro lado, o Direito da União tem também uma «natureza comunitária», encontra-se «integrado no sistema jurídico dos Estados membros» e «impõe-se aos seus tribunais», penetrando na Ordem Jurídica interna para aí produzir a plenitude dos seus efeitos, como cedo passou a admitir o TJ. Tudo isso faz do Direito da União um Direito comum aos Estados membros da União.
Ora, para que o Direito da União se afirme como Direito comum é necessário que ele seja interpretado e aplicado de modo uniforme nos Estados membros. O princípio da uniformidade do Direito Comunitário é imposto também pelo princípio da igualdade entre os cidadãos de todos os Estados membros (art. 12.º do Tratado CE que impõe a proibição da discriminação em razão da nacionalidade).
O primado nunca constou, dessa forma, dos Tratados, embora se pudesse extrai-lo implicitamente de dois preceitos do Tratado CE: art. 10.º, par. 2. Quando impõe aos Estados membros, no quadro da lealdade comunitária, que nada façam no sentido de pôr em perigo os objectivos do Tratado, entenda-se, os fins prosseguidos pelo Direito Comunitário; e do art. 249.º, quando ele atribui aplicabilidade directa a certos actos de Direito derivado (regulamentos e decisões).
O primado foi criado e elaborado pela jurisprudência do TJ. São vários os acórdãos que dão corpo à teoria do primado, mas três deles devem ser considerados os grandes marcos dessa construção:
- Acórdão Costa/ENEL – a transferência levada a cabo pelos Estados, da sua Ordem Jurídica interna para a Ordem Jurídica comunitária, de direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tratado, implica, portanto, uma limitação definitiva dos seus poderes soberanos contra a qual não se poderá fazer prevalecer um acto unilateral posterior incompatível com a noção de Comunidade». E, acrescentava o TJ, o primado abrange o Direito estadual tanto anterior como posterior ao acto comunitário em causa.
- Acórdão Simmenthal – aqui o tribunal decidiu que é dever do juiz nacional considerar inaplicável qualquer acto nacional eventualmente contrário a um acto comunitário, seja anterior ou posterior e que a entrada em vigor de um acto comunitário impede a aprovação de novos actos legislativos nacionais que sejam incompatíveis com ele (efeito bloqueador do primado).
- Acórdão Factortame – o TJ reconheceu ao juiz nacional o direito de, a título cautelar, suspender a aplicação de um acto estadual susceptível de ser considerado contrário ao Direito Comunitário mesmo se o respectivo Direito interno não lhe conferir competência para o efeito, ou seja, mesmo contra Direito interno de sentido contrário.

. O âmbito do primado

Assim entendido no seu fundamento, o primado do Direito da União tem de ser absoluto. Esta afirmação tem uma dupla vertente:
- Significa que todo o Direito Comunitário (todas as suas fontes) prevalece sobre todo o Direito estadual (é oponível a todo o direito interno).
O primado é assim supranacional, quer em relação ao direito ordinário quer em relação ao direito constitucional (acórdão San Michele e Simmenthal). Este primado aparece, no entanto, relativizado em dois sentidos:
- O problema do primado nem se colocará quando a Comunidade, por força dos Tratados, não estiver autorizada a agir (por exemplo, no domínio das atribuições concorrentes, por força do princípio da subsidiariedade).
- Este carácter absoluto foi suavizado pelo TJ, com o apoio de alguns tribunais nacionais, pela necessidade de se salvaguardar direitos fundamentais dos cidadãos (disposições internas mais favoráveis permanecem sobre as comunitárias – acórdão Stauder; Nold e Wachauf).

. O valor jurídico do primado

Qual a consequência jurídica de um acto nacional que viole o acto comunitário?
A resposta surge desde logo na construção jurisprudencial do acórdão Simmenthal: «sanção seria a inaplicabilidade do acto estadual» e não a nulidade. A sanção situa-se por isso no domínio da eficácia e não da validade.
O TJ recusou aí atribuir natureza federal ao primado do Direito Comunitário, que teria determinado a nulidade, se não a inexistência do acto. Sublinhe-se que o Tribunal fornece argumentos para que no caso da contrariedade do acto nacional ser superveniente a sanção se aproximar da nulidade.
A violação do primado, para além de poder ser questionada perante os tribunais nacionais do estado que o infringiu, segundo os meios contenciosos nacionais, coloca o respectivo Estado em situação de incumprimento, susceptível de desencadear o processo regulado nos arts. 226.º a 228.º CE, e fá-lo incorrer, por esse mesmo fundamento, em responsabilidade de Direito Comunitário.

. O primado do Direito da União e as Constituições estaduais

A posição dos Estados membros perante o primado tem de ser vista em duas fases: a fase da confrontação e a da adaptação.
- A fase da confrontação – as constituições estaduais para aceitarem o primado do Direito Comunitário, e, portanto, para lhe darem legitimação constitucional, sentiram-se na necessidade de acolher as limitações de soberania resultantes da sua adesão às comunidades por 1 de 2 vias:
Incluindo uma cláusula geral de limitação de soberania, que cobria também o rimado supraconstitucional do Direito da União.
Incluindo nas constituições uma cláusula de autorização ao Parlamento para a delegação de poderes soberanos nas comunidades (art. 24.º da constituição alemã).
- A fase da adaptação – vai levar os Estados membros mais longe: eles, mais do que procurarem uma legitimação constitucional para o primado do Direito da União, vão adaptando ou adequando as respectivas Constituições à evolução do Direito Comunitário.
Fui um movimento iniciado com a assinatura do Tratado da União Europeia, de 1992, e tem vindo a conhecer dois métodos:
- Revisão das constituições de forma a pô-las de harmonia com o Tratado da União Europeia#.
Portugal não fugiu a esta orientação, tendo revisto sucessivamente a Constituição de 1976.
- Europeização dos direitos constitucionais dos Estados membros. Vai-se verificando uma progressiva harmonização das Ordens jurídicas nacionais com o Direito da União. Em primeiro foi o Direito Constitucional Económico, e têm-se sucedido outras áreas de índole política (liberdade, segurança, justiça) – por exemplo o art. 33.º, n.º5 CRP, com a redacção da revisão de 2001.

. A situação em Portugal

A aceitação expressa pela nossa Constituição do primado supranacional do Direito da União reforçará a coerência interna do próprio do texto constitucional. A nossa Constituição, logo em 1976, adoptou uma ampla abertura a fontes supranacionais, traduzida, sobretudo, na «abertura internacional da ordem constitucional», expressa em três preceitos constitucionais (arts. 8.º, n.º1, 16.º, n.º1 e 2).
Por conseguinte, por força dos Tratados e da jurisprudência do TJ, que foi atrás citada, e que hoje é seguida pela prática dos diversos Estados membros, o Estado Português está obrigado, pelo simples facto da sua adesão à união e à comunidade, a dar efectividade ao Direito da união na sua ordem interna.
Especificamente quanto aos tribunais nacionais, estes são tribunais comuns do Direito Comunitário. Ou seja, o juiz nacional é juiz comunitário. Esta comunitarização do juiz nacional e da sua função começou, aliás, a ser levada a cabo exactamente pela teoria do primado. O juiz nacional está obrigado a aplicar o Direito Comunitário segundo os critérios do Direito Comunitário.

. A aplicabilidade directa do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

. Noção e fundamento

A aplicabilidade directa do Direito Comunitário quer dizer que o acto que dela goza é susceptível de aplicação imediata na ordem interna do Estado a cujos sujeitos se dirige. Assim, a aplicabilidade directa tem os seguintes três corolários:
- Para que o acto em causa seja directamente aplicável na ordem interna não é necessária a interposição do Estado, ou seja, não é necessário qualquer acto de recepção do acto na Ordem Jurídica do estado em causa. Nada pode ser feito para evitar essa aplicabilidade directa.
- O acto comunitário vigora na hierarquia interna das fontes de Direito sem perder a sua natureza de acto de direito Comunitário.
- Os órgãos nacionais de aplicação do direito têm o dever de aplicar o acto a partir da data da sua entrada em vigor na Ordem Jurídica Comunitária.

O princípio da integração e a consequente subordinação dos Direito estaduais ao Direito Comunitário impõem a aplicabilidade directa de alguns dos seus actos na ordem interna dos Estados membros.

. Âmbito

A aplicabilidade directa é um criado pelos Comunitários, que, por isso, dizem, eles próprios, quais são os actos que dela gozam.
Assim, na CE, são directamente aplicáveis, segundo o artigo 249.º, par. 2, os regulamentos e as decisões. Quanto a estas últimas, note-se que o Tratado não se refere expressamente à sua aplicabilidade directa, mas ela decorre implicitamente do carácter obrigatório da decisão, em todos os seus elementos. Dentro das decisões, como é obvio, o problema da aplicabilidade directa só se coloca quanto às decisões que se dirijam a sujeitos internos das Ordens Jurídicas estaduais, e não apenas aos próprios Estados.

. O efeito directo do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

Quanto aos actos comunitários que gozam de aplicabilidade directa não se suscitam, em princípio, problemas quanto à possibilidade da invocação imediata, perante as instâncias nacionais.
Quanto aos actos sem aplicabilidade directa, que são actos de mera cooperação, são eles as disposições dos Tratados, as directivas, as decisões que têm como destinatários Estados e acordos internacionais que obrigam as Comunidades.
O TJ considera que quando um acto, não obstante não se dirigir a particulares, confira a estes directamente direitos (efeito directo), ou por impor obrigações a Estados em relação a particulares, confira a estes indirectamente direitos (efeito directo reflexo), podem invocar esses direitos perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito.
Conjugando a teoria do efeito directo com a teoria do primado, o órgão nacional de aplicação do Direito deverá atender a essa invocação, mesmo contra o Direito nacional aplicável, ou, por maioria de razão, na ausência deste. O efeito directo constitui uma garantia mínima dos direitos dos particulares.
O TJ no caso Van Gend en Loos, quando afirma que o Tratado CE «constitui mais do que um acordo que cria obrigações recíprocas entre os Estados contratantes; a comunidade constitui uma nova Ordem Jurídica cujos sujeitos são, não apenas os Estados, mas também os seus cidadãos».
A aplicabilidade directa distingue do efeito directo. Com efeito, a primeira encontra-se consagrada de modo expresso nos Tratados, concretamente, no citado art. 249.º CE, quanto aos regulamentos e às decisões que se dirigem aos sujeitos internos dos Estados, enquanto que o efeito directo não consta dos Tratados e nunca foi afirmado pelo TJ com base naquele preceito do Tratado CE.
Para alem do Van Gend en Loos o TJ iria apurar progressivamente a sua concepção de efeito directo nos acórdãos Grad, Van Duyn e Úrsula Becker.

. Os requisitos do efeito directo

Para conceder efeito directo a uma disposição do Direito Comunitário, o TJ exige o preenchimento de algumas condições:
- Clareza e precisão. A falta de clareza não constitui obstáculo desde que ela possa ser clarificada através de uma interpretação por via jurisprudencial.
- Incondicionalidade. O facto de conter uma condição não lhe retira efeito directo, que lhe será reconhecido assim que estiver preenchida a condição.
- Produção de efeitos sem necessidade de qualquer disposição nacional ou comunitária que a complete. Com esta característica quer-se dizer que a norma não deve conferir um poder discricionário de dispor ex novo na relação entre a norma comunitária e o particular.

. Efeito directo vertical e efeito directo horizontal

Quanto ao âmbito subjectivo do efeito directo há a distinguir:
- Efeito directo vertical – na medida em que a norma comunitária em questão, inclusive da directiva, só pode impor obrigações aos Estados que são seus destinatários, o particular apenas pode invocar a disposição em causa, e o direito que ela lhe confere, de modo a obrigar o Estado a respeitar o direito subjectivo que a disposição lhe atribui. Por isso, o efeito directo só pode ser invocado, perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito, em litigio que opõe os particulares a autoridades do Estado, sejam elas quais forem.
- Efeito directo horizontal – a disposição em causa, não obstante ser dirigida aos Estados, pode impor obrigações também a particulares. Por isso, os respectivos direitos serão invocáveis inclusivamente em litígios entre pessoas privadas.

Para se referir o somatório do efeito vertical e do efeito directo horizontal, socorre-se da expressão efeito directo completo.

. As disposições dos Tratados

O TJ já reconheceu efeito directo horizontal a disposições dos Tratados: quer a disposições que têm pessoas privadas como destinatários das obrigações (regras da concorrência nos arts. 81.º e 82.º CE), quer a disposições que, sem terem pessoas privadas como destinatário, impõem-lhes obrigações cujo cumprimento lhes pode ser exigido pelos titulares dos direitos que correspondem àquelas obrigações, de direitos esses que são criados directamente pelo Dt. Comunitário, como é o caso das regras relativas à livre circulação e à não-discriminação de pessoas.
No geral, as disposições dos Tratados teme feito directo só vertical, enquanto impõem obrigações apenas aos Estados. Passa-se assim com muitas das obrigações que o Tratado CE impõe aos Estados nas matérias das liberdades de circulação, da proibição de discriminação e do direito à concorrência. Escapam ao efeito directo as normas que deixam aos Estados um poder discricionário nas suas relações com os particulares.

. As directivas

Só podem ter como destinatários Estados e só podem impor obrigações a estes. Por isso, o seu efeito directo só pode ser vertical. É esse o raciocínio que o TJ segue no acórdão Marshall.
Todavia o desejo de reforçar o cumprimento das directivas e o seu efeito útil leva o TJ a alargar significativamente o âmbito do seu efeito directo. Primeiro, considerando que as podem invocar todos os particulares, em geral. Depois, adoptando um conceito muito amplo de Estado, contra o qual pode ser invocada a directiva, de modo a abranger, não só o Estado membro, mas também tanto o Estado-Administração como o Estado empregador (acórdão Marshall).
O TJ recusa efeito horizontal às directivas, isto é, efeito directo nos litígios entre particulares, mesmo que as directivas reúnam os requisitos do efeito directo#.

. As decisões

Também gozam de efeito directo as decisões que se dirigem a Estados, quando criam direitos para particulares. A jurisprudência do TJ na matéria encontra-se bem representada no acórdão Hansa Fleisch. O TJ reconhece efeito directo a tal tipo de decisões, mesmo quando estes sejam tomadas por órgãos criados por Tratados concluídos pela Comunidade com Estado terceiros.
O efeito directo reconhecido àquelas decisões é só vertical. O TJ recusa efeito directo horizontal às decisões dirigidas a Estados pelos mesmos fundamentos por que o faz quanto às directivas.

. A questão do efeito colocada no terceiro pilar

O Tratado de Amesterdão veio criar no terceiro pilar da União, a categoria das decisões-quadro (art. 34.º, n.º2, UE). Dada a similitude da função daquelas em relação às directivas (que ressalta bem da definição que delas dá o art. 34.º, n.º2, al. b)) punha-se o problema de saber se também elas gozariam de efeito directo. O Tratado, naquele preceito, resolveu o problema pela negativa.
Idêntica posição veio a tomar a al. c) do mesmo preceito quanto às decisões, aí referidas.

. O efeito directo do Direito da União em Portugal

Quase vinte anos decorridos já sobre a adesão, não se pode dizer que o instituto do efeito directo do Direito Comunitário esteja a ser usado muito frequentemente em Portugal. Tal deve-se essencialmente ao pouco interesse de todos os sujeitos ligados à aplicação do Direito Comunitário neste campo.

. A unidade de interpretação do Direito Comunitário

A incorporação do Direito comunitário nas ordens jurídicas nacionais, que o artigo 249.º explica em relação aos regulamentos, decorre por forma implícita do disposto no artigo do Tratado de Roma que permite os órgãos judiciais nacionais a reenviar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as questões de interpretação ou apreciação da validade das normas comunitárias.
O artigo 234.º, ao prever um processo de cooperação entre o tribunal das Comunidades e os tribunais nacionais com vista a assegurar a unidade de interpretação do direito comunitário e a permitir a sua aplicabilidade uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência para as resoluções de litígios entre os particulares e os Estados, ou opondo particulares a outros particulares, quando esteja em causa a aplicação da ordem comunitária, cabe às jurisdições nacionais.
Neste sistema não se consagra, por respeito à soberania dos tribunais nacionais, um mecanismo de revisão afecto a uma jurisdição comunitária suprema. O Tribunal de Justiça das Comunidades fornece a interpretação do direito comunitário, mas é ao juiz nacional que cabe a aplicação das respectivas normas na resolução de litígios.
O mecanismo do reenvio prejudicial consagrado no art. 234.º serviu de instrumento para a construção jurisprudencial em trono do sistema jurídico comunitário.
Secção IV - AS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA

I – O QUADRO INSTITUCIONAL DAS COMUNIDADES

a) Introdução

Uma das especificidades mais marcantes da EU é o seu sistema institucional. Entende-se como tal o conjunto de órgãos e instituições da Comunidade.

Órgão – centro de imputação de vontade jurídica das pessoas colectivas, formados por um substrato humano que permite a estas autodeterminar-se.

b) Órgãos das comunidades e órgãos da União

O TUE criou um sistema orgânico único, para toda a EU. Deste modo, os mesmos órgãos são chamados a intervir como órgãos da União ou, estritamente, das Comunidades, ou, dito de outra forma, os mesmos órgãos têm competência para os três pilares.
Em bom rigor, Salvo o Conselho da Europa, o TUE pediu emprestados os órgãos das Comunidades para os pôr a actuar como órgãos de toda a União. Contudo, não têm as mesmas competências ou o mesmo peso dentro das duas realidades (tal resulta da coexistência entre o pilar comunitário e os pilares intergovernamentais).

c) O sistema de repartição de poderes

O sistema de repartição de poderes na União e nas Comunidades, pode-se qualificar como um sistema quadripartido:
Poder legislativo
Poder executivo
Poder de fiscalização
Poder judicial
A configuração e a demarcação do poder legislativo são particularmente complexas. O processo legislativo envolve a participação de vários órgãos e assume, em função disso, diversas modalidades.
Não obstante, não é possível encontrarmos similitude entre sistema de repartição de poderes das Comunidades e o sistema estadual.
Duas categorias de órgãos para o Prof. fausto Quadros:
Órgãos principais: são aqueles que constam dos arts. 4.º e 5.º EU e 7.º, n.º1 CE, isto é, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Devemos ainda referir o art. 189.º, CE, o qual disciplina os órgãos atrás referidos.
Órgãos e as instituições complementares:

d) A tripla legitimidade do poder político comunitário

O exercício político comunitário assenta numa tripla legitimidade:
Integração: representada pela Comissão, a qual foi criada como
Órgão independente dos Estados e representante do interesse comunitário
Estadual: representada pelo Conselho, representante dos Estados. Estas duas primeiras legitimidades representam a dicotomia integração e interestadualidade. Confirma também a vocação federalista, expressa no Plano Schumam, de 1950 (representação do todo integrado e dos Estados#).
Democrática: funda-se na eleição do Parlamento Europeu por sufrágio directo e universal, desde 1979, num processo progressivo de reforço dos poderes do Parlamento, que deixaria de ser meramente consultivo. Subsiste claro o deficit resultante do facto de ele não representar o povo europeu, mas «os povos dos Estados reunidos na Comunidade» (art. 190.º do Tratado CE).
Possui também uma competência inferior à do Conselho.
Para o Prof. Denys Simon, deve-se ainda referir uma quarta legitimidade, a legitimidade judiciária, concretizada nos dois tribunais Comunitários, o TJ e o TPI.

II – O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA

a) Origem

O conselho é composto por representantes dos Estados membros, actuando como seus delegados. Foi pensado pelo Tratado de Fusão de 1965 (art. 2.º, par. 1), como órgão que, na estrutura orgânica das Comunidades, representaria os interesses nacionais dos Estados membros (câmara federal das Comunidades).
Depois do TUE, não tem competência apenas no quadro comunitário mas também no domínio da PESC e da cooperação judiciária em matéria penal (a partir de 1993 passou a ser designado por Conselho da União Europeia).
É o principal órgão de decisão da Comunidades. Delibera sob proposta da Comissão e com a intervenção, nas circunstâncias em que cada caso os Tratados o exigirem, do Parlamento Europeu. O Conselho não tem como vocação aproximar-se de um modelo de governo europeu (esse papel está reservado à Comissão). O Conselho privilegia um compromisso entre os interesses nacionais.

b) Composição

Cada Estado tem um representante no Conselho. Por isso, o Conselho é composto hoje por vinte e cinco membros.
Até ao Tratado de Maastricht, dispunha o art. 146.º (hoje, art. 203.º), par 1, CE, que: «o Conselho é composto por representantes dos Estados membros. Cada Governo “delegará” um dos seus membros para nele participar».
Esta disposição foi modificada pelo TUE: «o Conselho é composto por um representante de cada Estado membro a nível ministerial, com poderes para vincular o governo desse Estado membro» (alteração exigida pela Alemanha, de modo a que pudessem participar delegados dos Länder). Deste modo, passam a ter assento no Conselho «Ministros que não provêm do Governo Central» (no caso português a redacção do art. 203.º, par 1, não autoriza a que se reconheça a membros dos governos regionais o direito de vincularem o Estado português – art. 227.º, n.º1 da CRP).

c) Os níveis de actuação do Conselho
O Conselho reúne-se a vários níveis (Regimento do Conselho – aprovado à sombra do art. 207.º, n.º2 – concretamente, no seu nexo I, por remissão do respectivo art. 2.º, n.º1):
1. Assuntos Gerais – Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas. Têm assento nele os Ministros dos Negócios Estrangeiro dos 25. tem competência para tratar de todas as questões que não mostrem ser de carácter técnico e não sejam da competência de qualquer dos Conselhos «técnicos ou «especializados». Ele coordena estes últimos Conselhos, o que lhe confere uma superioridade em relação a estes (art. 2.º, n.º2, al. a) do Regimento).
2. Conselhos de Ministros Especializados – compõem-nos os Ministros dos Estados membros que têm, nos respectivos Estados, o pelouro respectivo.
3. Grandes conjuntos – junção dos dois níveis anteriormente descritos.
4. Conselho de Chefes de Estados ou de Governo – é o mis alto nível. Não é composto por individualidades «a nível ministerial», funciona, em bom rigor, à margem do art. 201.º, par. 1, CE. Ele encontra-se expressamente previsto em preceitos específicos do Tratado CE: é o caso dos arts. 121.º, n.º2, 3 e 4, do art. 122.º, n.º2, ambos em matéria de integração monetária, e do art. 214.º, n.º2, quanto à investidura da Comissão.
Cabe ao Ministro cujo Estado assegure em dado semestre a presidência do Conselho preparar e dirigir os trabalhos do respectivo Conselho.
Além disso o TUE previu a participação do presidente do Conselho, sem direito de voto, no Conselho de Governadores do Banco Central Europeu, podendo submeter moções à deliberação desse Conselho (art. 113.º, n.º1).

d) Competência
Está definida no art. 202.º CE. Essa competência encontra-se pormenorizada ao longo do Tratado, acerca de matérias concretas.
Pode dizer-se que é o principal órgão de decisão na actual estrutura da Comunidade: algumas matérias, ele tem poder de decidir sozinho; nas que estão sujeitas a um processo de co-decisão, ele co-legisla com o Parlamento Europeu; nas que estão sujeitas a um processo de cooperação, ele tem a última palavra.

e) Funcionamento: A presidência do Conselho
O funcionamento encontra-se disciplinado no regulamento. O TJ entende que o Regimento do Conselho constitui um texto obrigatório#.
A determinação de quem preside ao Conselho da União, faz-se através de uma regra temporal (por semestres). Na prática, a presidência é assegurada pelo órgão ou agente que, segundo o direito interno de cada Estado, tem competência do nível do Conselho em causa.
O Conselho Europeu e o Conselho da União Europeia ao nível de Chefes de Estado ou de Governo é presidido por quem em cada Estado, detém a direcção suprema da política externa (em Portugal é o P.M. – art. 182.º da CRP), ou ao Conselho funcionando aos outros níveis preside o Ministro respectivo do Estado membro ao qual assegura, em cada semestre, a presidência da União.
Até a União Europeia ter tido doze membros, os Estados presidiam ao Conselho por rotação determinada pela ordem alfabética da designação de cada Estado na sua língua nacional (art. 146.º, par. 2, CEE, antes do Tratado de Maastricht). Este sistema permitia que, em cada troika (trio composto pelo Estado que nesse semestre presidia ao Conselho, e pelo Estado anterior e o imediatamente posterior), estivessem necessariamente presentes, pela referida ordem alfabética, um dos cinco grandes. Com o alargamento de 1995 tal deixou de ser possível (art. 146.º, par. 2, Cena redacção de Maastricht, e a decisão do conselho, n.º 95/2/CE).
As reuniões do Conselho têm lugar normalmente em Bruxelas. De harmonia com o princípio da transparência dos actos dos principais órgãos da União, estabelecido no art. 255.º, n.º1, introduzido no Tratado CE pelo Tratado de Amesterdão, o art. 207.º, nº3 CE, define o âmbito daquele princípio no funcionamento do Conselho. Ele dispõe sempre que o Conselho actue no exercício de poderes legislativos, os resultados das votações e das declarações de voto, bem como as declarações exaradas em acta, serão tornados públicos.

f) O Comité de representantes permanentes (COREPER)
Na preparação das decisões do Conselho ocupa um lugar de destaque o Comité de representantes permanentes. É composto por chefes das missões permanentes que cada Estado membro mantém em Bruxelas, junto da União. Em regra, o chefe da missão tem a categoria de Embaixador.
O COREPER não se encontrava previsto inicialmente nos Tratados, mas apenas no Regimento do Conselho. Depois, passaram-se a referir a ele, primeiro, os arts. 4.º e 5.º do Tratado de fusão, depois, o art. 151.º CE, após a revisão de Maastricht, e hoje, o art. 207.º, depois das revisões de Maastricht e de Nice.
Esse art. 207.º confere três categorias de competências:
- Prepara os Trabalhos do Conselho, a todos os níveis em que este se reúna.
- Exerce os poderes que o Conselho nele delegue.
- Pode exercer os poderes de índole processual previstos no Regimento do Conselho.

g) A votação
O funcionamento do Conselho e o modo formal de ele decidir dependem, em grande medida, do estilo que nessa matéria lhe queira imprimir o Estado que preside em cada semestre ao Conselho.
Uma das especificidades do funcionamento do Conselho reside no facto de a presidência evitar recorrer à votação formal sempre que se verifica a existência de um consenso. Por outro lado, quando esse consenso não está obtido, a presidência diligencia no sentido de se chegar a ele.
Temos os seguintes sistemas de votação:
1. Maioria simples – pela redacção do art. 205.º, n.º1, CE, a maioria simples foi pensada como sistema-regra de votação no Conselho, sendo quase excepcional, na medida em que só quando o Tratado não prevê outro modo de votação, este se aplica (por exemplo, a votação do regimento do Conselho – art. 207.º, n.º3).
2. Unanimidade – a regra da unanimidade vai de encontro aos princípios da soberania indivisível da igualdade formal entre os Estados. Eles impedem que um Estado venha a assumir obrigações sem o seu acordo.
O processo de integração europeia recusou a regra da unanimidade como a única regra de votação no Conselho. Ela é contrária aos postulados em que assenta a integração, espelhando o individualismo internacional.
Por outro lado, convém não sobrevalorizar, sobretudo para os Estados pequenos e médios, o direito de veto que resultaria desta regra (basta pensar que se os Estados pequenos vetassem uma deliberação favorável aos países grandes, os Estados grandes poderiam retaliar com o veto de uma deliberação que atribui-se benefícios aos pequenos, nomeadamente a nível financeiro).
Após o Tratado de Amesterdão, os arts. 23.º, n.º2, par. 2, e 40.º, n.º2, par. 2, EU, em matéria se segundo e terceiro pilares, e o art. 11.º, n.º2, par. 2, CE, vieram dar um novo alento ao direito de veto no Conselho para a defesa de «importantes e expressa razões de política nacional». O Tratado de Nice conservou apenas o primeiro daqueles preceitos.
A dinâmica criada pelo progressivo alargamento da regra de maioria qualificada em detrimento da unanimidade cria dificuldades cada vez maiores ao uso do direito de veto no Conselho. A unanimidade é requerida pelo TUE apenas nas cláusulas chamadas «constitucionais», que versam sobre matéria essencial: adesão de novos membros (art. 49.º UE); alargamento de poderes para os órgãos comunitários (art. 308.º CE), orçamento (art. 279.º CE) processo de co-decisão (art. 251.º, n.º3, CE) e processo de cooperação (art. 252.º, al. c, par. 2, CE).
3. Maioria qualificada – o sistema de voto por maioria qualificada encontra-se regulado no art. 205.º, n.º2, CE.
Para o efeito da votação por maioria qualificada aquele preceito adopta o método de ponderação de votos no Conselho, em função, sobretudo, mas não só, de um critério demográfico aplicado aos Estados membros.
Actualmente (a partir de 1 de Novembro de 2004, por aplicação do Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, anexo ao Tratado de Nice, e tal como resulta do n.º2 da Declaração respeitante ao alargamento da União Europeia), de harmonia com este método temos os seguintes números de votos por Estado membro:
a) Alemanha, França, Itália e Reino Unido 29
b) Espanha e Polónia 27
c) Países Baixos 13
d) Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 12
e) Áustria e Suécia 10
f) Dinamarca, Eslováquia, Irlanda, Lituânia e Finlândia 7
g) Esónia, Letónia, Eslovénia, Chipre e Luxemburgo 4
h) Malta 3

As deliberações serão, então, aprovadas se obtiverem, da soma de 321 votos:
a) Pelo menos 232 votos a favor, da maioria dos Estados membros, quando, por força do Tratado, devam ser tomadas sob proposta da Comissão,
b) 232 votos a favor de, pelo menos, 2/3 dos Estados, nos restantes casos.
Todavia, mesmo então, qualquer dos Estados poderá pedir que se verifique e os Estados membros que formaram essa maioria representam, pelo menos, 62% da população total da União, o que, a não acontecer, fará com que a deliberação não se considere tomada.
A minoria de bloqueia será, então, composta por 90 votos de, pelo menos, treze Estados, na primeira hipótese, e 90 votos de 1/3 dos Estados mais um, na segunda hipótese, ou, simplesmente, ela será encontrada quando os Estados membros que não aprovarem a deliberação representarem, pelo menos, 38,1% da população total da União.
A entrada em vigor deste regime foi substituída, sendo que passou a contar a partir de 1 de Janeiro de 2005.

III – O CONSELHO EUROPEU

a) Génese

O Conselho Europeu não se encontrava previsto nos Tratados institutivos das Comunidades. Nasceu da institucionalização das Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo. Com efeito, na Cimeira de Paris em 1974 ficou decidido que os Chefes e Estados e de Governo dos nove Estados membros, acompanhados dos respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros, se reuniriam regularmente três vezes por ano para avaliar e impulsionar tanto a integração europeia como a cooperação política.
Somente com o Acto Único Europeu que essas Cimeiras passariam a ter fundamento jurídico nos Tratados, quando o seu artigo 2.º passou a referir-se ao «Conselho Europeu» e veio estabelecer que ele tivesse, pelo menos, duas reuniões ordinárias por ano (com intervenção dos Chefes de Estado e de Governo e ainda o Presidente da Comissão).
O TUE acolheria em definitivo esse órgão no artigo 4.º das suas «Disposições comuns».

b) Estatuto e competência

O Conselho Europeu não deve ser confundido com o Conselho da União em matéria de actuação como Conselho de Chefes de Estado e de Governo.
Em primeiro do Conselho Europeu faz parte o Presidente da Comissão (o que não se integra na previsão do art. 203.º CE – é composto por um representante de cada Estado membro, a nível ministerial, com poderes para vincular o Estado). O que aqui está em causa são duas legitimidades diferentes: a estadual (participação dos estados no processo de decisão da União) e a integradora (participação da Comissão).
Em segundo tem um regime jurídico próprio. Mesmo quando o Conselho da União é composto por Chefes de Estado ou de Governo rege-se por regras dos Tratados, ao passo que o Conselho Europeu, mesmo quando actua à sombra de preceitos expressos do Tratado CE, não se regula por aqueles mas por outras que lhe são próprias.
Em terceiro, enquanto se encontra previsto no TUE, o Conselho Europeu, é acima de tudo órgão da União Europeia. A sua competência encontra-se aí definida em relação à União Europeia, concebida no seu todo: «O Conselho Europeu dará à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definirá as respectivas orientações políticas gerais» (art. 4.º, par. 1). Assim, este é uma espécie de órgão supremo da União, fixando os grandes rumos políticos da União, entendida no seu conjunto. O Conselho Europeu pratica actos políticos e não jurídicos, embora aqueles que possuem conteúdos jurídicos obrigatórios, serão práticos por outros órgãos da União e da Comunidade, na excepção das linhas de política geral aprovadas pelo Conselho Europeu.
O Conselho Europeu tem também competência no âmbito do Tratado CE (art. 99.º, n.º2, art. 113.º e art. 128.º). Em todos estes casos o Conselho Europeu mantêm a natureza atribuída pelo art. 4.º do TUE, não indo além da definição de orientações de carácter meramente político:
a) Art. 99.º, n.º2 – discutirá uma «conclusão» sobre as orientações gerais das políticas económicas.
b) Art. 113.º - tomará conhecimento do relatório anual do Banco Central Europeu.
c) Art. 128.º - avaliará anualmente a situação do emprego na Comunidade e aprovará «conclusões» nessa matéria.
Não figura entre o rol de órgãos comunitários, constante do art. 7.º CE, e não pratica nenhum dos actos do art. 249.º CE. Possui importante competência no domínio da PESC (art. 13.º EU – define princípios gerais e orientações desta).

c) Composição e funcionamento

Já nos referirmos à sua composição, pelo que devemos acrescentar que podem ter assento os ministros da Economia e das Finanças sempre que o Conselho Europeu se debruce sobre questões relativas à UEM.
O Conselho Europeu é presidido, em cada semestre, pelo mesmo Estado que preside ao Conselho. A preparação dos seus trabalhos preparatórios é coordenada pelo Conselho dos Assuntos Gerais, mas nela desempenham um papel importante, antes de, mais, a presidência, mas também o COREPER e o Secretariado-geral do Conselho.
As reuniões deste têm lugar no território do Estado que exerce a presidência, tendo cada reunião regras comuns aprovadas na Declaração de Londres em 1977.

IV – A COMISSÃO

a) Génese
A Comissão tem a sua origem remota na Alta Autoridade da CECA. O Tratado de fusão, ao cindir os três órgãos executivos das três Comunidades, criou uma só Comissão para todas elas. A sua designação veio a ser a de Comissão das Comunidades Europeias.
Com o Tratado de Maastricht, a Comissão passou a ter competência, no quadro da União, também fora do âmbito das Comunidades. Por isso, hoje designa-se de Comissão Europeia ou Comissão da União Europeia.

b) Composição
Segundo o art. 213.º, .º1, par. 4, CE, a Comissão deve ser composta por um nacional de cada Estado membro, não podendo qualquer Estado ter nela mais do que dois nacionais. Desta forma, quis-se, desde o Tratado de Roma, dar a possibilidade aos quatro grandes, de terem, cada um, dois Comissários.
Na Europa de Quinze o número de Comissários era de 20, com Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido a terem dois Comissários cada.
Aquando a revisão de Amesterdão, foi junto, ao Tratado de revisão, um protocolo, o Protocolo relativo às instituições na perspectiva do alargamento da União Europeia, que estipulava que a Comissão seria composta apenas por um nacional de cada Estado membro, mas, os Estados que perdessem o segundo Comissário seriam compensados no sistema de ponderação de votos no Conselho. Todavia, segundo o mesmo Protocolo, o mais tardar um ano antes da data em que a União Europeia passasse a ser constituída por mais de vinte Estados membros, seria convocada uma CIG, que procederia a uma revisão global das disposições dos Tratados sobre a composição e o funcionamento dos órgãos.
O Tratado de Nice veio estabelecer no art. 4.º do já referido Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, a ele anexo, aquele Tratado procede a uma alteração, em duas fases, ao sistema de composição da Comissão:
Numa primeira fase, a representação igual de todos os Estados. A partir e 1 Novembro de 2004 quando se iniciar o próximo mandato da Comissão, e numa Europa de 25, ela será composta por um nacional de cada Estado membro. Portanto, ela terá então 25 membros.
Numa segunda fase, a representação rotativa. No primeiro mandato que for iniciado pela Comissão após a União ter passado a 25, a Comissão terá menos comissários do que o número de Estado membros. Isto é, nenhum Estado terá mais do que um nacional na Comissão, mas haverá Estados que não terão nenhuma. Então será o Conselho da União Europeia a fixar, por unanimidade, tanto o número de membros da Comissão como as modalidades de «rotação paritária», devendo esta, entre outros princípios, tratar todos os Estados «em rigoroso pé de igualdade» e «reflectir satisfatoriamente o leque demográfico e geográfico do conjunto dos Estados da União».
Na opinião do Prof. Fausto Quadros este sistema é desnecessário (o facto de os membros da Comissão serem em grande número não afecta o funcionamento e a eficácia da Comissão) e incompatível com a função da Comissão (esta encarna a legitimidade de integração, representando o interesse geral dos Estados, pelo que se impunha um tratamento igualitário dos membros).

c) Modo de constituição
Durante muito tempo, segundo o art. 214.º CE, os membros da Comissão eram designados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados membros. O Tratado limitava-se a exigir que eles fossem escolhidos «em função da sua competência geral» e oferecessem «todas as garantias de independência» (art. 213.º, n.º1). Os Governos dos Estados membros ficavam, com uma larga margem de discricionariedade na escolha dos Comissário.
Os Tratados de Maastricht e de Amesterdão limitaram consideravelmente essa discricionariedade dos governos nacionais, ao alterarem substancialmente o actual art. 214.º, sobretudo pela introdução de um n.º2 nesse artigo. O Tratado de Nice, por sua vez, quase que acabou com qualquer intervenção dos governos na matéria: veja-se a actual redacção do art. 214.º.
Passou a ser o Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, e por maioria qualificada, a escolher a personalidade que tenciona nomear Presidente da Comissão. O Regimento do parlamento, no seu art. 32.º, desenvolve e pormenoriza o que nesta matéria dispõe o n.º2 do art. 214.º CE, ao estabelecer que, depois de o Conselho ter chegado a acordo sobre o nome de uma individualidade para o cargo de Presidente da Comissão, o Presidente do Parlamento convida essa individualidade a fazer uma declaração perante o Parlamento e a apresentar as suas orientações políticas para o exercício do cargo. Essa declaração será seguida de debate. Depois, o Parlamento vota por escrutínio secreto o nome proposto. O resultado positivo da votação assume a natureza de eleição pelo Parlamento, que será transmitida ao Presidente do Conselho. Se o resultado da votação do Parlamento for negativo, o seu presidente convidará o Conselho a indicar um novo nome ao Parlamento.
Depois, a convite do Parlamento Europeu, o Conselho, e também por maioria qualificada, aprova, de comum acordo com o Presidente designado, a lista de outras personalidades que tenciona nomear Comissários. Essa lista será elaborada em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado membro (é a única intervenção destes neste processo). Estas personalidades passaram por um exame perante as diferentes comissões parlamentares, conforme os seus domínios de actividade, onde se procura avaliar a capacidade e aptidão para o cargo.
Este sistema foi aplicado às individualidades propostas para a Comissão presidida por Jacques Santer, Romano Prodi e José Barroso, o último dos quais viu mesmo rejeitado o nome de uma individualidade proposta rejeitado pelo Parlamento, obrigando o Conselho e o Presidente da Comissão a substituir essa personalidade.
O Presidente eleito e outros membros designados para a Comissão são sujeitos, com o respectivo programa, à aprovação em bloco, do Parlamento Europeu, por voto nominal. Obtida essa aprovação, todos eles são finalmente nomeados pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada (art. 214.º, n.º2, par. 3, CE e art. 33.º do Regimento do Parlamento).
O mandato dos Comissários é de 5 anos.

d) Estatuto dos Comissários
Os comissários beneficiam de um estatuto que se traduz em quatro características fundamentais:
- Dever de independência: art. 213.º, n.º1 e 2, CE, os Comissários devem desempenhar as suas funções com plena independência e no interesse geral da Comunidade.
- Inamovibilidade: o que quer dizer que só podem cessar as suas funções por qualquer dos seguintes motivos: morte ou exoneração voluntário; exoneração colectiva, por aprovação de moção de censura no Parlamento; demissão, decidida, pelo Tribunal de Justiça, a requerimento da Comissão ou do Conselho.
- Exclusividade de funções.
- Privilégios e imunidades idênticos aos que se aplicam ao comum dos funcionários e agentes da Comunidade.
- Mandato de 5 anos durante os quais exercem funções no interesse da comunidade (art. 213.º, n.º2)

e) Competência
Desempenha um papel que se poderá dizer de órgão executivo da Comunidade. Compete-lhe zelar pelo cumprimento dos Tratados e do demais direito comunitário. A sua competência está definida no art. 211.º CE, e ainda nos arts 205.º; 133.º e 300.º; 99.º, 122.º e 123.º; 104.º e 121.º

f) Funcionamento; Generalidades
A Comissão exerce o essencial da sua competência agindo como órgão colegial. Aliás segundo o TJ «todos os seus membros são colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das deliberações tomadas»#. Isso não prejudica o facto da direcção política caber ao Presidente da Comissão (art. 217.º, n.º1).
Cada Comissário tem um voto. A Comissão delibera por maioria simples dos seus membros (art. 219.º CE e 8.º do Reg.) competindo ao Secretário-Geral da Comissão assegurar a publicação das deliberações no Jornal das Comunidades. Cada membro tem a seu cargo um ou mais pelouros, gozando o Presidente de ampla discricionariedade na atribuição das funções no seio da Comissão.
Cabe a cada Comissário elaborar projectos de propostas a apresentar pela Comissão ao Conselho e, se eles forem aprovados, zelar pela sua aplicação. Cada Comissário gere uma ou mais direcções-gerais, bem como os demais serviços, relacionados com os respectivos pelouros.
Para além disso esta delibera e funciona em colégio (competências colectivas, recaem sobre todos os seus membros, sendo que as deliberações são tomadas em reunião formalmente convocada, votada pela maioria dos membros, necessitando de um mínimo de quórum – fixado no regulamento, art. 219.º).
Para facilitar o processo de decisão, o regulamento interno prevê:
a) O acordo dos membros sobre a proposta de um deles pode ser entregue por escrito (possuindo os membros o prazo de uma semana para exprimir reservas, modificações ou solicitar a discussão da proposta, caso contrário a proposta considera-se tacitamente aceite).
b) Repartição por pelouros, compostos por DGs, que ficam colocadas sob a chefia de um comissário Europeu (opera uma delegação de poderes a favor dos membros da comissão, de funcionários superiores ou órgãos dependentes da Comissão, em que a Comissão assume a responsabilidade pelo exercício de poderes delegados).

f) A delegação de poderes
O avolumar do trabalho da Comissão impôs o recurso ao instituto da delegação de poderes (Regimento da Comissão art. 27.º), podendo esta habilitar os seus membros e os seus funcionários a tomar, em nome da Comissão e sob a sua fiscalização, «medidas de gestão ou de administração claramente definidas».
O TJ considera-os legais desde que estes não ultrapassem o âmbito material definido no referido art. 27.º do Regimento (Ac 15-6-94, BASF.).
Especial referência merece também a criação de órgãos subsidiários com missões específicas, cujos poderes têm de estar claramente delimitados (Ac. 13-6-58. Meroni.).

V – O PARLAMENTO EUROPEU

a) Origem e estatuto

O Tratado de Paris chamava este órgão de assembleia comum. Em 1962, ele auto designou-se como Parlamento Europeu, tendo obtido consagração no QUE e sendo ela depois mantida no TUE.
A ele lhe cabe representar os povos dos Estados-membros. O actual art. 189.º CE dispõe que ele é «composto por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade» (demonstração de que para o TUE não existe um povo europeu). Tem a missão de representar a legitimidade democrática no processo comunitário de decisão ou, melhor, no exercício do poder político comunitário. Está regulado nos arts. 189.º a 201.º do TCE, tendo um regimento próprio.
Tem sede em Estrasburgo (sessão plenária anual), Bruxelas (Comissões Paramentares e sessões extraordinárias) e Luxemburgo (serviços administrativos).

b) Composição

Tanto em 1951 como em 1957, os autores dos Tratados (arts. 21.º CECA e 138.º CEE) haviam previsto que o Parlamento Europeu submetesse ao Conselho um projecto que regulasse a sua eleição por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, segundo um processo uniforme em todos os Estados membros. Ele seria composto por membros cooptados pelos membros dos Parlamentos nacionais.
Em 20 de Setembro de 1976, o Conselho aprovou uma decisão no sentido do sufrágio directo e universal, seguida do acto relativo à eleição dos representantes na Assembleia por sufrágio universal e directo. Assim, em 1979, de 7 a 10 de Junho, foi possível proceder-se às primeiras eleições directas para o Parlamento. Até hoje as eleições não têm um regime jurídico uniforme, estando, sim, em conformidade com o direito eleitoral interno#.
Todavia, de harmonia com o art. 190.º, n.º4, CE, o Parlamento Europeu está encarregado de elaborar um projecto destinado a permitir a sua eleição «segundo um processo uniforme ... ou baseado em princípios uniformes». Por isso, na Resolução de 15 de Julho de 1998, ele propôs um sistema de tipo proporcional, baseado em círculos eleitorais regionais, tendo os Estados liberdade para fixarem um limite mínimo para a repartição dos assentos e a liberdade de autorizarem o escrutínio preferencial. Note-se que à excepção do Reino Unido, que se mantém fiel ao sistema uninominal a uma volta, todos os demais adoptam variantes do sistema proporcional.
Após o Tratado de Nice o art. 189.º CE, o número de deputados do Parlamento Europeu não poderá ser superior a 732. Ultrapassou-se o limite máximo permitido pelo Tratado de Amesterdão, que era de 700. Portando, antes da adesão, o Parlamento compunha-se, antes da adesão dos dez novos Estados, de 626 deputados. Depois, da adesão (1 de Maio de 2004), até ao início da legislatura de 2004-2009, esse número passou para 788, por força do art. 25.º do Tratado de adesão. Com a nova legislatura de 2004-2009, esse número fixar-se-á nos 723, por força do art. 11.º do Tratado de adesão, dando-se cumprimento ao disposto no art. 189.º, par.2.º, CE na redacção de Nice.
Assim o Tratado de Nice ao fixar o limite de 732 e ao reduzir o número de assentos por Estado procurou evitar que o Parlamento tivesse um número elevado de deputados, caso se mantivessem os critérios de proporção que determinam o cálculo do número de deputados do art. 190.º, n.º2. Esta redução só vigorará para as eleições de 2009, uma vez que em 2004 ainda não se reunia o pressuposto de 27 Estado membros.
Portanto, no mandato de 2004-2009 aplicar-se-ão aos dez Estados que aderiram em 2004 os critérios de repartição do número de deputados que presidem ao actual art. 190.º, n.º2, com o que não se ultrapassará, o número 732, como se vê pela soma dos deputados indicados no art. 11.º do Tratado de adesão.
Os deputados são eleitos por sufrágio universal e directo no âmbito de cada Estado (art. 190.º, n.º1). As eleições têm lugar na mesma data em todos os Estados membros e os deputados têm mandatos de 5 anos.
Os assentos são repartidos em função da população (art. 190.º, n.º2, CE). Note-se que o critério da população é aplicado de modo degressivo (por ex: a Alemanha tem 7,7 vezes mais população que Portugal e tem 99 deputados contra 24 de Portugal).
Numa Europa a 25, depois de iniciada a legislatura de 2004-2009, será a seguinte a repartição dos deputados, por força do art. 11.º do Tratado de adesão:
Alemanha 99
França, Itália e Reino Unido 78
Espanha e Polónia 54
Países Baixos 27
Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 24
Suécia 19
Áustria 18
Dinamarca, Eslováquia e Finlândia 14
Irlanda, Lituânia 13
Letónia 9
Eslovénia 7
Luxemburgo, Chipre e Estónia 6
Malta 5
O total de deputados passará para 732, tal como previsto já como número máximo, como vimos, no art. 189.º, par. 2, CE, após a revisão de Nice.
O sistema de relações de poder mantém-se, mas aumenta consideravelmente o peso dos Estados médios

c) Os grupos políticos

O Parlamento Europeu não se encontra organizado por delegações nacionais, mas sim por grupos políticos multinacionais. O Regimento prevê esse modo de organização no seu Capitulo V, desde a Assembleia da CECA.
O próprio Tratado CE no seu art. 191.º, estimula a criação daqueles partidos ao reconhecer-lhes «um importante papel como factor de integração na União». Lembremos apenas os 4 maiores Grupos – PPE-DE; PSE; ELDR; Verdes-ALE.
Os grupos políticos desempenham uma importante função na condução da política ao nível da União em geral. Para além disso os grupos políticos não actuam em nome do Parlamento e os seus actos não lhe são juridicamente imputáveis (Ac. Jean-Marie Le Pen e Front nationeal c. Parlamento Europeu 89).

d) Competência

O Parlamento Europeu é o órgão que mais viu os seus poderes reforçados ao longo de todos estes anos, seja através das revisões de 1985, de 1992, de 1997 e 2000.

Podemos qualificar as seguintes competências

Competência legislativa: A CE possui poder legislativo, traduzido na elaboração de actos que materialmente têm carácter legislativo. O TJ reconheceu-o por diversos vezes, desde logo, quando afirmou a existência de um «sistema legislativo do Tratado», de um «poder legislativo da Comunidade» e de um «legislador comunitário».
A competência legislativa do Parlamento Europeu traduz-se na sua participação na função legislativa da Comunidade. E essa participação assume manifestações muito diferentes. São elas:
- Poder de iniciativa legislativa indirecta: encontra-se no art. 192.º, CE, embora caiba em regra à Comissão (através da apresentação de uma proposta formal). Atribui-se poder de iniciativa indirecta quer ao Conselho (art. 208.º), quer ao Parlamento, que podem provocar a apresentação de uma proposta pela Comissão.
- Competência consultiva simples: encontra-se no art. 192.º, CE. A proposta da Comissão, que em regra abre o processo legislativo, é dirigida ao Conselho, que a dá a conhecer, por um lado ao COREPER, para a preparação da decisão, e, por outro lado, ao Parlamento Europeu, para obter o seu parecer. Na versão original do Tratado era esta a única forma de participação do Parlamento Europeu.
Ela continua a ter lugar quando o Tratado a impuser e quando não estiver prevista outra forma da sua participação naquele processo. Todavia, está previsto no Tratado outra forma de participação: o direito de ser ouvido em matérias em que a sua consulta não era obrigatória à face do Tratado, ou verbalmente, sobre as propostas da Comissão, ou por escrito, pelo Conselho. Nasceu, deste modo, um «costume constitucional», que ficou consagrado no Código de conduta celebrado entre a Comissão e o Parlamento em 1995.
Nos casos em que seja obrigatório o Parlamento ser ouvido previamente pelo Conselho ou ser informado previamente da proposta da Comissão, o desrespeito por essa formalidade gera ilegalidade do acto comunitário, por violação de formalidade essencial (Ac. Parlamento Europeu c. Conselho, 94). Se após o Parlamento ter emitido o seu parecer a pedido do Conselho, o projecto de acto comunitário for substancialmente modificado em consequência da alteração sobre as quais o Parlamento Europeu não fora ouvido, este tem direito a voltar a ser ouvido sobre o projecto dessa forma modificado (Ac. Parlamento c. Conselho, 92).
Por sua vez o Parlamento quando for solicitado a pronunciar-se pelo Conselho, deve emitir o parecer em prazo razoável (princípio da colaboração leal entre órgãos).
O parecer não vincula o Conselho, embora este deva fundamentar a sua deliberação, quando decida não o seguir.
- Competência para emitir pareceres vinculativos: Casos em que o Conselho deve seguir o parecer do Parlamento. É o chamado parecer conforme, em que o Parlamento dispõe de um verdadeiro direito de veto: se o seu parecer for negativo, o Conselho não pode aprovar o projecto de acto comunitário.
Esta forma de participação do Parlamento Europeu no processo legislativo foi criado pelo Acto Único Europeu e alargada pelo Tratado de Maastricht. Ela aplica-se a decisões e acordos de grande importância (por ex: à verificação da existência de uma violação grave e persistente, ou do risco dessa violação, por um Estado membro, dos princípios enunciados no art. 6.º, n.º1 do TUE, e sobre os quais assenta a União – art. 7.º, n.º1 e 2, UE), à criação do fundo de coesão (art. 161.º CE), ao estabelecimento de um processo eleitoral uniforme para a eleição do Parlamento Europeu (art. 190.º, n.º4, CE) aos acordos de associação (art. 300.º, n.º3, CE).
- processo de cooperação: Já quando da preparação do Acto Único Europeu alguns Estados membros haviam tentado atribuir ao Parlamento Europeu um poder de co-decisão com o Conselho. Contudo, o AUE criou o processo de cooperação do Parlamento para certas decisões relativas ao mercado interno, visando com isso associar mais estritamente o Parlamento ao processo legislativo, embora não lhe conferindo ainda competência de co-decisão.
Este processo resume-se assim: em caso de desacordo entre o Parlamento e o Conselho, este conserva o poder de decidir, continuando como processo legislativo clássico, a deter a última palavra, mas, para o efeito, tem de deliberar por unanimidade.
A criação pelo Tratado de Maastricht do processo de co-decisão, diminui a importância do de cooperação, que, com o Tratado de Amesterdão, se tornou residual (arts. 99.º, n.º5; 102.º, n.º2; 102.º, n.º2 e 106.º, n.º2 CE).
O processo de cooperação divide-se em várias fases (art. 252.º CE).
Na base de uma proposta da Comissão e obtido um primeiro parecer do Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros apura uma «posição comum» por maioria qualificada.
O Parlamento Europeu tem depois três meses para em segunda leitura, se pronunciar sobre essa posição comum do Conselho, que lhe é transmitida com a fundamentação quer da Comissão, quer do Conselho. E ele pode então escolher uma de entre três hipóteses:
1) Aprova expressamente a posição comum do Conselho, ou não se pronuncia sobre ela dentro daquele prazo, considerando-se o acto adoptado.
2) Rejeita, por maioria absoluta dos membros que o compõem, a posição comum do Conselho. Nesse caso o acto só se considera adoptado se o Conselho o vier a aprovar por unanimidade. A falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu, equivale à rejeição definitiva da proposta da Comissão.
3) Aprova, por maioria absoluta dos seus membros, alterações à posição comum do Conselho. O projecto de acto é enviado outra vez à Comissão para que ela, dentro de um mês, apresente uma nova proposta ao Conselho qure inclua, se a Comissão assim o entender, as alterações aprovadas pelo Parlamento. A nova proposta da Comissão deve ser fundamentada. Se, ao contrário, a Comissão apresentar ao Conselho uma nova proposta, o Conselho delibera depois em definitivo: a proposta da Comissão considera-se aprovada, por maioria absoluta, se ela não tiver sido objecto de qualquer modificação, ou, por unanimidade, no caso contrário. Esta última hipótese, a de a nova proposta da Comissão ter sido modificada, pode ficar-se a dever a uma de três causas: ela foi modificada pelo Conselho, ou este aprovou alterações introduzidas na primeira proposta da Comissão pelo Parlamento Europeu mas que haviam sido aceites depois pela Comissão na sua nova proposta, ou o conselho rejeito as alterações sugeridas pelo Parlamento Europeu à primeira proposta da Comissão que esta acolhera na sua nova proposta. Também aqui a falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho entre o Conselho e o PE, equivale a uma rejeição definitiva da proposta da Comissão. E qualquer caso, porém, e como se vê, o Conselho conserva a última palavra no processo legislativo.
Por força da alteração introduzida pelo Tratado de Maastricht no actual art. 252.º, a Comissão pode modificar a sua proposta inicial em qualquer fase do processo de cooperação.
O processo de cooperação tem funcionado de modo positivo, embora pareça óbvio que ele deve ser simplificado e que, em qualquer caso, o art. 252.º deve passar a ter uma redacção que o torne mais facilmente inteligível. De qualquer forma, repete-se o processo de cooperação parece condenado a desaparecer à medida em que for alargado o processo de co-decisão.
- O processo de co-decisão: Traduz-se num processo de decisão conjunta do PE e do Conselho, os dois co-legislam.
Foi introduzido pelo Tratado de Maastricht e depois alargado pelos de Amesterdão e Nice. Respondeu à aspiração do PE de possuir um verdadeiro poder de decisão no plano legislativo, à margem da matéria orçamental. Assim, passou a haver actos comunitários que têm de ser aprovados nos termos tanto pelo PE como pelo Conselho. Se persistir um desacordo entre os dois, o Parlamento pode rejeitar o texto apresentado pelo Conselho. Portanto, o Conselho, na co-decisão, deixa de ter a última palavra.
Encontra o seu regime jurídico no art. 251.º CE, para o qual remetem, quase sempre de modo expresso, os preceitos do Tratdo que exigem, para matérias concretas, a co-decisão. O processo de co-decisão aplica-se a algumas das matérias que antes estavam sujeitas a um mero processo de consulta do Parlamento Europeu ou ao processo de cooperação.
O processo de co-decisão aplica-se as seguintes matérias (ver pag. 244).
Foi simplificado pelo Tratado de Amesterdão em relação ao teor inicial do ex-art. 189-B. Mesmo assim, e apesar da maior felicidade da redacção do actual art. 251.º, por confronto com o art. 252.º, sobre o processo de cooperação, convém que enunciemos aqui o modo como o processo de co-decisão se encontra hoje regulado no art. 251.
Sobre a proposta da Comissão, o Parlamento Europeu emite um primeiro parecer, eventualmente com alterações àquela proposta. O Conselho de Ministros, em primeiro leitura, pode, por maioria qualificada, tomar uma de duas atitudes:
1) Aprova o acto, em qualquer momento do processo legislativo posterior ao parecer ao PE, ou porque este parecer é favorável à proposta da Comissão, e, por isso, não sugere qualquer alteração àquela proposta, ou porque o Conselho está de acordo com todas as alterações sugeridas no parecer do PE.
2) Ou, especialmente no caso de rejeição de todas, ou algumas, das alterações sugeridas no parecer do PE, aprova uma posição comum e transmite-a ao PE, fundamentando a sua decisão. Por sua vez, a Comissão dá conta ao PE da sua posição.
O PE dispõe de seguida de um prazo de três meses para se pronunciar, podendo escolher um dos seguintes três caminhos:
1) Aprova a posição comum, ou não se pronuncia dentro daquele prazo. Nesse caso, o acto comunitário considera-se aprovado em conformidade com a posição comum.
2) Rejeita, por maioria absoluta, a posição comum do Conselho. Nessa hipótese, o acto comunitário proposto entende-se como não provado.
3) Propõe, por maioria absoluta, alterações à posição comum do Conselho. Nesse caso, a Comissão é ouvida sobre as alterações propostas e o Conselho, em segunda leitura, é convidado a pronunciar-se sobre o acto, assim alterado, no prazo de três meses depois de ter recebido as alterações do Parlamento. Se o Conselho aprovar todas essas alterações (por maioria qualificada quanto às alterações que tenham obtido a concordância da Comissão, ou unanimidade quanto às alterações que tenham merecido a discordância da Comissão), considera-se que o acto foi aprovado, sob a forma da posição comum emendada que, nesse caso, se considera adoptada. Se, ao contrário, o Conselho não aprovar todas essas alterações, o Presidente do Conselho, de acordo com o Presidente do PE, convoca o Comité de conciliação.
Este comité compõe-se de igual número de membros do Conselho e do PE. Tem o encargo de, dentro de seis semanas, chegar a acordo sobre um projecto comum susceptível de ser aceite pelas duas partes. Delibera por maioria qualificada dos membros do Conselho, ou dos seus representantes, e por maioria simples dos membros do PE. A comissão participa nos trabalhos e toma todas as iniciativas necessárias à aproximação necessárias à aproximação das posições do PE e do Conselho.
Se o Comité de Conciliação aprovar, no prazo de seis semanas, um projecto comum, o PE e o Conselho dispõem de seis semanas a contar dessa aprovação para aprovar o acto em conformidade com o projecto comum, deliberando por maioria absoluta dos votos expressos entre os representantes do PE e por maioria qualificada entre os representantes do Conselho. Considera-se que o acto não foi aprovado se o Comité de Conciliação não chegar a um acordo dentro do prazo fixado, ou se qualquer dos dois órgãos rejeitar o projecto comum, ou não se pronunciar nas seis semanas seguintes.
Os prazos de seis semanas e três meses podem ser prorrogados por iniciativa do PE ou do Conselho. Por derrogação a este regime, o Conselho de Ministros delibera sempre, ao longo do processo de co-decisão, por unanimidade, quando estejam em causa as matérias doas arts. 18., n.º2, 42.º, 47.º, n.º2 e 151.º, n.º5, CE.
Quanto às matérias dos arts. 156.º e 172.º, par. 2, CE, o acto aprovado no termo do processo de co-decisão carece de acordo dos Estados membros interessados.
O processo de co-decisão supõe o acordo dos dois co-titulares do poder legislativo, bastando a oposição de um deles para impedir a aprovação do acto. É por isso que os actos aprovados pelo processo de co-decisão são actos «do Parlamento e do Conselho», e são assinados pelos Presidentes dos dois órgãos (art. 254.º, n.º1 CE). O processo de co-decisão trouxe um salto qualitativo na repartição de poderes, através da valorização do papel do PE, tornando-o em co-legislador comunitário (embora não exista simetria perfeita, uma vez que o PE tem o poder de impedir, enquanto o Conselho tem o poder de decidir).
- Competência legiferante: aparece no art. 268.º e ss. Trata-se de competência para aprovar sozinho actos legislativos, ainda que com a participação prévia, no processo legislativo, de outros órgãos.
É o que especificamente acontece em matéria orçamental. O procedimento orçamental da CE é extremamente complexo, como se pode ver pelo longo art. 272.º, onde ele se encontra regulado. Acontece que quem tem competência para aprovar o orçamento é o Parlamento Europeu (art. 272.º, n.º7), que também tem competência para o rejeitar, desde que o rejeite em bloco (art. 272.º, n.º8).
A competência do PE em matéria orçamental, pelo seu carácter próprio, merece tratamento autónomo.
b) Competência de fiscalização: Como órgão eleito por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, e, portanto, expoente máximo da ideia de Democracia no sistema orgânico da União, o pE goza, desde o Tratado de Roma, de importante competência de fiscalização, que o Tratado da União Europeia veio alargar. Embora essa fiscalização se exerça, sobretudo, sobre a Comissão, ela estende-se a outros órgãos da Comunidade. Assim:
1) o PE exerce um controlo geral sobre a actividade executiva dos órgãos comunitários. Ele pode colocar questões, escritas e orais, à Comissão e ao Conselho, no âmbito das matérias dos três pilares (art. 21.º, par. 2 e art. 39.º, n.º3 UE, e art. 197.º, pars. 3 e 4, CE). A Comissão tem de lhe apresentar relatórios sobre a actividade da União e das Comunidades (art. 21.º, par. 1, e art. 39.º, n.º2 UE e art. 200.º CE). O Conselho Europeu submeter-lhe-á um relatório na sequência de cada uma das suas reuniões, bem como um relatório anual sobre as suas actividades (at. 4.º UE). A presidência informá-lo-á regularmente sobre a evolução da PESC (art. 21.º, par. 1, UE) e da CPJP (art. 39.º, n.º2, UE).
2) Exerce controlo específico a nível político directo sobre a actividade da Comissão. Intervém no processo de designação da Comissão, quer ao aprovar a personalidade proposta pelo Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, Para Presidente da Comissão, aprovando também o Presidente e outros membros da Comissão (art. 214.º, n.º2 e 3 CE). Pode fazer cessar o mandato da Comissão, através de uma moção de censura (art. 201.º).
3) Todo o cidadão europeu, no quadro da cidadania da União, bem como qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, goza de um direito de petição junto do PE, nos termos do art. 194.º CE.
4) Um provedor de Justiça Europeu, eleito pelo Parlamento Europeu, tem competência para receber queixas de qualquer cidadão europeu, bem como de qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, relativas a actos de «má administração» de qualquer instituição ou órgão comunitário, com excepção do TJ e do TPI no exercício das respectivas funções jurisdicionais, de harmonia com o disposto no art. 195.º CE.
5) Em caso de infracção, ou de má administração, na aplicação do Direito Comunitário, o Parlamento Europeu pode constituir uma comissão de inquérito temporária, excepto se algum tribunal estiver, e enquanto estiver, ocupado com os factos alegados (art. 193.º CE).
c) Competência em matéria orçamental: Essa competência foi sendo alargada progressivamente. Diversos acordos entre o PE, o Conselho e a Comissão vieram facilitar e simplificar o procedimento orçamental. É o caso, mais recentemente, do Acordo interinstitucional de 6 de Maio de 1999 sobre a disciplina orçamental e o melhoramento do procedimento orçamental, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000.
Com base no anteprojecto do orçamento, que é elaborado pela Comissão, o Conselho prepara o projecto de orçamento e submete-o ao PE (art. 272.º, n.º1, 2 e 3). O Parlamento pode propor alterações quanto às despesas obrigatórias, mas, ao contrário, tem a última palavra em matérias de despesas não obrigatórias, sem embargo de te de respeitar a taxa máxima de aumento fixado pela Comissão, que, todavia, pode ser ultrapassado por acordo entre os três órgãos (art. 272.º, n.º4 a 9).
Ao fim de um complexo procedimental de conciliação entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho, é o Parlamento que aprova, em definitivo, o orçamento (art. 272.º, n.º7). Mas ele pode também rejeitá-lo. Nesse caso, deve rejeitar o orçamento em globo (como o fez em 1980 e 1985), pedindo ao Conselho que lhe apresente um novo projecto de orçamento (art. 272.º, n.º8).
A execução do orçamento compete à Comissão (art. 274.º). Todavia, o PE fiscaliza essa execução (art. 275.º), da qual dá quitação à Comissão (art. 276.º). O controlo financeiro da execução do orçamento cabe ao Tribunal de Contas, cujos poderes de investigação foram reforçados pelo Tratado de Amesterdão (art. 248.º, CE).
d) Competência em matéria de relações internacionais: A conclusão de acordos internacionais pela Comunidade (acordos internacionais tal como resulta da Convenção de Viena de 1969) encontra-se regulada no art. 300.º CE.
È a Comissão que negoceia o acordo, depois de para o efeito ter sido autorizada pelo Conselho. A autorização concedida pelo Conselho inclui um «mandato de negociação» e a indicação dos comités especiais e grupos de trabalho que hão-de assistir a Comissão nas negociações.
A conclusão do acordo cabe ao Conselho e traduz-se num acto pelo qual este autoriza o presidente em exercício a assinar o acordo.
O Tratado de Amesterdão veio permitir a aplicação provisória de um acordo antes da sua entrada em vigor, bem como a suspensão da aplicação de um acordo que já se encontra em vigor (art. 300.º, n.º2).
A intervenção do parlamento Europeu na conclusão de acordos internacionais tem vindo a aumentar progressivamente desde o Tratado de Roma.
A partir do AUE o PE passou a beneficiar de um verdadeiro direito de veto quanto aos acordos de associação, sob forma de parecer favorável aprovado por maioria absoluta (art. 238.º, n.º2 CE). O Tratado de Maastricht retirou daquele artigo a intervenção do PE
O Tratado de Amesterdão sentiu a necessidade de codificar a competência do Parlamento Europeu em matéria de conclusão de acordos internacionais, reforçando a sua competência na matéria. Fê-lo no art. 300.º CE. Assim, segundo o n.º3, par. 2, desse art., alguns ficaram sujeitos, antes da sua conclusão pelo Conselho, a um parecer favorável do Parlamento, agora por maioria absoluta dos votos expressos: os acordos de associação, previstos no art. 310.º CE, os acordos que criam um quadro institucional específico ao organizarem processos de cooperação, os acordos com implicações orçamentais sensíveis para a Comunidade e os acordos que impliquem uma modificação de um acto aprovado de harmonia com o processo de co-decisão. Quanto a todos os demais acordos vigora o princípio geral: carecem de parecer obrigatório do PE (o Conselho não os pode ratificar sem este – excepção são os acordos comerciais do art. 133.º).
O Tratado de Nice atribuiu competência ao PE para pedir parecer do TJ sobre a compatibilidade de um projecto de acordo com as disposições do Tratado

VI – O TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

a) Introdução

Os dois Tribunais são hoje tribunais autónomos entre si, tendo o Tratado de Nice posto termo à situação em que os dois nos apreciam como irmãos siameses, com preponderância do TJ.
Tanto o art. 5.º UE e 7.º CE omite em referência expressa ao TPI. Ora, essa referência passou a ser necessária a partir do momento em que ele se autonomizou juridicamente do TJ. E, dado que também os dois Tribunais pertencem hoje ao «quadro institucional único», ao qual se refere o art. 3.º UE, ambos têm de ser considerados hoje Tribunais da União Europeia e não apenas Tribunais Comunitários.
O Tratado UE não atribui expressamente competência ao TPI, mas só ao TJ, no domínio dos segundo e terceiro pilares. Mas pensamos que nem por isso o TPI deve ser despromovido a mero Tribunal Comunitário dado que o Tratado de Nice quis promovê-lo, não só a tribunal autónomo em relação ao TJ, como também a um grande Tribunal de Primeira Instância.

b) Génese e evolução histórica

Até ao AUE o TJ foi o único Tribunal das Comunidades (encontrava-se no art. 164.º CE). O AUE inseriu no Tratado CE «uma jurisdição encarregada de conhecer em primeira instância .. associada ao Tribunal de Justiça». Para além disso o Conselho, pela Decisão 88/591/CECA, CEE,CEEA, de 24 de Outubro de 1988, criou o TPI, inclusive, baptizando-o com essa designação.
Estávamos perante uma situação em que, juridicamente, havia só um tribunal, no qual, no plano institucional, estava integrado o TPI, como tribunal «associado» ao TJ. Esta situação tinha consequência, no plano funcional, que o TJ continuava a ser sempre o tribunal de última instância nas questões de direito.
Com o Tratado de Nice, o art. 220.º CE, com a alteração que nele introduziu aquele Tratado, passou a dispor que, «No âmbito das respectivas competências, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem o respeito do direito na interpretação e aplicação do presente Tratado». O Tratado CE passou a ver os dois Tribunais com autonomia e com igual dignidade, pelo que a novo art. 220.º CE abrogou a referida Decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988. Reforçou-se consideravelmente o âmbito da jurisdição do TPI, fazendo deste um verdadeiro tribunal de primeira instância (arts. 225.º e 225.º-A CE, interpretados em conformidade com o art. 51.º do Protocolo relativo ao Tribunal de Justiça, anexo ao Tratado de Nice, onde se introduz uma substancial limitação à jurisdição do TPI).
O TPI passou a poder ter adstritas a si, câmaras jurisdicionais. Estas não são secções do TPI, porque não fazem parte dele (art. 220.º, par. 2; 225.º-A, pars. 1 e 3). São portanto, órgãos jurisdicionais autónomos, em relação ao TPI, especializados em matérias concretas.

c) A função geral dos Tribunais

Existe nas Comunidades um verdadeiro poder judicial, ainda que com as limitações próprias correspondentes ao carácter inacabado da União. Engloba não só o TJ e o TPI mas também os Tribunais nacionais da União.
Pelo art. 220.º CE, o Tratado comete aos Tribunais da União «no âmbito das respectivas competências», o encargo de garantir «o respeito do direito na interpretação e na aplicação do presente Tratado».

d) Um verdadeiro poder judicial

As comunidades tentaram encontrar com os Estados uma repartição de poderes funcional, sempre com a consciência de que a efectividade do Direito Comunitário exigia um poder judicial forte.
Daí também se falar dos tribunais nacionais como tribunais comuns do contencioso comunitário.
Trata-se de um sistema judicial próximo dos sistemas judiciários dos Estados federados.
Tratam-se de tribunais não isolados na ordem internacional, mas integrados num sistema judiciário coerente, e de jurisdição obrigatória (a simples adesão de um Estado à Comunidade fá-lo sujeitar-se à sua jurisdição) e exclusiva (art. 292.º CE, os litígios para os quais têm competência encontram-se subtraídos à jurisdição de qualquer outro tribunal nacional ou internacional, não podendo aqueles deixar de os decidir, sob pena de incorrerem em denegação de justiça).

e) O âmbito da jurisdição

Tem um competência variada e extensa. Podemos distinguir os seguintes grupos:
a) Jurisdição constitucional – actuam num modelo próximo do constitucional, cabendo-lhes fiscalizar a conformidade do Dt. Comunitário derivado e do comportamento dos Estados e particulares com os Tratados, entendidos como lei fundamental das Comunidades.
b) Jurisdição administrativa – embora menos importante que a anterior, é, a mais vasta e a mais ampla, pelo simples facto de o Contencioso Comunitário ter sido fortemente moldado segundo o figurino do Contencioso Administrativo da França e Alemanha.
c) Jurisdição internacional – também dirimem litígios entre Estados membros (arts. 227.º e 239.º CE).
d) Jurisprudência uniformizadora – permite assegurar o respeito pela essência do Dt. Comunitário. Assegura a aplicação e interpretação uniforme do Direito (art. 234.º CE).
e) Jurisdição com alcance político – o TJ pode demitir um membro da Comissão (art. 213.º CE), um juiz ou advogado geral (art. 6.º do Estatuto, aplicável ao TPI e art. 225.º CE) um governador do Banco Central (art. 14.º, n.º2 do Estatuto do BCE), e pode aplicar sanções políticas a um Estado (art. 46.º, al. e) UE).

f) Estatuto e composição

Os dois Tribunais encontram-se regulados nos arts. 220.º e ss do TC. Eles regem-se pelo seu Estatuto , que foi alterado pelo Tratado de Nice, através do já referido Protocolo, que se encontra anexo àquele Tratado. O TJ elabora o seu Regulamento Processual, que carece de aprovação pelo Conselho, por maioria qualificada (art. 223.º, par. 6). O TPI tem o seu próprio regulamento processual, que deve ser aprovado pelo TJ e pelo Conselho por maioria qualificada (art. 224.º, par. 5).
È composto por um juiz por Estado-membro (art. 221.º) e por oito advogados gerais (art. 222.º - este não representa nem defende qualquer parte: age com «imparcialidade e independência»). O Prof. Fausto Quadros prefere designa-lo como Procurador Geral, por analogia com a função de promotor da legalidade do Ministério Público em Portugal.
Os critérios de escolha estão definidos nos arts. 223.º, n.º1, CE e do art. 9.º do Estatuto do TJ e pelo art. 13.º, n.º1 do Tratado de adesão de 2003.
O Presidente do TJ é eleito pelos seus pares para um mandato de três anos, renováveis. Quanto ao TPI ele é composto pelo menos por um juiz de cada Estado membro (art. 224.º, par. 1). É o Estatuto do TJ que fixa o número de juízes do TPI (actualmente são vinte e cinco – art. 48.º do Estatuto e os arts. 13.º, n.º2, e 46.º, n.º1 do tratado de adesão de 2003). O TPI é assistido por advogados-gerais (art. 224.º, par. 1,CE).

g) Competência e funcionamento

A competência dos Tribunais e o seu funcionamento encontram-se regulados, para a União Europeia, no art. 46.º, als. b), c), e e) UE e, para a CE, no art. 46.º al. a), UE, e nos arts. 225.º a 244.º CE, bem como no respectivo Estatuto e nos seus Regulamentos Processuais.
O seu funcionamento está regulado nos Tratados e no Estatutos respectivos Regulamentos Processuais.
O TJ reúne em Secções o Grande secção, podendo reunir-se em Tribunal Pleno (art. 221.º).
Mais tarde estudaremos em profundidade o Contencioso da União Europeia.











Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito











Direito Institucional da União Europeia


Prof. Doutor Paulo Pitta e Cunha













2005/2006
Luís Manuel Lopes do Nascimento














































«Les Étas Unies d’Europe ont Commencé»
Jean Monet 1955












PARTE I – O DIREITO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA

SECÇÃO I – A INTEGRAÇÃO EUROPEIA

. A ideia da Europa ao longo da história

A origem da palavra Europa remonta ao séc. VII a.C., tendo sido introduzida por Hesíodo. Foram portanto os gregos que criaram uma noção geográfica da Europa: um espaço vasto, apresentado como indo do Atlântico aos montes Urais. É este o primeiro sentimento de unidade em torno da Europa, o geográfico.
Já no séc. IX d.C. será Carlos Magno, a interpretar essa unidade como tendo um sentido mais profundo, essencialmente identificado com a cristandade (Respublica Christiana) – unidade ideológica e espiritual. Importante foi também o contributo dos Doutores da Igreja (S.Tomás de Aquino).
Com a viragem da Idade Média para o Renascimento a Europa divide-se: no plano político (soberania dos Estados) e no plano religioso (reforma) no plano económico (mediante o crescimento do nacionalismo). Perante isto fracassam os projectos de Rosseau e de Kant (Paz Perpétua e Projecto para a Paz Perpétua).
È também nesta época que se começa a construir uma identidade cultural (Leibnitz, Victor Hugo)
O século XIX nasce com o escrito de Saint Simom «Da organização da sociedade europeia...». Baseado nesse espírito as cinco grandes potências da época (Inglaterra, França, Áustria, Prússia, Rússia) criam o «concerto europeu», como herdeiro da Santa Aliança.
O século XX aprofunda o exacerbar dos nacionalismos, o empolamento do jus belli e o livrecambismo económico.

. Os projectos de integração europeia#

No rescaldo da Guerra, os estados europeus tomam consciência da sua fragilidade e dos perigos da sua desunião. Surgem propostas de associação para Estados europeus (Nação europeia; federalismo europeu). Esse movimento aprofunda-se após 1927 com a divulgação de obras que propõem uma União Aduaneira Europeia e como uma união Europeia de tipo Confederal.
Todas estas propostas fracassam, diante o contexto da grande depressão de 1929 e do ressurgir das rivalidades nacionais que conduziram à 2.ª Grande Guerra.

. O início da integração europeia

A integração europeia, tal como a vivemos hoje, só se iniciou depois da 2.ª Grande Guerra, diluindo-se com a própria história da Europa no séc. XX. A primeira personalidade a alertar para a importância da reconciliação franco-alemã foi Churchill em 1946, avançando com o conceito de «Estados Unidos da Europa». Churchill, em 1946 falou pela primeira vez na «cortina de ferro» que se estendia a Leste..
Em Dezembro do mesmo ano é fundada em paris a União Europeia dos Federalistas. Em 1947 é proposto o Plano Marshall (que marca também a divisão com o Bloco de Leste). Em Junho de 1948, dezasseis Estados, entre os quais Portugal, instituem a OECE, mas já em Janeiro desse ano havido sido fundado o Benelux. Em Março desse ano era assinado o Tratado de Bruxelas, que instituía a União da Europa Ocidental.
Em Janeiro de 1949 é instituído o Conselho da Europa (em Estrasburgo). Em Abril desse ano haveria de ser assinado o Tratado do Atlântico Norte, que criava a NATO.
Assim, se a OECE dava corpo à cooperação económica entra Estados da Europa Ocidental, com o pretexto de gerir o plano Marshall, o Conselho da Europa e a NATO visavam servir de Suporte à cooperação política e militar entre eles.
Note-se que a República Federal da Alemanha só teria a sua Lei Fundamental em 1949, pelo que o federalismo alemão do pós-guerra não podia ainda, servir de modelo de inspiração para os adeptos da integração europeia.

Cronologia

Data Tratado/Discurso Cidade/Instituidor
19 de Setembro de 1946 Estados Unidos da Europa Zurique/Winston Churchill
17 de Dezembro de 1946 U.E. dos Federalistas Paris/Spinelli
5 de Junho de 1947 Plano Marshall Marshall
1 de Janeiro de 1948 Convenção Aduaneira – Benelux
17 de Março de 1948 Tratado de Bruxelas – União da Europa Ocidental Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido
16 de Abril de 1948 Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE)
28 de Janeiro de 1949 Conselho da Europa Reino Unido, França e os Estado do Benelux
4 de Abril de 1949 Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) Washington



. Do Plano Schuman à criação das Comunidades

A criação do Conselho da Europa, numa base essencialmente de cooperação intergovernamental, retirava do processo de integração, o elemento político. Por isso, os fundadores da integração europeia decidem começar o processo pelo método funcional, ou de integração sectorial.

Em 9 de Maio de 1950 Robert Schuman Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, propõe o Plano Schuman. Este Plano visava «colocar o conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob uma Alta Autoridade comum, numa organização aberta à participação dos outros estados Europeus». O plano Schuman deve ser visto, pois, como a verdadeira Carta fundadora da Europa Comunitária. Inspirava-se no Plano de modernização e de equipamento francês, elaborado por Jean Monet.

Quanto ao modo – Começando pela integração ao nível do carvão e do aço, a integração deveria ser evolutiva ou gradual: «A Europa não se fará de imediato, mas numa construção conjunta; ela far-se-á através de realizações concretas, pela criação, para começar, de uma solidariedade de facto».

Quanto aos fins – o Plano, era claro ao ligar as causas da integração aos objectivos prosseguidos, imediatos e mediatos. Era urgente consolidar-se a paz na Europa. Era necessário pôr termo à oposição franco-alemã, e por isso se dizia, que dele resultariam «os primeiros passos concretos para uma Federação europeia indispensável à preservação da paz».

O Reino Unido rejeita desde logo a ideia de uma entidade dotada de poderes supranacionais, mas Alemanha, Itália e Benelux resolvem aderir àquele Plano. Das negociações surgiria em 18 de Abril de 1951 o Tratado que instituía a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
Os Seis países da CECA decidem retomar a componente política do processo de integração, que fora sugerida pelo Congresso de Haia mas havia sido abandonada pela criação do Conselho da Europa numa base intergovernamental. Assim em 27 de Maio de 1952 assinam o Tratado da Comunidade Europeia de Defesa.
No seguimento fazem aprovar em 15 de Março de 1954 o Tratado que instituía uma Comunidade Política Europeia (ComPE). Esta teria como objectivo salvaguardar os Direitos do Homem, garantir a segurança dos Estados membros contra qualquer agressão, coordenar a sua política externa e estabelecer progressivamente um Mercado Comum. Ela absorveria a CECA e a CED, fazendo com que o método funcional fosse substituído, na integração europeia, pelo método global. Contudo, dada a rejeição pela Assembleia Nacional francesa, da CED, a ComPE não haveria de avançar.
Não estavam ainda reunidas condições para a integração política, pelo que se regressa à integração sectorial.
A partir de 1955 relança-se a integração económica, sendo aprovado na Conferência de Messina a criação do Mercado Comum Europeu e a Comunidade para a energia nuclear. Em 1957 são assinados em Roma, dois Tratados, que criavam a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómicas. Subsidiariamente é assinado um terceiro Tratado, a Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias, que criou para as três comunidades uma única Assembleia, um único tribunal e um único Comité económico e Social. Era o primeiro «Tratado de fusão» de órgãos comunitários (o segundo tratado de fusão viria a ser assinado em 1965 – Tratado que cria um Conselho único e uma Comissão única para as Comunidades Europeias). Os três tratados de Roma entrariam em vigor em 1958.
Com efeito Inspirando-se na concepção neo-liberal quanto às vantagens do alargamento do mercado e do estímulo da concorrência, a CEE teve por base uma união aduaneira, a que se fez acrescer a livre circulação dos factores de produção, configurando a união aduaneira completada pela livre circulação dos factores o estádio do processo de integração conhecido por «mercado comum».
A união aduaneira e o mercado comum eram fórmulas de integração «liberal» ou «negativa», traduzida na supressão de obstáculos às relações económicas entre os espaços nacionais. Era possível completá-la por esforços de integração «concertada» ou positiva, envolvendo a coordenação de políticas económicas e adopção de políticas comuns. Na visão original da CEE, era nítida a prevalência da integração «negativa».

Cronologia

Data Tratado Cidade/Instituidor
9 de Maio de 1950 Plano Schuman Robert Schuman
18 de Abril de 1951 CECA
22 de Maio de 1952 Comunidade Europeia de defesa (CED) Paris
10 de Setembro 1952 – 15 de Março 1954 (Preparação e redacção final) Tratado que institui uma Comunidade Política Europeia (ComPE)
Junho de 1955 Conferência de Messina
25 de Maio de 1957 Tratados de Roma – Comunidades Económicas Europeias; Comunidade Europeia para a Energia Atómica; Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias. Roma


. Da criação das Comunidades ao primeiro alargamento

Tendo-se recusado a participar na criação da CEE, a Inglaterra procurou envolver os países em causa numa vasta zona de comércio livre abrangendo a generalidade dos países da Europa ocidental. A ideia foi rejeitada em Novembro de 1958 por iniciativa da França, afirmando-se o propósito de consolidar a integração económica e politica prosseguida no âmbito da CEE.
Com efeito, pressentido os efeitos negativos de ter ficado de fora da CEE o Reino Unido toma a iniciativa de criar um simples zona de comércio livre, que será instituída em 4 de Janeiro de 1960, a convenção de Estocolmo, que cria a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) - (Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suiça e Portugal).
Nesse mesmo ano a OECE dá lugar à OCDE, mais ambiciosa nos seus objectivos (deixava de ser uma organização meramente europeia e abria-se a todos os Estados de Economia de Mercado, não prosseguindo apenas objectivos económicos).
A 5 de Setembro de 1960, o Presidente Charles De Gaulle propõe o reforço da cooperação política entre os seis, através da instituição de uma União política Europeia. A proposta de De Gaulle encerrava, em si mesma, uma contradição substancial, pois ao mesmo tempo que defendia a unificação, ela aceitava que os órgãos da União só tivessem atribuições «técnicas», nos domínios da política, da Economia, da Cultura e Defesa, mas recusava a ideia de uma «autoridade sobre os Estados».
Esta concepção materializou-se num projecto de Tratado, o Plano Fouchet. Este defendia a criação de uma união política Confederal, com personalidade jurídica própria, baseada no respeito pela personalidade dos povos e dos estados membros. Era a segunda tentativa de criar uma Comunidade Política Europeia de carácter global.
Por outro lado, a França, nos anos que se seguiram á instituição da CEE mostrou-se contrária à aceitação de soluções baseadas no modelo supranacional, opôs-se, a partir de 1965, a que fossem aplicadas as regras do Tratado CEE em que se previa a passagem da votação no Conselho por unanimidade para a votação por maioria qualificada. A «crise da cadeira vazia»# foi resolvida pelo compromisso do Luxemburgo, de Janeiro de 1966, no qual a França fez valer o seu ponto de vista de que, estando em causa decisões muito importantes para um Estado-membro, se deveria prosseguir na discussão do problema até se alcançar acordo unânime.

Cronologia

4 de Janeiro de 1960 EFTA Convenção de Estocolmo
5 de Setembro de 1960 Plano Fouchet


. Do primeiro alargamento à criação da União Europeia

Em face da evolução do progresso da integração europeia, o Reino Unido decide pedir a adesão às comunidades. Só em 1969, na Cimeira de Haia se dá resposta positiva ao pedido britânico. A adesão haveria de ocorrer em 1 de Janeiro de 1973, com Reino Unido, Dinamarca e Irlanda a entrarem nas comunidades. A Noruega, que também negociara a adesão, ficaria de fora, perante a recusa ao Tratado de adesão, forçada por referendo.
A Europa dos Seis passava, dessa forma, a Europa dos Nove.
A CEE resolve acelerar a integração e prepara a União Económica e Monetária. Haveriam de falhar três tentativas de a estabelecer (Plano Barre de 1969; o Plano Werner de 1970; e a Iniciativa Jenkins de 1977) por falta de vontade política. Igual destino têm as tentativas de criar uma União Política.
Entretanto, em 1981 a Grécia, haveria de ser o décimo membro das Comunidades. Nesse ano o Plano Genscher-Colombo, proposto pelos Ministros do Negócios Estrangeiros da Alemanha e da Itália, vem relançar e aprofundar a integração europeia.
A 12 de Junho de 1985, Portugal e Espanha, assinam, com as comunidades, o respectivo tratado de adesão, que haveria de entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1986.
Com a entrada dos dois Estados da Península Ibérica aprofundou-se a distância entre os Estados ricos e pobres das comunidades e, por isso, não admira que tenha sido então que começaram a surgir no léxico da integração europeia expressões como «integração a duas velocidades». Com efeito, os Estados mais ricos deviam assumir a função de «locomotiva» da integração e gozar das regalias a isso inerentes.
Os sucessivos alargamentos tornaram imperiosa a reforma do processo de decisão. É neste quadro que surge o Acto Único Europeu, aprovado no Conselho da Europa no Luxemburgo, em 2 e 3 de Dezembro de 1985 e assinado pelos doze em 28 de Dezembro de 1986. A principal inovação do AUE residia na previsão da criação do Mercado Interno Comunitário para 1993, dispondo sobre os meios de ele ser alcançado. O mercado Interno era definido, na redacção que o AUE dava no novo artigo 8.º-A, parágrafo 2, do Tratado CEE, como «um espaço sem fronteiras internas».
Antes de avançarmos na definição dos Tratados Europeus, o Prof. Paulo Pitta e Cunha aborda a evolução do tratamento das comunidades à economia

. A Cimeira da Haia e o projecto de união económica e monetária

Com efeito logo na cimeira de Haia, em 1969, foi aprovado o aprofundar do processo de integração europeia, sendo adoptado, através de Resoluções do Conselho do princípio da década de 70, um plano, tendo por base um relatório de um Comité de peritos (Comité Werner), em que se previa a passagem a um estadia mais exigente de integração, a união económica e monetária.
Entrava-se numa fase de euro-optimismo#, que conhece um final abrupto provocado crise petrolífera internacional. De pé ficou apenas um dos dispositivos para uma primeira fase: o acordo entre bancos centrais visando o estreitamento das margens de flutuação entre as moedas comunitárias, em que se baseou a experiência que ficou conhecida como a «Serpente comunitária».

. O Sistema Monetário Europeu

No final dos anos 70 registaram-se importantes avanços no processo de integração. As primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu vieram reforçar a legitimidade democrática deste órgão e suscitar a renovada ambição de conseguir mais poderes.
O lançamento do Sistema Monetário Europeu (1979) retomando o esquema do mecanismo de taxas de câmbio da Serpente e completando-se com a introdução de facilidades de crédito e com a criação de uma unidade de conta europeia, o ECU, correspondeu ao objectivo de fazer da Europa comunitária uma zona de estabilidade monetária e deixou antever novos progressos na linha da integração positiva.
A prática das cimeiras regulares de Chefes de Estado e de Governo consolidava-se, com a adopção da nova designação de «Conselho Europeu» - 1974.
Os anos 80 não foram fáceis para a comunidade. A questão orçamental britânica (insistência do Reino Unido em obter compensação para o que considerava ser o contributo excessivo que lhe era exigido para o orçamento comunitário) ensombrava as relações entre Estados-membros, enquanto o compromisso do Luxemburgo continuava a entorpecer o funcionamento da Comunidade.
Embora o Sistema Monetário Europeu tivesse tido comportamento satisfatório, não deixou de se registar no início dos anos 80 o problema dos desfasamento da política económica francesa em relação à dos restantes participantes no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema, com reflexos em repetidas desvalorizações do franco n quadro SME.

. O Acto Único Europeu e a perspectiva do mercado interno

O Parlamento Europeu aprovou, em Fevereiro de 1984, um projecto do Tratado de União Europeia.
Tal projecto não teve continuidade, mas serviu de catalisador para a revisão do Tratado de Roma que se processou com base na conferência intergovernamental iniciada em Setembro de 1985, tendo como ponto central o estabelecimento do mercado único (ou mercado interno), previsto para o final de 1992.
Num Livro Branco então apresentado pela Comissão reconhecia-se que, realizado o "mercado comum", subsistiam barreiras técnicas, físicas e fiscais à livre circulação, enumerando-se cerca de três centenas de propostas de medidas de liberalização a adoptar pelo Conselho para realização do "mercado interno".
Em Fevereiro de 1986, os 12 Estados-membros assinaram o Acto Único Europeu (o Tratado de adesão de Portugal e Espanha, de Junho de 1985, havia entrado em vigor no início de 1986), assim denominado por reunir num só documento as matérias da revisão dos tratados comunitários e da cooperação no plano da política externa.
O Acto Único definiu o objectivo, para o final de 1992, de formação de "um espaço sem fronteiras internas" (o "mercado interno"); deu impulso à "coesão económica e social", visando a redução do atraso das regiões mais desfavorecidas; e consagrou várias políticas que haviam sido activadas pelo recurso à extensão de competências prevista no artigo 235° (actual 301°).
A celebração do Acto, incorporando o desafio do mercado interno, trouxe renovado dinamismo à Comunidade.

. A união económica e monetária e a união política
O relatório de um Grupo de peritos criado em Junho de 1988 para feito de estudar e propor a realização da união económica e monetária foi aprovado pelo Conselho Europeu em Junho de 1989. Previam-se três estádios para alcançar o objectivo proposto, fixando-se o início do primeiro em 1 de Julho de 1990, data da entrada em vigor de uma directiva comunitária prevendo a livre circulação dos capitais.
A queda do muro de Ber1im em 1989, em contexto colapso do sistema comunista, precipitara a unificação política da Alemanha, tendo os Laender que compunham a extinta República Democrática Alemã sido integrados na República Federal.
A Alemanha e a França extraíram dos acontecimentos no Leste a conclusão de que deveria acelerar-se a construção política da Europa, na linha do compromisso anteriormente estabelecido de transformar as relações entre os Estados-membros da Comunidade numa União Europeia.
Foi, prevista, a par da conferência intergovemamenta1 re1ativa à criação da união económica e monetária, uma outra consagrada à prob1emática da união política europeia.
Tendo-se decidido, em Outubro de 1990 fixar a data de 1 de Dezembro de 1994 para início da segunda da União Económica e Monetária, as duas conferências intergovernamentais principiaram em Roma, em Dezembro de 1990.


. A União Europeia: de Maastricht a Nice

. O Tratado de Maastricht

Com a aproximação de 1993 e o esgotamento do objecto do AUE, o Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária em Dublin (1990) resolve convocar duas conferências intergovernamentais, visando criar, uma, a União Política, outra, a união Económica. Dessas duas conferências resulta a aprovação, na cimeira de Maastricht de um único tratado, o Tratado da união Europeia (TUE). A fusão dos dois projectos ficou a dever-se a duas razões: a necessidade de se mostrar que a União Económica e monetária (UEM) e a União Política eram incindíveis e a incerteza da aprovação de dois tratados.
Assim surge o Tratado de Maastricht em 1992. Este Tratado levou a cabo a mais profunda revisão dos Tratados comunitários desde os Tratados de Paris e de Roma. A Grande ambição fica expressa no preâmbulo. Podemos resumir as grande novidades do TUE:
- Conclusão da União Económica e Monetária em 1999-2002;
- As atribuições (elencadas até aí no art. 2.º do Tratado CEE) deixam de ser exclusivamente económicas e estendem-se a outros domínios (art. 2.º e 3.º do Tratado CE).
- Criva-se a «cidadania da União» (Parte II do Tratado CE)
- Institui-se a Política Externa e de segurança Comum (PESC), ainda que numa base intergovernamental.
- Previsão de criação de um Política comum da defesa (Título V do TUE)
- Cria-se um mecanismo de cooperação, também de carácter intergovernamental, em matéria de justiça e de assuntos internos (CJAI título VI do TUE).
- Aprofunda-se a integração em matéria de processo de decisão ao nível comunitário, atribuindo-se ao parlamento Europeu um poder de co-decisão em relação ao Conselho e o poder de investir uma comissão, e alargando-se a regra da maioria qualificada nas votações do conselho em detrimento da regra da unanimidade.

Também em 1992 é assinado o Acordo que criou o Espaço Económico Europeu (EEE), que viria a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1994. Este acordo aprofundou as relações entre a Comunidade Europeia e os Estados membros e, por outro lado, com a EFTA. Este tratado apresenta como grande originalidade o facto de os seus Estados se regerem pelo Direito Comunitário na matéria das «quatro liberalidades» (circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais).
Com a adesão da Áustria da Finlândia e da Suécia, o EEE viu a sua importância reduzida (a Noruega, mais uma vez, viu-se impedida, por referendo nacional, de aderir).

Cronologia

7 de Fevereiro de 1992 /
1 de Novembro de1993 Tratado de Maastricht Holanda
2 de Maio de 1992 /
1 de Janeiro de 1994 Acordo que criou o espaço Económico Europeu Porto


. O Tratado de Amesterdão

O TUE previa a sua revisão em 1996 (artigo O.) Daí resultou o Tratado de Amesterdão assinado em 1997 e que entraria em vigor em 1 de Maio de 1999.
Não foram grandes as modificações traduzidas pelo Tratado de Amesterdão ao TUE. Veio criar um «espaço de liberdade, segurança e justiça» através do reforço do pilar comunitário em detrimento do terceiro pilar. Além disso, não se consagrou avanços em matéria de simplificação, aperfeiçoamento e eficácia do poder de decisão na União, de maior aproximação da união quanto aos cidadãos, de reforço do carácter democrático da União e de aumento da sua capacidade de intervenção nas relações externas.

. O Tratado de Nice

Aproximavam-se os novos alargamentos, que se sabia que iriam ser maciços e que iam abranger Estados da Europa Central de Leste, muito diferentes entre si, e, dos Quinze. Mas não tinham ficado concluídas na revisão de Amesterdão as modificações adequadas e necessárias para adaptar a união a esses alargamentos. Por isso, a conferência intergovernamental de 2000 preparou uma nova revisão dos Tratados, que desembocou no Tratado de Nice assinado em 26 de Fevereiro de 2001, o qual entraria em vigor em 2003.
À margem daquela cimeira mediante uma proclamação conjunta, o parlamento Europeu, o Conselho da união Europeia e a Comissão Europeia aprovaram a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Cronologia

2 de Outubro de 1997
1 de Maio de 1999 Tratado de Amesterdão Holanda
26 de Fevereiro de 2002
1 de Fevereiro de 2003 Tratado de Nice França


. A origem e o conceito da União Europeia

A expressão União Europeia é utilizada em textos oficiais pelo menos desde 1972 (Cimeira de Paris). Contudo nenhum dos documentos em que aparece tal expressão se propõe a criação da união Europeia como entidade que se substituísse às Comunidades, ou seque que lhes acrescentasse qualquer coisa de formalmente autónomo, mas defendia-se apenas um aprofundamento das Comunidades.
Mesmo o Acto Único Europeu não viria pretender criar uma união europeia, limitando-se a afirmar que «as Comunidades Europeias e a Cooperação Política Europeia visando contribuir em conjunto para fazer progredir concretamente a União Europeia» (art. 1.º, par. 1).
Só com o Tratado da União Europeia, se trata dela como realidade distinta das Comunidades. Este tratado veio a reflectir uma série de compromissos, cujo o mais importante terá sido a fusão, num só Tratado sobre a União Europeia, de Trotados, que sempre foram negociados separadamente até Maastricht: o Tratado sobre a União Económica e Monetária (UEM) e o Tratado sobre a União Política (UP). Esses compromissos geraram um projecto de Tratado da União Europeia que ficou eivado de várias incoerências internas (que se haveriam de reflectir na estrutura do Tratado).

A União Europeia, tal como resulta de Maastricht, representa um denominador comum entre as orientações diversas, qualificando-se como «uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estrita entre os povos da Europa» (actual art. 1.º, par.2, UE). O Tratado deixa em aberto o modelo político a atingir (sobretudo depois de, por pressão do reino Unido, se ter afastado a referência à «vocação federal» que se continha no projecto de União Política).
O Tratado não transformou as comunidades em União. Ambas coexistem, fundando-se aquela, desde logo, nestas, e tendo a União, personalidade jurídica própria, ainda que para efeitos de se lhe atribuir uma capacidade jurídica embrionária e de conteúdo muito restrito.
Pode-se dizer que o TUE é um Tratado de Tratados, englobando os Tratados constitutivos das Comunidades Europeias, com algumas alterações.

. A estrutura da união Europeia. O domínio material do Tratado da União Europeia

A estrutura da União Europeia significa o domínio material coberto pelo TUE. O Tratado tem um preceito básico o art. 1.º, par. 3, UE.
Com base neste preceito a união Europeia tem sido assimilada à arquitectura de um templo grego, cuja estrutura apresenta três pilares (embora o prof. prefira a visão de um painel central e dois painéis laterais).
O TUE começa com um frontispício, inserido no seu Título I, onde se enunciam as «Disposições comuns» a toda a União Europeia. São os arts. 1.º a 7.º do Tratado, que disciplinam a criação da União Europeia, fixam os seus objectivos, definem os seus princípios fundamentais e estabelecem os seus órgão. Estas disposições são o arco que cobre os três pilares. Segue-se, então, os três pilares em que se desdobra a União.
Ao optar pela estrutura dos três pilares a UE não repudiou o método funcional, de facto, prosseguindo a orientação já iniciada no AUE, a União Europeia concilia o método funcional, presente no pilar comunitário, de pura integração, com o método de mera cooperação intergovernamental, tentando dar-lhes um carácter unitário e coerente, para o que apela a segunda frase do art. 1.º, par. 3, UE. Esse carácter unitário resulta da natureza indissociável da União (nenhum Estado pode aderir apenas a uma das suas componentes com exclusão das outras).
À margem dos três pilares, a União engloba, por efeito do Tratado de Amesterdão, a cooperação reforçada entre Estados membros que desejarem avançar mais rapidamente na integração, acentuando-se dessa forma a integração diferenciada entre os Estados (arts. 43.º a 45.º, ou seja, o Título VII do TUE). Engloba tb as «Disposições finais» (arts. 46.º a 53.º, correspondentes ao Título VIII do TUE), que regulam, entre mais, um processo único de revisão do Tratado, de novas adesões e de entrada em vigor; o período de vigência do Tratado; as línguas oficiais; e que uniformizam os regimes, que até ao Tratado de Maastricht eram diferentes nos três Tratados institutos das Comunidades.

. Os objectivos da União

Os objectivos primários da integração foram sempre fins políticos (desde o Plano Schuman). Esse fins políticos eram, imediatos ou de longo prazo.
Os fins políticos imediatos da integração, quando foi criado a primeira Comunidade, a CECA, na sequencia do Plano Schumam, eram a prossecução da Paz, pela abolição, como dizia SCHUMAN, da oposição secular entre a França e a Alemanha e pela criação de imediato de uma «solidariedade de facto» entre os Estados europeus.
Os fins políticos de longo prazo, são aqueles a que no Plano Schuman se dá o nome de «Federação europeia» (indispensável à paz, progresso e desenvolvimento). Tendo-se optado, no Plano Schuman, pelo método funcional para o início da integração europeia, os seus fins secundários, mas imediatos, eram fundamentalmente económicos (mercado comum), completados, nos Tratados institutivos das três Comunidades, pela referência, a alguns objectivos de índole social: a melhoria das condições de vida e de estabilidade social. Actualmente, a própria Comunidade Europeia passou a prosseguir objectivos sociais, culturais e políticos. O art. 1.º, par. 2, UE enuncia o objectivo global da UE: «União estreita entre os povos da Europa».
Procurando dar arrumação aos objectivos já afirmados no longo preâmbulo do TUE e também concretizar o referido art. 1.º, par. 2, o art. 2.º do TUE define em pormenor os objectivos que cabe à UE prosseguir. Para além da consolidação da UME (alcançada em 2002) prossegue-se tb fins sociais, culturais e políticos. A UE alcançou a antecâmara da integração política.
Note-se que a UE continua a não comprometer-se com uma natureza de modelo político, nunca utilizando as expressões federal ou federação. Continua-se num método gradualista.
Os objectivos fixados pelo TUE para a União assumem importância acrescida, no plano jurídico, na medida em que o Tribunal de Justiça os tem usado para determinar o sentido das regras contidas nos Tratados e no demais Direito da União, e tb na integração de lacunas. Neste sentido o TJ entende que os preceitos dos Tratados sobre objectivos têm «natureza constitucional», gozando de efeito directo perante os tribunais nacionais – Acs. Hauts forneaux e Bönnhoff.

. Os órgãos da União Europeia

O art. 3.º (ex-art. C) do TUE reflecte o carácter unitário que se quis dar à União. Fala-se aí de um quadro institucional único, transformado num sistema institucional de toda a União, portanto, de todos os seus pilares. Só assim se entende que o Conselho e a Comissão das Comunidades tenham passado a chamar-se Conselho da União Europeia e Comissão Europeia. Assim o Parlamento, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas são órgãos de todos os três pilares, embora actuem, dentro de cada pilar, de harmonia com a competência que aí lhes seja atribuída pelo tratado – art. 5.º do TUE.
O único órgão específico da União é o Conselho Europeu, ao qual compete, no âmbito de todos os três pilares, dará união «os impulsos necessários ao seu desenvolvimento» e definir «as respectivas orientações políticas gerais».

. Cooperação reforçada

Desde há muito, particularmente após o Acto Único Europeu ter acelerado o passo da integração europeia rumo ao Mercado Interno, que se começou a verificar que nem todos os Estados membros das Comunidades se encontravam em condições de progredir no processo de integração de igual modo.
Assim previram-se mecanismos que permitem certos países avançar mais depressa que outros na integração. Retomou-se a noção de «integração diferenciada».
Só com o Tratado de Amesterdão é que essa corrente ficou consagrada nos Tratados, concretamente, no TUE, e sob a designação de «cooperação reforçada». Ela visa permitir que verificadas determinadas condições, certos Estados avancem mais rapidamente do que outros, em domínios concretos da integração.
A cooperação reforçada foi incluída no TUE por iniciativa da França e da Alemanha, para acudir ao estado já actual da integração mas, sobretudo, para prevenir o aprofundamento do desnível entre Estados desenvolvidos e pobres, que vai ser provocado pelos alargamentos a Leste. É uma forma de conciliar integração europeia e aprofundamento do alargamento.

O regime geral da cooperação reforçada para todos os pilares da União encontra-se definido no Título VII do TUE. Ele sujeita-a à verificação dos requisitos previstos nas dez alíneas do n.º1 do art. 43.º e nos arts 43.º-A a 45.º UE, na redacção que lhes deu o tratado de Nice.
Encontramos tb regimes especiais de cooperação reforçada nos Tratados de UE e CE:
 Primeiro Pilar – na redacção dada pelo Tratado de Nice, os arts 11.º e 11.º-A CE.
 Segundo Pilar – arts. 27.º-A a 27.º-E do TUE.
Em sintonia com a «coerência entre o conjunto das políticas da União e a sua acção externa», que veio erguer a um dos objectivos da cooperação reforçada no domínio da PESC (art. 27.º-A, n.º1, 3.º travessão), o Tratado de Nice exclui-a «em questões que tenham implicações militares ou do domínio da defesa» (art. 27.º-B, 2.ª parte). Assim, não se admite a cooperação reforçada em tudo o que diga respeito à componente da segurança, latu sensu, da PESC. Isto é confirmado por uma alteração introduzida pelo Tratado de Nice no art. 17.º, n.º4, do Tratado UE, tal como ele fora incluído neste pelo Tratado de Amesterdão (deixou de se falar em «cooperação reforçada» e passou a dizer-se «cooperação mais estrita»).
Terceiro Pilar – arts. 40.º a 40.º-B UE.
Aqui fica claro que a cooperação reforçada só pode ter como objectivo neste pilar o seu reforço, isto é, «permitir à União tomar-se mais rapidamente um espaço de liberdade, segurança e justiça» - art. 40.º, n.º1.

A integração diferenciada apresenta como maior risco a quebra da coesão económica e social entre os Estados membros. Esta preocupação é acolhida pelo Tratado de Nice. O TUE proíbe a cooperação reforçada nos casos em que ela puser em causa a coesão económica e social.
Será interessante verificar como é que as cooperações reforçadas irão acelerar o processo de integração, como passou a ser exigido na letra do art. 43.º TUE após a revisão de Nice. Há Estados federais que a aceitam e praticam a cooperação reforçada (os Länder da Alemanha). Todavia, a Europa dos Vinte e Cinco não tem os mesmos mecanismos integradores de uma Federação, só devendo aceitar as cooperações reforçadas, em «último recurso», evitando-se que se institucionalize, com carácter mais ou menos definitivo, uma união mais estreita dentro de uma União mais diluída. Nesse caso a cooperação reforçada dificilmente viria consolidar a integração e poderia, ao contrário, transformar-se num irreversível factor de desintegração da União.
O Projecto de Constituição Europeia dedica às «cooperações reforçadas» o Capítulo III do Título V da parte I, que depois desenvolve no Capítulo III do Título VI da Parte III, consagrado às «políticas e funcionamento da União». Não se altera na sua substância o regime hoje em vigor. Nos arts. 40.º, n.º6, e III-213.º, prevê, de modo expresso, a “cooperação estruturada” no domínio específico da segurança e da defesa.

. As Comunidades Europeias como sistema «sui generis»

. Renúncia parcial às competências nacionais

Na evolução da integração europeia, de 1950 até à actualidade, tem havido períodos caracterizados por forte impulso no sentido da união, alternando com fases em que se registam retrocessos no movimento, ou se suscita um clima de cepticismo não propício à progressão do processo unificador.
As Comunidades Europeias constituem um sistema «sui generis», em que se combinam elementos de cooperação intergovernamental e elementos federais. São os últimos que ressaltam à primeira observação a demarcar a diferença em relação às organizações clássicas, embora não se encontrem no seu estado puro, sendo combinados com uma visão intergovernamental.
Assim, se é certo operar-se a renúncia à competência das autoridades nacionais e a correspondente transferência de poderes para os órgãos comunitários, não é menos certo que tal renúncia se processa em relação a domínios específicos, retendo os Estados, nos restantes, as competências nacionais. Esta característica, particularmente visível em relação às Comunidades que promovem fórmulas de integração sectorial ou vertical, não deixa de assentar à própria Comunidade Europeia.
O hibridismo que caracteriza as comunidades acentua-se no quadro mais amplo da União Europeia, em que o pilar comunitário, dotado de crescentes marcas supranacionais, contrastam os pilares de índole intergovernamental.

. Os dois modelos em confronto

A arquitectura institucional das Comunidades, e certas características dos seus órgãos centrais inspiram-se no modelo federal:
Independência da Comissão.
Tomada de decisões por votação maioritária no Conselho.
Designação dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal directo.
Jurisdição obrigatória do Tribunal de Justiça.

Mas também aqui há traços muito importantes da óptica intergovernamental:
Poder de decisão conferido primordialmente ao Conselho, sendo exigida a unanimidade em matérias particularmente sensíveis.
Confinamento da Comissão em funções de iniciativa e de execução.
Participação ainda pouco vigorosa do Parlamento Europeu na adopção de regras comunitárias.
Incapacidade do Tribunal de Justiça de forçar os Estados-membros ao cumprimento das suas obrigações.

É particularmente clara a marca federal, ou supranacional, na caracterização do sistema jurídico comunitário: as autoridades comunitárias detêm um poder legislativo, traduzido na criação de regras de direito directamente aplicáveis aos particulares, a que se reconhece primazia em relação às normas das ordens jurídicas nacionais. Só que as Comunidades não dispõem de competência legislativa geral, mas limitada às áreas em que se operaram transferências de poderes por parte dos Estados-membros, e os diplomas constitutivos são tratados internacionais, e não já constituições em sentido próprio.

. Poderes retidos pelos Estados

Sendo certo que os órgãos comunitários participam nos processos de revisão dos Tratados e de adesão de novos Estados, a verdade é que tais processos envolvem a ratificação por todos os Estados-membros ou por todos os Estados contratantes (adesão), de acordo com as respectivas normas constitucionais - prevalecendo os elementos de direito internacional, atinentes à óptica inter-governamental.
Aos órgãos comunitários é conferido o poder de concluírem acordos internacionais, designadamente no âmbito da política comercial comum; mas, de um modo geral, a competência para a negociação de tratados internacionais é retida pelos Estados. Os Tratados não prevêem a hipótese de abandono das Comunidades por parte de um ou de vários Estados-membros. Mas não parece contestável que, por improvável que seja o seu exercício, ou por penosas que se revelem as suas consequências, o direito de saída subsiste.
Por último, é de notar que as Comunidades possuem um sistema de recursos próprios, independente de dotações orçamentais dos Estados-membros, recursos que lhes são atribuídos com vista a assegurar o financiamento do seu orçamento, e que compreendem, entre outros, as receitas provenientes de direitos da pauta aduaneira comum e as que decorrem da aplicação de uma taxa uniforme à matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado. Se é certo aflorar neste ponto o elemento supranacional, não o é menos que tais recursos próprios são resultantes de impostos estabelecidos a nível nacional, não existindo espécies tributárias criadas e geridas pelas autoridades comunitárias.

. Supranacionalismo e intergovernamentalismo
Sem embargo da alternância de fases de optimismo e de pessimismo, a linha de tendência da integração europeia é nitidamente ascendente. Sobre as cinzas das propostas que, por se revelarem demasiado avançadas nas circunstâncias da época em que são formuladas, sofrem reveses, novas iniciativas se desenham, levando a integração por um caminho diferente. E a períodos de atonia na construção comunitária sucede o lançamento de uma ideia polarizadora no sentido do reforço da integração.
A integração configura-se como um processo em permanente evolução, implicando modificações nas características da União Europeia, que acompanham quer as alterações dos tratados institutivos, quer as próprias mudanças no espírito com que o projecto de construção europeia é entendido.
Coexistindo, na base da concepção da integração comunitária, os dois modelos - Supranacionalismo e intergovernamentalismo -, é compreensível que as Comunidades sejam configuradas como um "quid medium", movendo-se no interior de um espectro cujos pontos extremos são a organização internacional e o Estado federal, tendendo umas vezes a aproximar-se, outras a afastar-se deste último arquétipo.
É da presença simultânea da visão internacionalista e da visão supranacionalista do fenómeno comunitário, a primeira marcada pela acentuação do elemento interestatal, ou intergovernamental, a segunda ligada a uma ideologia de federalização da Europa, em que o Estado-nação deixa de ser encarado como o quadro-limite da organização social, que decorre a originalidade da construção comunitária.

. Ascensão do elemento supranacional
A última década tem sido caracterizada pela intensificação do processo de integração, abrindo-se a perspectiva de, a partir da realização da integração negativa (liberalização dos movimentos de mercadorias, pessoas e capitais), se avançar para formas novas de integração económica positiva (concepção da união económica e monetária), com alargamento dos campos de acção dos órgãos comunitários e afirmação de intenções de caminhar para a «união política».
Tende, assim, a tomar de novo ascendente o elemento supranacional, agora não já na óptica neofuncionalista das Comunidades de integração vertical, mas na perspectiva mais ampla da afirmação da vocação "federal" na integração europeia, que tem, por enquanto, como seu ponto mais saliente a realização da unificação monetária.
A construção europeia, a despeito de todos os progressos registados, tem, porém, bases frágeis. Foi por pouco que o projecto de Maastricht não soçobrou na consulta feita ao eleitorado francês.
Com a criação da união monetária, os Estados-membros renunciaram a um dos poderes tradicionalmente associados à noção de soberania – entendida como a capacidade de dispor do próprio destino: o relativo à moeda.
Os domínios da política externa e segurança comum permanecem ainda exteriores ao pilar comunitário e alheios à metodologia supranacional que o caracteriza.
A menos que, no contexto de uma revisão dos Tratados, os Estados-membros se disponham a efectuar a "comunitarização" do pilar relativo à política externa, manter-se-á afastado o limiar do Estado federal. Mas, sem embargo da ambiguidade do esquema de Maastricht, é visível, subjacente a ele, o impulso federal – revelado não tanto na consagração de progressos directos na via da união política, como nas implicações federais evidentes da união monetária, baseada numa estrutura federalista em que os bancos centrais nacionais se associam no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais, mas em que se estabelece com nitidez a sua subordinação ao poder monetário unificado a nível supranacional (Banco Central Europeu).
É certo que à imagem de centralização que se liga à ideia federal se tem vindo contrapor, para certo conforto dos Estados-membros, a noção de subsidiariedade, que leva a reter nos Estados os domínios de acção em que os objectivos visados não sejam "melhor alcançados ao nível comunitário". Mas a subsidiariedade – cujo sentido descentralizador é claro – não funciona nas áreas que sejam das atribuições exclusivas da Comunidade, como é precisamente o caso da política monetária, e decerto seria também o da política externa e de segurança comum, se o pilar que a regula fosse "comunitarizado", ou seja, subtraído ao método intergovernamental e intenções integrado na óptica supranacional que vai prevalecendo no plano da Comunidade.
Estando a integração empreendida na Comunidade a passar, no plano económico, a um estádio "federal" – com a dinâmica supranacional acrescida implícita na dimensão política da união monetária –, as matérias da política externa e de segurança comum ainda se mantêm em contexto "confederal" (expressão do intergovernamentalismo).
Como opinou o Tribunal Constitucional alemão, no acórdão de Outubro de 1993, no qual analisou a natureza dos compromissos assumidos no contexto da integração, a União Europeia é uma associação de Estados, visando realizar a aproximação progressiva entre os povos da Europa, não um Estado federal, apoiado numa nação europeia.
Não surpreende que os propugnadores do federalismo europeu tenham sido os primeiros a propor a transformação dos Tratados em que se baseiam as Comunidades e a União Europeia numa Constituição, procurando caminhar em direcção à formação, a prazo, de um novo Estado soberano por fusão dos antigos Estados integrantes da União.
Ainda que, em tal circunstância, se procurasse ressalvar, como o dispõe o Tratado da União Europeia, "a identidade nacional dos Estados-membros", parece claro que, nessa situação, os Estados perderiam a sua subjectividade internacional, assistindo-se ao nascimento de uma federação (ainda que atípica, descentralizada e marcada pela subsidiariedade), em que a plenitude da capacidade jurídica internacional passaria para o Estado composto. Estaria, então, formado o Super-Estado europeu, dirigido pelos órgãos centrais da União.

SECÇÃO II – A APROVAÇÃO DO TRATADO CONSTITUCIONAL EUROPEU

. A Convenção sobre o futuro da Europa e o Tratado constitucional

O reconhecimento, pelos seus próprios autores, da falta de vista do Tratado de Nice explica a Declaração sobre o futuro da União (a ele apensa), apelando a "um debate mais amplo e aprofundado sobre o futuro da União Europeia". Deste assunto se incumbiu o Conselho Europeu na sua reunião de Laeken/Bruxelas, em Dezembro de 2001, ao tomar a iniciativa de convocar uma "Convenção" (composta por parlamentares europeus e nacionais e por representantes dos Governos) para se abordarem os grandes temas de reflexão, previamente à convocação, em 2004, de uma nova conferência intergovernamental visando introduzir as correspondentes alterações nos Tratados europeus.
O Tratado de Nice admitiu, assim, a sua própria provisoriedade. E, ao incluir, entre os temas para uma próxima reflexão, a simplificação dos Tratados, "de forma a torná-los mais claros e mais compreensíveis", deixou antever uma profunda reestruturação do ordenamento de base da União Europeia, visando suplantar a rede normativa em que ao texto de Roma se sobrepuseram os do Acto Único, de Maastricht, de Amesterdão e de Nice,
A Convenção desenvolveu, porém, acrescidas ambições, traduzidas fundamentalmente na proposta de substituição dos actuais Tratados por um texto unificado, sobre as vestes de uma "Constituição europeia".
Em Março de 2002, a Convenção iniciou os seus trabalhos, debruçando-se sobretudo sobre problemas de carácter institucional relativos ao funcionamento dos órgãos comunitários na perspectiva de novos alargamentos da União.
O que se pretendia basicamente era introduzir-se nos Tratados, mormente na área institucional, as alterações que ainda se mostrassem necessárias em face de possíveis insuficiências de algumas das soluções adoptadas em Nice, no final de 2000. Sendo esse o objectivo dominante, não parece fazer sentido, a não ser a partir de indemonstrada necessidade de uma estrutura federal para a Europa, avançar-se, como o fez a Convenção, com a proposta de uma "Constituição". A Convenção começara, aliás, por referir, com maior sentido das proporções, visar um «tratado constitucional»; mas depois ganhou acrescida ambição.
O que passou a estar em causa foi a revisão e unificação dos tratados europeus, com vista a elaborar-se um Tratado único dependendo a sua entrada em vigor da ratificação (por processo parlamentar ou referendário) pela totalidade dos Estados membros.
O termo "Constituição" não parece adequado à reforma que se pretende efectuar. Uma constituição reconduz-se a um acto de direito interno, estruturador da organização política de um Estado; no âmbito europeu, isso suporia que os textos fundamentais da passando União deixassem de se conter em Tratados internacionais, ao mesmo tempo que seriam lançadas as bases do Estado federal.
A Constituição autêntica supõe a ascensão a um estádio a que nem os Governos, nem os povos europeus, estão interessados em aceder.
Diversas propostas da Comissão mereciam ser reapreciadas.
A Convenção pretendeu fazer depender a maioria qualificada nas deliberações do Conselho unicamente do factor populacional -solução dificilmente aceitável para os pequenos e médios países. E propôs a redução a quinze do número de Comissários com funções efectivas, o que contraria a perspectiva assumida por numerosos países, favorável a uma composição que integre permanentemente um nacional de cada Estado-membro.
Na própria óptica dos federalistas, que vêm no Conselho o embrião de uma futura câmara alta do Parlamento federal europeu, deveria existir paridade entre os Estados membros na composição daquele órgão. Com efeito, havendo duas legitimidades no processo de integração, a dos cidadãos e a dos Estados, a primeira tem expressão no Parlamento Europeu, onde a representação se liga à dimensão populacional; mas no Conselho, no qual se exprime a legitimidade dos Estados, cada um deles deverá ter o mesmo poder de voto.
Ora, na União Europeia a evolução foi precisamente a contrária. De Maastricht a Nice, de Nice às propostas da Convenção, foi-se alargando o fosso entre os países grandes e os países médios/pequenos.
A Convenção propôs a supressão do actual sistema de presidência se suscita do Conselho (e do Conselho Europeu), em plano de rotação semestral em que participam igualmente todos os países, e a instituição em seu lugar de uma presidência fixa, confiada a uma personalidade política (com mandato de dois anos e meio, renovável uma vez).

. Conclusão

A criação e a evolução das Comunidades Europeia e, depois, da União Europeia, tem sido um processo contínuo e gradual, cuja integração envolve Estados Democráticos, pelo que o futuro será aquele que os seus povos quiserem.

. Os principais pontos do tratado

O novo Tratado constitucional foi adoptado em Junho de 2004 pelos lideres europeus:
É um Tratado constitucional único que substitui todos os anteriores tratados europeus.
A EU passa a ter personalidade jurídica e a poder subscrever tratados internacionais.
Delimitação de competências entre a EU e os Estados membros.
Carta de Direitos fundamentais integrada no novo Tratado.
Presidente do Conselho Europeu que substitui as presidências rotativas semestrais com um mandato de dois anos e meio renováveis.
Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros em substituição do actual Alto representante, preside ao Conselho das Relações Externas em acumulação com as funções de vice-presidente da Comissão.
Nova «cooperação estruturada» no domínio da defesa e criação da Agencia Europeia do Armamento, investigação e Capacidades Militares, sob a autoridade do Conselho.

. A aprovação do Tratado constitucional

Caso venha a entrar em vigor o Tratado que «estabelece uma constituição para a Europa», irá alterar o regime jurídico da união Europeia.
O processo de formação do teste conclui-se em 18 de Junho de 2004, com o consenso dos representantes dos Governos dos 25 Estados membros, tendo sido aceite sem modificações relevantes o texto que figurava do projecto dimanado da Convenção. Para que o novo diploma se torne realidade falta cumprir a fase final do processo de revisão dos Tratados europeus, que em alguns países envolverá, a realização de referendos (processo mais moroso que as aprovações parlamentares).
Concluída a fase que culmina com a aprovação do conteúdo do novo Tratado a nível de Conferência Intergovernamental, a sua assinatura só se processará depois da afinação da redacção das cláusulas.
Caso os processos de ratificação venham a finalizar-se em sentido afirmativo, os Tratados europeus em vigor serão, substituídos por um Tratado unificado, que se pretende instituidor da referida constituição. A União Europeia passa a ter personalidade jurídica#, sendo a Carta dos Direitos Fundamentais inserida no Tratado.
O Tratado unificado, sem embargo de, ao longo da sua elaboração, se ter recuado da expressão «linhas federais» para a de moldes comunitários, representa, sem dúvida, um passo muito significativo no sentido da adopção do modelo federal revelado:
- Na assunção do qualificativo «Constituição», e na atrás referida incorporação da Carta dos Direitos, como na introdução das novas figuras de Presidente (eleito) da União Europeia, com mandato de duração plurianual, e de Ministro dos Negócios Estrangeiros da União (visando reunir sobre uma direcção única as matérias da condução e execução da política externa e de segurança comum e da política comercial exterior).
- Na afirmação sem restrições da superioridade das normas da União em relação às ordens jurídicas nacionais (incluindo implicitamente as normas constitucionais).
- Na própria nomenclatura dos tipos normativos do Direito Comunitário derivado (Leis – regulamento – leis-quadro – directivas –).

. As linhas federais

Quer a aceitação da designação «Constituição», quer as novas figuras introduzidas, declaradas da orgânica interna do Estado, são revelados do espírito federal que inspirou a construção proposta. Não será ainda a federação (o tão falado Superestado europeu), mas as peças integrantes da mesma vão-se acumulando, não podendo esquecer-se o efeito catalisador suscitado por iniciativas europeias do calibre da moeda única e, agora, do Tratado constitucional.
Outros dispositivos vão no mesmo sentido, desde o alargamento dos casos em que o Conselho delibera por maioria qualificada até à atribuição de novos poderes ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, que no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, quer no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu (autorização para a generalidade das cooperações reforçadas; a activação do mecanismo de extensão de competências em que passa a ser requerida a aprovação daquela instituição – art. 308.º –).
Por outro lado, a substituição das instituições da Comunidade por «instituições da União» veio permitir a inclusão do Conselho Europeu no novo elenco, e é sintomático que este órgão, que até aqui pairava sobranceiramente sobre um conjunto institucional a que não pertencia, seja agora incluído em segundo lugar (atrás do Parlamento) na lista das instituições.

. Os dispositivos intergovernamentais

A despeito de todos os avanços no sentido supranacional, a hibridez que tem constituído a marca específica da integração europeia, traduzida na presença simultânea de elementos federais e elementos intergovernamentais., não se apagou.
Os Estados membros mantêm a sua participação decisiva de revisão do tratado, no qual a única inovação é a possibilidade de se intercalar, entre a convocação da CIG e a sua efectivação, a actuação de uma convenção, desprovida de poder de decisão: as ratificações nacionais pela totalidade dos Estados continuam a se requeridas.
Por outro lado, a insistência do Reino Unido, que declarou considerar essencial que não fossem transpostas determinadas «red lines» - traduzidas na persistência da votação por unanimidade em áreas como a política externa e a defesa, a fiscalidade e a segurança social –, essas linhas vermelhas foram efectivamente respeitadas. Quanto à pretensão, afirmada pelos autores do projecto, de que teriam desaparecido os pilares da União Europeia, ligados à fórmula de Maastricht, deve ser qualificada à luz da conservação da intergovernamentalidade no âmbito da PESC, induzindo à conclusão de que, afinal, o segundo pilar se mantém de pé.

. O sistema de votação no Conselho

Ficou decidido que as deliberações no âmbito do Conselho requererão, não já, como estava previsto no projecto da convenção, o voto concordante de 50% dos Estados representando 60% da população, mas o de 55% dos Estados representando 65% da população, sendo ainda exigido que a «minoria de bloqueio» reúna pelo menos quatro países.
Um dos aspectos de grande importância em que o novo Tratado inova é o de sistema de votação no Conselho. Até ao presente, este vem-se baseando numa grelha de ponderações – em que, sem embargo de se atender, de algum modo, à importância populacional dos diferentes Estados, as diferenças resultam substancialmente atenuadas pela deliberada sobre-representação dos pequenos e dos médios Estados#.
No sistema do Tratado constitucional, o peso dos Estados é ligado à respectiva dimensão demográfica (o voto português passa a ser 8 vezes inferior ao alemã). Esboça-se uma espécie de directório dos grandes, também presente na forma de designação do novo presidente do Conselho Europeu, que é feita em função da maioria qualificada. Parece assim haver colisão entre o princípio da igualdade inscrito no projecto de constituição, e as soluções adoptadas no plano da votação.

. O carácter constitucional

Existe há muito a consciência de que os Tratados europeus, desde a CECA e CEE, se configuram como integrantes de uma «constituição» europeia tomada em sentido material (não em sentido formal).
A inovação está na pretensão de formalizar a qualificação como «constituição», quando na realidade se está perante um tratado que nasce de um acordo internacional de Estados soberanos. Será, assim, uma «pseudo-constituição» mas isto não lhe retira as virtualidades de fazer desenrolar o processo europeu em sentido federal.

. Supressão da presidência rotativa

Os países médios e pequenos, aos quais o sistema vigente da presidência semestral, rotativa, da União Europeia confere a oportunidade de se evidenciarem pela forma como se desempenham da missão complexa de organizar e conduzir as reuniões e de, ainda que por breve espaço de organizar e conduzir as reuniões e de integração, vêem retirada essa plataforma de influência.
A presidência passa a caber, por períodos de trinta semestres, passíveis de prorrogação por igual tempo, a uma específica personalidade, designada pelo Conselho Europeu. Os Conselhos europeus passam a realizar-se sempre em Bruxelas.
O sistema actual seria difícil de manter após o alargamento Europa aos países do Leste (os países teriam de esperar 12 anos e meio para reassumir a presidência)#.
Embora confinada, em regra, numa missão de modesto relevo (coordenação do funcionamento do Conselho Europeu e funções de simples), a nova figura presidencial poderá, no futuro, vir a rivalizar em importância com a do presidente da Comissão Europeia, e há quem preveja, numa evoluçaõ federal, a fusão de ambas as personalidades que venha um dia a encabeçar um «Governo europeu».

. Redução do número de comissários

O que ficou decidido sobre o número de comissários não favorece, a prazo, os países médios e pequenos. É certo que até 2014 se manterá o sistema de um nacional por cada Estado membro. Em nome da eficiência no funcionamento do órgão, convencionou-se que a partir dessa data o número de membros da Comissão passará a ser inferior ao dos Estados, observando-se uma rotação que será paritária (os Estados, qualquer que seja a sua dimensão, sendo postos em pé de igualdade).
Aparentemente, os países membros pequenos e médios nada perdem, aqui, em confronto com os grandes: mas estes assumem, em outros domínios, o protagonismo inerente ao factor demográfico, ao passo que os restantes Estados se verão despojados do único ponto de visibilidade ao seu alcance (a posição no colégio de comissários).

. Cooperação reforçada e cooperação estruturada

A autorização para que se proceda a cooperação reforçada é dada pelo Conselho, por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu. Exceptua-se a matéria da política externa e de segurança comum, em que é requerida a decisão unânime do Conselho, precedida de simples parecer do Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Comissão, sendo o Parlamento simplesmente informado. O Tratado constitucional propõe-se progredir na área da defesa, onde os países com melhores condições para avançar podem fazê-lo, activando mecanismos chamados de «cooperação estruturada» que acresce assim à «cooperação reforçada».

. Delimitação de competências

O Tratado introduz a delimitação de competências entre a União Europeia e os Estados membros, catalogando as competências exclusivas e as partilhadas. Contrariamente ao que se previa na Declaração do Conselho Europeu, com base na qual foi designada a Convenção, não se consagrou qualquer devolução de competências aos Estados membros. A tendência parece ser a de uma sempre crescente integração.

. A ratificação do novo Tratado

O Tratado que estabelece uma constituição para a Europa só poderá entrar em vigor quando for ratificado por todos os Estados membros.
Nos países em que as ratificações se processarem por via parlamentar, não é previsível um voto negativo. Porém, nos casos em que a ratificação se operar através de consulta ao eleitorado, o resultado tornar-se-á mais aleatório.
Se é verdade, que de inicio o referendo britânico foi objecto de especial atenção, dada a aversão da opinião pública à intensificação da integração europeia, a verdade é que foi na França e Holanda que se manifestaram as primeiras recusas ao tratado, por via de referendo#.
O Tratado constitucional contem uma cláusula, algo obscura, em que se contempla a hipótese de, decorrido certo tempo, faltar ainda 1/5 dos Estados membros para completar um processo de ratificação, caso em que a questão será submetida à consideração do Conselho Europeu. Não tendo sido conferidos a este órgão poderes de decisão para ultrapassar a fórmula da revisão por unanimidade, é possível que a alusão signifique apenas que dele se espera um impulso político no sentido de se ultrapassar a dificuldade. Mas, de qualquer modo, aquela cláusula não será aplicável à ratificação do Tratado que acaba de ser aprovado, só podendo operar para o futuro, uma vez iniciada a vigência do diploma constitucional.
Em Portugal, a dificuldade do referendo está na formulação da questão que, não podendo, por impossibilidade constitucional, visar frontalmente a aprovação ou rejeição do Tratado, passe a ter, na prática, o mesmo efeito.

. A situação actual

Em 29 de Outubro de 2004, os Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados Membros e dos 3 países candidatos assinaram o Tratado que institui uma Constituição para a Europa, que haviam adoptado por unanimidade em 18 de Junho do mesmo ano.
Este Tratado só poderá entrar em vigor após ter sido adoptado por todos os países signatários em conformidade com os seus próprios procedimentos constitucionais, a denominada ratificação do Tratado pelos Estados Membros. De acordo com as tradições jurídicas e históricas dos diferentes países, os procedimentos previstos para o efeito pelas constituições não são idênticos: esses procedimentos implicam um dos mecanismos seguintes ou, inclusive, uma combinação dos dois:
A via "parlamentar": o texto é adoptado na sequência de uma votação de um texto que ratifica um Tratado internacional pela câmara ou câmaras parlamentares do Estado;
A via do "referendo": é organizado um referendo em que o texto do Tratado é submetido directamente à votação dos cidadãos, que se pronunciam a favor ou contra.
Estas duas fórmulas podem ter variantes ou combinações segundo os países, ou incluir outros requisitos, como por exemplo quando a ratificação do Tratado exige uma adaptação prévia da Constituição nacional devido ao conteúdo do texto.
Uma vez ratificado e notificado oficialmente por todos os Estados signatários (depósito dos instrumentos de ratificação), o Tratado pode então entrar em vigor e produzir efeitos, em princípio, segundo o Tratado, em 1 de Novembro de 2006.
Em França e nos Países Baixos, os cidadãos rejeitaram o texto da Constituição em 29 de Maio e 1 de Junho, respectivamente. Atendendo a estes resultados, o Conselho Europeu de 16 e 17 Junho de 2005 considerou que « a data de 1 de Novembro de 2006, prevista inicialmente para se fazer o ponto da situação das ratificações, não pode ser mantida, uma vez que os países que ainda não procederam à ratificação não estão em condições de dar uma resposta adequada até meados de 2007 ». Está actualmente a decorrer um período de reflexão, de explicação e de debate em todos os Estados-Membros, quer tenham ou não ratificado a Constituição. O Conselho Europeu examinará, durante a Presidência austríaca (1º semestre de 2006), o estado dos debates sobre a ratificação do Tratado constitucional.
O processo de ratificação pelos Estados-Membros não foi portanto abandonado. O seu calendário, se necessário, será adaptado de acordo com as circunstâncias nos países que ainda não procederam à ratificação.

. Riscos para a construção europeia

A constituição europeia comporta riscos sérios de efeitos divisórios na Europa. Cabe perguntar por que terão os governos dado substancial aprovação aos proposto Tratado constitucional, quando o que estava em causa, pelo menos a título imediato, era bem mais simplesmente o ajustamento do sistema institucional à entrada dos novos países, e para tal poderiam ter-se mantido os Tratados da CEE e da EU, com retoques nos dispositivos introduzidos pelo Tratado de Nice.
As divergências entre os governos, mal disfarçadas no consenso formado em torno do Tratado constitucional, a indiferença da opinião pública, patente na elevadíssima percentagem de abstenções nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, a acrescer ao desinteresse que envolveu os diferentes passos da gestação do Tratado, a sobreposição chocante dos interesses nacionais aos compromissos comunitários#, são factores de preocupação.
Ora o Prof. Paulo Pitta e Cunha formula expressamente a critica ao Tratado Constitucional Europeu, recorrendo ao processo de continua construção da União (criação da união económica e monetária, introdução da cidadania europeia, incremento dos poderes legislativos do parlamento aumento da cooperação intergovernamental), para afirmar que nunca a União precisou de dar aos Tratados o carácter de «lei fundamental» em sentido formal.

Secção III – O ORDENAMENTO COMUNITÁRIO

. O poder de criação normativa dos órgãos comunitários

Constituídas com base em tratados internacionais, instrumentos clássicos do Direito Internacional, às Comunidades Europeias são atribuídas pelos Estados-membros poderes que compreendem a capacidade de produção de regras jurídicas nos domínios próprios da sua actividade, visível no caso da CE (ex-CEE), sujo diploma instituidor tem sido qualificado como «tratado-quadro» (por fixar objectivos e enunciar princípios, a serem desenvolvidos pela actividade de criação normativa dos órgãos comunitários), por oposição ao «tratado-lei» criador da Comunidade do Carvão e do Aço.
A marcar a subsistência de influência dos Estados no sistema comunitário, tem-se por vezes considerado preferível à noção de transferência a de atribuição de competências, deixando entrever que se trata de exercício em comum dos poderes assumidos a nível comunitário. Esta qualificação relaciona-se com a visão de «soberania partilhada». Mas, à medida que a integração progride para estádios avançados na perspectiva federalista, vai-se acentuando o carácter eufemístico da fórmula (carácter tendencialmente irreversível, dado que só a saída de um país ou a dissolução da UE, levaria à sua extinção).

. Direito comunitário originário e direito comunitário derivado

Direito comunitário originário – corresponde às fontes primárias resultantes do acordo dos Estados em base convencional. Entre estas compreendem-se:
Tratado de Paris de 1951, instituidor da CECA.
Tratados de Roma de 1957, instituidor da CEE e Com. Europeia de Energia Atómica.
Tratados que complementares: Convenção relativa a instituições comuns (Assembleia e Tribunal de Justiça) de 1957; Tratado que instituiu um conselho e uma Comissão únicos de 1965.
Tratados de 1970 e 1975 referentes ao sistema financeiro comunitária.
Acto sobre a eleição do parlamento Europeu por sufrágio universal de 1976.
Tratados de adesão e alargamento
Tratado da União Europeia de 1992; Tratado de Amesterdão de 1997; Tratado de Nice de 2001.

Sentido formal: os Tratados Comunitários são tratados internacionais e encontram-se sujeitos ao regime jurídico geral dos Tratados internacionais#. Tal não exclui que estes apresentem especificidades decorrentes da função de aprofundamento do regime de integração, fundado na solidariedade e não no individualismo internacional.
Sentido material: os Tratados são a constituição material das Comunidades, não se encontrando, no entanto, nenhuma disposição especifica que revele a prevalência destes sobre as demais fontes comunitárias. Contudo:
- Art. 230.º CE, que confere aos Tribunais Comunitários o pode de anular os actos de direito derivado que contrariem os Tratados.
- Art. 300.º, n.º6 CE, que estabelece que, caso o TJ entenda que um projecto de tratado viola o Tratado CE, não poderá haver aprovação sem que antes haja uma revisão do Tratado CE.

Direito comunitário derivado – concretizam, desenvolvem e aplicam os Tratados Comunitários, sendo composto pelas normas dimanadas dos órgãos da comunidade (fontes secundárias). Algumas destas normas, nos termos dos Tratados, têm a característica de serem directamente aplicáveis nos Estados-membros, independentemente de quaisquer processos de transposição ou recepção no direito interno.

. Tipologia dos actos comunitários

Às normas de direito comunitário derivado, o qual decorre daquilo que o Tribunal de Justiça das Comunidades referiu como «o poder legislativo da Comunidade», não é dada nos Tratados a designação de lei, nem se estabelece entre as diversas fontes qualquer relação hierárquica. Esta tipologia consta do art. 249.º do TUE.

. O regulamento

O Tratado define o regulamento no seu actual art. 249.º, par. 2:
- Tem carácter geral: trata-se da fonte comunitária que mais perto está da noção de lei (Regulamentos de Base). Existem, contudo, regulamentos de execução, hierarquicamente subordinados aos de base.
- É obrigatório para os seus destinatários em todos os seus elementos, ou seja, quanto ao resultado, quanto aos meios de o alcançar e quanto à forma de o fazer: impõe-se a todos os órgãos e instituições da Comunidade, aos Estados membros e aos particulares. Quaisquer reservas quanto às suas disposições não produzem efeitos.
- Goza de aplicabilidade directa na ordem interna dos Estados: constituem uma legislação de primeiro grau (matérias que na ordem interna são da competência do poder legislativo), produzindo por si, por forma automática, efeitos jurídicos na ordem interna dos Estados-membros. Afecta por isso os particulares de forma directa, não dependendo de intervenção do Estado#.
Desta característica decorre o seu efeito directo: por maioria de razão podem os seus destinatários invocar em tribunal nacional direitos ou obrigações dele decorrentes.
Curiosamente certos regulamentos, que se reduzem a textos extremamente curtos, deixando ampla liberdade de escolha na sua aplicação aos Estados-membros, tendem a derivar para a área da directiva. Nestes casos, os Estados estão obrigados a não ir além das medidas expressamente admitidas pelo regulamento (art. 10.º CE).

. A directiva

O Tratado define a directiva no artigo 249.º. par. 3:
- Tem como destinatários só os Estados membros#: Duas finalidades principais da directiva: concretização do programa de liberalização da circulação; harmonização das ordens jurídicas nacionais com o direito comunitário (esta finalidade confere à directiva a natureza de norma).
Não gozando de aplicabilidade directa na ordem interna distingue-se do regulamento (este é acto de supremacia do direito comunitário, aquela acto de cooperação).
- Obriga os Estados destinatários (só) quanto ao resultado que visa alcançar: Nascida de um compromisso entre o reconhecimento de poderes aos órgãos comunitários e a manutenção de certas competências à escala dos Estados-membros, a directiva limita-se a fixar o objectivo a atingir, dando aos Estados flexibilidade na forma de o concretizar.
- Deixa aos Estados destinatários liberdade de escolha quanto à forma e quanto aos meios de alcançar o resultado previsto: É necessário que elas sejam transpostas, acto este que não é acto de recepção mas uma obrigação dos Estados destinatários.

Dos artigos 10.º, par. 2, e 249.º, par. 3, CE, resulta que, como entende o TJ, «enquanto corre o prazo para a transposição os estados devem abster-se de adoptar medidas que possam comprometer o resultado prescrito pela respectiva directiva. E cabe aos tribunais nacionais controlar esse incumprimento». As medidas de transposição devem revestir força suficiente para revogarem as disposições nacionais incompatíveis com a directiva, embora seja da responsabilidade do estado escolher a forma adequada de transposição.
No caso de o Estado destinatário não transpor a directiva dentro do prazo fixado para o efeito, ou no caso de, de algum modo, os seus órgãos não cumprirem a directiva, ele incorre em situação de incumprimento, que pode determinar a abertura de uma processo por incumprimento, nos termos dos arts. 226.º a 228.º CE. Isso resulta do facto de o prazo para a transposição ter carácter imperativo. À mesma conclusão se chega no cão de errada ou insuficiente transposição.
Decorrido o prazo para a transposição da directiva sem que esta haja sido transposta pelo Estado destinatário, a directiva goza de efeito directo (o qual não dispensa o dever de transpor), podendo ser invocada por um particular perante o estado faltoso para fazer valer o direito que a directiva lhe confira:
- O TJ deixou decidido no caso Van Duyh, «especialmente nos casos em que as autoridades comunitárias tenham, através da directiva, obrigado os Estados membros a adoptar um determinado comportamento, o efeito útil desse acto ficaria enfraquecido se os particulares estivessem impedidos de o invocar em tribunal nacional».
- A garantia de transposição da directiva é garantida não só pelo processo de incumprimento mas naquilo que o TJ chamou no caso Van Gend en Loos de «vigilância dos particulares interessados na salvaguarda dos seus direitos», ou seja, no seu efeito directo (arts. 10.º e 249.º CE.
- Limites ao efeito directo: só ocorre quando o estado não transpõe a directiva dentro do prazo fixado; impede-se o Estado de invocar a directiva não transposta contra particulares;
Tem-se dado uma aproximação das directivas aos regulamentos, na medida em que as directivas dimanadas dos órgãos comunitárias tenderam a apresentar-se como claras e precisas quanto ao seu conteúdo, e juridicamente completas, não consentindo às instâncias nacionais qualquer poder de escolha quanto à transposição.
Depois da modificação do actual art. 254.º pelo TUE o regime da entrada em vigor das directivas é o seguinte:
- As directivas aprovadas segundo o processo de co-decisão (art. 251.º, n.º1, CE) são de publicação obrigatória entrando em vigor na data por elas fixada ou, na falta desta, no vigésimo dia a contar da sua publicação.
- As directivas do Conselho e da Comissão dirigidas a todos os Estados membros são de publicação obrigatórias, nos mesmos termos das directivas acima referidas.
- As outras directivas entram em vigor através da sua notificação aos Estados destinatários, sendo publicadas, apenas para conhecimento, no Jornal Oficial, série Comunicações e Informações.

. Hierarquia das normas comunitárias

Em declaração anexa ao Tratado da União Europeia foi aprovada a intenção, de na próxima conferência de revisão do Tratado, ser analisado «em que medida será possível prever a classificação dos actos comunitários, de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas». Não se chegou a acordo naquela conferência sobre a matéria.
No projecto de «Constituição da União Europeia», elaborado em 1993 pelo Comité de Assuntos Institucionais do parlamento Europeu, propôs-se a classificação dos actos normativos da União em «leis constitucionais», «leis orgânicos» e «leis ordinários», todas elas sendo adoptadas, com diferentes exigências de maioria, em pé de igualdade pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.
As leis e os regulamentos eram obrigatórios em todos os seus elementos e aplicáveis em todo o território da união. Esta proposta inseria-se numa perspectiva federalista, e simultaneamente «descentralizada e cooperativo», baseado na dupla legitimidade democrática (dos cidadãos e dos Estados), e não já o modelo federal puro em que a Comissão se tornasse no Governo federal e o Conselho fosse reduzido À condição de um Senado de Estados.
Nas reticências postas à consagração da noção de «lei» comunitária tem aflorado a relutância dos Estados em aceitar a acentuação dos traços federais da construção europeia.
Numa outra declaração anexa ao Tratado da união Europeia frisou-se ser essencial «para a coerência e unidade do processo» que cada Estado-membro «transponha integral e fielmente para o seu direito nacional as directivas comunitárias de que é destinatário, nos prazos fixados por essas directivas»; mas não deixou de reconhecer-se que cabe a cada Estado-membro «determinar a melhor maneira de aplicar as disposições do direito comunitário em função das suas instituições, sistema jurídico e outras condições que lhes são próprias». À figura da directiva, eliminada nestes projectos federalizantes continuou a ser atribuído importante papel.
O tribunal de justiça reconheceu, em relação às directivas que revestem as características de clareza, precisão e incondicionalidade, a possibilidade de os particulares fazerem valer os direitos que delas lhes advêm, independentemente da sua transposição, perante as administrações ou jurisdições nacionais tendo, portanto, efeito directo#.

. As decisões-quadro

O TUE, após a revisão de Amesterdão, passou a prever esta nova categoria. Elas encontram-se admitidas no art. 34.º, n.º2, al. b), EU, no âmbito do terceiro pilar, isto é, da cooperação policial e judiciária em matéria penal. As decisões-quadro têm, por finalidade específica a harmonização das Ordens Jurídicas nacionais e apresentam como características distintas do comum das directivas o facto de o TUE, no preceito citado, lhes recusar, expressamente, efeito directo.

. A decisão

Decisão – medidas individuais de aplicação, dirigidas a Estados-membros ou particulares, desprovidas das características de generalidade e abstracção dos actos normativos, e que se assemelham a actos administrativos do direito interno (art. 249.º, par. 4, CE).

Note-se que nos casos em que se configuram como actos individuais dirigidos apenas a um ou vários Estados, as próprias directivas podem aproximar-se das decisões. Em regra possuem carácter geral e têm como destinatários todos os Estados-membros: as directivas integram-se, a par dos regulamentos, no bloco legislativo da Comunidade.
O mesmos e pode dizer das decisões, que têm de comum com os regulamentos e as directivas serem «actos jurídicos obrigatórios» (com a ressalva de que nas directivas típicas o carácter obrigatório é parcial, dada a liberdade de escolha quanto à forma e aos meios).
Com esta figura esgotam-se os actos obrigatórios (art. 249.º, ao estabelecer que «as recomendações e os pareceres não são vinculativos»).
Em princípio, as decisões entram em vigor com a sua notificação aos destinatários. Algumas decisões são publicadas, em f8nução da sua importância, no Jornal Oficial. Mas essa publicação não dispensa a notificação. O Tratado da União Europeia veio nos termos do art. 54.º, n.º1, tornar obrigatória a publicação das decisões aprovadas segundo o processo de co-decisão, do art. 251.º CE. Por sua vez o art. 110.º, n.º2, CE permite ao Banco Central Europeu que publique as suas decisões.

. Regras comuns relativas aos regulamentos, às directivas e às decisões

Regras comuns: Publicidade e divulgação (art. 254.º CE). A segunda regra consta do art. 253.º CE. Todos os regulamentos, directivas e decisões, têm de ser fundamentados, devendo incluir referência às propostas e aos pareceres que tiverem sido emitidos no respectivo procedimento de decisão.

. As recomendações e os pareceres

O art. 249.º CE indica também, como fontes do Direito derivado, as recomendações e os pareceres. Pelo simples facto da sua designação percebe-se que uns e outros não têm efeito vinculativo.

Pareceres – são, em regra, puros actos consultivos ou opinativos, salvo os pareceres conformes (por exemplo, arts, 48.º e 49.º EU, e 300.º, n.º3, par. 2, CE).

Recomendações – elas encerram um convite aos seus destinatários para a adopção de um dado comportamento. Nesse sentido, elas cumprem a função da directiva, enquanto vêm prever e disciplinar o comportamento dos órgãos aos quais se destinam. Estes sabem que, se a recomendação não for respeitada, ela poderá ser seguida de um acto vinculativo, que acolherá o conteúdo da recomendação que não foi seguida. Poderá ainda definir um quadro geral de actuação dentro do qual o órgão se deverá mover. Produz por isso efeito jurídico persuasivo, não muito afastado do efeito vinculativo.

. Os actos atípicos.

Certos actos não obrigatórios podem ter grande influência no desenvolvimento do sistema comunitário. Atente-se na importância das resoluções adoptadas pelo Conselho, em que se contêm compromissos de realizar certas políticas, a serem desenvolvidas por meio de actos normativos obrigatórias. Não pode ter-se por exaustiva, pelo menos em relação aos actos não obrigatórios, a tipologia enunciada no art. 249.º. A prática da comunidade revelou a existência de actos não visados nestas disposições (fontes «sui generis»), e que, como é o caso das já citadas resoluções, declarações ou programas de acção, definem uma vontade política de alcançar objectivos, a concretizar através da adopção de medidas concretas.
Tem-se entendido que, embora não fazendo parte do direito comunitário em si mesmo, estes actos integram o «adquirido comunitário», cujo respeito se impõe aos Estados-membros aderentes. Neste sentido, os Tratados de adesão referem o dever dos novos membros de acatar os princípios orientações decorrentes das declarações, resoluções e outras posições do Conselho. O Prof. Fausto Quadros distingue:
- Despachos: traduzidos para português seria melhor a terminologia de ordenança. Não se confundem com as decisões (previsto no art. 249.º CE).
Podem provir do Conselho, do Parlamento ou da Comissão. Podem consistir em actos gerais, que não têm destinatários concretos. Nessa hipótese, podem estar previstos nos Tratados é o caso, por exemplo, das decisões sobre recursos próprios). Quando isso suceder, são os próprios Tratados que lhes fixam os efeitos.
Podem também consistir em decisões com efeitos internos.
- As comunicações da comissão: estes actos típicos revestem natureza muito díspar: podem consistir em Livros Brancos sobre assuntos que a Comissão quer colher na opinião dos outros órgãos ou dos particulares antes de apresentar uma proposta legislativa; em relatórios de natureza diversificada; ou em documentos nos quais a Comissão indica qual será, no futuro, o seu comportamento ou qual deverá ser o comportamento dos Estados membros ou dos particulares.
- Conclusões e as resoluções do Conselho: o conselho aprova, entre outros actos, conclusões e resoluções.
Conclusões põem termo a uma sessão do Conselho. Em regra, contêm declarações meramente políticas, mas, não raro, encerram também orientações, e nesse caso, podem produzir efeitos jurídicos. Só a sua interpretação permite fixar-lhes o verdadeiro sentido e conteúdo. Diferentes são as conclusões da Presidência, que não obrigam o conselho, sendo imputáveis apenas à Presidência e valem como meras declarações políticas.
Resoluções do conselho, em regra, são utilizadas para este anunciar um programa de actuação futura num determinado domínio. Nessa medida, não produzem efeitos jurídicos, mesmo quando convidam a Comissão a agir num determinado sentido. Só excepcionalmente o TJ tem atribuído efeito jurídico a estas resoluções.

. A nomenclatura dos actos no Tratado constitucional.

. Introdução

A simplificação dos instrumentos de que a União dispõe constituiu um ponto essencial da Declaração de Laeken sobre o futuro da União, que estabeleceu, designadamente, o mandato da Convenção .
Os trabalhos desta última, retomados pela Conferência Intergovernamental (CIG), permitiram responder a estas expectativas, clarificando o sistema existente. A tipologia dos actos é limitada a seis instrumentos: lei, lei-quadro, regulamento, decisão, recomendação e parecer. A Constituição acaba, portanto, com a proliferação de actos, que tinha conduzido progressivamente à elaboração de cerca de quinze: os cinco actos de base previstos no Tratado CE e numerosos "actos atípicos", tais como resoluções, directrizes, orientações, etc.
Assim, o artigo I-33.º enumera os seis novos actos jurídicos e estabelece uma distinção entre o nível legislativo e o nível não legislativo, o que não tem qualquer precedente nos tratados actuais.
Além disso, contrariamente ao que sucede nos tratados actualmente existentes, cada base jurídica da Comissão passa a especificar o tipo de acto que deve ser utilizado para a sua execução. Esta nova abordagem evitará hesitações na altura da escolha do tipo de acto a utilizar.
No que se refere aos actos de execução, o papel da Comissão encontra-se reforçado, na medida em que ela é, em princípio, titular do poder de execução. No entanto, continua a ser possível a adopção pelo Conselho de actos de execução em matéria de política externa e de segurança comum (PESC), bem como em casos específicos devidamente fundamentados. Além disso, serão os Estados-Membros, e já não o Conselho, quem controlará o exercício pela Comissão do poder de execução.
A Constituição distingue entre a execução dos actos juridicamente vinculativos da União (artigo I-37.º) e a delegação na Comissão do poder de adoptar "regulamentos delegados" que completem ou alterem certos elementos não essenciais dos actos legislativos, sob controlo do legislador (artigo I-36.º).
As disposições relativas à assinatura, publicação e entrada em vigor dos actos da União correspondem às do Tratado CE (artigo I-39.º). De igual forma, o artigo I-38.º retoma as disposições equivalentes dos Tratados existentes no que se refere à fundamentação dos actos e à liberdade de que as instituições dispõem para escolher o tipo de acto a adoptar, quando os textos o não estipulem especificamente.
Por último, os actos utilizados no domínio dos segundo e terceiro pilares são suprimidos, juntamente com a estrutura em pilares que justificava a sua existência. Consequentemente, apenas poderão ser utilizados, incluindo nessas matérias específicas, os seis tipos de actos acima referidos.

. Tipologia dos actos jurídicos

O artigo I-33.º distingue entre actos legislativos e não legislativos. Cada categoria é retomada num artigo específico: artigo I-34.º para os actos legislativos e o artigo I-35.º para os actos não legislativos.
Os actos legislativos são de dois tipos: a lei e a lei-quadro.
Actualmente, o artigo 249.º do Tratado CE contém uma enumeração dos cinco actos de base existentes (directiva, regulamento, decisão, recomendação e parecer) e dos respectivos efeitos. Podem ser estabelecidas correspondências entre estes actos e as novas denominações.
Assim, a definição da lei europeia corresponde à do regulamento na sua forma actual. Tal como o regulamento, a lei europeia é directamente aplicável em todos os Estados-Membros e não necessita de nenhuma transposição para o direito nacional.
A definição da lei-quadro europeia corresponde à da directiva. Fixa os objectivos a atingir, mas deixa aos Estados-Membros liberdade quanto às medidas a adoptar, num determinado prazo, para atingir esses objectivos.
O artigo I-34.º pormenoriza as modalidades de adopção das leis e das leis-quadro, que na maioria dos casos é feita de acordo com o processo legislativo ordinário.
Os actos não legislativos (artigo I-35.º) são de quatro tipos: regulamentos europeus, decisões europeias, recomendações e pareceres.
De acordo com a Constituição, o regulamento europeu é um acto não legislativo de carácter geral destinado a dar execução aos actos legislativos e a certas disposições específicas da Constituição. Estes regulamentos podem ainda assumir a forma de regulamentos europeus delegados ou de regulamentos de execução.
Tais regulamentos poderão ser obrigatórios em todos os seus elementos ou apenas obrigatórios no que respeita aos resultados a alcançar.
Além disso, a decisão europeia, na sua nova definição, inclui tanto a decisão que indique um destinatário como uma decisão geral, ao contrário do que sucede em relação à decisão, na acepção do artigo 249º do Tratado CE, que só afecta os destinatários que designa.
Por último, são igualmente actos não legislativos as recomendações e pareceres que não produzam efeitos vinculativos. No seu último número, o artigo I-35.º confirma o poder geral de recomendação da Comissão, tal como previsto actualmente no artigo 211.º do Tratado CE, e alarga o do Conselho (artigo I-35.º).

. Delegação legislativa e actos de execução

O Tratado Constitucional procede à cisão das competências de execução previstas actualmente no artigo 202.º do Tratado CE em regulamentos europeus delegados (artigo I-36.º) e em actos de execução propriamente ditos (artigo I-37.º).
A Comissão passa a ser a única responsável pela adopção dos regulamentos europeus delegados que tenham por objectivo completar ou alterar certos elementos não essenciais de uma lei ou de uma lei-quadro (o artigo I-36.º precisa que "os elementos essenciais de cada domínio não podem ser objecto de delegação"). Assim, a definição dos aspectos mais técnicos dos actos legislativos pode ser delegada à Comissão, no respeito das condições de aplicação determinadas pelas leis ou leis-quadro em causa (conteúdo, âmbito de aplicação e período de vigência da delegação). Além disso, esta delegação só pode efectuar-se sob controlo dos dois ramos do poder legislativo. O Parlamento ou o Conselho podem decidir a revogação da delegação e a sua entrada em vigor pode ser suspensa com o acordo tácito dos co-legisladores. Estas novas disposições constituem uma inovação importante no âmbito do sistema de decisão da União, embora na prática tivesse já ocorrido a atribuição de tais competências à Comissão em certas matérias, como o mercado interno e o ambiente. Além disso, reforçam o papel do Parlamento, que passa a controlar o exercício da delegação legislativa da mesma forma que o Conselho.
O artigo I-37.º, consagrado aos actos de execução propriamente ditos, recorda que a execução material das normas comunitárias incumbe normalmente aos Estados-Membros. Se a intervenção da União se justificar pela necessidade da aplicação uniforme, podem em princípio ser conferidas competências de execução à Comissão ou, em matéria de PESC e em casos específicos devidamente justificados, ao Conselho. Os actos de execução da União assumem a forma de regulamentos europeus de execução ou de decisões europeias de execução.
Na medida em que a Comissão exerça um poder em princípio reservado aos Estados-Membros, afigura-se lógico que seja enquadrado por comités de representantes dos Estados-Membros encarregados de dar um parecer sobre os projectos de medidas de execução elaborados pela Comissão. Este sistema de controlo tem a designação de "comitologia".
O artigo I-37.º estipula que as regras gerais da comitologia serão fixadas por uma lei europeia adoptada de acordo com o processo legislativo ordinário, deixando assim de ser fixadas unicamente pelo Conselho, como se verifica actualmente. Além disso, esses mecanismos de controlo serão, nos termos desse mesmo artigo, aplicados pelos Estados-Membros, e já não pelo Conselho.

. Disposições específicas (PESC, PESD E JAI)

Nos Tratados actuais, em matéria de Política Externa e de Segurança Comum (PESC), de Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), e de liberdade, segurança e justiça (JAI), isto é, nos segundo e terceiro pilares, que dependem da cooperação intergovernamental e não do método comunitário, podem ser adoptados actos jurídicos de natureza não comunitária. É assim que, no domínio da PESC, o artigo 13.º do Tratado da União Europeia (Tratado UE) precisa que o Conselho recomendará ao Conselho Europeu estratégias comuns e executá-las-á designadamente mediante a adopção de acções comuns e de posições comuns. De igual forma, o artigo 34.º do Tratado UE enumera a lista de actos que o Conselho pode adoptar em matéria de JAI. Trata-se de posições comuns, de decisões e decisões-quadro, bem como de convenções.
Na sequência da desaparição da estrutura em pilares operada na Constituição, todos estes actos são suprimidos. Em matéria de PESC , PESD e JAI , os actos que vão agora ser utilizados devem corresponder à nova tipologia (artigo I-33.º).
O artigo I-40.º confirma que, no domínio da PESC, só podem ser utilizadas decisões europeias, pelo que "ficam excluídas as leis e leis-quadro europeias". Em matéria de PESD, no artigo I-41.º, também só podem ser utilizadas as decisões europeias. Por último, no que se refere à JAI, são suprimidos os antigos actos utilizados, em benefício das leis e das leis-quadro (artigo I-42.º).

. Quadro recapitulativo

Artigos Assunto Observações
I-33.º Actos jurídicos da União (nova tipologia) Novas disposições
I-34.º Actos legislativos Alterações importantes
I-35.º Actos não legislativos Alterações importantes
I-36.º Regulamentos europeus delegados Alterações importantes
I-37.º Actos de execução Alterações importantes
I-40.º Disposições específicas da PESC Alterações importantes
I-41.º Disposições específicas da PESD Alterações importantes
I-42.º Disposições específicas da JAI Alterações importantes

.A jurisprudência do Tribunal de Justiça. A definição dos princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária.

Atente-se na importância da jurisprudência do tribunal de justiça das Comunidades Europeias no desenvolvimento do sistema jurídico comunitário. A ela se deveu a construção de princípios fundamentais do ordenamento comunitário.
Embora do artigo 249.º do tratado CE pareça inferir-se que só os regulamentos são susceptíveis de produzir efeito directo – no sentido de os particulares poderem invocar junto das jurisdições nacionais direitos que estes actos comunitários lhes conferem –, a jurisprudência do TJC, afastando-se da concepção internacionalista que reduz o Tratado a um acordo definindo obrigações mútuas entre os Estados contratantes, sublinhou que do mesmo Tratado resulta a criação de «uma nova ordem jurídica», cujos sujeitos são não só os Estados-membros, mas também os seus cidadãos, daqui partindo para sustentar que certas disposições do direito comunitário originário, e determinadas directivas, são também susceptíveis de produzir efeito directo.

. Relação entre o direito da União Europeia e os direitos estaduais

A teoria do primado do Direito da União Europeia não se subsume na teoria do primado do Direito Internacional, pelo simples facto de o Direito Internacional é o Direito Comunitário serem Ordens jurídicas com diferentes fundamentos filosóficos-jurídicos.

. O primado do direito da União Europeia

. O fundamento do primado

O primado do Direito da União sobre o Direito estadual decorre da especial natureza do Direito Comunitária (Pierre Pescatore: «exigência existencial» do Direito da União).
O primado sobre o Direito estadual constitui um atributo próprio do Direito da União, não resulta de uma concessão do Direito estadual, particularmente, da respectiva Constituição, como acontece com a recepção do Direito Internacional na ordem interna quando este não é ius cogen.
Portando, o Direito Internacional é fragmentário ao passo que o Direito da União é uma Ordem Jurídica uniforme. Por outro lado, o Direito da União tem também uma «natureza comunitária», encontra-se «integrado no sistema jurídico dos Estados membros» e «impõe-se aos seus tribunais», penetrando na Ordem Jurídica interna para aí produzir a plenitude dos seus efeitos, como cedo passou a admitir o TJ. Tudo isso faz do Direito da União um Direito comum aos Estados membros da União.
Ora, para que o Direito da União se afirme como Direito comum é necessário que ele seja interpretado e aplicado de modo uniforme nos Estados membros. O princípio da uniformidade do Direito Comunitário é imposto também pelo princípio da igualdade entre os cidadãos de todos os Estados membros (art. 12.º do Tratado CE que impõe a proibição da discriminação em razão da nacionalidade).
O primado nunca constou, dessa forma, dos Tratados, embora se pudesse extrai-lo implicitamente de dois preceitos do Tratado CE: art. 10.º, par. 2. Quando impõe aos Estados membros, no quadro da lealdade comunitária, que nada façam no sentido de pôr em perigo os objectivos do Tratado, entenda-se, os fins prosseguidos pelo Direito Comunitário; e do art. 249.º, quando ele atribui aplicabilidade directa a certos actos de Direito derivado (regulamentos e decisões).
O primado foi criado e elaborado pela jurisprudência do TJ. São vários os acórdãos que dão corpo à teoria do primado, mas três deles devem ser considerados os grandes marcos dessa construção:
- Acórdão Costa/ENEL – a transferência levada a cabo pelos Estados, da sua Ordem Jurídica interna para a Ordem Jurídica comunitária, de direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tratado, implica, portanto, uma limitação definitiva dos seus poderes soberanos contra a qual não se poderá fazer prevalecer um acto unilateral posterior incompatível com a noção de Comunidade». E, acrescentava o TJ, o primado abrange o Direito estadual tanto anterior como posterior ao acto comunitário em causa.
- Acórdão Simmenthal – aqui o tribunal decidiu que é dever do juiz nacional considerar inaplicável qualquer acto nacional eventualmente contrário a um acto comunitário, seja anterior ou posterior e que a entrada em vigor de um acto comunitário impede a aprovação de novos actos legislativos nacionais que sejam incompatíveis com ele (efeito bloqueador do primado).
- Acórdão Factortame – o TJ reconheceu ao juiz nacional o direito de, a título cautelar, suspender a aplicação de um acto estadual susceptível de ser considerado contrário ao Direito Comunitário mesmo se o respectivo Direito interno não lhe conferir competência para o efeito, ou seja, mesmo contra Direito interno de sentido contrário.

. O âmbito do primado

Assim entendido no seu fundamento, o primado do Direito da União tem de ser absoluto. Esta afirmação tem uma dupla vertente:
- Significa que todo o Direito Comunitário (todas as suas fontes) prevalece sobre todo o Direito estadual (é oponível a todo o direito interno).
O primado é assim supranacional, quer em relação ao direito ordinário quer em relação ao direito constitucional (acórdão San Michele e Simmenthal). Este primado aparece, no entanto, relativizado em dois sentidos:
- O problema do primado nem se colocará quando a Comunidade, por força dos Tratados, não estiver autorizada a agir (por exemplo, no domínio das atribuições concorrentes, por força do princípio da subsidiariedade).
- Este carácter absoluto foi suavizado pelo TJ, com o apoio de alguns tribunais nacionais, pela necessidade de se salvaguardar direitos fundamentais dos cidadãos (disposições internas mais favoráveis permanecem sobre as comunitárias – acórdão Stauder; Nold e Wachauf).

. O valor jurídico do primado

Qual a consequência jurídica de um acto nacional que viole o acto comunitário?
A resposta surge desde logo na construção jurisprudencial do acórdão Simmenthal: «sanção seria a inaplicabilidade do acto estadual» e não a nulidade. A sanção situa-se por isso no domínio da eficácia e não da validade.
O TJ recusou aí atribuir natureza federal ao primado do Direito Comunitário, que teria determinado a nulidade, se não a inexistência do acto. Sublinhe-se que o Tribunal fornece argumentos para que no caso da contrariedade do acto nacional ser superveniente a sanção se aproximar da nulidade.
A violação do primado, para além de poder ser questionada perante os tribunais nacionais do estado que o infringiu, segundo os meios contenciosos nacionais, coloca o respectivo Estado em situação de incumprimento, susceptível de desencadear o processo regulado nos arts. 226.º a 228.º CE, e fá-lo incorrer, por esse mesmo fundamento, em responsabilidade de Direito Comunitário.

. O primado do Direito da União e as Constituições estaduais

A posição dos Estados membros perante o primado tem de ser vista em duas fases: a fase da confrontação e a da adaptação.
- A fase da confrontação – as constituições estaduais para aceitarem o primado do Direito Comunitário, e, portanto, para lhe darem legitimação constitucional, sentiram-se na necessidade de acolher as limitações de soberania resultantes da sua adesão às comunidades por 1 de 2 vias:
Incluindo uma cláusula geral de limitação de soberania, que cobria também o rimado supraconstitucional do Direito da União.
Incluindo nas constituições uma cláusula de autorização ao Parlamento para a delegação de poderes soberanos nas comunidades (art. 24.º da constituição alemã).
- A fase da adaptação – vai levar os Estados membros mais longe: eles, mais do que procurarem uma legitimação constitucional para o primado do Direito da União, vão adaptando ou adequando as respectivas Constituições à evolução do Direito Comunitário.
Fui um movimento iniciado com a assinatura do Tratado da União Europeia, de 1992, e tem vindo a conhecer dois métodos:
- Revisão das constituições de forma a pô-las de harmonia com o Tratado da União Europeia#.
Portugal não fugiu a esta orientação, tendo revisto sucessivamente a Constituição de 1976.
- Europeização dos direitos constitucionais dos Estados membros. Vai-se verificando uma progressiva harmonização das Ordens jurídicas nacionais com o Direito da União. Em primeiro foi o Direito Constitucional Económico, e têm-se sucedido outras áreas de índole política (liberdade, segurança, justiça) – por exemplo o art. 33.º, n.º5 CRP, com a redacção da revisão de 2001.

. A situação em Portugal

A aceitação expressa pela nossa Constituição do primado supranacional do Direito da União reforçará a coerência interna do próprio do texto constitucional. A nossa Constituição, logo em 1976, adoptou uma ampla abertura a fontes supranacionais, traduzida, sobretudo, na «abertura internacional da ordem constitucional», expressa em três preceitos constitucionais (arts. 8.º, n.º1, 16.º, n.º1 e 2).
Por conseguinte, por força dos Tratados e da jurisprudência do TJ, que foi atrás citada, e que hoje é seguida pela prática dos diversos Estados membros, o Estado Português está obrigado, pelo simples facto da sua adesão à união e à comunidade, a dar efectividade ao Direito da união na sua ordem interna.
Especificamente quanto aos tribunais nacionais, estes são tribunais comuns do Direito Comunitário. Ou seja, o juiz nacional é juiz comunitário. Esta comunitarização do juiz nacional e da sua função começou, aliás, a ser levada a cabo exactamente pela teoria do primado. O juiz nacional está obrigado a aplicar o Direito Comunitário segundo os critérios do Direito Comunitário.

. A aplicabilidade directa do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

. Noção e fundamento

A aplicabilidade directa do Direito Comunitário quer dizer que o acto que dela goza é susceptível de aplicação imediata na ordem interna do Estado a cujos sujeitos se dirige. Assim, a aplicabilidade directa tem os seguintes três corolários:
- Para que o acto em causa seja directamente aplicável na ordem interna não é necessária a interposição do Estado, ou seja, não é necessário qualquer acto de recepção do acto na Ordem Jurídica do estado em causa. Nada pode ser feito para evitar essa aplicabilidade directa.
- O acto comunitário vigora na hierarquia interna das fontes de Direito sem perder a sua natureza de acto de direito Comunitário.
- Os órgãos nacionais de aplicação do direito têm o dever de aplicar o acto a partir da data da sua entrada em vigor na Ordem Jurídica Comunitária.

O princípio da integração e a consequente subordinação dos Direito estaduais ao Direito Comunitário impõem a aplicabilidade directa de alguns dos seus actos na ordem interna dos Estados membros.

. Âmbito

A aplicabilidade directa é um criado pelos Comunitários, que, por isso, dizem, eles próprios, quais são os actos que dela gozam.
Assim, na CE, são directamente aplicáveis, segundo o artigo 249.º, par. 2, os regulamentos e as decisões. Quanto a estas últimas, note-se que o Tratado não se refere expressamente à sua aplicabilidade directa, mas ela decorre implicitamente do carácter obrigatório da decisão, em todos os seus elementos. Dentro das decisões, como é obvio, o problema da aplicabilidade directa só se coloca quanto às decisões que se dirijam a sujeitos internos das Ordens Jurídicas estaduais, e não apenas aos próprios Estados.

. O efeito directo do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

Quanto aos actos comunitários que gozam de aplicabilidade directa não se suscitam, em princípio, problemas quanto à possibilidade da invocação imediata, perante as instâncias nacionais.
Quanto aos actos sem aplicabilidade directa, que são actos de mera cooperação, são eles as disposições dos Tratados, as directivas, as decisões que têm como destinatários Estados e acordos internacionais que obrigam as Comunidades.
O TJ considera que quando um acto, não obstante não se dirigir a particulares, confira a estes directamente direitos (efeito directo), ou por impor obrigações a Estados em relação a particulares, confira a estes indirectamente direitos (efeito directo reflexo), podem invocar esses direitos perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito.
Conjugando a teoria do efeito directo com a teoria do primado, o órgão nacional de aplicação do Direito deverá atender a essa invocação, mesmo contra o Direito nacional aplicável, ou, por maioria de razão, na ausência deste. O efeito directo constitui uma garantia mínima dos direitos dos particulares.
O TJ no caso Van Gend en Loos, quando afirma que o Tratado CE «constitui mais do que um acordo que cria obrigações recíprocas entre os Estados contratantes; a comunidade constitui uma nova Ordem Jurídica cujos sujeitos são, não apenas os Estados, mas também os seus cidadãos».
A aplicabilidade directa distingue do efeito directo. Com efeito, a primeira encontra-se consagrada de modo expresso nos Tratados, concretamente, no citado art. 249.º CE, quanto aos regulamentos e às decisões que se dirigem aos sujeitos internos dos Estados, enquanto que o efeito directo não consta dos Tratados e nunca foi afirmado pelo TJ com base naquele preceito do Tratado CE.
Para alem do Van Gend en Loos o TJ iria apurar progressivamente a sua concepção de efeito directo nos acórdãos Grad, Van Duyn e Úrsula Becker.

. Os requisitos do efeito directo

Para conceder efeito directo a uma disposição do Direito Comunitário, o TJ exige o preenchimento de algumas condições:
- Clareza e precisão. A falta de clareza não constitui obstáculo desde que ela possa ser clarificada através de uma interpretação por via jurisprudencial.
- Incondicionalidade. O facto de conter uma condição não lhe retira efeito directo, que lhe será reconhecido assim que estiver preenchida a condição.
- Produção de efeitos sem necessidade de qualquer disposição nacional ou comunitária que a complete. Com esta característica quer-se dizer que a norma não deve conferir um poder discricionário de dispor ex novo na relação entre a norma comunitária e o particular.

. Efeito directo vertical e efeito directo horizontal

Quanto ao âmbito subjectivo do efeito directo há a distinguir:
- Efeito directo vertical – na medida em que a norma comunitária em questão, inclusive da directiva, só pode impor obrigações aos Estados que são seus destinatários, o particular apenas pode invocar a disposição em causa, e o direito que ela lhe confere, de modo a obrigar o Estado a respeitar o direito subjectivo que a disposição lhe atribui. Por isso, o efeito directo só pode ser invocado, perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito, em litigio que opõe os particulares a autoridades do Estado, sejam elas quais forem.
- Efeito directo horizontal – a disposição em causa, não obstante ser dirigida aos Estados, pode impor obrigações também a particulares. Por isso, os respectivos direitos serão invocáveis inclusivamente em litígios entre pessoas privadas.

Para se referir o somatório do efeito vertical e do efeito directo horizontal, socorre-se da expressão efeito directo completo.

. As disposições dos Tratados

O TJ já reconheceu efeito directo horizontal a disposições dos Tratados: quer a disposições que têm pessoas privadas como destinatários das obrigações (regras da concorrência nos arts. 81.º e 82.º CE), quer a disposições que, sem terem pessoas privadas como destinatário, impõem-lhes obrigações cujo cumprimento lhes pode ser exigido pelos titulares dos direitos que correspondem àquelas obrigações, de direitos esses que são criados directamente pelo Dt. Comunitário, como é o caso das regras relativas à livre circulação e à não-discriminação de pessoas.
No geral, as disposições dos Tratados teme feito directo só vertical, enquanto impõem obrigações apenas aos Estados. Passa-se assim com muitas das obrigações que o Tratado CE impõe aos Estados nas matérias das liberdades de circulação, da proibição de discriminação e do direito à concorrência. Escapam ao efeito directo as normas que deixam aos Estados um poder discricionário nas suas relações com os particulares.

. As directivas

Só podem ter como destinatários Estados e só podem impor obrigações a estes. Por isso, o seu efeito directo só pode ser vertical. É esse o raciocínio que o TJ segue no acórdão Marshall.
Todavia o desejo de reforçar o cumprimento das directivas e o seu efeito útil leva o TJ a alargar significativamente o âmbito do seu efeito directo. Primeiro, considerando que as podem invocar todos os particulares, em geral. Depois, adoptando um conceito muito amplo de Estado, contra o qual pode ser invocada a directiva, de modo a abranger, não só o Estado membro, mas também tanto o Estado-Administração como o Estado empregador (acórdão Marshall).
O TJ recusa efeito horizontal às directivas, isto é, efeito directo nos litígios entre particulares, mesmo que as directivas reúnam os requisitos do efeito directo#.

. As decisões

Também gozam de efeito directo as decisões que se dirigem a Estados, quando criam direitos para particulares. A jurisprudência do TJ na matéria encontra-se bem representada no acórdão Hansa Fleisch. O TJ reconhece efeito directo a tal tipo de decisões, mesmo quando estes sejam tomadas por órgãos criados por Tratados concluídos pela Comunidade com Estado terceiros.
O efeito directo reconhecido àquelas decisões é só vertical. O TJ recusa efeito directo horizontal às decisões dirigidas a Estados pelos mesmos fundamentos por que o faz quanto às directivas.

. A questão do efeito colocada no terceiro pilar

O Tratado de Amesterdão veio criar no terceiro pilar da União, a categoria das decisões-quadro (art. 34.º, n.º2, UE). Dada a similitude da função daquelas em relação às directivas (que ressalta bem da definição que delas dá o art. 34.º, n.º2, al. b)) punha-se o problema de saber se também elas gozariam de efeito directo. O Tratado, naquele preceito, resolveu o problema pela negativa.
Idêntica posição veio a tomar a al. c) do mesmo preceito quanto às decisões, aí referidas.

. O efeito directo do Direito da União em Portugal

Quase vinte anos decorridos já sobre a adesão, não se pode dizer que o instituto do efeito directo do Direito Comunitário esteja a ser usado muito frequentemente em Portugal. Tal deve-se essencialmente ao pouco interesse de todos os sujeitos ligados à aplicação do Direito Comunitário neste campo.

. A unidade de interpretação do Direito Comunitário

A incorporação do Direito comunitário nas ordens jurídicas nacionais, que o artigo 249.º explica em relação aos regulamentos, decorre por forma implícita do disposto no artigo do Tratado de Roma que permite os órgãos judiciais nacionais a reenviar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as questões de interpretação ou apreciação da validade das normas comunitárias.
O artigo 234.º, ao prever um processo de cooperação entre o tribunal das Comunidades e os tribunais nacionais com vista a assegurar a unidade de interpretação do direito comunitário e a permitir a sua aplicabilidade uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência para as resoluções de litígios entre os particulares e os Estados, ou opondo particulares a outros particulares, quando esteja em causa a aplicação da ordem comunitária, cabe às jurisdições nacionais.
Neste sistema não se consagra, por respeito à soberania dos tribunais nacionais, um mecanismo de revisão afecto a uma jurisdição comunitária suprema. O Tribunal de Justiça das Comunidades fornece a interpretação do direito comunitário, mas é ao juiz nacional que cabe a aplicação das respectivas normas na resolução de litígios.
O mecanismo do reenvio prejudicial consagrado no art. 234.º serviu de instrumento para a construção jurisprudencial em trono do sistema jurídico comunitário.
Secção IV - AS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA

I – O QUADRO INSTITUCIONAL DAS COMUNIDADES

a) Introdução

Uma das especificidades mais marcantes da EU é o seu sistema institucional. Entende-se como tal o conjunto de órgãos e instituições da Comunidade.

Órgão – centro de imputação de vontade jurídica das pessoas colectivas, formados por um substrato humano que permite a estas autodeterminar-se.

b) Órgãos das comunidades e órgãos da União

O TUE criou um sistema orgânico único, para toda a EU. Deste modo, os mesmos órgãos são chamados a intervir como órgãos da União ou, estritamente, das Comunidades, ou, dito de outra forma, os mesmos órgãos têm competência para os três pilares.
Em bom rigor, Salvo o Conselho da Europa, o TUE pediu emprestados os órgãos das Comunidades para os pôr a actuar como órgãos de toda a União. Contudo, não têm as mesmas competências ou o mesmo peso dentro das duas realidades (tal resulta da coexistência entre o pilar comunitário e os pilares intergovernamentais).

c) O sistema de repartição de poderes

O sistema de repartição de poderes na União e nas Comunidades, pode-se qualificar como um sistema quadripartido:
Poder legislativo
Poder executivo
Poder de fiscalização
Poder judicial
A configuração e a demarcação do poder legislativo são particularmente complexas. O processo legislativo envolve a participação de vários órgãos e assume, em função disso, diversas modalidades.
Não obstante, não é possível encontrarmos similitude entre sistema de repartição de poderes das Comunidades e o sistema estadual.
Duas categorias de órgãos para o Prof. fausto Quadros:
Órgãos principais: são aqueles que constam dos arts. 4.º e 5.º EU e 7.º, n.º1 CE, isto é, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Devemos ainda referir o art. 189.º, CE, o qual disciplina os órgãos atrás referidos.
Órgãos e as instituições complementares:

d) A tripla legitimidade do poder político comunitário

O exercício político comunitário assenta numa tripla legitimidade:
Integração: representada pela Comissão, a qual foi criada como
Órgão independente dos Estados e representante do interesse comunitário
Estadual: representada pelo Conselho, representante dos Estados. Estas duas primeiras legitimidades representam a dicotomia integração e interestadualidade. Confirma também a vocação federalista, expressa no Plano Schumam, de 1950 (representação do todo integrado e dos Estados#).
Democrática: funda-se na eleição do Parlamento Europeu por sufrágio directo e universal, desde 1979, num processo progressivo de reforço dos poderes do Parlamento, que deixaria de ser meramente consultivo. Subsiste claro o deficit resultante do facto de ele não representar o povo europeu, mas «os povos dos Estados reunidos na Comunidade» (art. 190.º do Tratado CE).
Possui também uma competência inferior à do Conselho.
Para o Prof. Denys Simon, deve-se ainda referir uma quarta legitimidade, a legitimidade judiciária, concretizada nos dois tribunais Comunitários, o TJ e o TPI.

II – O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA

a) Origem

O conselho é composto por representantes dos Estados membros, actuando como seus delegados. Foi pensado pelo Tratado de Fusão de 1965 (art. 2.º, par. 1), como órgão que, na estrutura orgânica das Comunidades, representaria os interesses nacionais dos Estados membros (câmara federal das Comunidades).
Depois do TUE, não tem competência apenas no quadro comunitário mas também no domínio da PESC e da cooperação judiciária em matéria penal (a partir de 1993 passou a ser designado por Conselho da União Europeia).
É o principal órgão de decisão da Comunidades. Delibera sob proposta da Comissão e com a intervenção, nas circunstâncias em que cada caso os Tratados o exigirem, do Parlamento Europeu. O Conselho não tem como vocação aproximar-se de um modelo de governo europeu (esse papel está reservado à Comissão). O Conselho privilegia um compromisso entre os interesses nacionais.

b) Composição

Cada Estado tem um representante no Conselho. Por isso, o Conselho é composto hoje por vinte e cinco membros.
Até ao Tratado de Maastricht, dispunha o art. 146.º (hoje, art. 203.º), par 1, CE, que: «o Conselho é composto por representantes dos Estados membros. Cada Governo “delegará” um dos seus membros para nele participar».
Esta disposição foi modificada pelo TUE: «o Conselho é composto por um representante de cada Estado membro a nível ministerial, com poderes para vincular o governo desse Estado membro» (alteração exigida pela Alemanha, de modo a que pudessem participar delegados dos Länder). Deste modo, passam a ter assento no Conselho «Ministros que não provêm do Governo Central» (no caso português a redacção do art. 203.º, par 1, não autoriza a que se reconheça a membros dos governos regionais o direito de vincularem o Estado português – art. 227.º, n.º1 da CRP).

c) Os níveis de actuação do Conselho
O Conselho reúne-se a vários níveis (Regimento do Conselho – aprovado à sombra do art. 207.º, n.º2 – concretamente, no seu nexo I, por remissão do respectivo art. 2.º, n.º1):
1. Assuntos Gerais – Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas. Têm assento nele os Ministros dos Negócios Estrangeiro dos 25. tem competência para tratar de todas as questões que não mostrem ser de carácter técnico e não sejam da competência de qualquer dos Conselhos «técnicos ou «especializados». Ele coordena estes últimos Conselhos, o que lhe confere uma superioridade em relação a estes (art. 2.º, n.º2, al. a) do Regimento).
2. Conselhos de Ministros Especializados – compõem-nos os Ministros dos Estados membros que têm, nos respectivos Estados, o pelouro respectivo.
3. Grandes conjuntos – junção dos dois níveis anteriormente descritos.
4. Conselho de Chefes de Estados ou de Governo – é o mis alto nível. Não é composto por individualidades «a nível ministerial», funciona, em bom rigor, à margem do art. 201.º, par. 1, CE. Ele encontra-se expressamente previsto em preceitos específicos do Tratado CE: é o caso dos arts. 121.º, n.º2, 3 e 4, do art. 122.º, n.º2, ambos em matéria de integração monetária, e do art. 214.º, n.º2, quanto à investidura da Comissão.
Cabe ao Ministro cujo Estado assegure em dado semestre a presidência do Conselho preparar e dirigir os trabalhos do respectivo Conselho.
Além disso o TUE previu a participação do presidente do Conselho, sem direito de voto, no Conselho de Governadores do Banco Central Europeu, podendo submeter moções à deliberação desse Conselho (art. 113.º, n.º1).

d) Competência
Está definida no art. 202.º CE. Essa competência encontra-se pormenorizada ao longo do Tratado, acerca de matérias concretas.
Pode dizer-se que é o principal órgão de decisão na actual estrutura da Comunidade: algumas matérias, ele tem poder de decidir sozinho; nas que estão sujeitas a um processo de co-decisão, ele co-legisla com o Parlamento Europeu; nas que estão sujeitas a um processo de cooperação, ele tem a última palavra.

e) Funcionamento: A presidência do Conselho
O funcionamento encontra-se disciplinado no regulamento. O TJ entende que o Regimento do Conselho constitui um texto obrigatório#.
A determinação de quem preside ao Conselho da União, faz-se através de uma regra temporal (por semestres). Na prática, a presidência é assegurada pelo órgão ou agente que, segundo o direito interno de cada Estado, tem competência do nível do Conselho em causa.
O Conselho Europeu e o Conselho da União Europeia ao nível de Chefes de Estado ou de Governo é presidido por quem em cada Estado, detém a direcção suprema da política externa (em Portugal é o P.M. – art. 182.º da CRP), ou ao Conselho funcionando aos outros níveis preside o Ministro respectivo do Estado membro ao qual assegura, em cada semestre, a presidência da União.
Até a União Europeia ter tido doze membros, os Estados presidiam ao Conselho por rotação determinada pela ordem alfabética da designação de cada Estado na sua língua nacional (art. 146.º, par. 2, CEE, antes do Tratado de Maastricht). Este sistema permitia que, em cada troika (trio composto pelo Estado que nesse semestre presidia ao Conselho, e pelo Estado anterior e o imediatamente posterior), estivessem necessariamente presentes, pela referida ordem alfabética, um dos cinco grandes. Com o alargamento de 1995 tal deixou de ser possível (art. 146.º, par. 2, Cena redacção de Maastricht, e a decisão do conselho, n.º 95/2/CE).
As reuniões do Conselho têm lugar normalmente em Bruxelas. De harmonia com o princípio da transparência dos actos dos principais órgãos da União, estabelecido no art. 255.º, n.º1, introduzido no Tratado CE pelo Tratado de Amesterdão, o art. 207.º, nº3 CE, define o âmbito daquele princípio no funcionamento do Conselho. Ele dispõe sempre que o Conselho actue no exercício de poderes legislativos, os resultados das votações e das declarações de voto, bem como as declarações exaradas em acta, serão tornados públicos.

f) O Comité de representantes permanentes (COREPER)
Na preparação das decisões do Conselho ocupa um lugar de destaque o Comité de representantes permanentes. É composto por chefes das missões permanentes que cada Estado membro mantém em Bruxelas, junto da União. Em regra, o chefe da missão tem a categoria de Embaixador.
O COREPER não se encontrava previsto inicialmente nos Tratados, mas apenas no Regimento do Conselho. Depois, passaram-se a referir a ele, primeiro, os arts. 4.º e 5.º do Tratado de fusão, depois, o art. 151.º CE, após a revisão de Maastricht, e hoje, o art. 207.º, depois das revisões de Maastricht e de Nice.
Esse art. 207.º confere três categorias de competências:
- Prepara os Trabalhos do Conselho, a todos os níveis em que este se reúna.
- Exerce os poderes que o Conselho nele delegue.
- Pode exercer os poderes de índole processual previstos no Regimento do Conselho.

g) A votação
O funcionamento do Conselho e o modo formal de ele decidir dependem, em grande medida, do estilo que nessa matéria lhe queira imprimir o Estado que preside em cada semestre ao Conselho.
Uma das especificidades do funcionamento do Conselho reside no facto de a presidência evitar recorrer à votação formal sempre que se verifica a existência de um consenso. Por outro lado, quando esse consenso não está obtido, a presidência diligencia no sentido de se chegar a ele.
Temos os seguintes sistemas de votação:
1. Maioria simples – pela redacção do art. 205.º, n.º1, CE, a maioria simples foi pensada como sistema-regra de votação no Conselho, sendo quase excepcional, na medida em que só quando o Tratado não prevê outro modo de votação, este se aplica (por exemplo, a votação do regimento do Conselho – art. 207.º, n.º3).
2. Unanimidade – a regra da unanimidade vai de encontro aos princípios da soberania indivisível da igualdade formal entre os Estados. Eles impedem que um Estado venha a assumir obrigações sem o seu acordo.
O processo de integração europeia recusou a regra da unanimidade como a única regra de votação no Conselho. Ela é contrária aos postulados em que assenta a integração, espelhando o individualismo internacional.
Por outro lado, convém não sobrevalorizar, sobretudo para os Estados pequenos e médios, o direito de veto que resultaria desta regra (basta pensar que se os Estados pequenos vetassem uma deliberação favorável aos países grandes, os Estados grandes poderiam retaliar com o veto de uma deliberação que atribui-se benefícios aos pequenos, nomeadamente a nível financeiro).
Após o Tratado de Amesterdão, os arts. 23.º, n.º2, par. 2, e 40.º, n.º2, par. 2, EU, em matéria se segundo e terceiro pilares, e o art. 11.º, n.º2, par. 2, CE, vieram dar um novo alento ao direito de veto no Conselho para a defesa de «importantes e expressa razões de política nacional». O Tratado de Nice conservou apenas o primeiro daqueles preceitos.
A dinâmica criada pelo progressivo alargamento da regra de maioria qualificada em detrimento da unanimidade cria dificuldades cada vez maiores ao uso do direito de veto no Conselho. A unanimidade é requerida pelo TUE apenas nas cláusulas chamadas «constitucionais», que versam sobre matéria essencial: adesão de novos membros (art. 49.º UE); alargamento de poderes para os órgãos comunitários (art. 308.º CE), orçamento (art. 279.º CE) processo de co-decisão (art. 251.º, n.º3, CE) e processo de cooperação (art. 252.º, al. c, par. 2, CE).
3. Maioria qualificada – o sistema de voto por maioria qualificada encontra-se regulado no art. 205.º, n.º2, CE.
Para o efeito da votação por maioria qualificada aquele preceito adopta o método de ponderação de votos no Conselho, em função, sobretudo, mas não só, de um critério demográfico aplicado aos Estados membros.
Actualmente (a partir de 1 de Novembro de 2004, por aplicação do Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, anexo ao Tratado de Nice, e tal como resulta do n.º2 da Declaração respeitante ao alargamento da União Europeia), de harmonia com este método temos os seguintes números de votos por Estado membro:
a) Alemanha, França, Itália e Reino Unido 29
b) Espanha e Polónia 27
c) Países Baixos 13
d) Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 12
e) Áustria e Suécia 10
f) Dinamarca, Eslováquia, Irlanda, Lituânia e Finlândia 7
g) Esónia, Letónia, Eslovénia, Chipre e Luxemburgo 4
h) Malta 3

As deliberações serão, então, aprovadas se obtiverem, da soma de 321 votos:
a) Pelo menos 232 votos a favor, da maioria dos Estados membros, quando, por força do Tratado, devam ser tomadas sob proposta da Comissão,
b) 232 votos a favor de, pelo menos, 2/3 dos Estados, nos restantes casos.
Todavia, mesmo então, qualquer dos Estados poderá pedir que se verifique e os Estados membros que formaram essa maioria representam, pelo menos, 62% da população total da União, o que, a não acontecer, fará com que a deliberação não se considere tomada.
A minoria de bloqueia será, então, composta por 90 votos de, pelo menos, treze Estados, na primeira hipótese, e 90 votos de 1/3 dos Estados mais um, na segunda hipótese, ou, simplesmente, ela será encontrada quando os Estados membros que não aprovarem a deliberação representarem, pelo menos, 38,1% da população total da União.
A entrada em vigor deste regime foi substituída, sendo que passou a contar a partir de 1 de Janeiro de 2005.

III – O CONSELHO EUROPEU

a) Génese

O Conselho Europeu não se encontrava previsto nos Tratados institutivos das Comunidades. Nasceu da institucionalização das Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo. Com efeito, na Cimeira de Paris em 1974 ficou decidido que os Chefes e Estados e de Governo dos nove Estados membros, acompanhados dos respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros, se reuniriam regularmente três vezes por ano para avaliar e impulsionar tanto a integração europeia como a cooperação política.
Somente com o Acto Único Europeu que essas Cimeiras passariam a ter fundamento jurídico nos Tratados, quando o seu artigo 2.º passou a referir-se ao «Conselho Europeu» e veio estabelecer que ele tivesse, pelo menos, duas reuniões ordinárias por ano (com intervenção dos Chefes de Estado e de Governo e ainda o Presidente da Comissão).
O TUE acolheria em definitivo esse órgão no artigo 4.º das suas «Disposições comuns».

b) Estatuto e competência

O Conselho Europeu não deve ser confundido com o Conselho da União em matéria de actuação como Conselho de Chefes de Estado e de Governo.
Em primeiro do Conselho Europeu faz parte o Presidente da Comissão (o que não se integra na previsão do art. 203.º CE – é composto por um representante de cada Estado membro, a nível ministerial, com poderes para vincular o Estado). O que aqui está em causa são duas legitimidades diferentes: a estadual (participação dos estados no processo de decisão da União) e a integradora (participação da Comissão).
Em segundo tem um regime jurídico próprio. Mesmo quando o Conselho da União é composto por Chefes de Estado ou de Governo rege-se por regras dos Tratados, ao passo que o Conselho Europeu, mesmo quando actua à sombra de preceitos expressos do Tratado CE, não se regula por aqueles mas por outras que lhe são próprias.
Em terceiro, enquanto se encontra previsto no TUE, o Conselho Europeu, é acima de tudo órgão da União Europeia. A sua competência encontra-se aí definida em relação à União Europeia, concebida no seu todo: «O Conselho Europeu dará à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definirá as respectivas orientações políticas gerais» (art. 4.º, par. 1). Assim, este é uma espécie de órgão supremo da União, fixando os grandes rumos políticos da União, entendida no seu conjunto. O Conselho Europeu pratica actos políticos e não jurídicos, embora aqueles que possuem conteúdos jurídicos obrigatórios, serão práticos por outros órgãos da União e da Comunidade, na excepção das linhas de política geral aprovadas pelo Conselho Europeu.
O Conselho Europeu tem também competência no âmbito do Tratado CE (art. 99.º, n.º2, art. 113.º e art. 128.º). Em todos estes casos o Conselho Europeu mantêm a natureza atribuída pelo art. 4.º do TUE, não indo além da definição de orientações de carácter meramente político:
a) Art. 99.º, n.º2 – discutirá uma «conclusão» sobre as orientações gerais das políticas económicas.
b) Art. 113.º - tomará conhecimento do relatório anual do Banco Central Europeu.
c) Art. 128.º - avaliará anualmente a situação do emprego na Comunidade e aprovará «conclusões» nessa matéria.
Não figura entre o rol de órgãos comunitários, constante do art. 7.º CE, e não pratica nenhum dos actos do art. 249.º CE. Possui importante competência no domínio da PESC (art. 13.º EU – define princípios gerais e orientações desta).

c) Composição e funcionamento

Já nos referirmos à sua composição, pelo que devemos acrescentar que podem ter assento os ministros da Economia e das Finanças sempre que o Conselho Europeu se debruce sobre questões relativas à UEM.
O Conselho Europeu é presidido, em cada semestre, pelo mesmo Estado que preside ao Conselho. A preparação dos seus trabalhos preparatórios é coordenada pelo Conselho dos Assuntos Gerais, mas nela desempenham um papel importante, antes de, mais, a presidência, mas também o COREPER e o Secretariado-geral do Conselho.
As reuniões deste têm lugar no território do Estado que exerce a presidência, tendo cada reunião regras comuns aprovadas na Declaração de Londres em 1977.

IV – A COMISSÃO

a) Génese
A Comissão tem a sua origem remota na Alta Autoridade da CECA. O Tratado de fusão, ao cindir os três órgãos executivos das três Comunidades, criou uma só Comissão para todas elas. A sua designação veio a ser a de Comissão das Comunidades Europeias.
Com o Tratado de Maastricht, a Comissão passou a ter competência, no quadro da União, também fora do âmbito das Comunidades. Por isso, hoje designa-se de Comissão Europeia ou Comissão da União Europeia.

b) Composição
Segundo o art. 213.º, .º1, par. 4, CE, a Comissão deve ser composta por um nacional de cada Estado membro, não podendo qualquer Estado ter nela mais do que dois nacionais. Desta forma, quis-se, desde o Tratado de Roma, dar a possibilidade aos quatro grandes, de terem, cada um, dois Comissários.
Na Europa de Quinze o número de Comissários era de 20, com Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido a terem dois Comissários cada.
Aquando a revisão de Amesterdão, foi junto, ao Tratado de revisão, um protocolo, o Protocolo relativo às instituições na perspectiva do alargamento da União Europeia, que estipulava que a Comissão seria composta apenas por um nacional de cada Estado membro, mas, os Estados que perdessem o segundo Comissário seriam compensados no sistema de ponderação de votos no Conselho. Todavia, segundo o mesmo Protocolo, o mais tardar um ano antes da data em que a União Europeia passasse a ser constituída por mais de vinte Estados membros, seria convocada uma CIG, que procederia a uma revisão global das disposições dos Tratados sobre a composição e o funcionamento dos órgãos.
O Tratado de Nice veio estabelecer no art. 4.º do já referido Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, a ele anexo, aquele Tratado procede a uma alteração, em duas fases, ao sistema de composição da Comissão:
Numa primeira fase, a representação igual de todos os Estados. A partir e 1 Novembro de 2004 quando se iniciar o próximo mandato da Comissão, e numa Europa de 25, ela será composta por um nacional de cada Estado membro. Portanto, ela terá então 25 membros.
Numa segunda fase, a representação rotativa. No primeiro mandato que for iniciado pela Comissão após a União ter passado a 25, a Comissão terá menos comissários do que o número de Estado membros. Isto é, nenhum Estado terá mais do que um nacional na Comissão, mas haverá Estados que não terão nenhuma. Então será o Conselho da União Europeia a fixar, por unanimidade, tanto o número de membros da Comissão como as modalidades de «rotação paritária», devendo esta, entre outros princípios, tratar todos os Estados «em rigoroso pé de igualdade» e «reflectir satisfatoriamente o leque demográfico e geográfico do conjunto dos Estados da União».
Na opinião do Prof. Fausto Quadros este sistema é desnecessário (o facto de os membros da Comissão serem em grande número não afecta o funcionamento e a eficácia da Comissão) e incompatível com a função da Comissão (esta encarna a legitimidade de integração, representando o interesse geral dos Estados, pelo que se impunha um tratamento igualitário dos membros).

c) Modo de constituição
Durante muito tempo, segundo o art. 214.º CE, os membros da Comissão eram designados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados membros. O Tratado limitava-se a exigir que eles fossem escolhidos «em função da sua competência geral» e oferecessem «todas as garantias de independência» (art. 213.º, n.º1). Os Governos dos Estados membros ficavam, com uma larga margem de discricionariedade na escolha dos Comissário.
Os Tratados de Maastricht e de Amesterdão limitaram consideravelmente essa discricionariedade dos governos nacionais, ao alterarem substancialmente o actual art. 214.º, sobretudo pela introdução de um n.º2 nesse artigo. O Tratado de Nice, por sua vez, quase que acabou com qualquer intervenção dos governos na matéria: veja-se a actual redacção do art. 214.º.
Passou a ser o Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, e por maioria qualificada, a escolher a personalidade que tenciona nomear Presidente da Comissão. O Regimento do parlamento, no seu art. 32.º, desenvolve e pormenoriza o que nesta matéria dispõe o n.º2 do art. 214.º CE, ao estabelecer que, depois de o Conselho ter chegado a acordo sobre o nome de uma individualidade para o cargo de Presidente da Comissão, o Presidente do Parlamento convida essa individualidade a fazer uma declaração perante o Parlamento e a apresentar as suas orientações políticas para o exercício do cargo. Essa declaração será seguida de debate. Depois, o Parlamento vota por escrutínio secreto o nome proposto. O resultado positivo da votação assume a natureza de eleição pelo Parlamento, que será transmitida ao Presidente do Conselho. Se o resultado da votação do Parlamento for negativo, o seu presidente convidará o Conselho a indicar um novo nome ao Parlamento.
Depois, a convite do Parlamento Europeu, o Conselho, e também por maioria qualificada, aprova, de comum acordo com o Presidente designado, a lista de outras personalidades que tenciona nomear Comissários. Essa lista será elaborada em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado membro (é a única intervenção destes neste processo). Estas personalidades passaram por um exame perante as diferentes comissões parlamentares, conforme os seus domínios de actividade, onde se procura avaliar a capacidade e aptidão para o cargo.
Este sistema foi aplicado às individualidades propostas para a Comissão presidida por Jacques Santer, Romano Prodi e José Barroso, o último dos quais viu mesmo rejeitado o nome de uma individualidade proposta rejeitado pelo Parlamento, obrigando o Conselho e o Presidente da Comissão a substituir essa personalidade.
O Presidente eleito e outros membros designados para a Comissão são sujeitos, com o respectivo programa, à aprovação em bloco, do Parlamento Europeu, por voto nominal. Obtida essa aprovação, todos eles são finalmente nomeados pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada (art. 214.º, n.º2, par. 3, CE e art. 33.º do Regimento do Parlamento).
O mandato dos Comissários é de 5 anos.

d) Estatuto dos Comissários
Os comissários beneficiam de um estatuto que se traduz em quatro características fundamentais:
- Dever de independência: art. 213.º, n.º1 e 2, CE, os Comissários devem desempenhar as suas funções com plena independência e no interesse geral da Comunidade.
- Inamovibilidade: o que quer dizer que só podem cessar as suas funções por qualquer dos seguintes motivos: morte ou exoneração voluntário; exoneração colectiva, por aprovação de moção de censura no Parlamento; demissão, decidida, pelo Tribunal de Justiça, a requerimento da Comissão ou do Conselho.
- Exclusividade de funções.
- Privilégios e imunidades idênticos aos que se aplicam ao comum dos funcionários e agentes da Comunidade.
- Mandato de 5 anos durante os quais exercem funções no interesse da comunidade (art. 213.º, n.º2)

e) Competência
Desempenha um papel que se poderá dizer de órgão executivo da Comunidade. Compete-lhe zelar pelo cumprimento dos Tratados e do demais direito comunitário. A sua competência está definida no art. 211.º CE, e ainda nos arts 205.º; 133.º e 300.º; 99.º, 122.º e 123.º; 104.º e 121.º

f) Funcionamento; Generalidades
A Comissão exerce o essencial da sua competência agindo como órgão colegial. Aliás segundo o TJ «todos os seus membros são colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das deliberações tomadas»#. Isso não prejudica o facto da direcção política caber ao Presidente da Comissão (art. 217.º, n.º1).
Cada Comissário tem um voto. A Comissão delibera por maioria simples dos seus membros (art. 219.º CE e 8.º do Reg.) competindo ao Secretário-Geral da Comissão assegurar a publicação das deliberações no Jornal das Comunidades. Cada membro tem a seu cargo um ou mais pelouros, gozando o Presidente de ampla discricionariedade na atribuição das funções no seio da Comissão.
Cabe a cada Comissário elaborar projectos de propostas a apresentar pela Comissão ao Conselho e, se eles forem aprovados, zelar pela sua aplicação. Cada Comissário gere uma ou mais direcções-gerais, bem como os demais serviços, relacionados com os respectivos pelouros.
Para além disso esta delibera e funciona em colégio (competências colectivas, recaem sobre todos os seus membros, sendo que as deliberações são tomadas em reunião formalmente convocada, votada pela maioria dos membros, necessitando de um mínimo de quórum – fixado no regulamento, art. 219.º).
Para facilitar o processo de decisão, o regulamento interno prevê:
a) O acordo dos membros sobre a proposta de um deles pode ser entregue por escrito (possuindo os membros o prazo de uma semana para exprimir reservas, modificações ou solicitar a discussão da proposta, caso contrário a proposta considera-se tacitamente aceite).
b) Repartição por pelouros, compostos por DGs, que ficam colocadas sob a chefia de um comissário Europeu (opera uma delegação de poderes a favor dos membros da comissão, de funcionários superiores ou órgãos dependentes da Comissão, em que a Comissão assume a responsabilidade pelo exercício de poderes delegados).

f) A delegação de poderes
O avolumar do trabalho da Comissão impôs o recurso ao instituto da delegação de poderes (Regimento da Comissão art. 27.º), podendo esta habilitar os seus membros e os seus funcionários a tomar, em nome da Comissão e sob a sua fiscalização, «medidas de gestão ou de administração claramente definidas».
O TJ considera-os legais desde que estes não ultrapassem o âmbito material definido no referido art. 27.º do Regimento (Ac 15-6-94, BASF.).
Especial referência merece também a criação de órgãos subsidiários com missões específicas, cujos poderes têm de estar claramente delimitados (Ac. 13-6-58. Meroni.).

V – O PARLAMENTO EUROPEU

a) Origem e estatuto

O Tratado de Paris chamava este órgão de assembleia comum. Em 1962, ele auto designou-se como Parlamento Europeu, tendo obtido consagração no QUE e sendo ela depois mantida no TUE.
A ele lhe cabe representar os povos dos Estados-membros. O actual art. 189.º CE dispõe que ele é «composto por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade» (demonstração de que para o TUE não existe um povo europeu). Tem a missão de representar a legitimidade democrática no processo comunitário de decisão ou, melhor, no exercício do poder político comunitário. Está regulado nos arts. 189.º a 201.º do TCE, tendo um regimento próprio.
Tem sede em Estrasburgo (sessão plenária anual), Bruxelas (Comissões Paramentares e sessões extraordinárias) e Luxemburgo (serviços administrativos).

b) Composição

Tanto em 1951 como em 1957, os autores dos Tratados (arts. 21.º CECA e 138.º CEE) haviam previsto que o Parlamento Europeu submetesse ao Conselho um projecto que regulasse a sua eleição por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, segundo um processo uniforme em todos os Estados membros. Ele seria composto por membros cooptados pelos membros dos Parlamentos nacionais.
Em 20 de Setembro de 1976, o Conselho aprovou uma decisão no sentido do sufrágio directo e universal, seguida do acto relativo à eleição dos representantes na Assembleia por sufrágio universal e directo. Assim, em 1979, de 7 a 10 de Junho, foi possível proceder-se às primeiras eleições directas para o Parlamento. Até hoje as eleições não têm um regime jurídico uniforme, estando, sim, em conformidade com o direito eleitoral interno#.
Todavia, de harmonia com o art. 190.º, n.º4, CE, o Parlamento Europeu está encarregado de elaborar um projecto destinado a permitir a sua eleição «segundo um processo uniforme ... ou baseado em princípios uniformes». Por isso, na Resolução de 15 de Julho de 1998, ele propôs um sistema de tipo proporcional, baseado em círculos eleitorais regionais, tendo os Estados liberdade para fixarem um limite mínimo para a repartição dos assentos e a liberdade de autorizarem o escrutínio preferencial. Note-se que à excepção do Reino Unido, que se mantém fiel ao sistema uninominal a uma volta, todos os demais adoptam variantes do sistema proporcional.
Após o Tratado de Nice o art. 189.º CE, o número de deputados do Parlamento Europeu não poderá ser superior a 732. Ultrapassou-se o limite máximo permitido pelo Tratado de Amesterdão, que era de 700. Portando, antes da adesão, o Parlamento compunha-se, antes da adesão dos dez novos Estados, de 626 deputados. Depois, da adesão (1 de Maio de 2004), até ao início da legislatura de 2004-2009, esse número passou para 788, por força do art. 25.º do Tratado de adesão. Com a nova legislatura de 2004-2009, esse número fixar-se-á nos 723, por força do art. 11.º do Tratado de adesão, dando-se cumprimento ao disposto no art. 189.º, par.2.º, CE na redacção de Nice.
Assim o Tratado de Nice ao fixar o limite de 732 e ao reduzir o número de assentos por Estado procurou evitar que o Parlamento tivesse um número elevado de deputados, caso se mantivessem os critérios de proporção que determinam o cálculo do número de deputados do art. 190.º, n.º2. Esta redução só vigorará para as eleições de 2009, uma vez que em 2004 ainda não se reunia o pressuposto de 27 Estado membros.
Portanto, no mandato de 2004-2009 aplicar-se-ão aos dez Estados que aderiram em 2004 os critérios de repartição do número de deputados que presidem ao actual art. 190.º, n.º2, com o que não se ultrapassará, o número 732, como se vê pela soma dos deputados indicados no art. 11.º do Tratado de adesão.
Os deputados são eleitos por sufrágio universal e directo no âmbito de cada Estado (art. 190.º, n.º1). As eleições têm lugar na mesma data em todos os Estados membros e os deputados têm mandatos de 5 anos.
Os assentos são repartidos em função da população (art. 190.º, n.º2, CE). Note-se que o critério da população é aplicado de modo degressivo (por ex: a Alemanha tem 7,7 vezes mais população que Portugal e tem 99 deputados contra 24 de Portugal).
Numa Europa a 25, depois de iniciada a legislatura de 2004-2009, será a seguinte a repartição dos deputados, por força do art. 11.º do Tratado de adesão:
Alemanha 99
França, Itália e Reino Unido 78
Espanha e Polónia 54
Países Baixos 27
Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 24
Suécia 19
Áustria 18
Dinamarca, Eslováquia e Finlândia 14
Irlanda, Lituânia 13
Letónia 9
Eslovénia 7
Luxemburgo, Chipre e Estónia 6
Malta 5
O total de deputados passará para 732, tal como previsto já como número máximo, como vimos, no art. 189.º, par. 2, CE, após a revisão de Nice.
O sistema de relações de poder mantém-se, mas aumenta consideravelmente o peso dos Estados médios

c) Os grupos políticos

O Parlamento Europeu não se encontra organizado por delegações nacionais, mas sim por grupos políticos multinacionais. O Regimento prevê esse modo de organização no seu Capitulo V, desde a Assembleia da CECA.
O próprio Tratado CE no seu art. 191.º, estimula a criação daqueles partidos ao reconhecer-lhes «um importante papel como factor de integração na União». Lembremos apenas os 4 maiores Grupos – PPE-DE; PSE; ELDR; Verdes-ALE.
Os grupos políticos desempenham uma importante função na condução da política ao nível da União em geral. Para além disso os grupos políticos não actuam em nome do Parlamento e os seus actos não lhe são juridicamente imputáveis (Ac. Jean-Marie Le Pen e Front nationeal c. Parlamento Europeu 89).

d) Competência

O Parlamento Europeu é o órgão que mais viu os seus poderes reforçados ao longo de todos estes anos, seja através das revisões de 1985, de 1992, de 1997 e 2000.

Podemos qualificar as seguintes competências

Competência legislativa: A CE possui poder legislativo, traduzido na elaboração de actos que materialmente têm carácter legislativo. O TJ reconheceu-o por diversos vezes, desde logo, quando afirmou a existência de um «sistema legislativo do Tratado», de um «poder legislativo da Comunidade» e de um «legislador comunitário».
A competência legislativa do Parlamento Europeu traduz-se na sua participação na função legislativa da Comunidade. E essa participação assume manifestações muito diferentes. São elas:
- Poder de iniciativa legislativa indirecta: encontra-se no art. 192.º, CE, embora caiba em regra à Comissão (através da apresentação de uma proposta formal). Atribui-se poder de iniciativa indirecta quer ao Conselho (art. 208.º), quer ao Parlamento, que podem provocar a apresentação de uma proposta pela Comissão.
- Competência consultiva simples: encontra-se no art. 192.º, CE. A proposta da Comissão, que em regra abre o processo legislativo, é dirigida ao Conselho, que a dá a conhecer, por um lado ao COREPER, para a preparação da decisão, e, por outro lado, ao Parlamento Europeu, para obter o seu parecer. Na versão original do Tratado era esta a única forma de participação do Parlamento Europeu.
Ela continua a ter lugar quando o Tratado a impuser e quando não estiver prevista outra forma da sua participação naquele processo. Todavia, está previsto no Tratado outra forma de participação: o direito de ser ouvido em matérias em que a sua consulta não era obrigatória à face do Tratado, ou verbalmente, sobre as propostas da Comissão, ou por escrito, pelo Conselho. Nasceu, deste modo, um «costume constitucional», que ficou consagrado no Código de conduta celebrado entre a Comissão e o Parlamento em 1995.
Nos casos em que seja obrigatório o Parlamento ser ouvido previamente pelo Conselho ou ser informado previamente da proposta da Comissão, o desrespeito por essa formalidade gera ilegalidade do acto comunitário, por violação de formalidade essencial (Ac. Parlamento Europeu c. Conselho, 94). Se após o Parlamento ter emitido o seu parecer a pedido do Conselho, o projecto de acto comunitário for substancialmente modificado em consequência da alteração sobre as quais o Parlamento Europeu não fora ouvido, este tem direito a voltar a ser ouvido sobre o projecto dessa forma modificado (Ac. Parlamento c. Conselho, 92).
Por sua vez o Parlamento quando for solicitado a pronunciar-se pelo Conselho, deve emitir o parecer em prazo razoável (princípio da colaboração leal entre órgãos).
O parecer não vincula o Conselho, embora este deva fundamentar a sua deliberação, quando decida não o seguir.
- Competência para emitir pareceres vinculativos: Casos em que o Conselho deve seguir o parecer do Parlamento. É o chamado parecer conforme, em que o Parlamento dispõe de um verdadeiro direito de veto: se o seu parecer for negativo, o Conselho não pode aprovar o projecto de acto comunitário.
Esta forma de participação do Parlamento Europeu no processo legislativo foi criado pelo Acto Único Europeu e alargada pelo Tratado de Maastricht. Ela aplica-se a decisões e acordos de grande importância (por ex: à verificação da existência de uma violação grave e persistente, ou do risco dessa violação, por um Estado membro, dos princípios enunciados no art. 6.º, n.º1 do TUE, e sobre os quais assenta a União – art. 7.º, n.º1 e 2, UE), à criação do fundo de coesão (art. 161.º CE), ao estabelecimento de um processo eleitoral uniforme para a eleição do Parlamento Europeu (art. 190.º, n.º4, CE) aos acordos de associação (art. 300.º, n.º3, CE).
- processo de cooperação: Já quando da preparação do Acto Único Europeu alguns Estados membros haviam tentado atribuir ao Parlamento Europeu um poder de co-decisão com o Conselho. Contudo, o AUE criou o processo de cooperação do Parlamento para certas decisões relativas ao mercado interno, visando com isso associar mais estritamente o Parlamento ao processo legislativo, embora não lhe conferindo ainda competência de co-decisão.
Este processo resume-se assim: em caso de desacordo entre o Parlamento e o Conselho, este conserva o poder de decidir, continuando como processo legislativo clássico, a deter a última palavra, mas, para o efeito, tem de deliberar por unanimidade.
A criação pelo Tratado de Maastricht do processo de co-decisão, diminui a importância do de cooperação, que, com o Tratado de Amesterdão, se tornou residual (arts. 99.º, n.º5; 102.º, n.º2; 102.º, n.º2 e 106.º, n.º2 CE).
O processo de cooperação divide-se em várias fases (art. 252.º CE).
Na base de uma proposta da Comissão e obtido um primeiro parecer do Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros apura uma «posição comum» por maioria qualificada.
O Parlamento Europeu tem depois três meses para em segunda leitura, se pronunciar sobre essa posição comum do Conselho, que lhe é transmitida com a fundamentação quer da Comissão, quer do Conselho. E ele pode então escolher uma de entre três hipóteses:
1) Aprova expressamente a posição comum do Conselho, ou não se pronuncia sobre ela dentro daquele prazo, considerando-se o acto adoptado.
2) Rejeita, por maioria absoluta dos membros que o compõem, a posição comum do Conselho. Nesse caso o acto só se considera adoptado se o Conselho o vier a aprovar por unanimidade. A falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu, equivale à rejeição definitiva da proposta da Comissão.
3) Aprova, por maioria absoluta dos seus membros, alterações à posição comum do Conselho. O projecto de acto é enviado outra vez à Comissão para que ela, dentro de um mês, apresente uma nova proposta ao Conselho qure inclua, se a Comissão assim o entender, as alterações aprovadas pelo Parlamento. A nova proposta da Comissão deve ser fundamentada. Se, ao contrário, a Comissão apresentar ao Conselho uma nova proposta, o Conselho delibera depois em definitivo: a proposta da Comissão considera-se aprovada, por maioria absoluta, se ela não tiver sido objecto de qualquer modificação, ou, por unanimidade, no caso contrário. Esta última hipótese, a de a nova proposta da Comissão ter sido modificada, pode ficar-se a dever a uma de três causas: ela foi modificada pelo Conselho, ou este aprovou alterações introduzidas na primeira proposta da Comissão pelo Parlamento Europeu mas que haviam sido aceites depois pela Comissão na sua nova proposta, ou o conselho rejeito as alterações sugeridas pelo Parlamento Europeu à primeira proposta da Comissão que esta acolhera na sua nova proposta. Também aqui a falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho entre o Conselho e o PE, equivale a uma rejeição definitiva da proposta da Comissão. E qualquer caso, porém, e como se vê, o Conselho conserva a última palavra no processo legislativo.
Por força da alteração introduzida pelo Tratado de Maastricht no actual art. 252.º, a Comissão pode modificar a sua proposta inicial em qualquer fase do processo de cooperação.
O processo de cooperação tem funcionado de modo positivo, embora pareça óbvio que ele deve ser simplificado e que, em qualquer caso, o art. 252.º deve passar a ter uma redacção que o torne mais facilmente inteligível. De qualquer forma, repete-se o processo de cooperação parece condenado a desaparecer à medida em que for alargado o processo de co-decisão.
- O processo de co-decisão: Traduz-se num processo de decisão conjunta do PE e do Conselho, os dois co-legislam.
Foi introduzido pelo Tratado de Maastricht e depois alargado pelos de Amesterdão e Nice. Respondeu à aspiração do PE de possuir um verdadeiro poder de decisão no plano legislativo, à margem da matéria orçamental. Assim, passou a haver actos comunitários que têm de ser aprovados nos termos tanto pelo PE como pelo Conselho. Se persistir um desacordo entre os dois, o Parlamento pode rejeitar o texto apresentado pelo Conselho. Portanto, o Conselho, na co-decisão, deixa de ter a última palavra.
Encontra o seu regime jurídico no art. 251.º CE, para o qual remetem, quase sempre de modo expresso, os preceitos do Tratdo que exigem, para matérias concretas, a co-decisão. O processo de co-decisão aplica-se a algumas das matérias que antes estavam sujeitas a um mero processo de consulta do Parlamento Europeu ou ao processo de cooperação.
O processo de co-decisão aplica-se as seguintes matérias (ver pag. 244).
Foi simplificado pelo Tratado de Amesterdão em relação ao teor inicial do ex-art. 189-B. Mesmo assim, e apesar da maior felicidade da redacção do actual art. 251.º, por confronto com o art. 252.º, sobre o processo de cooperação, convém que enunciemos aqui o modo como o processo de co-decisão se encontra hoje regulado no art. 251.
Sobre a proposta da Comissão, o Parlamento Europeu emite um primeiro parecer, eventualmente com alterações àquela proposta. O Conselho de Ministros, em primeiro leitura, pode, por maioria qualificada, tomar uma de duas atitudes:
1) Aprova o acto, em qualquer momento do processo legislativo posterior ao parecer ao PE, ou porque este parecer é favorável à proposta da Comissão, e, por isso, não sugere qualquer alteração àquela proposta, ou porque o Conselho está de acordo com todas as alterações sugeridas no parecer do PE.
2) Ou, especialmente no caso de rejeição de todas, ou algumas, das alterações sugeridas no parecer do PE, aprova uma posição comum e transmite-a ao PE, fundamentando a sua decisão. Por sua vez, a Comissão dá conta ao PE da sua posição.
O PE dispõe de seguida de um prazo de três meses para se pronunciar, podendo escolher um dos seguintes três caminhos:
1) Aprova a posição comum, ou não se pronuncia dentro daquele prazo. Nesse caso, o acto comunitário considera-se aprovado em conformidade com a posição comum.
2) Rejeita, por maioria absoluta, a posição comum do Conselho. Nessa hipótese, o acto comunitário proposto entende-se como não provado.
3) Propõe, por maioria absoluta, alterações à posição comum do Conselho. Nesse caso, a Comissão é ouvida sobre as alterações propostas e o Conselho, em segunda leitura, é convidado a pronunciar-se sobre o acto, assim alterado, no prazo de três meses depois de ter recebido as alterações do Parlamento. Se o Conselho aprovar todas essas alterações (por maioria qualificada quanto às alterações que tenham obtido a concordância da Comissão, ou unanimidade quanto às alterações que tenham merecido a discordância da Comissão), considera-se que o acto foi aprovado, sob a forma da posição comum emendada que, nesse caso, se considera adoptada. Se, ao contrário, o Conselho não aprovar todas essas alterações, o Presidente do Conselho, de acordo com o Presidente do PE, convoca o Comité de conciliação.
Este comité compõe-se de igual número de membros do Conselho e do PE. Tem o encargo de, dentro de seis semanas, chegar a acordo sobre um projecto comum susceptível de ser aceite pelas duas partes. Delibera por maioria qualificada dos membros do Conselho, ou dos seus representantes, e por maioria simples dos membros do PE. A comissão participa nos trabalhos e toma todas as iniciativas necessárias à aproximação necessárias à aproximação das posições do PE e do Conselho.
Se o Comité de Conciliação aprovar, no prazo de seis semanas, um projecto comum, o PE e o Conselho dispõem de seis semanas a contar dessa aprovação para aprovar o acto em conformidade com o projecto comum, deliberando por maioria absoluta dos votos expressos entre os representantes do PE e por maioria qualificada entre os representantes do Conselho. Considera-se que o acto não foi aprovado se o Comité de Conciliação não chegar a um acordo dentro do prazo fixado, ou se qualquer dos dois órgãos rejeitar o projecto comum, ou não se pronunciar nas seis semanas seguintes.
Os prazos de seis semanas e três meses podem ser prorrogados por iniciativa do PE ou do Conselho. Por derrogação a este regime, o Conselho de Ministros delibera sempre, ao longo do processo de co-decisão, por unanimidade, quando estejam em causa as matérias doas arts. 18., n.º2, 42.º, 47.º, n.º2 e 151.º, n.º5, CE.
Quanto às matérias dos arts. 156.º e 172.º, par. 2, CE, o acto aprovado no termo do processo de co-decisão carece de acordo dos Estados membros interessados.
O processo de co-decisão supõe o acordo dos dois co-titulares do poder legislativo, bastando a oposição de um deles para impedir a aprovação do acto. É por isso que os actos aprovados pelo processo de co-decisão são actos «do Parlamento e do Conselho», e são assinados pelos Presidentes dos dois órgãos (art. 254.º, n.º1 CE). O processo de co-decisão trouxe um salto qualitativo na repartição de poderes, através da valorização do papel do PE, tornando-o em co-legislador comunitário (embora não exista simetria perfeita, uma vez que o PE tem o poder de impedir, enquanto o Conselho tem o poder de decidir).
- Competência legiferante: aparece no art. 268.º e ss. Trata-se de competência para aprovar sozinho actos legislativos, ainda que com a participação prévia, no processo legislativo, de outros órgãos.
É o que especificamente acontece em matéria orçamental. O procedimento orçamental da CE é extremamente complexo, como se pode ver pelo longo art. 272.º, onde ele se encontra regulado. Acontece que quem tem competência para aprovar o orçamento é o Parlamento Europeu (art. 272.º, n.º7), que também tem competência para o rejeitar, desde que o rejeite em bloco (art. 272.º, n.º8).
A competência do PE em matéria orçamental, pelo seu carácter próprio, merece tratamento autónomo.
b) Competência de fiscalização: Como órgão eleito por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, e, portanto, expoente máximo da ideia de Democracia no sistema orgânico da União, o pE goza, desde o Tratado de Roma, de importante competência de fiscalização, que o Tratado da União Europeia veio alargar. Embora essa fiscalização se exerça, sobretudo, sobre a Comissão, ela estende-se a outros órgãos da Comunidade. Assim:
1) o PE exerce um controlo geral sobre a actividade executiva dos órgãos comunitários. Ele pode colocar questões, escritas e orais, à Comissão e ao Conselho, no âmbito das matérias dos três pilares (art. 21.º, par. 2 e art. 39.º, n.º3 UE, e art. 197.º, pars. 3 e 4, CE). A Comissão tem de lhe apresentar relatórios sobre a actividade da União e das Comunidades (art. 21.º, par. 1, e art. 39.º, n.º2 UE e art. 200.º CE). O Conselho Europeu submeter-lhe-á um relatório na sequência de cada uma das suas reuniões, bem como um relatório anual sobre as suas actividades (at. 4.º UE). A presidência informá-lo-á regularmente sobre a evolução da PESC (art. 21.º, par. 1, UE) e da CPJP (art. 39.º, n.º2, UE).
2) Exerce controlo específico a nível político directo sobre a actividade da Comissão. Intervém no processo de designação da Comissão, quer ao aprovar a personalidade proposta pelo Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, Para Presidente da Comissão, aprovando também o Presidente e outros membros da Comissão (art. 214.º, n.º2 e 3 CE). Pode fazer cessar o mandato da Comissão, através de uma moção de censura (art. 201.º).
3) Todo o cidadão europeu, no quadro da cidadania da União, bem como qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, goza de um direito de petição junto do PE, nos termos do art. 194.º CE.
4) Um provedor de Justiça Europeu, eleito pelo Parlamento Europeu, tem competência para receber queixas de qualquer cidadão europeu, bem como de qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, relativas a actos de «má administração» de qualquer instituição ou órgão comunitário, com excepção do TJ e do TPI no exercício das respectivas funções jurisdicionais, de harmonia com o disposto no art. 195.º CE.
5) Em caso de infracção, ou de má administração, na aplicação do Direito Comunitário, o Parlamento Europeu pode constituir uma comissão de inquérito temporária, excepto se algum tribunal estiver, e enquanto estiver, ocupado com os factos alegados (art. 193.º CE).
c) Competência em matéria orçamental: Essa competência foi sendo alargada progressivamente. Diversos acordos entre o PE, o Conselho e a Comissão vieram facilitar e simplificar o procedimento orçamental. É o caso, mais recentemente, do Acordo interinstitucional de 6 de Maio de 1999 sobre a disciplina orçamental e o melhoramento do procedimento orçamental, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000.
Com base no anteprojecto do orçamento, que é elaborado pela Comissão, o Conselho prepara o projecto de orçamento e submete-o ao PE (art. 272.º, n.º1, 2 e 3). O Parlamento pode propor alterações quanto às despesas obrigatórias, mas, ao contrário, tem a última palavra em matérias de despesas não obrigatórias, sem embargo de te de respeitar a taxa máxima de aumento fixado pela Comissão, que, todavia, pode ser ultrapassado por acordo entre os três órgãos (art. 272.º, n.º4 a 9).
Ao fim de um complexo procedimental de conciliação entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho, é o Parlamento que aprova, em definitivo, o orçamento (art. 272.º, n.º7). Mas ele pode também rejeitá-lo. Nesse caso, deve rejeitar o orçamento em globo (como o fez em 1980 e 1985), pedindo ao Conselho que lhe apresente um novo projecto de orçamento (art. 272.º, n.º8).
A execução do orçamento compete à Comissão (art. 274.º). Todavia, o PE fiscaliza essa execução (art. 275.º), da qual dá quitação à Comissão (art. 276.º). O controlo financeiro da execução do orçamento cabe ao Tribunal de Contas, cujos poderes de investigação foram reforçados pelo Tratado de Amesterdão (art. 248.º, CE).
d) Competência em matéria de relações internacionais: A conclusão de acordos internacionais pela Comunidade (acordos internacionais tal como resulta da Convenção de Viena de 1969) encontra-se regulada no art. 300.º CE.
È a Comissão que negoceia o acordo, depois de para o efeito ter sido autorizada pelo Conselho. A autorização concedida pelo Conselho inclui um «mandato de negociação» e a indicação dos comités especiais e grupos de trabalho que hão-de assistir a Comissão nas negociações.
A conclusão do acordo cabe ao Conselho e traduz-se num acto pelo qual este autoriza o presidente em exercício a assinar o acordo.
O Tratado de Amesterdão veio permitir a aplicação provisória de um acordo antes da sua entrada em vigor, bem como a suspensão da aplicação de um acordo que já se encontra em vigor (art. 300.º, n.º2).
A intervenção do parlamento Europeu na conclusão de acordos internacionais tem vindo a aumentar progressivamente desde o Tratado de Roma.
A partir do AUE o PE passou a beneficiar de um verdadeiro direito de veto quanto aos acordos de associação, sob forma de parecer favorável aprovado por maioria absoluta (art. 238.º, n.º2 CE). O Tratado de Maastricht retirou daquele artigo a intervenção do PE
O Tratado de Amesterdão sentiu a necessidade de codificar a competência do Parlamento Europeu em matéria de conclusão de acordos internacionais, reforçando a sua competência na matéria. Fê-lo no art. 300.º CE. Assim, segundo o n.º3, par. 2, desse art., alguns ficaram sujeitos, antes da sua conclusão pelo Conselho, a um parecer favorável do Parlamento, agora por maioria absoluta dos votos expressos: os acordos de associação, previstos no art. 310.º CE, os acordos que criam um quadro institucional específico ao organizarem processos de cooperação, os acordos com implicações orçamentais sensíveis para a Comunidade e os acordos que impliquem uma modificação de um acto aprovado de harmonia com o processo de co-decisão. Quanto a todos os demais acordos vigora o princípio geral: carecem de parecer obrigatório do PE (o Conselho não os pode ratificar sem este – excepção são os acordos comerciais do art. 133.º).
O Tratado de Nice atribuiu competência ao PE para pedir parecer do TJ sobre a compatibilidade de um projecto de acordo com as disposições do Tratado

VI – O TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

a) Introdução

Os dois Tribunais são hoje tribunais autónomos entre si, tendo o Tratado de Nice posto termo à situação em que os dois nos apreciam como irmãos siameses, com preponderância do TJ.
Tanto o art. 5.º UE e 7.º CE omite em referência expressa ao TPI. Ora, essa referência passou a ser necessária a partir do momento em que ele se autonomizou juridicamente do TJ. E, dado que também os dois Tribunais pertencem hoje ao «quadro institucional único», ao qual se refere o art. 3.º UE, ambos têm de ser considerados hoje Tribunais da União Europeia e não apenas Tribunais Comunitários.
O Tratado UE não atribui expressamente competência ao TPI, mas só ao TJ, no domínio dos segundo e terceiro pilares. Mas pensamos que nem por isso o TPI deve ser despromovido a mero Tribunal Comunitário dado que o Tratado de Nice quis promovê-lo, não só a tribunal autónomo em relação ao TJ, como também a um grande Tribunal de Primeira Instância.

b) Génese e evolução histórica

Até ao AUE o TJ foi o único Tribunal das Comunidades (encontrava-se no art. 164.º CE). O AUE inseriu no Tratado CE «uma jurisdição encarregada de conhecer em primeira instância .. associada ao Tribunal de Justiça». Para além disso o Conselho, pela Decisão 88/591/CECA, CEE,CEEA, de 24 de Outubro de 1988, criou o TPI, inclusive, baptizando-o com essa designação.
Estávamos perante uma situação em que, juridicamente, havia só um tribunal, no qual, no plano institucional, estava integrado o TPI, como tribunal «associado» ao TJ. Esta situação tinha consequência, no plano funcional, que o TJ continuava a ser sempre o tribunal de última instância nas questões de direito.
Com o Tratado de Nice, o art. 220.º CE, com a alteração que nele introduziu aquele Tratado, passou a dispor que, «No âmbito das respectivas competências, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem o respeito do direito na interpretação e aplicação do presente Tratado». O Tratado CE passou a ver os dois Tribunais com autonomia e com igual dignidade, pelo que a novo art. 220.º CE abrogou a referida Decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988. Reforçou-se consideravelmente o âmbito da jurisdição do TPI, fazendo deste um verdadeiro tribunal de primeira instância (arts. 225.º e 225.º-A CE, interpretados em conformidade com o art. 51.º do Protocolo relativo ao Tribunal de Justiça, anexo ao Tratado de Nice, onde se introduz uma substancial limitação à jurisdição do TPI).
O TPI passou a poder ter adstritas a si, câmaras jurisdicionais. Estas não são secções do TPI, porque não fazem parte dele (art. 220.º, par. 2; 225.º-A, pars. 1 e 3). São portanto, órgãos jurisdicionais autónomos, em relação ao TPI, especializados em matérias concretas.

c) A função geral dos Tribunais

Existe nas Comunidades um verdadeiro poder judicial, ainda que com as limitações próprias correspondentes ao carácter inacabado da União. Engloba não só o TJ e o TPI mas também os Tribunais nacionais da União.
Pelo art. 220.º CE, o Tratado comete aos Tribunais da União «no âmbito das respectivas competências», o encargo de garantir «o respeito do direito na interpretação e na aplicação do presente Tratado».

d) Um verdadeiro poder judicial

As comunidades tentaram encontrar com os Estados uma repartição de poderes funcional, sempre com a consciência de que a efectividade do Direito Comunitário exigia um poder judicial forte.
Daí também se falar dos tribunais nacionais como tribunais comuns do contencioso comunitário.
Trata-se de um sistema judicial próximo dos sistemas judiciários dos Estados federados.
Tratam-se de tribunais não isolados na ordem internacional, mas integrados num sistema judiciário coerente, e de jurisdição obrigatória (a simples adesão de um Estado à Comunidade fá-lo sujeitar-se à sua jurisdição) e exclusiva (art. 292.º CE, os litígios para os quais têm competência encontram-se subtraídos à jurisdição de qualquer outro tribunal nacional ou internacional, não podendo aqueles deixar de os decidir, sob pena de incorrerem em denegação de justiça).

e) O âmbito da jurisdição

Tem um competência variada e extensa. Podemos distinguir os seguintes grupos:
a) Jurisdição constitucional – actuam num modelo próximo do constitucional, cabendo-lhes fiscalizar a conformidade do Dt. Comunitário derivado e do comportamento dos Estados e particulares com os Tratados, entendidos como lei fundamental das Comunidades.
b) Jurisdição administrativa – embora menos importante que a anterior, é, a mais vasta e a mais ampla, pelo simples facto de o Contencioso Comunitário ter sido fortemente moldado segundo o figurino do Contencioso Administrativo da França e Alemanha.
c) Jurisdição internacional – também dirimem litígios entre Estados membros (arts. 227.º e 239.º CE).
d) Jurisprudência uniformizadora – permite assegurar o respeito pela essência do Dt. Comunitário. Assegura a aplicação e interpretação uniforme do Direito (art. 234.º CE).
e) Jurisdição com alcance político – o TJ pode demitir um membro da Comissão (art. 213.º CE), um juiz ou advogado geral (art. 6.º do Estatuto, aplicável ao TPI e art. 225.º CE) um governador do Banco Central (art. 14.º, n.º2 do Estatuto do BCE), e pode aplicar sanções políticas a um Estado (art. 46.º, al. e) UE).

f) Estatuto e composição

Os dois Tribunais encontram-se regulados nos arts. 220.º e ss do TC. Eles regem-se pelo seu Estatuto , que foi alterado pelo Tratado de Nice, através do já referido Protocolo, que se encontra anexo àquele Tratado. O TJ elabora o seu Regulamento Processual, que carece de aprovação pelo Conselho, por maioria qualificada (art. 223.º, par. 6). O TPI tem o seu próprio regulamento processual, que deve ser aprovado pelo TJ e pelo Conselho por maioria qualificada (art. 224.º, par. 5).
È composto por um juiz por Estado-membro (art. 221.º) e por oito advogados gerais (art. 222.º - este não representa nem defende qualquer parte: age com «imparcialidade e independência»). O Prof. Fausto Quadros prefere designa-lo como Procurador Geral, por analogia com a função de promotor da legalidade do Ministério Público em Portugal.
Os critérios de escolha estão definidos nos arts. 223.º, n.º1, CE e do art. 9.º do Estatuto do TJ e pelo art. 13.º, n.º1 do Tratado de adesão de 2003.
O Presidente do TJ é eleito pelos seus pares para um mandato de três anos, renováveis. Quanto ao TPI ele é composto pelo menos por um juiz de cada Estado membro (art. 224.º, par. 1). É o Estatuto do TJ que fixa o número de juízes do TPI (actualmente são vinte e cinco – art. 48.º do Estatuto e os arts. 13.º, n.º2, e 46.º, n.º1 do tratado de adesão de 2003). O TPI é assistido por advogados-gerais (art. 224.º, par. 1,CE).

g) Competência e funcionamento

A competência dos Tribunais e o seu funcionamento encontram-se regulados, para a União Europeia, no art. 46.º, als. b), c), e e) UE e, para a CE, no art. 46.º al. a), UE, e nos arts. 225.º a 244.º CE, bem como no respectivo Estatuto e nos seus Regulamentos Processuais.
O seu funcionamento está regulado nos Tratados e no Estatutos respectivos Regulamentos Processuais.
O TJ reúne em Secções o Grande secção, podendo reunir-se em Tribunal Pleno (art. 221.º).
Mais tarde estudaremos em profundidade o Contencioso da União Europeia.














«Les Étas Unies d’Europe ont Commencé»
Jean Monet 1955












PARTE I – O DIREITO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA

SECÇÃO I – A INTEGRAÇÃO EUROPEIA

. A ideia da Europa ao longo da história

A origem da palavra Europa remonta ao séc. VII a.C., tendo sido introduzida por Hesíodo. Foram portanto os gregos que criaram uma noção geográfica da Europa: um espaço vasto, apresentado como indo do Atlântico aos montes Urais. É este o primeiro sentimento de unidade em torno da Europa, o geográfico.
Já no séc. IX d.C. será Carlos Magno, a interpretar essa unidade como tendo um sentido mais profundo, essencialmente identificado com a cristandade (Respublica Christiana) – unidade ideológica e espiritual. Importante foi também o contributo dos Doutores da Igreja (S.Tomás de Aquino).
Com a viragem da Idade Média para o Renascimento a Europa divide-se: no plano político (soberania dos Estados) e no plano religioso (reforma) no plano económico (mediante o crescimento do nacionalismo). Perante isto fracassam os projectos de Rosseau e de Kant (Paz Perpétua e Projecto para a Paz Perpétua).
È também nesta época que se começa a construir uma identidade cultural (Leibnitz, Victor Hugo)
O século XIX nasce com o escrito de Saint Simom «Da organização da sociedade europeia...». Baseado nesse espírito as cinco grandes potências da época (Inglaterra, França, Áustria, Prússia, Rússia) criam o «concerto europeu», como herdeiro da Santa Aliança.
O século XX aprofunda o exacerbar dos nacionalismos, o empolamento do jus belli e o livrecambismo económico.

. Os projectos de integração europeia#

No rescaldo da Guerra, os estados europeus tomam consciência da sua fragilidade e dos perigos da sua desunião. Surgem propostas de associação para Estados europeus (Nação europeia; federalismo europeu). Esse movimento aprofunda-se após 1927 com a divulgação de obras que propõem uma União Aduaneira Europeia e como uma união Europeia de tipo Confederal.
Todas estas propostas fracassam, diante o contexto da grande depressão de 1929 e do ressurgir das rivalidades nacionais que conduziram à 2.ª Grande Guerra.

. O início da integração europeia

A integração europeia, tal como a vivemos hoje, só se iniciou depois da 2.ª Grande Guerra, diluindo-se com a própria história da Europa no séc. XX. A primeira personalidade a alertar para a importância da reconciliação franco-alemã foi Churchill em 1946, avançando com o conceito de «Estados Unidos da Europa». Churchill, em 1946 falou pela primeira vez na «cortina de ferro» que se estendia a Leste..
Em Dezembro do mesmo ano é fundada em paris a União Europeia dos Federalistas. Em 1947 é proposto o Plano Marshall (que marca também a divisão com o Bloco de Leste). Em Junho de 1948, dezasseis Estados, entre os quais Portugal, instituem a OECE, mas já em Janeiro desse ano havido sido fundado o Benelux. Em Março desse ano era assinado o Tratado de Bruxelas, que instituía a União da Europa Ocidental.
Em Janeiro de 1949 é instituído o Conselho da Europa (em Estrasburgo). Em Abril desse ano haveria de ser assinado o Tratado do Atlântico Norte, que criava a NATO.
Assim, se a OECE dava corpo à cooperação económica entra Estados da Europa Ocidental, com o pretexto de gerir o plano Marshall, o Conselho da Europa e a NATO visavam servir de Suporte à cooperação política e militar entre eles.
Note-se que a República Federal da Alemanha só teria a sua Lei Fundamental em 1949, pelo que o federalismo alemão do pós-guerra não podia ainda, servir de modelo de inspiração para os adeptos da integração europeia.

Cronologia

Data Tratado/Discurso Cidade/Instituidor
19 de Setembro de 1946 Estados Unidos da Europa Zurique/Winston Churchill
17 de Dezembro de 1946 U.E. dos Federalistas Paris/Spinelli
5 de Junho de 1947 Plano Marshall Marshall
1 de Janeiro de 1948 Convenção Aduaneira – Benelux
17 de Março de 1948 Tratado de Bruxelas – União da Europa Ocidental Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido
16 de Abril de 1948 Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE)
28 de Janeiro de 1949 Conselho da Europa Reino Unido, França e os Estado do Benelux
4 de Abril de 1949 Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) Washington



. Do Plano Schuman à criação das Comunidades

A criação do Conselho da Europa, numa base essencialmente de cooperação intergovernamental, retirava do processo de integração, o elemento político. Por isso, os fundadores da integração europeia decidem começar o processo pelo método funcional, ou de integração sectorial.

Em 9 de Maio de 1950 Robert Schuman Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, propõe o Plano Schuman. Este Plano visava «colocar o conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob uma Alta Autoridade comum, numa organização aberta à participação dos outros estados Europeus». O plano Schuman deve ser visto, pois, como a verdadeira Carta fundadora da Europa Comunitária. Inspirava-se no Plano de modernização e de equipamento francês, elaborado por Jean Monet.

Quanto ao modo – Começando pela integração ao nível do carvão e do aço, a integração deveria ser evolutiva ou gradual: «A Europa não se fará de imediato, mas numa construção conjunta; ela far-se-á através de realizações concretas, pela criação, para começar, de uma solidariedade de facto».

Quanto aos fins – o Plano, era claro ao ligar as causas da integração aos objectivos prosseguidos, imediatos e mediatos. Era urgente consolidar-se a paz na Europa. Era necessário pôr termo à oposição franco-alemã, e por isso se dizia, que dele resultariam «os primeiros passos concretos para uma Federação europeia indispensável à preservação da paz».

O Reino Unido rejeita desde logo a ideia de uma entidade dotada de poderes supranacionais, mas Alemanha, Itália e Benelux resolvem aderir àquele Plano. Das negociações surgiria em 18 de Abril de 1951 o Tratado que instituía a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
Os Seis países da CECA decidem retomar a componente política do processo de integração, que fora sugerida pelo Congresso de Haia mas havia sido abandonada pela criação do Conselho da Europa numa base intergovernamental. Assim em 27 de Maio de 1952 assinam o Tratado da Comunidade Europeia de Defesa.
No seguimento fazem aprovar em 15 de Março de 1954 o Tratado que instituía uma Comunidade Política Europeia (ComPE). Esta teria como objectivo salvaguardar os Direitos do Homem, garantir a segurança dos Estados membros contra qualquer agressão, coordenar a sua política externa e estabelecer progressivamente um Mercado Comum. Ela absorveria a CECA e a CED, fazendo com que o método funcional fosse substituído, na integração europeia, pelo método global. Contudo, dada a rejeição pela Assembleia Nacional francesa, da CED, a ComPE não haveria de avançar.
Não estavam ainda reunidas condições para a integração política, pelo que se regressa à integração sectorial.
A partir de 1955 relança-se a integração económica, sendo aprovado na Conferência de Messina a criação do Mercado Comum Europeu e a Comunidade para a energia nuclear. Em 1957 são assinados em Roma, dois Tratados, que criavam a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómicas. Subsidiariamente é assinado um terceiro Tratado, a Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias, que criou para as três comunidades uma única Assembleia, um único tribunal e um único Comité económico e Social. Era o primeiro «Tratado de fusão» de órgãos comunitários (o segundo tratado de fusão viria a ser assinado em 1965 – Tratado que cria um Conselho único e uma Comissão única para as Comunidades Europeias). Os três tratados de Roma entrariam em vigor em 1958.
Com efeito Inspirando-se na concepção neo-liberal quanto às vantagens do alargamento do mercado e do estímulo da concorrência, a CEE teve por base uma união aduaneira, a que se fez acrescer a livre circulação dos factores de produção, configurando a união aduaneira completada pela livre circulação dos factores o estádio do processo de integração conhecido por «mercado comum».
A união aduaneira e o mercado comum eram fórmulas de integração «liberal» ou «negativa», traduzida na supressão de obstáculos às relações económicas entre os espaços nacionais. Era possível completá-la por esforços de integração «concertada» ou positiva, envolvendo a coordenação de políticas económicas e adopção de políticas comuns. Na visão original da CEE, era nítida a prevalência da integração «negativa».

Cronologia

Data Tratado Cidade/Instituidor
9 de Maio de 1950 Plano Schuman Robert Schuman
18 de Abril de 1951 CECA
22 de Maio de 1952 Comunidade Europeia de defesa (CED) Paris
10 de Setembro 1952 – 15 de Março 1954 (Preparação e redacção final) Tratado que institui uma Comunidade Política Europeia (ComPE)
Junho de 1955 Conferência de Messina
25 de Maio de 1957 Tratados de Roma – Comunidades Económicas Europeias; Comunidade Europeia para a Energia Atómica; Convenção relativa a certos órgãos comuns às Comunidades Europeias. Roma


. Da criação das Comunidades ao primeiro alargamento

Tendo-se recusado a participar na criação da CEE, a Inglaterra procurou envolver os países em causa numa vasta zona de comércio livre abrangendo a generalidade dos países da Europa ocidental. A ideia foi rejeitada em Novembro de 1958 por iniciativa da França, afirmando-se o propósito de consolidar a integração económica e politica prosseguida no âmbito da CEE.
Com efeito, pressentido os efeitos negativos de ter ficado de fora da CEE o Reino Unido toma a iniciativa de criar um simples zona de comércio livre, que será instituída em 4 de Janeiro de 1960, a convenção de Estocolmo, que cria a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) - (Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suiça e Portugal).
Nesse mesmo ano a OECE dá lugar à OCDE, mais ambiciosa nos seus objectivos (deixava de ser uma organização meramente europeia e abria-se a todos os Estados de Economia de Mercado, não prosseguindo apenas objectivos económicos).
A 5 de Setembro de 1960, o Presidente Charles De Gaulle propõe o reforço da cooperação política entre os seis, através da instituição de uma União política Europeia. A proposta de De Gaulle encerrava, em si mesma, uma contradição substancial, pois ao mesmo tempo que defendia a unificação, ela aceitava que os órgãos da União só tivessem atribuições «técnicas», nos domínios da política, da Economia, da Cultura e Defesa, mas recusava a ideia de uma «autoridade sobre os Estados».
Esta concepção materializou-se num projecto de Tratado, o Plano Fouchet. Este defendia a criação de uma união política Confederal, com personalidade jurídica própria, baseada no respeito pela personalidade dos povos e dos estados membros. Era a segunda tentativa de criar uma Comunidade Política Europeia de carácter global.
Por outro lado, a França, nos anos que se seguiram á instituição da CEE mostrou-se contrária à aceitação de soluções baseadas no modelo supranacional, opôs-se, a partir de 1965, a que fossem aplicadas as regras do Tratado CEE em que se previa a passagem da votação no Conselho por unanimidade para a votação por maioria qualificada. A «crise da cadeira vazia»# foi resolvida pelo compromisso do Luxemburgo, de Janeiro de 1966, no qual a França fez valer o seu ponto de vista de que, estando em causa decisões muito importantes para um Estado-membro, se deveria prosseguir na discussão do problema até se alcançar acordo unânime.

Cronologia

4 de Janeiro de 1960 EFTA Convenção de Estocolmo
5 de Setembro de 1960 Plano Fouchet


. Do primeiro alargamento à criação da União Europeia

Em face da evolução do progresso da integração europeia, o Reino Unido decide pedir a adesão às comunidades. Só em 1969, na Cimeira de Haia se dá resposta positiva ao pedido britânico. A adesão haveria de ocorrer em 1 de Janeiro de 1973, com Reino Unido, Dinamarca e Irlanda a entrarem nas comunidades. A Noruega, que também negociara a adesão, ficaria de fora, perante a recusa ao Tratado de adesão, forçada por referendo.
A Europa dos Seis passava, dessa forma, a Europa dos Nove.
A CEE resolve acelerar a integração e prepara a União Económica e Monetária. Haveriam de falhar três tentativas de a estabelecer (Plano Barre de 1969; o Plano Werner de 1970; e a Iniciativa Jenkins de 1977) por falta de vontade política. Igual destino têm as tentativas de criar uma União Política.
Entretanto, em 1981 a Grécia, haveria de ser o décimo membro das Comunidades. Nesse ano o Plano Genscher-Colombo, proposto pelos Ministros do Negócios Estrangeiros da Alemanha e da Itália, vem relançar e aprofundar a integração europeia.
A 12 de Junho de 1985, Portugal e Espanha, assinam, com as comunidades, o respectivo tratado de adesão, que haveria de entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1986.
Com a entrada dos dois Estados da Península Ibérica aprofundou-se a distância entre os Estados ricos e pobres das comunidades e, por isso, não admira que tenha sido então que começaram a surgir no léxico da integração europeia expressões como «integração a duas velocidades». Com efeito, os Estados mais ricos deviam assumir a função de «locomotiva» da integração e gozar das regalias a isso inerentes.
Os sucessivos alargamentos tornaram imperiosa a reforma do processo de decisão. É neste quadro que surge o Acto Único Europeu, aprovado no Conselho da Europa no Luxemburgo, em 2 e 3 de Dezembro de 1985 e assinado pelos doze em 28 de Dezembro de 1986. A principal inovação do AUE residia na previsão da criação do Mercado Interno Comunitário para 1993, dispondo sobre os meios de ele ser alcançado. O mercado Interno era definido, na redacção que o AUE dava no novo artigo 8.º-A, parágrafo 2, do Tratado CEE, como «um espaço sem fronteiras internas».
Antes de avançarmos na definição dos Tratados Europeus, o Prof. Paulo Pitta e Cunha aborda a evolução do tratamento das comunidades à economia

. A Cimeira da Haia e o projecto de união económica e monetária

Com efeito logo na cimeira de Haia, em 1969, foi aprovado o aprofundar do processo de integração europeia, sendo adoptado, através de Resoluções do Conselho do princípio da década de 70, um plano, tendo por base um relatório de um Comité de peritos (Comité Werner), em que se previa a passagem a um estadia mais exigente de integração, a união económica e monetária.
Entrava-se numa fase de euro-optimismo#, que conhece um final abrupto provocado crise petrolífera internacional. De pé ficou apenas um dos dispositivos para uma primeira fase: o acordo entre bancos centrais visando o estreitamento das margens de flutuação entre as moedas comunitárias, em que se baseou a experiência que ficou conhecida como a «Serpente comunitária».

. O Sistema Monetário Europeu

No final dos anos 70 registaram-se importantes avanços no processo de integração. As primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu vieram reforçar a legitimidade democrática deste órgão e suscitar a renovada ambição de conseguir mais poderes.
O lançamento do Sistema Monetário Europeu (1979) retomando o esquema do mecanismo de taxas de câmbio da Serpente e completando-se com a introdução de facilidades de crédito e com a criação de uma unidade de conta europeia, o ECU, correspondeu ao objectivo de fazer da Europa comunitária uma zona de estabilidade monetária e deixou antever novos progressos na linha da integração positiva.
A prática das cimeiras regulares de Chefes de Estado e de Governo consolidava-se, com a adopção da nova designação de «Conselho Europeu» - 1974.
Os anos 80 não foram fáceis para a comunidade. A questão orçamental britânica (insistência do Reino Unido em obter compensação para o que considerava ser o contributo excessivo que lhe era exigido para o orçamento comunitário) ensombrava as relações entre Estados-membros, enquanto o compromisso do Luxemburgo continuava a entorpecer o funcionamento da Comunidade.
Embora o Sistema Monetário Europeu tivesse tido comportamento satisfatório, não deixou de se registar no início dos anos 80 o problema dos desfasamento da política económica francesa em relação à dos restantes participantes no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema, com reflexos em repetidas desvalorizações do franco n quadro SME.

. O Acto Único Europeu e a perspectiva do mercado interno

O Parlamento Europeu aprovou, em Fevereiro de 1984, um projecto do Tratado de União Europeia.
Tal projecto não teve continuidade, mas serviu de catalisador para a revisão do Tratado de Roma que se processou com base na conferência intergovernamental iniciada em Setembro de 1985, tendo como ponto central o estabelecimento do mercado único (ou mercado interno), previsto para o final de 1992.
Num Livro Branco então apresentado pela Comissão reconhecia-se que, realizado o "mercado comum", subsistiam barreiras técnicas, físicas e fiscais à livre circulação, enumerando-se cerca de três centenas de propostas de medidas de liberalização a adoptar pelo Conselho para realização do "mercado interno".
Em Fevereiro de 1986, os 12 Estados-membros assinaram o Acto Único Europeu (o Tratado de adesão de Portugal e Espanha, de Junho de 1985, havia entrado em vigor no início de 1986), assim denominado por reunir num só documento as matérias da revisão dos tratados comunitários e da cooperação no plano da política externa.
O Acto Único definiu o objectivo, para o final de 1992, de formação de "um espaço sem fronteiras internas" (o "mercado interno"); deu impulso à "coesão económica e social", visando a redução do atraso das regiões mais desfavorecidas; e consagrou várias políticas que haviam sido activadas pelo recurso à extensão de competências prevista no artigo 235° (actual 301°).
A celebração do Acto, incorporando o desafio do mercado interno, trouxe renovado dinamismo à Comunidade.

. A união económica e monetária e a união política
O relatório de um Grupo de peritos criado em Junho de 1988 para feito de estudar e propor a realização da união económica e monetária foi aprovado pelo Conselho Europeu em Junho de 1989. Previam-se três estádios para alcançar o objectivo proposto, fixando-se o início do primeiro em 1 de Julho de 1990, data da entrada em vigor de uma directiva comunitária prevendo a livre circulação dos capitais.
A queda do muro de Ber1im em 1989, em contexto colapso do sistema comunista, precipitara a unificação política da Alemanha, tendo os Laender que compunham a extinta República Democrática Alemã sido integrados na República Federal.
A Alemanha e a França extraíram dos acontecimentos no Leste a conclusão de que deveria acelerar-se a construção política da Europa, na linha do compromisso anteriormente estabelecido de transformar as relações entre os Estados-membros da Comunidade numa União Europeia.
Foi, prevista, a par da conferência intergovemamenta1 re1ativa à criação da união económica e monetária, uma outra consagrada à prob1emática da união política europeia.
Tendo-se decidido, em Outubro de 1990 fixar a data de 1 de Dezembro de 1994 para início da segunda da União Económica e Monetária, as duas conferências intergovernamentais principiaram em Roma, em Dezembro de 1990.


. A União Europeia: de Maastricht a Nice

. O Tratado de Maastricht

Com a aproximação de 1993 e o esgotamento do objecto do AUE, o Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária em Dublin (1990) resolve convocar duas conferências intergovernamentais, visando criar, uma, a União Política, outra, a união Económica. Dessas duas conferências resulta a aprovação, na cimeira de Maastricht de um único tratado, o Tratado da união Europeia (TUE). A fusão dos dois projectos ficou a dever-se a duas razões: a necessidade de se mostrar que a União Económica e monetária (UEM) e a União Política eram incindíveis e a incerteza da aprovação de dois tratados.
Assim surge o Tratado de Maastricht em 1992. Este Tratado levou a cabo a mais profunda revisão dos Tratados comunitários desde os Tratados de Paris e de Roma. A Grande ambição fica expressa no preâmbulo. Podemos resumir as grande novidades do TUE:
- Conclusão da União Económica e Monetária em 1999-2002;
- As atribuições (elencadas até aí no art. 2.º do Tratado CEE) deixam de ser exclusivamente económicas e estendem-se a outros domínios (art. 2.º e 3.º do Tratado CE).
- Criva-se a «cidadania da União» (Parte II do Tratado CE)
- Institui-se a Política Externa e de segurança Comum (PESC), ainda que numa base intergovernamental.
- Previsão de criação de um Política comum da defesa (Título V do TUE)
- Cria-se um mecanismo de cooperação, também de carácter intergovernamental, em matéria de justiça e de assuntos internos (CJAI título VI do TUE).
- Aprofunda-se a integração em matéria de processo de decisão ao nível comunitário, atribuindo-se ao parlamento Europeu um poder de co-decisão em relação ao Conselho e o poder de investir uma comissão, e alargando-se a regra da maioria qualificada nas votações do conselho em detrimento da regra da unanimidade.

Também em 1992 é assinado o Acordo que criou o Espaço Económico Europeu (EEE), que viria a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1994. Este acordo aprofundou as relações entre a Comunidade Europeia e os Estados membros e, por outro lado, com a EFTA. Este tratado apresenta como grande originalidade o facto de os seus Estados se regerem pelo Direito Comunitário na matéria das «quatro liberalidades» (circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais).
Com a adesão da Áustria da Finlândia e da Suécia, o EEE viu a sua importância reduzida (a Noruega, mais uma vez, viu-se impedida, por referendo nacional, de aderir).

Cronologia

7 de Fevereiro de 1992 /
1 de Novembro de1993 Tratado de Maastricht Holanda
2 de Maio de 1992 /
1 de Janeiro de 1994 Acordo que criou o espaço Económico Europeu Porto


. O Tratado de Amesterdão

O TUE previa a sua revisão em 1996 (artigo O.) Daí resultou o Tratado de Amesterdão assinado em 1997 e que entraria em vigor em 1 de Maio de 1999.
Não foram grandes as modificações traduzidas pelo Tratado de Amesterdão ao TUE. Veio criar um «espaço de liberdade, segurança e justiça» através do reforço do pilar comunitário em detrimento do terceiro pilar. Além disso, não se consagrou avanços em matéria de simplificação, aperfeiçoamento e eficácia do poder de decisão na União, de maior aproximação da união quanto aos cidadãos, de reforço do carácter democrático da União e de aumento da sua capacidade de intervenção nas relações externas.

. O Tratado de Nice

Aproximavam-se os novos alargamentos, que se sabia que iriam ser maciços e que iam abranger Estados da Europa Central de Leste, muito diferentes entre si, e, dos Quinze. Mas não tinham ficado concluídas na revisão de Amesterdão as modificações adequadas e necessárias para adaptar a união a esses alargamentos. Por isso, a conferência intergovernamental de 2000 preparou uma nova revisão dos Tratados, que desembocou no Tratado de Nice assinado em 26 de Fevereiro de 2001, o qual entraria em vigor em 2003.
À margem daquela cimeira mediante uma proclamação conjunta, o parlamento Europeu, o Conselho da união Europeia e a Comissão Europeia aprovaram a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Cronologia

2 de Outubro de 1997
1 de Maio de 1999 Tratado de Amesterdão Holanda
26 de Fevereiro de 2002
1 de Fevereiro de 2003 Tratado de Nice França


. A origem e o conceito da União Europeia

A expressão União Europeia é utilizada em textos oficiais pelo menos desde 1972 (Cimeira de Paris). Contudo nenhum dos documentos em que aparece tal expressão se propõe a criação da união Europeia como entidade que se substituísse às Comunidades, ou seque que lhes acrescentasse qualquer coisa de formalmente autónomo, mas defendia-se apenas um aprofundamento das Comunidades.
Mesmo o Acto Único Europeu não viria pretender criar uma união europeia, limitando-se a afirmar que «as Comunidades Europeias e a Cooperação Política Europeia visando contribuir em conjunto para fazer progredir concretamente a União Europeia» (art. 1.º, par. 1).
Só com o Tratado da União Europeia, se trata dela como realidade distinta das Comunidades. Este tratado veio a reflectir uma série de compromissos, cujo o mais importante terá sido a fusão, num só Tratado sobre a União Europeia, de Trotados, que sempre foram negociados separadamente até Maastricht: o Tratado sobre a União Económica e Monetária (UEM) e o Tratado sobre a União Política (UP). Esses compromissos geraram um projecto de Tratado da União Europeia que ficou eivado de várias incoerências internas (que se haveriam de reflectir na estrutura do Tratado).

A União Europeia, tal como resulta de Maastricht, representa um denominador comum entre as orientações diversas, qualificando-se como «uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estrita entre os povos da Europa» (actual art. 1.º, par.2, UE). O Tratado deixa em aberto o modelo político a atingir (sobretudo depois de, por pressão do reino Unido, se ter afastado a referência à «vocação federal» que se continha no projecto de União Política).
O Tratado não transformou as comunidades em União. Ambas coexistem, fundando-se aquela, desde logo, nestas, e tendo a União, personalidade jurídica própria, ainda que para efeitos de se lhe atribuir uma capacidade jurídica embrionária e de conteúdo muito restrito.
Pode-se dizer que o TUE é um Tratado de Tratados, englobando os Tratados constitutivos das Comunidades Europeias, com algumas alterações.

. A estrutura da união Europeia. O domínio material do Tratado da União Europeia

A estrutura da União Europeia significa o domínio material coberto pelo TUE. O Tratado tem um preceito básico o art. 1.º, par. 3, UE.
Com base neste preceito a união Europeia tem sido assimilada à arquitectura de um templo grego, cuja estrutura apresenta três pilares (embora o prof. prefira a visão de um painel central e dois painéis laterais).
O TUE começa com um frontispício, inserido no seu Título I, onde se enunciam as «Disposições comuns» a toda a União Europeia. São os arts. 1.º a 7.º do Tratado, que disciplinam a criação da União Europeia, fixam os seus objectivos, definem os seus princípios fundamentais e estabelecem os seus órgão. Estas disposições são o arco que cobre os três pilares. Segue-se, então, os três pilares em que se desdobra a União.
Ao optar pela estrutura dos três pilares a UE não repudiou o método funcional, de facto, prosseguindo a orientação já iniciada no AUE, a União Europeia concilia o método funcional, presente no pilar comunitário, de pura integração, com o método de mera cooperação intergovernamental, tentando dar-lhes um carácter unitário e coerente, para o que apela a segunda frase do art. 1.º, par. 3, UE. Esse carácter unitário resulta da natureza indissociável da União (nenhum Estado pode aderir apenas a uma das suas componentes com exclusão das outras).
À margem dos três pilares, a União engloba, por efeito do Tratado de Amesterdão, a cooperação reforçada entre Estados membros que desejarem avançar mais rapidamente na integração, acentuando-se dessa forma a integração diferenciada entre os Estados (arts. 43.º a 45.º, ou seja, o Título VII do TUE). Engloba tb as «Disposições finais» (arts. 46.º a 53.º, correspondentes ao Título VIII do TUE), que regulam, entre mais, um processo único de revisão do Tratado, de novas adesões e de entrada em vigor; o período de vigência do Tratado; as línguas oficiais; e que uniformizam os regimes, que até ao Tratado de Maastricht eram diferentes nos três Tratados institutos das Comunidades.

. Os objectivos da União

Os objectivos primários da integração foram sempre fins políticos (desde o Plano Schuman). Esse fins políticos eram, imediatos ou de longo prazo.
Os fins políticos imediatos da integração, quando foi criado a primeira Comunidade, a CECA, na sequencia do Plano Schumam, eram a prossecução da Paz, pela abolição, como dizia SCHUMAN, da oposição secular entre a França e a Alemanha e pela criação de imediato de uma «solidariedade de facto» entre os Estados europeus.
Os fins políticos de longo prazo, são aqueles a que no Plano Schuman se dá o nome de «Federação europeia» (indispensável à paz, progresso e desenvolvimento). Tendo-se optado, no Plano Schuman, pelo método funcional para o início da integração europeia, os seus fins secundários, mas imediatos, eram fundamentalmente económicos (mercado comum), completados, nos Tratados institutivos das três Comunidades, pela referência, a alguns objectivos de índole social: a melhoria das condições de vida e de estabilidade social. Actualmente, a própria Comunidade Europeia passou a prosseguir objectivos sociais, culturais e políticos. O art. 1.º, par. 2, UE enuncia o objectivo global da UE: «União estreita entre os povos da Europa».
Procurando dar arrumação aos objectivos já afirmados no longo preâmbulo do TUE e também concretizar o referido art. 1.º, par. 2, o art. 2.º do TUE define em pormenor os objectivos que cabe à UE prosseguir. Para além da consolidação da UME (alcançada em 2002) prossegue-se tb fins sociais, culturais e políticos. A UE alcançou a antecâmara da integração política.
Note-se que a UE continua a não comprometer-se com uma natureza de modelo político, nunca utilizando as expressões federal ou federação. Continua-se num método gradualista.
Os objectivos fixados pelo TUE para a União assumem importância acrescida, no plano jurídico, na medida em que o Tribunal de Justiça os tem usado para determinar o sentido das regras contidas nos Tratados e no demais Direito da União, e tb na integração de lacunas. Neste sentido o TJ entende que os preceitos dos Tratados sobre objectivos têm «natureza constitucional», gozando de efeito directo perante os tribunais nacionais – Acs. Hauts forneaux e Bönnhoff.

. Os órgãos da União Europeia

O art. 3.º (ex-art. C) do TUE reflecte o carácter unitário que se quis dar à União. Fala-se aí de um quadro institucional único, transformado num sistema institucional de toda a União, portanto, de todos os seus pilares. Só assim se entende que o Conselho e a Comissão das Comunidades tenham passado a chamar-se Conselho da União Europeia e Comissão Europeia. Assim o Parlamento, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas são órgãos de todos os três pilares, embora actuem, dentro de cada pilar, de harmonia com a competência que aí lhes seja atribuída pelo tratado – art. 5.º do TUE.
O único órgão específico da União é o Conselho Europeu, ao qual compete, no âmbito de todos os três pilares, dará união «os impulsos necessários ao seu desenvolvimento» e definir «as respectivas orientações políticas gerais».

. Cooperação reforçada

Desde há muito, particularmente após o Acto Único Europeu ter acelerado o passo da integração europeia rumo ao Mercado Interno, que se começou a verificar que nem todos os Estados membros das Comunidades se encontravam em condições de progredir no processo de integração de igual modo.
Assim previram-se mecanismos que permitem certos países avançar mais depressa que outros na integração. Retomou-se a noção de «integração diferenciada».
Só com o Tratado de Amesterdão é que essa corrente ficou consagrada nos Tratados, concretamente, no TUE, e sob a designação de «cooperação reforçada». Ela visa permitir que verificadas determinadas condições, certos Estados avancem mais rapidamente do que outros, em domínios concretos da integração.
A cooperação reforçada foi incluída no TUE por iniciativa da França e da Alemanha, para acudir ao estado já actual da integração mas, sobretudo, para prevenir o aprofundamento do desnível entre Estados desenvolvidos e pobres, que vai ser provocado pelos alargamentos a Leste. É uma forma de conciliar integração europeia e aprofundamento do alargamento.

O regime geral da cooperação reforçada para todos os pilares da União encontra-se definido no Título VII do TUE. Ele sujeita-a à verificação dos requisitos previstos nas dez alíneas do n.º1 do art. 43.º e nos arts 43.º-A a 45.º UE, na redacção que lhes deu o tratado de Nice.
Encontramos tb regimes especiais de cooperação reforçada nos Tratados de UE e CE:
 Primeiro Pilar – na redacção dada pelo Tratado de Nice, os arts 11.º e 11.º-A CE.
 Segundo Pilar – arts. 27.º-A a 27.º-E do TUE.
Em sintonia com a «coerência entre o conjunto das políticas da União e a sua acção externa», que veio erguer a um dos objectivos da cooperação reforçada no domínio da PESC (art. 27.º-A, n.º1, 3.º travessão), o Tratado de Nice exclui-a «em questões que tenham implicações militares ou do domínio da defesa» (art. 27.º-B, 2.ª parte). Assim, não se admite a cooperação reforçada em tudo o que diga respeito à componente da segurança, latu sensu, da PESC. Isto é confirmado por uma alteração introduzida pelo Tratado de Nice no art. 17.º, n.º4, do Tratado UE, tal como ele fora incluído neste pelo Tratado de Amesterdão (deixou de se falar em «cooperação reforçada» e passou a dizer-se «cooperação mais estrita»).
Terceiro Pilar – arts. 40.º a 40.º-B UE.
Aqui fica claro que a cooperação reforçada só pode ter como objectivo neste pilar o seu reforço, isto é, «permitir à União tomar-se mais rapidamente um espaço de liberdade, segurança e justiça» - art. 40.º, n.º1.

A integração diferenciada apresenta como maior risco a quebra da coesão económica e social entre os Estados membros. Esta preocupação é acolhida pelo Tratado de Nice. O TUE proíbe a cooperação reforçada nos casos em que ela puser em causa a coesão económica e social.
Será interessante verificar como é que as cooperações reforçadas irão acelerar o processo de integração, como passou a ser exigido na letra do art. 43.º TUE após a revisão de Nice. Há Estados federais que a aceitam e praticam a cooperação reforçada (os Länder da Alemanha). Todavia, a Europa dos Vinte e Cinco não tem os mesmos mecanismos integradores de uma Federação, só devendo aceitar as cooperações reforçadas, em «último recurso», evitando-se que se institucionalize, com carácter mais ou menos definitivo, uma união mais estreita dentro de uma União mais diluída. Nesse caso a cooperação reforçada dificilmente viria consolidar a integração e poderia, ao contrário, transformar-se num irreversível factor de desintegração da União.
O Projecto de Constituição Europeia dedica às «cooperações reforçadas» o Capítulo III do Título V da parte I, que depois desenvolve no Capítulo III do Título VI da Parte III, consagrado às «políticas e funcionamento da União». Não se altera na sua substância o regime hoje em vigor. Nos arts. 40.º, n.º6, e III-213.º, prevê, de modo expresso, a “cooperação estruturada” no domínio específico da segurança e da defesa.

. As Comunidades Europeias como sistema «sui generis»

. Renúncia parcial às competências nacionais

Na evolução da integração europeia, de 1950 até à actualidade, tem havido períodos caracterizados por forte impulso no sentido da união, alternando com fases em que se registam retrocessos no movimento, ou se suscita um clima de cepticismo não propício à progressão do processo unificador.
As Comunidades Europeias constituem um sistema «sui generis», em que se combinam elementos de cooperação intergovernamental e elementos federais. São os últimos que ressaltam à primeira observação a demarcar a diferença em relação às organizações clássicas, embora não se encontrem no seu estado puro, sendo combinados com uma visão intergovernamental.
Assim, se é certo operar-se a renúncia à competência das autoridades nacionais e a correspondente transferência de poderes para os órgãos comunitários, não é menos certo que tal renúncia se processa em relação a domínios específicos, retendo os Estados, nos restantes, as competências nacionais. Esta característica, particularmente visível em relação às Comunidades que promovem fórmulas de integração sectorial ou vertical, não deixa de assentar à própria Comunidade Europeia.
O hibridismo que caracteriza as comunidades acentua-se no quadro mais amplo da União Europeia, em que o pilar comunitário, dotado de crescentes marcas supranacionais, contrastam os pilares de índole intergovernamental.

. Os dois modelos em confronto

A arquitectura institucional das Comunidades, e certas características dos seus órgãos centrais inspiram-se no modelo federal:
Independência da Comissão.
Tomada de decisões por votação maioritária no Conselho.
Designação dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal directo.
Jurisdição obrigatória do Tribunal de Justiça.

Mas também aqui há traços muito importantes da óptica intergovernamental:
Poder de decisão conferido primordialmente ao Conselho, sendo exigida a unanimidade em matérias particularmente sensíveis.
Confinamento da Comissão em funções de iniciativa e de execução.
Participação ainda pouco vigorosa do Parlamento Europeu na adopção de regras comunitárias.
Incapacidade do Tribunal de Justiça de forçar os Estados-membros ao cumprimento das suas obrigações.

É particularmente clara a marca federal, ou supranacional, na caracterização do sistema jurídico comunitário: as autoridades comunitárias detêm um poder legislativo, traduzido na criação de regras de direito directamente aplicáveis aos particulares, a que se reconhece primazia em relação às normas das ordens jurídicas nacionais. Só que as Comunidades não dispõem de competência legislativa geral, mas limitada às áreas em que se operaram transferências de poderes por parte dos Estados-membros, e os diplomas constitutivos são tratados internacionais, e não já constituições em sentido próprio.

. Poderes retidos pelos Estados

Sendo certo que os órgãos comunitários participam nos processos de revisão dos Tratados e de adesão de novos Estados, a verdade é que tais processos envolvem a ratificação por todos os Estados-membros ou por todos os Estados contratantes (adesão), de acordo com as respectivas normas constitucionais - prevalecendo os elementos de direito internacional, atinentes à óptica inter-governamental.
Aos órgãos comunitários é conferido o poder de concluírem acordos internacionais, designadamente no âmbito da política comercial comum; mas, de um modo geral, a competência para a negociação de tratados internacionais é retida pelos Estados. Os Tratados não prevêem a hipótese de abandono das Comunidades por parte de um ou de vários Estados-membros. Mas não parece contestável que, por improvável que seja o seu exercício, ou por penosas que se revelem as suas consequências, o direito de saída subsiste.
Por último, é de notar que as Comunidades possuem um sistema de recursos próprios, independente de dotações orçamentais dos Estados-membros, recursos que lhes são atribuídos com vista a assegurar o financiamento do seu orçamento, e que compreendem, entre outros, as receitas provenientes de direitos da pauta aduaneira comum e as que decorrem da aplicação de uma taxa uniforme à matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado. Se é certo aflorar neste ponto o elemento supranacional, não o é menos que tais recursos próprios são resultantes de impostos estabelecidos a nível nacional, não existindo espécies tributárias criadas e geridas pelas autoridades comunitárias.

. Supranacionalismo e intergovernamentalismo
Sem embargo da alternância de fases de optimismo e de pessimismo, a linha de tendência da integração europeia é nitidamente ascendente. Sobre as cinzas das propostas que, por se revelarem demasiado avançadas nas circunstâncias da época em que são formuladas, sofrem reveses, novas iniciativas se desenham, levando a integração por um caminho diferente. E a períodos de atonia na construção comunitária sucede o lançamento de uma ideia polarizadora no sentido do reforço da integração.
A integração configura-se como um processo em permanente evolução, implicando modificações nas características da União Europeia, que acompanham quer as alterações dos tratados institutivos, quer as próprias mudanças no espírito com que o projecto de construção europeia é entendido.
Coexistindo, na base da concepção da integração comunitária, os dois modelos - Supranacionalismo e intergovernamentalismo -, é compreensível que as Comunidades sejam configuradas como um "quid medium", movendo-se no interior de um espectro cujos pontos extremos são a organização internacional e o Estado federal, tendendo umas vezes a aproximar-se, outras a afastar-se deste último arquétipo.
É da presença simultânea da visão internacionalista e da visão supranacionalista do fenómeno comunitário, a primeira marcada pela acentuação do elemento interestatal, ou intergovernamental, a segunda ligada a uma ideologia de federalização da Europa, em que o Estado-nação deixa de ser encarado como o quadro-limite da organização social, que decorre a originalidade da construção comunitária.

. Ascensão do elemento supranacional
A última década tem sido caracterizada pela intensificação do processo de integração, abrindo-se a perspectiva de, a partir da realização da integração negativa (liberalização dos movimentos de mercadorias, pessoas e capitais), se avançar para formas novas de integração económica positiva (concepção da união económica e monetária), com alargamento dos campos de acção dos órgãos comunitários e afirmação de intenções de caminhar para a «união política».
Tende, assim, a tomar de novo ascendente o elemento supranacional, agora não já na óptica neofuncionalista das Comunidades de integração vertical, mas na perspectiva mais ampla da afirmação da vocação "federal" na integração europeia, que tem, por enquanto, como seu ponto mais saliente a realização da unificação monetária.
A construção europeia, a despeito de todos os progressos registados, tem, porém, bases frágeis. Foi por pouco que o projecto de Maastricht não soçobrou na consulta feita ao eleitorado francês.
Com a criação da união monetária, os Estados-membros renunciaram a um dos poderes tradicionalmente associados à noção de soberania – entendida como a capacidade de dispor do próprio destino: o relativo à moeda.
Os domínios da política externa e segurança comum permanecem ainda exteriores ao pilar comunitário e alheios à metodologia supranacional que o caracteriza.
A menos que, no contexto de uma revisão dos Tratados, os Estados-membros se disponham a efectuar a "comunitarização" do pilar relativo à política externa, manter-se-á afastado o limiar do Estado federal. Mas, sem embargo da ambiguidade do esquema de Maastricht, é visível, subjacente a ele, o impulso federal – revelado não tanto na consagração de progressos directos na via da união política, como nas implicações federais evidentes da união monetária, baseada numa estrutura federalista em que os bancos centrais nacionais se associam no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais, mas em que se estabelece com nitidez a sua subordinação ao poder monetário unificado a nível supranacional (Banco Central Europeu).
É certo que à imagem de centralização que se liga à ideia federal se tem vindo contrapor, para certo conforto dos Estados-membros, a noção de subsidiariedade, que leva a reter nos Estados os domínios de acção em que os objectivos visados não sejam "melhor alcançados ao nível comunitário". Mas a subsidiariedade – cujo sentido descentralizador é claro – não funciona nas áreas que sejam das atribuições exclusivas da Comunidade, como é precisamente o caso da política monetária, e decerto seria também o da política externa e de segurança comum, se o pilar que a regula fosse "comunitarizado", ou seja, subtraído ao método intergovernamental e intenções integrado na óptica supranacional que vai prevalecendo no plano da Comunidade.
Estando a integração empreendida na Comunidade a passar, no plano económico, a um estádio "federal" – com a dinâmica supranacional acrescida implícita na dimensão política da união monetária –, as matérias da política externa e de segurança comum ainda se mantêm em contexto "confederal" (expressão do intergovernamentalismo).
Como opinou o Tribunal Constitucional alemão, no acórdão de Outubro de 1993, no qual analisou a natureza dos compromissos assumidos no contexto da integração, a União Europeia é uma associação de Estados, visando realizar a aproximação progressiva entre os povos da Europa, não um Estado federal, apoiado numa nação europeia.
Não surpreende que os propugnadores do federalismo europeu tenham sido os primeiros a propor a transformação dos Tratados em que se baseiam as Comunidades e a União Europeia numa Constituição, procurando caminhar em direcção à formação, a prazo, de um novo Estado soberano por fusão dos antigos Estados integrantes da União.
Ainda que, em tal circunstância, se procurasse ressalvar, como o dispõe o Tratado da União Europeia, "a identidade nacional dos Estados-membros", parece claro que, nessa situação, os Estados perderiam a sua subjectividade internacional, assistindo-se ao nascimento de uma federação (ainda que atípica, descentralizada e marcada pela subsidiariedade), em que a plenitude da capacidade jurídica internacional passaria para o Estado composto. Estaria, então, formado o Super-Estado europeu, dirigido pelos órgãos centrais da União.

SECÇÃO II – A APROVAÇÃO DO TRATADO CONSTITUCIONAL EUROPEU

. A Convenção sobre o futuro da Europa e o Tratado constitucional

O reconhecimento, pelos seus próprios autores, da falta de vista do Tratado de Nice explica a Declaração sobre o futuro da União (a ele apensa), apelando a "um debate mais amplo e aprofundado sobre o futuro da União Europeia". Deste assunto se incumbiu o Conselho Europeu na sua reunião de Laeken/Bruxelas, em Dezembro de 2001, ao tomar a iniciativa de convocar uma "Convenção" (composta por parlamentares europeus e nacionais e por representantes dos Governos) para se abordarem os grandes temas de reflexão, previamente à convocação, em 2004, de uma nova conferência intergovernamental visando introduzir as correspondentes alterações nos Tratados europeus.
O Tratado de Nice admitiu, assim, a sua própria provisoriedade. E, ao incluir, entre os temas para uma próxima reflexão, a simplificação dos Tratados, "de forma a torná-los mais claros e mais compreensíveis", deixou antever uma profunda reestruturação do ordenamento de base da União Europeia, visando suplantar a rede normativa em que ao texto de Roma se sobrepuseram os do Acto Único, de Maastricht, de Amesterdão e de Nice,
A Convenção desenvolveu, porém, acrescidas ambições, traduzidas fundamentalmente na proposta de substituição dos actuais Tratados por um texto unificado, sobre as vestes de uma "Constituição europeia".
Em Março de 2002, a Convenção iniciou os seus trabalhos, debruçando-se sobretudo sobre problemas de carácter institucional relativos ao funcionamento dos órgãos comunitários na perspectiva de novos alargamentos da União.
O que se pretendia basicamente era introduzir-se nos Tratados, mormente na área institucional, as alterações que ainda se mostrassem necessárias em face de possíveis insuficiências de algumas das soluções adoptadas em Nice, no final de 2000. Sendo esse o objectivo dominante, não parece fazer sentido, a não ser a partir de indemonstrada necessidade de uma estrutura federal para a Europa, avançar-se, como o fez a Convenção, com a proposta de uma "Constituição". A Convenção começara, aliás, por referir, com maior sentido das proporções, visar um «tratado constitucional»; mas depois ganhou acrescida ambição.
O que passou a estar em causa foi a revisão e unificação dos tratados europeus, com vista a elaborar-se um Tratado único dependendo a sua entrada em vigor da ratificação (por processo parlamentar ou referendário) pela totalidade dos Estados membros.
O termo "Constituição" não parece adequado à reforma que se pretende efectuar. Uma constituição reconduz-se a um acto de direito interno, estruturador da organização política de um Estado; no âmbito europeu, isso suporia que os textos fundamentais da passando União deixassem de se conter em Tratados internacionais, ao mesmo tempo que seriam lançadas as bases do Estado federal.
A Constituição autêntica supõe a ascensão a um estádio a que nem os Governos, nem os povos europeus, estão interessados em aceder.
Diversas propostas da Comissão mereciam ser reapreciadas.
A Convenção pretendeu fazer depender a maioria qualificada nas deliberações do Conselho unicamente do factor populacional -solução dificilmente aceitável para os pequenos e médios países. E propôs a redução a quinze do número de Comissários com funções efectivas, o que contraria a perspectiva assumida por numerosos países, favorável a uma composição que integre permanentemente um nacional de cada Estado-membro.
Na própria óptica dos federalistas, que vêm no Conselho o embrião de uma futura câmara alta do Parlamento federal europeu, deveria existir paridade entre os Estados membros na composição daquele órgão. Com efeito, havendo duas legitimidades no processo de integração, a dos cidadãos e a dos Estados, a primeira tem expressão no Parlamento Europeu, onde a representação se liga à dimensão populacional; mas no Conselho, no qual se exprime a legitimidade dos Estados, cada um deles deverá ter o mesmo poder de voto.
Ora, na União Europeia a evolução foi precisamente a contrária. De Maastricht a Nice, de Nice às propostas da Convenção, foi-se alargando o fosso entre os países grandes e os países médios/pequenos.
A Convenção propôs a supressão do actual sistema de presidência se suscita do Conselho (e do Conselho Europeu), em plano de rotação semestral em que participam igualmente todos os países, e a instituição em seu lugar de uma presidência fixa, confiada a uma personalidade política (com mandato de dois anos e meio, renovável uma vez).

. Conclusão

A criação e a evolução das Comunidades Europeia e, depois, da União Europeia, tem sido um processo contínuo e gradual, cuja integração envolve Estados Democráticos, pelo que o futuro será aquele que os seus povos quiserem.

. Os principais pontos do tratado

O novo Tratado constitucional foi adoptado em Junho de 2004 pelos lideres europeus:
É um Tratado constitucional único que substitui todos os anteriores tratados europeus.
A EU passa a ter personalidade jurídica e a poder subscrever tratados internacionais.
Delimitação de competências entre a EU e os Estados membros.
Carta de Direitos fundamentais integrada no novo Tratado.
Presidente do Conselho Europeu que substitui as presidências rotativas semestrais com um mandato de dois anos e meio renováveis.
Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros em substituição do actual Alto representante, preside ao Conselho das Relações Externas em acumulação com as funções de vice-presidente da Comissão.
Nova «cooperação estruturada» no domínio da defesa e criação da Agencia Europeia do Armamento, investigação e Capacidades Militares, sob a autoridade do Conselho.

. A aprovação do Tratado constitucional

Caso venha a entrar em vigor o Tratado que «estabelece uma constituição para a Europa», irá alterar o regime jurídico da união Europeia.
O processo de formação do teste conclui-se em 18 de Junho de 2004, com o consenso dos representantes dos Governos dos 25 Estados membros, tendo sido aceite sem modificações relevantes o texto que figurava do projecto dimanado da Convenção. Para que o novo diploma se torne realidade falta cumprir a fase final do processo de revisão dos Tratados europeus, que em alguns países envolverá, a realização de referendos (processo mais moroso que as aprovações parlamentares).
Concluída a fase que culmina com a aprovação do conteúdo do novo Tratado a nível de Conferência Intergovernamental, a sua assinatura só se processará depois da afinação da redacção das cláusulas.
Caso os processos de ratificação venham a finalizar-se em sentido afirmativo, os Tratados europeus em vigor serão, substituídos por um Tratado unificado, que se pretende instituidor da referida constituição. A União Europeia passa a ter personalidade jurídica#, sendo a Carta dos Direitos Fundamentais inserida no Tratado.
O Tratado unificado, sem embargo de, ao longo da sua elaboração, se ter recuado da expressão «linhas federais» para a de moldes comunitários, representa, sem dúvida, um passo muito significativo no sentido da adopção do modelo federal revelado:
- Na assunção do qualificativo «Constituição», e na atrás referida incorporação da Carta dos Direitos, como na introdução das novas figuras de Presidente (eleito) da União Europeia, com mandato de duração plurianual, e de Ministro dos Negócios Estrangeiros da União (visando reunir sobre uma direcção única as matérias da condução e execução da política externa e de segurança comum e da política comercial exterior).
- Na afirmação sem restrições da superioridade das normas da União em relação às ordens jurídicas nacionais (incluindo implicitamente as normas constitucionais).
- Na própria nomenclatura dos tipos normativos do Direito Comunitário derivado (Leis – regulamento – leis-quadro – directivas –).

. As linhas federais

Quer a aceitação da designação «Constituição», quer as novas figuras introduzidas, declaradas da orgânica interna do Estado, são revelados do espírito federal que inspirou a construção proposta. Não será ainda a federação (o tão falado Superestado europeu), mas as peças integrantes da mesma vão-se acumulando, não podendo esquecer-se o efeito catalisador suscitado por iniciativas europeias do calibre da moeda única e, agora, do Tratado constitucional.
Outros dispositivos vão no mesmo sentido, desde o alargamento dos casos em que o Conselho delibera por maioria qualificada até à atribuição de novos poderes ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, que no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu – quer na eleição do Presidente da Comissão, quer no desencadear do procedimento de co-decisão, que se converte no sistema comum de produção legislativa.
Novas zonas de influência são abertas ao Parlamento Europeu (autorização para a generalidade das cooperações reforçadas; a activação do mecanismo de extensão de competências em que passa a ser requerida a aprovação daquela instituição – art. 308.º –).
Por outro lado, a substituição das instituições da Comunidade por «instituições da União» veio permitir a inclusão do Conselho Europeu no novo elenco, e é sintomático que este órgão, que até aqui pairava sobranceiramente sobre um conjunto institucional a que não pertencia, seja agora incluído em segundo lugar (atrás do Parlamento) na lista das instituições.

. Os dispositivos intergovernamentais

A despeito de todos os avanços no sentido supranacional, a hibridez que tem constituído a marca específica da integração europeia, traduzida na presença simultânea de elementos federais e elementos intergovernamentais., não se apagou.
Os Estados membros mantêm a sua participação decisiva de revisão do tratado, no qual a única inovação é a possibilidade de se intercalar, entre a convocação da CIG e a sua efectivação, a actuação de uma convenção, desprovida de poder de decisão: as ratificações nacionais pela totalidade dos Estados continuam a se requeridas.
Por outro lado, a insistência do Reino Unido, que declarou considerar essencial que não fossem transpostas determinadas «red lines» - traduzidas na persistência da votação por unanimidade em áreas como a política externa e a defesa, a fiscalidade e a segurança social –, essas linhas vermelhas foram efectivamente respeitadas. Quanto à pretensão, afirmada pelos autores do projecto, de que teriam desaparecido os pilares da União Europeia, ligados à fórmula de Maastricht, deve ser qualificada à luz da conservação da intergovernamentalidade no âmbito da PESC, induzindo à conclusão de que, afinal, o segundo pilar se mantém de pé.

. O sistema de votação no Conselho

Ficou decidido que as deliberações no âmbito do Conselho requererão, não já, como estava previsto no projecto da convenção, o voto concordante de 50% dos Estados representando 60% da população, mas o de 55% dos Estados representando 65% da população, sendo ainda exigido que a «minoria de bloqueio» reúna pelo menos quatro países.
Um dos aspectos de grande importância em que o novo Tratado inova é o de sistema de votação no Conselho. Até ao presente, este vem-se baseando numa grelha de ponderações – em que, sem embargo de se atender, de algum modo, à importância populacional dos diferentes Estados, as diferenças resultam substancialmente atenuadas pela deliberada sobre-representação dos pequenos e dos médios Estados#.
No sistema do Tratado constitucional, o peso dos Estados é ligado à respectiva dimensão demográfica (o voto português passa a ser 8 vezes inferior ao alemã). Esboça-se uma espécie de directório dos grandes, também presente na forma de designação do novo presidente do Conselho Europeu, que é feita em função da maioria qualificada. Parece assim haver colisão entre o princípio da igualdade inscrito no projecto de constituição, e as soluções adoptadas no plano da votação.

. O carácter constitucional

Existe há muito a consciência de que os Tratados europeus, desde a CECA e CEE, se configuram como integrantes de uma «constituição» europeia tomada em sentido material (não em sentido formal).
A inovação está na pretensão de formalizar a qualificação como «constituição», quando na realidade se está perante um tratado que nasce de um acordo internacional de Estados soberanos. Será, assim, uma «pseudo-constituição» mas isto não lhe retira as virtualidades de fazer desenrolar o processo europeu em sentido federal.

. Supressão da presidência rotativa

Os países médios e pequenos, aos quais o sistema vigente da presidência semestral, rotativa, da União Europeia confere a oportunidade de se evidenciarem pela forma como se desempenham da missão complexa de organizar e conduzir as reuniões e de, ainda que por breve espaço de organizar e conduzir as reuniões e de integração, vêem retirada essa plataforma de influência.
A presidência passa a caber, por períodos de trinta semestres, passíveis de prorrogação por igual tempo, a uma específica personalidade, designada pelo Conselho Europeu. Os Conselhos europeus passam a realizar-se sempre em Bruxelas.
O sistema actual seria difícil de manter após o alargamento Europa aos países do Leste (os países teriam de esperar 12 anos e meio para reassumir a presidência)#.
Embora confinada, em regra, numa missão de modesto relevo (coordenação do funcionamento do Conselho Europeu e funções de simples), a nova figura presidencial poderá, no futuro, vir a rivalizar em importância com a do presidente da Comissão Europeia, e há quem preveja, numa evoluçaõ federal, a fusão de ambas as personalidades que venha um dia a encabeçar um «Governo europeu».

. Redução do número de comissários

O que ficou decidido sobre o número de comissários não favorece, a prazo, os países médios e pequenos. É certo que até 2014 se manterá o sistema de um nacional por cada Estado membro. Em nome da eficiência no funcionamento do órgão, convencionou-se que a partir dessa data o número de membros da Comissão passará a ser inferior ao dos Estados, observando-se uma rotação que será paritária (os Estados, qualquer que seja a sua dimensão, sendo postos em pé de igualdade).
Aparentemente, os países membros pequenos e médios nada perdem, aqui, em confronto com os grandes: mas estes assumem, em outros domínios, o protagonismo inerente ao factor demográfico, ao passo que os restantes Estados se verão despojados do único ponto de visibilidade ao seu alcance (a posição no colégio de comissários).

. Cooperação reforçada e cooperação estruturada

A autorização para que se proceda a cooperação reforçada é dada pelo Conselho, por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu. Exceptua-se a matéria da política externa e de segurança comum, em que é requerida a decisão unânime do Conselho, precedida de simples parecer do Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Comissão, sendo o Parlamento simplesmente informado. O Tratado constitucional propõe-se progredir na área da defesa, onde os países com melhores condições para avançar podem fazê-lo, activando mecanismos chamados de «cooperação estruturada» que acresce assim à «cooperação reforçada».

. Delimitação de competências

O Tratado introduz a delimitação de competências entre a União Europeia e os Estados membros, catalogando as competências exclusivas e as partilhadas. Contrariamente ao que se previa na Declaração do Conselho Europeu, com base na qual foi designada a Convenção, não se consagrou qualquer devolução de competências aos Estados membros. A tendência parece ser a de uma sempre crescente integração.

. A ratificação do novo Tratado

O Tratado que estabelece uma constituição para a Europa só poderá entrar em vigor quando for ratificado por todos os Estados membros.
Nos países em que as ratificações se processarem por via parlamentar, não é previsível um voto negativo. Porém, nos casos em que a ratificação se operar através de consulta ao eleitorado, o resultado tornar-se-á mais aleatório.
Se é verdade, que de inicio o referendo britânico foi objecto de especial atenção, dada a aversão da opinião pública à intensificação da integração europeia, a verdade é que foi na França e Holanda que se manifestaram as primeiras recusas ao tratado, por via de referendo#.
O Tratado constitucional contem uma cláusula, algo obscura, em que se contempla a hipótese de, decorrido certo tempo, faltar ainda 1/5 dos Estados membros para completar um processo de ratificação, caso em que a questão será submetida à consideração do Conselho Europeu. Não tendo sido conferidos a este órgão poderes de decisão para ultrapassar a fórmula da revisão por unanimidade, é possível que a alusão signifique apenas que dele se espera um impulso político no sentido de se ultrapassar a dificuldade. Mas, de qualquer modo, aquela cláusula não será aplicável à ratificação do Tratado que acaba de ser aprovado, só podendo operar para o futuro, uma vez iniciada a vigência do diploma constitucional.
Em Portugal, a dificuldade do referendo está na formulação da questão que, não podendo, por impossibilidade constitucional, visar frontalmente a aprovação ou rejeição do Tratado, passe a ter, na prática, o mesmo efeito.

. A situação actual

Em 29 de Outubro de 2004, os Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados Membros e dos 3 países candidatos assinaram o Tratado que institui uma Constituição para a Europa, que haviam adoptado por unanimidade em 18 de Junho do mesmo ano.
Este Tratado só poderá entrar em vigor após ter sido adoptado por todos os países signatários em conformidade com os seus próprios procedimentos constitucionais, a denominada ratificação do Tratado pelos Estados Membros. De acordo com as tradições jurídicas e históricas dos diferentes países, os procedimentos previstos para o efeito pelas constituições não são idênticos: esses procedimentos implicam um dos mecanismos seguintes ou, inclusive, uma combinação dos dois:
A via "parlamentar": o texto é adoptado na sequência de uma votação de um texto que ratifica um Tratado internacional pela câmara ou câmaras parlamentares do Estado;
A via do "referendo": é organizado um referendo em que o texto do Tratado é submetido directamente à votação dos cidadãos, que se pronunciam a favor ou contra.
Estas duas fórmulas podem ter variantes ou combinações segundo os países, ou incluir outros requisitos, como por exemplo quando a ratificação do Tratado exige uma adaptação prévia da Constituição nacional devido ao conteúdo do texto.
Uma vez ratificado e notificado oficialmente por todos os Estados signatários (depósito dos instrumentos de ratificação), o Tratado pode então entrar em vigor e produzir efeitos, em princípio, segundo o Tratado, em 1 de Novembro de 2006.
Em França e nos Países Baixos, os cidadãos rejeitaram o texto da Constituição em 29 de Maio e 1 de Junho, respectivamente. Atendendo a estes resultados, o Conselho Europeu de 16 e 17 Junho de 2005 considerou que « a data de 1 de Novembro de 2006, prevista inicialmente para se fazer o ponto da situação das ratificações, não pode ser mantida, uma vez que os países que ainda não procederam à ratificação não estão em condições de dar uma resposta adequada até meados de 2007 ». Está actualmente a decorrer um período de reflexão, de explicação e de debate em todos os Estados-Membros, quer tenham ou não ratificado a Constituição. O Conselho Europeu examinará, durante a Presidência austríaca (1º semestre de 2006), o estado dos debates sobre a ratificação do Tratado constitucional.
O processo de ratificação pelos Estados-Membros não foi portanto abandonado. O seu calendário, se necessário, será adaptado de acordo com as circunstâncias nos países que ainda não procederam à ratificação.

. Riscos para a construção europeia

A constituição europeia comporta riscos sérios de efeitos divisórios na Europa. Cabe perguntar por que terão os governos dado substancial aprovação aos proposto Tratado constitucional, quando o que estava em causa, pelo menos a título imediato, era bem mais simplesmente o ajustamento do sistema institucional à entrada dos novos países, e para tal poderiam ter-se mantido os Tratados da CEE e da EU, com retoques nos dispositivos introduzidos pelo Tratado de Nice.
As divergências entre os governos, mal disfarçadas no consenso formado em torno do Tratado constitucional, a indiferença da opinião pública, patente na elevadíssima percentagem de abstenções nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, a acrescer ao desinteresse que envolveu os diferentes passos da gestação do Tratado, a sobreposição chocante dos interesses nacionais aos compromissos comunitários#, são factores de preocupação.
Ora o Prof. Paulo Pitta e Cunha formula expressamente a critica ao Tratado Constitucional Europeu, recorrendo ao processo de continua construção da União (criação da união económica e monetária, introdução da cidadania europeia, incremento dos poderes legislativos do parlamento aumento da cooperação intergovernamental), para afirmar que nunca a União precisou de dar aos Tratados o carácter de «lei fundamental» em sentido formal.

Secção III – O ORDENAMENTO COMUNITÁRIO

. O poder de criação normativa dos órgãos comunitários

Constituídas com base em tratados internacionais, instrumentos clássicos do Direito Internacional, às Comunidades Europeias são atribuídas pelos Estados-membros poderes que compreendem a capacidade de produção de regras jurídicas nos domínios próprios da sua actividade, visível no caso da CE (ex-CEE), sujo diploma instituidor tem sido qualificado como «tratado-quadro» (por fixar objectivos e enunciar princípios, a serem desenvolvidos pela actividade de criação normativa dos órgãos comunitários), por oposição ao «tratado-lei» criador da Comunidade do Carvão e do Aço.
A marcar a subsistência de influência dos Estados no sistema comunitário, tem-se por vezes considerado preferível à noção de transferência a de atribuição de competências, deixando entrever que se trata de exercício em comum dos poderes assumidos a nível comunitário. Esta qualificação relaciona-se com a visão de «soberania partilhada». Mas, à medida que a integração progride para estádios avançados na perspectiva federalista, vai-se acentuando o carácter eufemístico da fórmula (carácter tendencialmente irreversível, dado que só a saída de um país ou a dissolução da UE, levaria à sua extinção).

. Direito comunitário originário e direito comunitário derivado

Direito comunitário originário – corresponde às fontes primárias resultantes do acordo dos Estados em base convencional. Entre estas compreendem-se:
Tratado de Paris de 1951, instituidor da CECA.
Tratados de Roma de 1957, instituidor da CEE e Com. Europeia de Energia Atómica.
Tratados que complementares: Convenção relativa a instituições comuns (Assembleia e Tribunal de Justiça) de 1957; Tratado que instituiu um conselho e uma Comissão únicos de 1965.
Tratados de 1970 e 1975 referentes ao sistema financeiro comunitária.
Acto sobre a eleição do parlamento Europeu por sufrágio universal de 1976.
Tratados de adesão e alargamento
Tratado da União Europeia de 1992; Tratado de Amesterdão de 1997; Tratado de Nice de 2001.

Sentido formal: os Tratados Comunitários são tratados internacionais e encontram-se sujeitos ao regime jurídico geral dos Tratados internacionais#. Tal não exclui que estes apresentem especificidades decorrentes da função de aprofundamento do regime de integração, fundado na solidariedade e não no individualismo internacional.
Sentido material: os Tratados são a constituição material das Comunidades, não se encontrando, no entanto, nenhuma disposição especifica que revele a prevalência destes sobre as demais fontes comunitárias. Contudo:
- Art. 230.º CE, que confere aos Tribunais Comunitários o pode de anular os actos de direito derivado que contrariem os Tratados.
- Art. 300.º, n.º6 CE, que estabelece que, caso o TJ entenda que um projecto de tratado viola o Tratado CE, não poderá haver aprovação sem que antes haja uma revisão do Tratado CE.

Direito comunitário derivado – concretizam, desenvolvem e aplicam os Tratados Comunitários, sendo composto pelas normas dimanadas dos órgãos da comunidade (fontes secundárias). Algumas destas normas, nos termos dos Tratados, têm a característica de serem directamente aplicáveis nos Estados-membros, independentemente de quaisquer processos de transposição ou recepção no direito interno.

. Tipologia dos actos comunitários

Às normas de direito comunitário derivado, o qual decorre daquilo que o Tribunal de Justiça das Comunidades referiu como «o poder legislativo da Comunidade», não é dada nos Tratados a designação de lei, nem se estabelece entre as diversas fontes qualquer relação hierárquica. Esta tipologia consta do art. 249.º do TUE.

. O regulamento

O Tratado define o regulamento no seu actual art. 249.º, par. 2:
- Tem carácter geral: trata-se da fonte comunitária que mais perto está da noção de lei (Regulamentos de Base). Existem, contudo, regulamentos de execução, hierarquicamente subordinados aos de base.
- É obrigatório para os seus destinatários em todos os seus elementos, ou seja, quanto ao resultado, quanto aos meios de o alcançar e quanto à forma de o fazer: impõe-se a todos os órgãos e instituições da Comunidade, aos Estados membros e aos particulares. Quaisquer reservas quanto às suas disposições não produzem efeitos.
- Goza de aplicabilidade directa na ordem interna dos Estados: constituem uma legislação de primeiro grau (matérias que na ordem interna são da competência do poder legislativo), produzindo por si, por forma automática, efeitos jurídicos na ordem interna dos Estados-membros. Afecta por isso os particulares de forma directa, não dependendo de intervenção do Estado#.
Desta característica decorre o seu efeito directo: por maioria de razão podem os seus destinatários invocar em tribunal nacional direitos ou obrigações dele decorrentes.
Curiosamente certos regulamentos, que se reduzem a textos extremamente curtos, deixando ampla liberdade de escolha na sua aplicação aos Estados-membros, tendem a derivar para a área da directiva. Nestes casos, os Estados estão obrigados a não ir além das medidas expressamente admitidas pelo regulamento (art. 10.º CE).

. A directiva

O Tratado define a directiva no artigo 249.º. par. 3:
- Tem como destinatários só os Estados membros#: Duas finalidades principais da directiva: concretização do programa de liberalização da circulação; harmonização das ordens jurídicas nacionais com o direito comunitário (esta finalidade confere à directiva a natureza de norma).
Não gozando de aplicabilidade directa na ordem interna distingue-se do regulamento (este é acto de supremacia do direito comunitário, aquela acto de cooperação).
- Obriga os Estados destinatários (só) quanto ao resultado que visa alcançar: Nascida de um compromisso entre o reconhecimento de poderes aos órgãos comunitários e a manutenção de certas competências à escala dos Estados-membros, a directiva limita-se a fixar o objectivo a atingir, dando aos Estados flexibilidade na forma de o concretizar.
- Deixa aos Estados destinatários liberdade de escolha quanto à forma e quanto aos meios de alcançar o resultado previsto: É necessário que elas sejam transpostas, acto este que não é acto de recepção mas uma obrigação dos Estados destinatários.

Dos artigos 10.º, par. 2, e 249.º, par. 3, CE, resulta que, como entende o TJ, «enquanto corre o prazo para a transposição os estados devem abster-se de adoptar medidas que possam comprometer o resultado prescrito pela respectiva directiva. E cabe aos tribunais nacionais controlar esse incumprimento». As medidas de transposição devem revestir força suficiente para revogarem as disposições nacionais incompatíveis com a directiva, embora seja da responsabilidade do estado escolher a forma adequada de transposição.
No caso de o Estado destinatário não transpor a directiva dentro do prazo fixado para o efeito, ou no caso de, de algum modo, os seus órgãos não cumprirem a directiva, ele incorre em situação de incumprimento, que pode determinar a abertura de uma processo por incumprimento, nos termos dos arts. 226.º a 228.º CE. Isso resulta do facto de o prazo para a transposição ter carácter imperativo. À mesma conclusão se chega no cão de errada ou insuficiente transposição.
Decorrido o prazo para a transposição da directiva sem que esta haja sido transposta pelo Estado destinatário, a directiva goza de efeito directo (o qual não dispensa o dever de transpor), podendo ser invocada por um particular perante o estado faltoso para fazer valer o direito que a directiva lhe confira:
- O TJ deixou decidido no caso Van Duyh, «especialmente nos casos em que as autoridades comunitárias tenham, através da directiva, obrigado os Estados membros a adoptar um determinado comportamento, o efeito útil desse acto ficaria enfraquecido se os particulares estivessem impedidos de o invocar em tribunal nacional».
- A garantia de transposição da directiva é garantida não só pelo processo de incumprimento mas naquilo que o TJ chamou no caso Van Gend en Loos de «vigilância dos particulares interessados na salvaguarda dos seus direitos», ou seja, no seu efeito directo (arts. 10.º e 249.º CE.
- Limites ao efeito directo: só ocorre quando o estado não transpõe a directiva dentro do prazo fixado; impede-se o Estado de invocar a directiva não transposta contra particulares;
Tem-se dado uma aproximação das directivas aos regulamentos, na medida em que as directivas dimanadas dos órgãos comunitárias tenderam a apresentar-se como claras e precisas quanto ao seu conteúdo, e juridicamente completas, não consentindo às instâncias nacionais qualquer poder de escolha quanto à transposição.
Depois da modificação do actual art. 254.º pelo TUE o regime da entrada em vigor das directivas é o seguinte:
- As directivas aprovadas segundo o processo de co-decisão (art. 251.º, n.º1, CE) são de publicação obrigatória entrando em vigor na data por elas fixada ou, na falta desta, no vigésimo dia a contar da sua publicação.
- As directivas do Conselho e da Comissão dirigidas a todos os Estados membros são de publicação obrigatórias, nos mesmos termos das directivas acima referidas.
- As outras directivas entram em vigor através da sua notificação aos Estados destinatários, sendo publicadas, apenas para conhecimento, no Jornal Oficial, série Comunicações e Informações.

. Hierarquia das normas comunitárias

Em declaração anexa ao Tratado da União Europeia foi aprovada a intenção, de na próxima conferência de revisão do Tratado, ser analisado «em que medida será possível prever a classificação dos actos comunitários, de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas». Não se chegou a acordo naquela conferência sobre a matéria.
No projecto de «Constituição da União Europeia», elaborado em 1993 pelo Comité de Assuntos Institucionais do parlamento Europeu, propôs-se a classificação dos actos normativos da União em «leis constitucionais», «leis orgânicos» e «leis ordinários», todas elas sendo adoptadas, com diferentes exigências de maioria, em pé de igualdade pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.
As leis e os regulamentos eram obrigatórios em todos os seus elementos e aplicáveis em todo o território da união. Esta proposta inseria-se numa perspectiva federalista, e simultaneamente «descentralizada e cooperativo», baseado na dupla legitimidade democrática (dos cidadãos e dos Estados), e não já o modelo federal puro em que a Comissão se tornasse no Governo federal e o Conselho fosse reduzido À condição de um Senado de Estados.
Nas reticências postas à consagração da noção de «lei» comunitária tem aflorado a relutância dos Estados em aceitar a acentuação dos traços federais da construção europeia.
Numa outra declaração anexa ao Tratado da união Europeia frisou-se ser essencial «para a coerência e unidade do processo» que cada Estado-membro «transponha integral e fielmente para o seu direito nacional as directivas comunitárias de que é destinatário, nos prazos fixados por essas directivas»; mas não deixou de reconhecer-se que cabe a cada Estado-membro «determinar a melhor maneira de aplicar as disposições do direito comunitário em função das suas instituições, sistema jurídico e outras condições que lhes são próprias». À figura da directiva, eliminada nestes projectos federalizantes continuou a ser atribuído importante papel.
O tribunal de justiça reconheceu, em relação às directivas que revestem as características de clareza, precisão e incondicionalidade, a possibilidade de os particulares fazerem valer os direitos que delas lhes advêm, independentemente da sua transposição, perante as administrações ou jurisdições nacionais tendo, portanto, efeito directo#.

. As decisões-quadro

O TUE, após a revisão de Amesterdão, passou a prever esta nova categoria. Elas encontram-se admitidas no art. 34.º, n.º2, al. b), EU, no âmbito do terceiro pilar, isto é, da cooperação policial e judiciária em matéria penal. As decisões-quadro têm, por finalidade específica a harmonização das Ordens Jurídicas nacionais e apresentam como características distintas do comum das directivas o facto de o TUE, no preceito citado, lhes recusar, expressamente, efeito directo.

. A decisão

Decisão – medidas individuais de aplicação, dirigidas a Estados-membros ou particulares, desprovidas das características de generalidade e abstracção dos actos normativos, e que se assemelham a actos administrativos do direito interno (art. 249.º, par. 4, CE).

Note-se que nos casos em que se configuram como actos individuais dirigidos apenas a um ou vários Estados, as próprias directivas podem aproximar-se das decisões. Em regra possuem carácter geral e têm como destinatários todos os Estados-membros: as directivas integram-se, a par dos regulamentos, no bloco legislativo da Comunidade.
O mesmos e pode dizer das decisões, que têm de comum com os regulamentos e as directivas serem «actos jurídicos obrigatórios» (com a ressalva de que nas directivas típicas o carácter obrigatório é parcial, dada a liberdade de escolha quanto à forma e aos meios).
Com esta figura esgotam-se os actos obrigatórios (art. 249.º, ao estabelecer que «as recomendações e os pareceres não são vinculativos»).
Em princípio, as decisões entram em vigor com a sua notificação aos destinatários. Algumas decisões são publicadas, em f8nução da sua importância, no Jornal Oficial. Mas essa publicação não dispensa a notificação. O Tratado da União Europeia veio nos termos do art. 54.º, n.º1, tornar obrigatória a publicação das decisões aprovadas segundo o processo de co-decisão, do art. 251.º CE. Por sua vez o art. 110.º, n.º2, CE permite ao Banco Central Europeu que publique as suas decisões.

. Regras comuns relativas aos regulamentos, às directivas e às decisões

Regras comuns: Publicidade e divulgação (art. 254.º CE). A segunda regra consta do art. 253.º CE. Todos os regulamentos, directivas e decisões, têm de ser fundamentados, devendo incluir referência às propostas e aos pareceres que tiverem sido emitidos no respectivo procedimento de decisão.

. As recomendações e os pareceres

O art. 249.º CE indica também, como fontes do Direito derivado, as recomendações e os pareceres. Pelo simples facto da sua designação percebe-se que uns e outros não têm efeito vinculativo.

Pareceres – são, em regra, puros actos consultivos ou opinativos, salvo os pareceres conformes (por exemplo, arts, 48.º e 49.º EU, e 300.º, n.º3, par. 2, CE).

Recomendações – elas encerram um convite aos seus destinatários para a adopção de um dado comportamento. Nesse sentido, elas cumprem a função da directiva, enquanto vêm prever e disciplinar o comportamento dos órgãos aos quais se destinam. Estes sabem que, se a recomendação não for respeitada, ela poderá ser seguida de um acto vinculativo, que acolherá o conteúdo da recomendação que não foi seguida. Poderá ainda definir um quadro geral de actuação dentro do qual o órgão se deverá mover. Produz por isso efeito jurídico persuasivo, não muito afastado do efeito vinculativo.

. Os actos atípicos.

Certos actos não obrigatórios podem ter grande influência no desenvolvimento do sistema comunitário. Atente-se na importância das resoluções adoptadas pelo Conselho, em que se contêm compromissos de realizar certas políticas, a serem desenvolvidas por meio de actos normativos obrigatórias. Não pode ter-se por exaustiva, pelo menos em relação aos actos não obrigatórios, a tipologia enunciada no art. 249.º. A prática da comunidade revelou a existência de actos não visados nestas disposições (fontes «sui generis»), e que, como é o caso das já citadas resoluções, declarações ou programas de acção, definem uma vontade política de alcançar objectivos, a concretizar através da adopção de medidas concretas.
Tem-se entendido que, embora não fazendo parte do direito comunitário em si mesmo, estes actos integram o «adquirido comunitário», cujo respeito se impõe aos Estados-membros aderentes. Neste sentido, os Tratados de adesão referem o dever dos novos membros de acatar os princípios orientações decorrentes das declarações, resoluções e outras posições do Conselho. O Prof. Fausto Quadros distingue:
- Despachos: traduzidos para português seria melhor a terminologia de ordenança. Não se confundem com as decisões (previsto no art. 249.º CE).
Podem provir do Conselho, do Parlamento ou da Comissão. Podem consistir em actos gerais, que não têm destinatários concretos. Nessa hipótese, podem estar previstos nos Tratados é o caso, por exemplo, das decisões sobre recursos próprios). Quando isso suceder, são os próprios Tratados que lhes fixam os efeitos.
Podem também consistir em decisões com efeitos internos.
- As comunicações da comissão: estes actos típicos revestem natureza muito díspar: podem consistir em Livros Brancos sobre assuntos que a Comissão quer colher na opinião dos outros órgãos ou dos particulares antes de apresentar uma proposta legislativa; em relatórios de natureza diversificada; ou em documentos nos quais a Comissão indica qual será, no futuro, o seu comportamento ou qual deverá ser o comportamento dos Estados membros ou dos particulares.
- Conclusões e as resoluções do Conselho: o conselho aprova, entre outros actos, conclusões e resoluções.
Conclusões põem termo a uma sessão do Conselho. Em regra, contêm declarações meramente políticas, mas, não raro, encerram também orientações, e nesse caso, podem produzir efeitos jurídicos. Só a sua interpretação permite fixar-lhes o verdadeiro sentido e conteúdo. Diferentes são as conclusões da Presidência, que não obrigam o conselho, sendo imputáveis apenas à Presidência e valem como meras declarações políticas.
Resoluções do conselho, em regra, são utilizadas para este anunciar um programa de actuação futura num determinado domínio. Nessa medida, não produzem efeitos jurídicos, mesmo quando convidam a Comissão a agir num determinado sentido. Só excepcionalmente o TJ tem atribuído efeito jurídico a estas resoluções.

. A nomenclatura dos actos no Tratado constitucional.

. Introdução

A simplificação dos instrumentos de que a União dispõe constituiu um ponto essencial da Declaração de Laeken sobre o futuro da União, que estabeleceu, designadamente, o mandato da Convenção .
Os trabalhos desta última, retomados pela Conferência Intergovernamental (CIG), permitiram responder a estas expectativas, clarificando o sistema existente. A tipologia dos actos é limitada a seis instrumentos: lei, lei-quadro, regulamento, decisão, recomendação e parecer. A Constituição acaba, portanto, com a proliferação de actos, que tinha conduzido progressivamente à elaboração de cerca de quinze: os cinco actos de base previstos no Tratado CE e numerosos "actos atípicos", tais como resoluções, directrizes, orientações, etc.
Assim, o artigo I-33.º enumera os seis novos actos jurídicos e estabelece uma distinção entre o nível legislativo e o nível não legislativo, o que não tem qualquer precedente nos tratados actuais.
Além disso, contrariamente ao que sucede nos tratados actualmente existentes, cada base jurídica da Comissão passa a especificar o tipo de acto que deve ser utilizado para a sua execução. Esta nova abordagem evitará hesitações na altura da escolha do tipo de acto a utilizar.
No que se refere aos actos de execução, o papel da Comissão encontra-se reforçado, na medida em que ela é, em princípio, titular do poder de execução. No entanto, continua a ser possível a adopção pelo Conselho de actos de execução em matéria de política externa e de segurança comum (PESC), bem como em casos específicos devidamente fundamentados. Além disso, serão os Estados-Membros, e já não o Conselho, quem controlará o exercício pela Comissão do poder de execução.
A Constituição distingue entre a execução dos actos juridicamente vinculativos da União (artigo I-37.º) e a delegação na Comissão do poder de adoptar "regulamentos delegados" que completem ou alterem certos elementos não essenciais dos actos legislativos, sob controlo do legislador (artigo I-36.º).
As disposições relativas à assinatura, publicação e entrada em vigor dos actos da União correspondem às do Tratado CE (artigo I-39.º). De igual forma, o artigo I-38.º retoma as disposições equivalentes dos Tratados existentes no que se refere à fundamentação dos actos e à liberdade de que as instituições dispõem para escolher o tipo de acto a adoptar, quando os textos o não estipulem especificamente.
Por último, os actos utilizados no domínio dos segundo e terceiro pilares são suprimidos, juntamente com a estrutura em pilares que justificava a sua existência. Consequentemente, apenas poderão ser utilizados, incluindo nessas matérias específicas, os seis tipos de actos acima referidos.

. Tipologia dos actos jurídicos

O artigo I-33.º distingue entre actos legislativos e não legislativos. Cada categoria é retomada num artigo específico: artigo I-34.º para os actos legislativos e o artigo I-35.º para os actos não legislativos.
Os actos legislativos são de dois tipos: a lei e a lei-quadro.
Actualmente, o artigo 249.º do Tratado CE contém uma enumeração dos cinco actos de base existentes (directiva, regulamento, decisão, recomendação e parecer) e dos respectivos efeitos. Podem ser estabelecidas correspondências entre estes actos e as novas denominações.
Assim, a definição da lei europeia corresponde à do regulamento na sua forma actual. Tal como o regulamento, a lei europeia é directamente aplicável em todos os Estados-Membros e não necessita de nenhuma transposição para o direito nacional.
A definição da lei-quadro europeia corresponde à da directiva. Fixa os objectivos a atingir, mas deixa aos Estados-Membros liberdade quanto às medidas a adoptar, num determinado prazo, para atingir esses objectivos.
O artigo I-34.º pormenoriza as modalidades de adopção das leis e das leis-quadro, que na maioria dos casos é feita de acordo com o processo legislativo ordinário.
Os actos não legislativos (artigo I-35.º) são de quatro tipos: regulamentos europeus, decisões europeias, recomendações e pareceres.
De acordo com a Constituição, o regulamento europeu é um acto não legislativo de carácter geral destinado a dar execução aos actos legislativos e a certas disposições específicas da Constituição. Estes regulamentos podem ainda assumir a forma de regulamentos europeus delegados ou de regulamentos de execução.
Tais regulamentos poderão ser obrigatórios em todos os seus elementos ou apenas obrigatórios no que respeita aos resultados a alcançar.
Além disso, a decisão europeia, na sua nova definição, inclui tanto a decisão que indique um destinatário como uma decisão geral, ao contrário do que sucede em relação à decisão, na acepção do artigo 249º do Tratado CE, que só afecta os destinatários que designa.
Por último, são igualmente actos não legislativos as recomendações e pareceres que não produzam efeitos vinculativos. No seu último número, o artigo I-35.º confirma o poder geral de recomendação da Comissão, tal como previsto actualmente no artigo 211.º do Tratado CE, e alarga o do Conselho (artigo I-35.º).

. Delegação legislativa e actos de execução

O Tratado Constitucional procede à cisão das competências de execução previstas actualmente no artigo 202.º do Tratado CE em regulamentos europeus delegados (artigo I-36.º) e em actos de execução propriamente ditos (artigo I-37.º).
A Comissão passa a ser a única responsável pela adopção dos regulamentos europeus delegados que tenham por objectivo completar ou alterar certos elementos não essenciais de uma lei ou de uma lei-quadro (o artigo I-36.º precisa que "os elementos essenciais de cada domínio não podem ser objecto de delegação"). Assim, a definição dos aspectos mais técnicos dos actos legislativos pode ser delegada à Comissão, no respeito das condições de aplicação determinadas pelas leis ou leis-quadro em causa (conteúdo, âmbito de aplicação e período de vigência da delegação). Além disso, esta delegação só pode efectuar-se sob controlo dos dois ramos do poder legislativo. O Parlamento ou o Conselho podem decidir a revogação da delegação e a sua entrada em vigor pode ser suspensa com o acordo tácito dos co-legisladores. Estas novas disposições constituem uma inovação importante no âmbito do sistema de decisão da União, embora na prática tivesse já ocorrido a atribuição de tais competências à Comissão em certas matérias, como o mercado interno e o ambiente. Além disso, reforçam o papel do Parlamento, que passa a controlar o exercício da delegação legislativa da mesma forma que o Conselho.
O artigo I-37.º, consagrado aos actos de execução propriamente ditos, recorda que a execução material das normas comunitárias incumbe normalmente aos Estados-Membros. Se a intervenção da União se justificar pela necessidade da aplicação uniforme, podem em princípio ser conferidas competências de execução à Comissão ou, em matéria de PESC e em casos específicos devidamente justificados, ao Conselho. Os actos de execução da União assumem a forma de regulamentos europeus de execução ou de decisões europeias de execução.
Na medida em que a Comissão exerça um poder em princípio reservado aos Estados-Membros, afigura-se lógico que seja enquadrado por comités de representantes dos Estados-Membros encarregados de dar um parecer sobre os projectos de medidas de execução elaborados pela Comissão. Este sistema de controlo tem a designação de "comitologia".
O artigo I-37.º estipula que as regras gerais da comitologia serão fixadas por uma lei europeia adoptada de acordo com o processo legislativo ordinário, deixando assim de ser fixadas unicamente pelo Conselho, como se verifica actualmente. Além disso, esses mecanismos de controlo serão, nos termos desse mesmo artigo, aplicados pelos Estados-Membros, e já não pelo Conselho.

. Disposições específicas (PESC, PESD E JAI)

Nos Tratados actuais, em matéria de Política Externa e de Segurança Comum (PESC), de Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), e de liberdade, segurança e justiça (JAI), isto é, nos segundo e terceiro pilares, que dependem da cooperação intergovernamental e não do método comunitário, podem ser adoptados actos jurídicos de natureza não comunitária. É assim que, no domínio da PESC, o artigo 13.º do Tratado da União Europeia (Tratado UE) precisa que o Conselho recomendará ao Conselho Europeu estratégias comuns e executá-las-á designadamente mediante a adopção de acções comuns e de posições comuns. De igual forma, o artigo 34.º do Tratado UE enumera a lista de actos que o Conselho pode adoptar em matéria de JAI. Trata-se de posições comuns, de decisões e decisões-quadro, bem como de convenções.
Na sequência da desaparição da estrutura em pilares operada na Constituição, todos estes actos são suprimidos. Em matéria de PESC , PESD e JAI , os actos que vão agora ser utilizados devem corresponder à nova tipologia (artigo I-33.º).
O artigo I-40.º confirma que, no domínio da PESC, só podem ser utilizadas decisões europeias, pelo que "ficam excluídas as leis e leis-quadro europeias". Em matéria de PESD, no artigo I-41.º, também só podem ser utilizadas as decisões europeias. Por último, no que se refere à JAI, são suprimidos os antigos actos utilizados, em benefício das leis e das leis-quadro (artigo I-42.º).

. Quadro recapitulativo

Artigos Assunto Observações
I-33.º Actos jurídicos da União (nova tipologia) Novas disposições
I-34.º Actos legislativos Alterações importantes
I-35.º Actos não legislativos Alterações importantes
I-36.º Regulamentos europeus delegados Alterações importantes
I-37.º Actos de execução Alterações importantes
I-40.º Disposições específicas da PESC Alterações importantes
I-41.º Disposições específicas da PESD Alterações importantes
I-42.º Disposições específicas da JAI Alterações importantes

.A jurisprudência do Tribunal de Justiça. A definição dos princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária.

Atente-se na importância da jurisprudência do tribunal de justiça das Comunidades Europeias no desenvolvimento do sistema jurídico comunitário. A ela se deveu a construção de princípios fundamentais do ordenamento comunitário.
Embora do artigo 249.º do tratado CE pareça inferir-se que só os regulamentos são susceptíveis de produzir efeito directo – no sentido de os particulares poderem invocar junto das jurisdições nacionais direitos que estes actos comunitários lhes conferem –, a jurisprudência do TJC, afastando-se da concepção internacionalista que reduz o Tratado a um acordo definindo obrigações mútuas entre os Estados contratantes, sublinhou que do mesmo Tratado resulta a criação de «uma nova ordem jurídica», cujos sujeitos são não só os Estados-membros, mas também os seus cidadãos, daqui partindo para sustentar que certas disposições do direito comunitário originário, e determinadas directivas, são também susceptíveis de produzir efeito directo.

. Relação entre o direito da União Europeia e os direitos estaduais

A teoria do primado do Direito da União Europeia não se subsume na teoria do primado do Direito Internacional, pelo simples facto de o Direito Internacional é o Direito Comunitário serem Ordens jurídicas com diferentes fundamentos filosóficos-jurídicos.

. O primado do direito da União Europeia

. O fundamento do primado

O primado do Direito da União sobre o Direito estadual decorre da especial natureza do Direito Comunitária (Pierre Pescatore: «exigência existencial» do Direito da União).
O primado sobre o Direito estadual constitui um atributo próprio do Direito da União, não resulta de uma concessão do Direito estadual, particularmente, da respectiva Constituição, como acontece com a recepção do Direito Internacional na ordem interna quando este não é ius cogen.
Portando, o Direito Internacional é fragmentário ao passo que o Direito da União é uma Ordem Jurídica uniforme. Por outro lado, o Direito da União tem também uma «natureza comunitária», encontra-se «integrado no sistema jurídico dos Estados membros» e «impõe-se aos seus tribunais», penetrando na Ordem Jurídica interna para aí produzir a plenitude dos seus efeitos, como cedo passou a admitir o TJ. Tudo isso faz do Direito da União um Direito comum aos Estados membros da União.
Ora, para que o Direito da União se afirme como Direito comum é necessário que ele seja interpretado e aplicado de modo uniforme nos Estados membros. O princípio da uniformidade do Direito Comunitário é imposto também pelo princípio da igualdade entre os cidadãos de todos os Estados membros (art. 12.º do Tratado CE que impõe a proibição da discriminação em razão da nacionalidade).
O primado nunca constou, dessa forma, dos Tratados, embora se pudesse extrai-lo implicitamente de dois preceitos do Tratado CE: art. 10.º, par. 2. Quando impõe aos Estados membros, no quadro da lealdade comunitária, que nada façam no sentido de pôr em perigo os objectivos do Tratado, entenda-se, os fins prosseguidos pelo Direito Comunitário; e do art. 249.º, quando ele atribui aplicabilidade directa a certos actos de Direito derivado (regulamentos e decisões).
O primado foi criado e elaborado pela jurisprudência do TJ. São vários os acórdãos que dão corpo à teoria do primado, mas três deles devem ser considerados os grandes marcos dessa construção:
- Acórdão Costa/ENEL – a transferência levada a cabo pelos Estados, da sua Ordem Jurídica interna para a Ordem Jurídica comunitária, de direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tratado, implica, portanto, uma limitação definitiva dos seus poderes soberanos contra a qual não se poderá fazer prevalecer um acto unilateral posterior incompatível com a noção de Comunidade». E, acrescentava o TJ, o primado abrange o Direito estadual tanto anterior como posterior ao acto comunitário em causa.
- Acórdão Simmenthal – aqui o tribunal decidiu que é dever do juiz nacional considerar inaplicável qualquer acto nacional eventualmente contrário a um acto comunitário, seja anterior ou posterior e que a entrada em vigor de um acto comunitário impede a aprovação de novos actos legislativos nacionais que sejam incompatíveis com ele (efeito bloqueador do primado).
- Acórdão Factortame – o TJ reconheceu ao juiz nacional o direito de, a título cautelar, suspender a aplicação de um acto estadual susceptível de ser considerado contrário ao Direito Comunitário mesmo se o respectivo Direito interno não lhe conferir competência para o efeito, ou seja, mesmo contra Direito interno de sentido contrário.

. O âmbito do primado

Assim entendido no seu fundamento, o primado do Direito da União tem de ser absoluto. Esta afirmação tem uma dupla vertente:
- Significa que todo o Direito Comunitário (todas as suas fontes) prevalece sobre todo o Direito estadual (é oponível a todo o direito interno).
O primado é assim supranacional, quer em relação ao direito ordinário quer em relação ao direito constitucional (acórdão San Michele e Simmenthal). Este primado aparece, no entanto, relativizado em dois sentidos:
- O problema do primado nem se colocará quando a Comunidade, por força dos Tratados, não estiver autorizada a agir (por exemplo, no domínio das atribuições concorrentes, por força do princípio da subsidiariedade).
- Este carácter absoluto foi suavizado pelo TJ, com o apoio de alguns tribunais nacionais, pela necessidade de se salvaguardar direitos fundamentais dos cidadãos (disposições internas mais favoráveis permanecem sobre as comunitárias – acórdão Stauder; Nold e Wachauf).

. O valor jurídico do primado

Qual a consequência jurídica de um acto nacional que viole o acto comunitário?
A resposta surge desde logo na construção jurisprudencial do acórdão Simmenthal: «sanção seria a inaplicabilidade do acto estadual» e não a nulidade. A sanção situa-se por isso no domínio da eficácia e não da validade.
O TJ recusou aí atribuir natureza federal ao primado do Direito Comunitário, que teria determinado a nulidade, se não a inexistência do acto. Sublinhe-se que o Tribunal fornece argumentos para que no caso da contrariedade do acto nacional ser superveniente a sanção se aproximar da nulidade.
A violação do primado, para além de poder ser questionada perante os tribunais nacionais do estado que o infringiu, segundo os meios contenciosos nacionais, coloca o respectivo Estado em situação de incumprimento, susceptível de desencadear o processo regulado nos arts. 226.º a 228.º CE, e fá-lo incorrer, por esse mesmo fundamento, em responsabilidade de Direito Comunitário.

. O primado do Direito da União e as Constituições estaduais

A posição dos Estados membros perante o primado tem de ser vista em duas fases: a fase da confrontação e a da adaptação.
- A fase da confrontação – as constituições estaduais para aceitarem o primado do Direito Comunitário, e, portanto, para lhe darem legitimação constitucional, sentiram-se na necessidade de acolher as limitações de soberania resultantes da sua adesão às comunidades por 1 de 2 vias:
Incluindo uma cláusula geral de limitação de soberania, que cobria também o rimado supraconstitucional do Direito da União.
Incluindo nas constituições uma cláusula de autorização ao Parlamento para a delegação de poderes soberanos nas comunidades (art. 24.º da constituição alemã).
- A fase da adaptação – vai levar os Estados membros mais longe: eles, mais do que procurarem uma legitimação constitucional para o primado do Direito da União, vão adaptando ou adequando as respectivas Constituições à evolução do Direito Comunitário.
Fui um movimento iniciado com a assinatura do Tratado da União Europeia, de 1992, e tem vindo a conhecer dois métodos:
- Revisão das constituições de forma a pô-las de harmonia com o Tratado da União Europeia#.
Portugal não fugiu a esta orientação, tendo revisto sucessivamente a Constituição de 1976.
- Europeização dos direitos constitucionais dos Estados membros. Vai-se verificando uma progressiva harmonização das Ordens jurídicas nacionais com o Direito da União. Em primeiro foi o Direito Constitucional Económico, e têm-se sucedido outras áreas de índole política (liberdade, segurança, justiça) – por exemplo o art. 33.º, n.º5 CRP, com a redacção da revisão de 2001.

. A situação em Portugal

A aceitação expressa pela nossa Constituição do primado supranacional do Direito da União reforçará a coerência interna do próprio do texto constitucional. A nossa Constituição, logo em 1976, adoptou uma ampla abertura a fontes supranacionais, traduzida, sobretudo, na «abertura internacional da ordem constitucional», expressa em três preceitos constitucionais (arts. 8.º, n.º1, 16.º, n.º1 e 2).
Por conseguinte, por força dos Tratados e da jurisprudência do TJ, que foi atrás citada, e que hoje é seguida pela prática dos diversos Estados membros, o Estado Português está obrigado, pelo simples facto da sua adesão à união e à comunidade, a dar efectividade ao Direito da união na sua ordem interna.
Especificamente quanto aos tribunais nacionais, estes são tribunais comuns do Direito Comunitário. Ou seja, o juiz nacional é juiz comunitário. Esta comunitarização do juiz nacional e da sua função começou, aliás, a ser levada a cabo exactamente pela teoria do primado. O juiz nacional está obrigado a aplicar o Direito Comunitário segundo os critérios do Direito Comunitário.

. A aplicabilidade directa do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

. Noção e fundamento

A aplicabilidade directa do Direito Comunitário quer dizer que o acto que dela goza é susceptível de aplicação imediata na ordem interna do Estado a cujos sujeitos se dirige. Assim, a aplicabilidade directa tem os seguintes três corolários:
- Para que o acto em causa seja directamente aplicável na ordem interna não é necessária a interposição do Estado, ou seja, não é necessário qualquer acto de recepção do acto na Ordem Jurídica do estado em causa. Nada pode ser feito para evitar essa aplicabilidade directa.
- O acto comunitário vigora na hierarquia interna das fontes de Direito sem perder a sua natureza de acto de direito Comunitário.
- Os órgãos nacionais de aplicação do direito têm o dever de aplicar o acto a partir da data da sua entrada em vigor na Ordem Jurídica Comunitária.

O princípio da integração e a consequente subordinação dos Direito estaduais ao Direito Comunitário impõem a aplicabilidade directa de alguns dos seus actos na ordem interna dos Estados membros.

. Âmbito

A aplicabilidade directa é um criado pelos Comunitários, que, por isso, dizem, eles próprios, quais são os actos que dela gozam.
Assim, na CE, são directamente aplicáveis, segundo o artigo 249.º, par. 2, os regulamentos e as decisões. Quanto a estas últimas, note-se que o Tratado não se refere expressamente à sua aplicabilidade directa, mas ela decorre implicitamente do carácter obrigatório da decisão, em todos os seus elementos. Dentro das decisões, como é obvio, o problema da aplicabilidade directa só se coloca quanto às decisões que se dirijam a sujeitos internos das Ordens Jurídicas estaduais, e não apenas aos próprios Estados.

. O efeito directo do Direito Comunitário na Ordem Jurídica dos Estados membros

Quanto aos actos comunitários que gozam de aplicabilidade directa não se suscitam, em princípio, problemas quanto à possibilidade da invocação imediata, perante as instâncias nacionais.
Quanto aos actos sem aplicabilidade directa, que são actos de mera cooperação, são eles as disposições dos Tratados, as directivas, as decisões que têm como destinatários Estados e acordos internacionais que obrigam as Comunidades.
O TJ considera que quando um acto, não obstante não se dirigir a particulares, confira a estes directamente direitos (efeito directo), ou por impor obrigações a Estados em relação a particulares, confira a estes indirectamente direitos (efeito directo reflexo), podem invocar esses direitos perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito.
Conjugando a teoria do efeito directo com a teoria do primado, o órgão nacional de aplicação do Direito deverá atender a essa invocação, mesmo contra o Direito nacional aplicável, ou, por maioria de razão, na ausência deste. O efeito directo constitui uma garantia mínima dos direitos dos particulares.
O TJ no caso Van Gend en Loos, quando afirma que o Tratado CE «constitui mais do que um acordo que cria obrigações recíprocas entre os Estados contratantes; a comunidade constitui uma nova Ordem Jurídica cujos sujeitos são, não apenas os Estados, mas também os seus cidadãos».
A aplicabilidade directa distingue do efeito directo. Com efeito, a primeira encontra-se consagrada de modo expresso nos Tratados, concretamente, no citado art. 249.º CE, quanto aos regulamentos e às decisões que se dirigem aos sujeitos internos dos Estados, enquanto que o efeito directo não consta dos Tratados e nunca foi afirmado pelo TJ com base naquele preceito do Tratado CE.
Para alem do Van Gend en Loos o TJ iria apurar progressivamente a sua concepção de efeito directo nos acórdãos Grad, Van Duyn e Úrsula Becker.

. Os requisitos do efeito directo

Para conceder efeito directo a uma disposição do Direito Comunitário, o TJ exige o preenchimento de algumas condições:
- Clareza e precisão. A falta de clareza não constitui obstáculo desde que ela possa ser clarificada através de uma interpretação por via jurisprudencial.
- Incondicionalidade. O facto de conter uma condição não lhe retira efeito directo, que lhe será reconhecido assim que estiver preenchida a condição.
- Produção de efeitos sem necessidade de qualquer disposição nacional ou comunitária que a complete. Com esta característica quer-se dizer que a norma não deve conferir um poder discricionário de dispor ex novo na relação entre a norma comunitária e o particular.

. Efeito directo vertical e efeito directo horizontal

Quanto ao âmbito subjectivo do efeito directo há a distinguir:
- Efeito directo vertical – na medida em que a norma comunitária em questão, inclusive da directiva, só pode impor obrigações aos Estados que são seus destinatários, o particular apenas pode invocar a disposição em causa, e o direito que ela lhe confere, de modo a obrigar o Estado a respeitar o direito subjectivo que a disposição lhe atribui. Por isso, o efeito directo só pode ser invocado, perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito, em litigio que opõe os particulares a autoridades do Estado, sejam elas quais forem.
- Efeito directo horizontal – a disposição em causa, não obstante ser dirigida aos Estados, pode impor obrigações também a particulares. Por isso, os respectivos direitos serão invocáveis inclusivamente em litígios entre pessoas privadas.

Para se referir o somatório do efeito vertical e do efeito directo horizontal, socorre-se da expressão efeito directo completo.

. As disposições dos Tratados

O TJ já reconheceu efeito directo horizontal a disposições dos Tratados: quer a disposições que têm pessoas privadas como destinatários das obrigações (regras da concorrência nos arts. 81.º e 82.º CE), quer a disposições que, sem terem pessoas privadas como destinatário, impõem-lhes obrigações cujo cumprimento lhes pode ser exigido pelos titulares dos direitos que correspondem àquelas obrigações, de direitos esses que são criados directamente pelo Dt. Comunitário, como é o caso das regras relativas à livre circulação e à não-discriminação de pessoas.
No geral, as disposições dos Tratados teme feito directo só vertical, enquanto impõem obrigações apenas aos Estados. Passa-se assim com muitas das obrigações que o Tratado CE impõe aos Estados nas matérias das liberdades de circulação, da proibição de discriminação e do direito à concorrência. Escapam ao efeito directo as normas que deixam aos Estados um poder discricionário nas suas relações com os particulares.

. As directivas

Só podem ter como destinatários Estados e só podem impor obrigações a estes. Por isso, o seu efeito directo só pode ser vertical. É esse o raciocínio que o TJ segue no acórdão Marshall.
Todavia o desejo de reforçar o cumprimento das directivas e o seu efeito útil leva o TJ a alargar significativamente o âmbito do seu efeito directo. Primeiro, considerando que as podem invocar todos os particulares, em geral. Depois, adoptando um conceito muito amplo de Estado, contra o qual pode ser invocada a directiva, de modo a abranger, não só o Estado membro, mas também tanto o Estado-Administração como o Estado empregador (acórdão Marshall).
O TJ recusa efeito horizontal às directivas, isto é, efeito directo nos litígios entre particulares, mesmo que as directivas reúnam os requisitos do efeito directo#.

. As decisões

Também gozam de efeito directo as decisões que se dirigem a Estados, quando criam direitos para particulares. A jurisprudência do TJ na matéria encontra-se bem representada no acórdão Hansa Fleisch. O TJ reconhece efeito directo a tal tipo de decisões, mesmo quando estes sejam tomadas por órgãos criados por Tratados concluídos pela Comunidade com Estado terceiros.
O efeito directo reconhecido àquelas decisões é só vertical. O TJ recusa efeito directo horizontal às decisões dirigidas a Estados pelos mesmos fundamentos por que o faz quanto às directivas.

. A questão do efeito colocada no terceiro pilar

O Tratado de Amesterdão veio criar no terceiro pilar da União, a categoria das decisões-quadro (art. 34.º, n.º2, UE). Dada a similitude da função daquelas em relação às directivas (que ressalta bem da definição que delas dá o art. 34.º, n.º2, al. b)) punha-se o problema de saber se também elas gozariam de efeito directo. O Tratado, naquele preceito, resolveu o problema pela negativa.
Idêntica posição veio a tomar a al. c) do mesmo preceito quanto às decisões, aí referidas.

. O efeito directo do Direito da União em Portugal

Quase vinte anos decorridos já sobre a adesão, não se pode dizer que o instituto do efeito directo do Direito Comunitário esteja a ser usado muito frequentemente em Portugal. Tal deve-se essencialmente ao pouco interesse de todos os sujeitos ligados à aplicação do Direito Comunitário neste campo.

. A unidade de interpretação do Direito Comunitário

A incorporação do Direito comunitário nas ordens jurídicas nacionais, que o artigo 249.º explica em relação aos regulamentos, decorre por forma implícita do disposto no artigo do Tratado de Roma que permite os órgãos judiciais nacionais a reenviar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as questões de interpretação ou apreciação da validade das normas comunitárias.
O artigo 234.º, ao prever um processo de cooperação entre o tribunal das Comunidades e os tribunais nacionais com vista a assegurar a unidade de interpretação do direito comunitário e a permitir a sua aplicabilidade uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência uniforme pelos Estados-membros, está a revelar que a competência para as resoluções de litígios entre os particulares e os Estados, ou opondo particulares a outros particulares, quando esteja em causa a aplicação da ordem comunitária, cabe às jurisdições nacionais.
Neste sistema não se consagra, por respeito à soberania dos tribunais nacionais, um mecanismo de revisão afecto a uma jurisdição comunitária suprema. O Tribunal de Justiça das Comunidades fornece a interpretação do direito comunitário, mas é ao juiz nacional que cabe a aplicação das respectivas normas na resolução de litígios.
O mecanismo do reenvio prejudicial consagrado no art. 234.º serviu de instrumento para a construção jurisprudencial em trono do sistema jurídico comunitário.
Secção IV - AS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA

I – O QUADRO INSTITUCIONAL DAS COMUNIDADES

a) Introdução

Uma das especificidades mais marcantes da EU é o seu sistema institucional. Entende-se como tal o conjunto de órgãos e instituições da Comunidade.

Órgão – centro de imputação de vontade jurídica das pessoas colectivas, formados por um substrato humano que permite a estas autodeterminar-se.

b) Órgãos das comunidades e órgãos da União

O TUE criou um sistema orgânico único, para toda a EU. Deste modo, os mesmos órgãos são chamados a intervir como órgãos da União ou, estritamente, das Comunidades, ou, dito de outra forma, os mesmos órgãos têm competência para os três pilares.
Em bom rigor, Salvo o Conselho da Europa, o TUE pediu emprestados os órgãos das Comunidades para os pôr a actuar como órgãos de toda a União. Contudo, não têm as mesmas competências ou o mesmo peso dentro das duas realidades (tal resulta da coexistência entre o pilar comunitário e os pilares intergovernamentais).

c) O sistema de repartição de poderes

O sistema de repartição de poderes na União e nas Comunidades, pode-se qualificar como um sistema quadripartido:
Poder legislativo
Poder executivo
Poder de fiscalização
Poder judicial
A configuração e a demarcação do poder legislativo são particularmente complexas. O processo legislativo envolve a participação de vários órgãos e assume, em função disso, diversas modalidades.
Não obstante, não é possível encontrarmos similitude entre sistema de repartição de poderes das Comunidades e o sistema estadual.
Duas categorias de órgãos para o Prof. fausto Quadros:
Órgãos principais: são aqueles que constam dos arts. 4.º e 5.º EU e 7.º, n.º1 CE, isto é, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Devemos ainda referir o art. 189.º, CE, o qual disciplina os órgãos atrás referidos.
Órgãos e as instituições complementares:

d) A tripla legitimidade do poder político comunitário

O exercício político comunitário assenta numa tripla legitimidade:
Integração: representada pela Comissão, a qual foi criada como
Órgão independente dos Estados e representante do interesse comunitário
Estadual: representada pelo Conselho, representante dos Estados. Estas duas primeiras legitimidades representam a dicotomia integração e interestadualidade. Confirma também a vocação federalista, expressa no Plano Schumam, de 1950 (representação do todo integrado e dos Estados#).
Democrática: funda-se na eleição do Parlamento Europeu por sufrágio directo e universal, desde 1979, num processo progressivo de reforço dos poderes do Parlamento, que deixaria de ser meramente consultivo. Subsiste claro o deficit resultante do facto de ele não representar o povo europeu, mas «os povos dos Estados reunidos na Comunidade» (art. 190.º do Tratado CE).
Possui também uma competência inferior à do Conselho.
Para o Prof. Denys Simon, deve-se ainda referir uma quarta legitimidade, a legitimidade judiciária, concretizada nos dois tribunais Comunitários, o TJ e o TPI.

II – O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA

a) Origem

O conselho é composto por representantes dos Estados membros, actuando como seus delegados. Foi pensado pelo Tratado de Fusão de 1965 (art. 2.º, par. 1), como órgão que, na estrutura orgânica das Comunidades, representaria os interesses nacionais dos Estados membros (câmara federal das Comunidades).
Depois do TUE, não tem competência apenas no quadro comunitário mas também no domínio da PESC e da cooperação judiciária em matéria penal (a partir de 1993 passou a ser designado por Conselho da União Europeia).
É o principal órgão de decisão da Comunidades. Delibera sob proposta da Comissão e com a intervenção, nas circunstâncias em que cada caso os Tratados o exigirem, do Parlamento Europeu. O Conselho não tem como vocação aproximar-se de um modelo de governo europeu (esse papel está reservado à Comissão). O Conselho privilegia um compromisso entre os interesses nacionais.

b) Composição

Cada Estado tem um representante no Conselho. Por isso, o Conselho é composto hoje por vinte e cinco membros.
Até ao Tratado de Maastricht, dispunha o art. 146.º (hoje, art. 203.º), par 1, CE, que: «o Conselho é composto por representantes dos Estados membros. Cada Governo “delegará” um dos seus membros para nele participar».
Esta disposição foi modificada pelo TUE: «o Conselho é composto por um representante de cada Estado membro a nível ministerial, com poderes para vincular o governo desse Estado membro» (alteração exigida pela Alemanha, de modo a que pudessem participar delegados dos Länder). Deste modo, passam a ter assento no Conselho «Ministros que não provêm do Governo Central» (no caso português a redacção do art. 203.º, par 1, não autoriza a que se reconheça a membros dos governos regionais o direito de vincularem o Estado português – art. 227.º, n.º1 da CRP).

c) Os níveis de actuação do Conselho
O Conselho reúne-se a vários níveis (Regimento do Conselho – aprovado à sombra do art. 207.º, n.º2 – concretamente, no seu nexo I, por remissão do respectivo art. 2.º, n.º1):
1. Assuntos Gerais – Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas. Têm assento nele os Ministros dos Negócios Estrangeiro dos 25. tem competência para tratar de todas as questões que não mostrem ser de carácter técnico e não sejam da competência de qualquer dos Conselhos «técnicos ou «especializados». Ele coordena estes últimos Conselhos, o que lhe confere uma superioridade em relação a estes (art. 2.º, n.º2, al. a) do Regimento).
2. Conselhos de Ministros Especializados – compõem-nos os Ministros dos Estados membros que têm, nos respectivos Estados, o pelouro respectivo.
3. Grandes conjuntos – junção dos dois níveis anteriormente descritos.
4. Conselho de Chefes de Estados ou de Governo – é o mis alto nível. Não é composto por individualidades «a nível ministerial», funciona, em bom rigor, à margem do art. 201.º, par. 1, CE. Ele encontra-se expressamente previsto em preceitos específicos do Tratado CE: é o caso dos arts. 121.º, n.º2, 3 e 4, do art. 122.º, n.º2, ambos em matéria de integração monetária, e do art. 214.º, n.º2, quanto à investidura da Comissão.
Cabe ao Ministro cujo Estado assegure em dado semestre a presidência do Conselho preparar e dirigir os trabalhos do respectivo Conselho.
Além disso o TUE previu a participação do presidente do Conselho, sem direito de voto, no Conselho de Governadores do Banco Central Europeu, podendo submeter moções à deliberação desse Conselho (art. 113.º, n.º1).

d) Competência
Está definida no art. 202.º CE. Essa competência encontra-se pormenorizada ao longo do Tratado, acerca de matérias concretas.
Pode dizer-se que é o principal órgão de decisão na actual estrutura da Comunidade: algumas matérias, ele tem poder de decidir sozinho; nas que estão sujeitas a um processo de co-decisão, ele co-legisla com o Parlamento Europeu; nas que estão sujeitas a um processo de cooperação, ele tem a última palavra.

e) Funcionamento: A presidência do Conselho
O funcionamento encontra-se disciplinado no regulamento. O TJ entende que o Regimento do Conselho constitui um texto obrigatório#.
A determinação de quem preside ao Conselho da União, faz-se através de uma regra temporal (por semestres). Na prática, a presidência é assegurada pelo órgão ou agente que, segundo o direito interno de cada Estado, tem competência do nível do Conselho em causa.
O Conselho Europeu e o Conselho da União Europeia ao nível de Chefes de Estado ou de Governo é presidido por quem em cada Estado, detém a direcção suprema da política externa (em Portugal é o P.M. – art. 182.º da CRP), ou ao Conselho funcionando aos outros níveis preside o Ministro respectivo do Estado membro ao qual assegura, em cada semestre, a presidência da União.
Até a União Europeia ter tido doze membros, os Estados presidiam ao Conselho por rotação determinada pela ordem alfabética da designação de cada Estado na sua língua nacional (art. 146.º, par. 2, CEE, antes do Tratado de Maastricht). Este sistema permitia que, em cada troika (trio composto pelo Estado que nesse semestre presidia ao Conselho, e pelo Estado anterior e o imediatamente posterior), estivessem necessariamente presentes, pela referida ordem alfabética, um dos cinco grandes. Com o alargamento de 1995 tal deixou de ser possível (art. 146.º, par. 2, Cena redacção de Maastricht, e a decisão do conselho, n.º 95/2/CE).
As reuniões do Conselho têm lugar normalmente em Bruxelas. De harmonia com o princípio da transparência dos actos dos principais órgãos da União, estabelecido no art. 255.º, n.º1, introduzido no Tratado CE pelo Tratado de Amesterdão, o art. 207.º, nº3 CE, define o âmbito daquele princípio no funcionamento do Conselho. Ele dispõe sempre que o Conselho actue no exercício de poderes legislativos, os resultados das votações e das declarações de voto, bem como as declarações exaradas em acta, serão tornados públicos.

f) O Comité de representantes permanentes (COREPER)
Na preparação das decisões do Conselho ocupa um lugar de destaque o Comité de representantes permanentes. É composto por chefes das missões permanentes que cada Estado membro mantém em Bruxelas, junto da União. Em regra, o chefe da missão tem a categoria de Embaixador.
O COREPER não se encontrava previsto inicialmente nos Tratados, mas apenas no Regimento do Conselho. Depois, passaram-se a referir a ele, primeiro, os arts. 4.º e 5.º do Tratado de fusão, depois, o art. 151.º CE, após a revisão de Maastricht, e hoje, o art. 207.º, depois das revisões de Maastricht e de Nice.
Esse art. 207.º confere três categorias de competências:
- Prepara os Trabalhos do Conselho, a todos os níveis em que este se reúna.
- Exerce os poderes que o Conselho nele delegue.
- Pode exercer os poderes de índole processual previstos no Regimento do Conselho.

g) A votação
O funcionamento do Conselho e o modo formal de ele decidir dependem, em grande medida, do estilo que nessa matéria lhe queira imprimir o Estado que preside em cada semestre ao Conselho.
Uma das especificidades do funcionamento do Conselho reside no facto de a presidência evitar recorrer à votação formal sempre que se verifica a existência de um consenso. Por outro lado, quando esse consenso não está obtido, a presidência diligencia no sentido de se chegar a ele.
Temos os seguintes sistemas de votação:
1. Maioria simples – pela redacção do art. 205.º, n.º1, CE, a maioria simples foi pensada como sistema-regra de votação no Conselho, sendo quase excepcional, na medida em que só quando o Tratado não prevê outro modo de votação, este se aplica (por exemplo, a votação do regimento do Conselho – art. 207.º, n.º3).
2. Unanimidade – a regra da unanimidade vai de encontro aos princípios da soberania indivisível da igualdade formal entre os Estados. Eles impedem que um Estado venha a assumir obrigações sem o seu acordo.
O processo de integração europeia recusou a regra da unanimidade como a única regra de votação no Conselho. Ela é contrária aos postulados em que assenta a integração, espelhando o individualismo internacional.
Por outro lado, convém não sobrevalorizar, sobretudo para os Estados pequenos e médios, o direito de veto que resultaria desta regra (basta pensar que se os Estados pequenos vetassem uma deliberação favorável aos países grandes, os Estados grandes poderiam retaliar com o veto de uma deliberação que atribui-se benefícios aos pequenos, nomeadamente a nível financeiro).
Após o Tratado de Amesterdão, os arts. 23.º, n.º2, par. 2, e 40.º, n.º2, par. 2, EU, em matéria se segundo e terceiro pilares, e o art. 11.º, n.º2, par. 2, CE, vieram dar um novo alento ao direito de veto no Conselho para a defesa de «importantes e expressa razões de política nacional». O Tratado de Nice conservou apenas o primeiro daqueles preceitos.
A dinâmica criada pelo progressivo alargamento da regra de maioria qualificada em detrimento da unanimidade cria dificuldades cada vez maiores ao uso do direito de veto no Conselho. A unanimidade é requerida pelo TUE apenas nas cláusulas chamadas «constitucionais», que versam sobre matéria essencial: adesão de novos membros (art. 49.º UE); alargamento de poderes para os órgãos comunitários (art. 308.º CE), orçamento (art. 279.º CE) processo de co-decisão (art. 251.º, n.º3, CE) e processo de cooperação (art. 252.º, al. c, par. 2, CE).
3. Maioria qualificada – o sistema de voto por maioria qualificada encontra-se regulado no art. 205.º, n.º2, CE.
Para o efeito da votação por maioria qualificada aquele preceito adopta o método de ponderação de votos no Conselho, em função, sobretudo, mas não só, de um critério demográfico aplicado aos Estados membros.
Actualmente (a partir de 1 de Novembro de 2004, por aplicação do Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, anexo ao Tratado de Nice, e tal como resulta do n.º2 da Declaração respeitante ao alargamento da União Europeia), de harmonia com este método temos os seguintes números de votos por Estado membro:
a) Alemanha, França, Itália e Reino Unido 29
b) Espanha e Polónia 27
c) Países Baixos 13
d) Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 12
e) Áustria e Suécia 10
f) Dinamarca, Eslováquia, Irlanda, Lituânia e Finlândia 7
g) Esónia, Letónia, Eslovénia, Chipre e Luxemburgo 4
h) Malta 3

As deliberações serão, então, aprovadas se obtiverem, da soma de 321 votos:
a) Pelo menos 232 votos a favor, da maioria dos Estados membros, quando, por força do Tratado, devam ser tomadas sob proposta da Comissão,
b) 232 votos a favor de, pelo menos, 2/3 dos Estados, nos restantes casos.
Todavia, mesmo então, qualquer dos Estados poderá pedir que se verifique e os Estados membros que formaram essa maioria representam, pelo menos, 62% da população total da União, o que, a não acontecer, fará com que a deliberação não se considere tomada.
A minoria de bloqueia será, então, composta por 90 votos de, pelo menos, treze Estados, na primeira hipótese, e 90 votos de 1/3 dos Estados mais um, na segunda hipótese, ou, simplesmente, ela será encontrada quando os Estados membros que não aprovarem a deliberação representarem, pelo menos, 38,1% da população total da União.
A entrada em vigor deste regime foi substituída, sendo que passou a contar a partir de 1 de Janeiro de 2005.

III – O CONSELHO EUROPEU

a) Génese

O Conselho Europeu não se encontrava previsto nos Tratados institutivos das Comunidades. Nasceu da institucionalização das Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo. Com efeito, na Cimeira de Paris em 1974 ficou decidido que os Chefes e Estados e de Governo dos nove Estados membros, acompanhados dos respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros, se reuniriam regularmente três vezes por ano para avaliar e impulsionar tanto a integração europeia como a cooperação política.
Somente com o Acto Único Europeu que essas Cimeiras passariam a ter fundamento jurídico nos Tratados, quando o seu artigo 2.º passou a referir-se ao «Conselho Europeu» e veio estabelecer que ele tivesse, pelo menos, duas reuniões ordinárias por ano (com intervenção dos Chefes de Estado e de Governo e ainda o Presidente da Comissão).
O TUE acolheria em definitivo esse órgão no artigo 4.º das suas «Disposições comuns».

b) Estatuto e competência

O Conselho Europeu não deve ser confundido com o Conselho da União em matéria de actuação como Conselho de Chefes de Estado e de Governo.
Em primeiro do Conselho Europeu faz parte o Presidente da Comissão (o que não se integra na previsão do art. 203.º CE – é composto por um representante de cada Estado membro, a nível ministerial, com poderes para vincular o Estado). O que aqui está em causa são duas legitimidades diferentes: a estadual (participação dos estados no processo de decisão da União) e a integradora (participação da Comissão).
Em segundo tem um regime jurídico próprio. Mesmo quando o Conselho da União é composto por Chefes de Estado ou de Governo rege-se por regras dos Tratados, ao passo que o Conselho Europeu, mesmo quando actua à sombra de preceitos expressos do Tratado CE, não se regula por aqueles mas por outras que lhe são próprias.
Em terceiro, enquanto se encontra previsto no TUE, o Conselho Europeu, é acima de tudo órgão da União Europeia. A sua competência encontra-se aí definida em relação à União Europeia, concebida no seu todo: «O Conselho Europeu dará à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definirá as respectivas orientações políticas gerais» (art. 4.º, par. 1). Assim, este é uma espécie de órgão supremo da União, fixando os grandes rumos políticos da União, entendida no seu conjunto. O Conselho Europeu pratica actos políticos e não jurídicos, embora aqueles que possuem conteúdos jurídicos obrigatórios, serão práticos por outros órgãos da União e da Comunidade, na excepção das linhas de política geral aprovadas pelo Conselho Europeu.
O Conselho Europeu tem também competência no âmbito do Tratado CE (art. 99.º, n.º2, art. 113.º e art. 128.º). Em todos estes casos o Conselho Europeu mantêm a natureza atribuída pelo art. 4.º do TUE, não indo além da definição de orientações de carácter meramente político:
a) Art. 99.º, n.º2 – discutirá uma «conclusão» sobre as orientações gerais das políticas económicas.
b) Art. 113.º - tomará conhecimento do relatório anual do Banco Central Europeu.
c) Art. 128.º - avaliará anualmente a situação do emprego na Comunidade e aprovará «conclusões» nessa matéria.
Não figura entre o rol de órgãos comunitários, constante do art. 7.º CE, e não pratica nenhum dos actos do art. 249.º CE. Possui importante competência no domínio da PESC (art. 13.º EU – define princípios gerais e orientações desta).

c) Composição e funcionamento

Já nos referirmos à sua composição, pelo que devemos acrescentar que podem ter assento os ministros da Economia e das Finanças sempre que o Conselho Europeu se debruce sobre questões relativas à UEM.
O Conselho Europeu é presidido, em cada semestre, pelo mesmo Estado que preside ao Conselho. A preparação dos seus trabalhos preparatórios é coordenada pelo Conselho dos Assuntos Gerais, mas nela desempenham um papel importante, antes de, mais, a presidência, mas também o COREPER e o Secretariado-geral do Conselho.
As reuniões deste têm lugar no território do Estado que exerce a presidência, tendo cada reunião regras comuns aprovadas na Declaração de Londres em 1977.

IV – A COMISSÃO

a) Génese
A Comissão tem a sua origem remota na Alta Autoridade da CECA. O Tratado de fusão, ao cindir os três órgãos executivos das três Comunidades, criou uma só Comissão para todas elas. A sua designação veio a ser a de Comissão das Comunidades Europeias.
Com o Tratado de Maastricht, a Comissão passou a ter competência, no quadro da União, também fora do âmbito das Comunidades. Por isso, hoje designa-se de Comissão Europeia ou Comissão da União Europeia.

b) Composição
Segundo o art. 213.º, .º1, par. 4, CE, a Comissão deve ser composta por um nacional de cada Estado membro, não podendo qualquer Estado ter nela mais do que dois nacionais. Desta forma, quis-se, desde o Tratado de Roma, dar a possibilidade aos quatro grandes, de terem, cada um, dois Comissários.
Na Europa de Quinze o número de Comissários era de 20, com Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido a terem dois Comissários cada.
Aquando a revisão de Amesterdão, foi junto, ao Tratado de revisão, um protocolo, o Protocolo relativo às instituições na perspectiva do alargamento da União Europeia, que estipulava que a Comissão seria composta apenas por um nacional de cada Estado membro, mas, os Estados que perdessem o segundo Comissário seriam compensados no sistema de ponderação de votos no Conselho. Todavia, segundo o mesmo Protocolo, o mais tardar um ano antes da data em que a União Europeia passasse a ser constituída por mais de vinte Estados membros, seria convocada uma CIG, que procederia a uma revisão global das disposições dos Tratados sobre a composição e o funcionamento dos órgãos.
O Tratado de Nice veio estabelecer no art. 4.º do já referido Protocolo relativo ao alargamento da União Europeia, a ele anexo, aquele Tratado procede a uma alteração, em duas fases, ao sistema de composição da Comissão:
Numa primeira fase, a representação igual de todos os Estados. A partir e 1 Novembro de 2004 quando se iniciar o próximo mandato da Comissão, e numa Europa de 25, ela será composta por um nacional de cada Estado membro. Portanto, ela terá então 25 membros.
Numa segunda fase, a representação rotativa. No primeiro mandato que for iniciado pela Comissão após a União ter passado a 25, a Comissão terá menos comissários do que o número de Estado membros. Isto é, nenhum Estado terá mais do que um nacional na Comissão, mas haverá Estados que não terão nenhuma. Então será o Conselho da União Europeia a fixar, por unanimidade, tanto o número de membros da Comissão como as modalidades de «rotação paritária», devendo esta, entre outros princípios, tratar todos os Estados «em rigoroso pé de igualdade» e «reflectir satisfatoriamente o leque demográfico e geográfico do conjunto dos Estados da União».
Na opinião do Prof. Fausto Quadros este sistema é desnecessário (o facto de os membros da Comissão serem em grande número não afecta o funcionamento e a eficácia da Comissão) e incompatível com a função da Comissão (esta encarna a legitimidade de integração, representando o interesse geral dos Estados, pelo que se impunha um tratamento igualitário dos membros).

c) Modo de constituição
Durante muito tempo, segundo o art. 214.º CE, os membros da Comissão eram designados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados membros. O Tratado limitava-se a exigir que eles fossem escolhidos «em função da sua competência geral» e oferecessem «todas as garantias de independência» (art. 213.º, n.º1). Os Governos dos Estados membros ficavam, com uma larga margem de discricionariedade na escolha dos Comissário.
Os Tratados de Maastricht e de Amesterdão limitaram consideravelmente essa discricionariedade dos governos nacionais, ao alterarem substancialmente o actual art. 214.º, sobretudo pela introdução de um n.º2 nesse artigo. O Tratado de Nice, por sua vez, quase que acabou com qualquer intervenção dos governos na matéria: veja-se a actual redacção do art. 214.º.
Passou a ser o Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, e por maioria qualificada, a escolher a personalidade que tenciona nomear Presidente da Comissão. O Regimento do parlamento, no seu art. 32.º, desenvolve e pormenoriza o que nesta matéria dispõe o n.º2 do art. 214.º CE, ao estabelecer que, depois de o Conselho ter chegado a acordo sobre o nome de uma individualidade para o cargo de Presidente da Comissão, o Presidente do Parlamento convida essa individualidade a fazer uma declaração perante o Parlamento e a apresentar as suas orientações políticas para o exercício do cargo. Essa declaração será seguida de debate. Depois, o Parlamento vota por escrutínio secreto o nome proposto. O resultado positivo da votação assume a natureza de eleição pelo Parlamento, que será transmitida ao Presidente do Conselho. Se o resultado da votação do Parlamento for negativo, o seu presidente convidará o Conselho a indicar um novo nome ao Parlamento.
Depois, a convite do Parlamento Europeu, o Conselho, e também por maioria qualificada, aprova, de comum acordo com o Presidente designado, a lista de outras personalidades que tenciona nomear Comissários. Essa lista será elaborada em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado membro (é a única intervenção destes neste processo). Estas personalidades passaram por um exame perante as diferentes comissões parlamentares, conforme os seus domínios de actividade, onde se procura avaliar a capacidade e aptidão para o cargo.
Este sistema foi aplicado às individualidades propostas para a Comissão presidida por Jacques Santer, Romano Prodi e José Barroso, o último dos quais viu mesmo rejeitado o nome de uma individualidade proposta rejeitado pelo Parlamento, obrigando o Conselho e o Presidente da Comissão a substituir essa personalidade.
O Presidente eleito e outros membros designados para a Comissão são sujeitos, com o respectivo programa, à aprovação em bloco, do Parlamento Europeu, por voto nominal. Obtida essa aprovação, todos eles são finalmente nomeados pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada (art. 214.º, n.º2, par. 3, CE e art. 33.º do Regimento do Parlamento).
O mandato dos Comissários é de 5 anos.

d) Estatuto dos Comissários
Os comissários beneficiam de um estatuto que se traduz em quatro características fundamentais:
- Dever de independência: art. 213.º, n.º1 e 2, CE, os Comissários devem desempenhar as suas funções com plena independência e no interesse geral da Comunidade.
- Inamovibilidade: o que quer dizer que só podem cessar as suas funções por qualquer dos seguintes motivos: morte ou exoneração voluntário; exoneração colectiva, por aprovação de moção de censura no Parlamento; demissão, decidida, pelo Tribunal de Justiça, a requerimento da Comissão ou do Conselho.
- Exclusividade de funções.
- Privilégios e imunidades idênticos aos que se aplicam ao comum dos funcionários e agentes da Comunidade.
- Mandato de 5 anos durante os quais exercem funções no interesse da comunidade (art. 213.º, n.º2)

e) Competência
Desempenha um papel que se poderá dizer de órgão executivo da Comunidade. Compete-lhe zelar pelo cumprimento dos Tratados e do demais direito comunitário. A sua competência está definida no art. 211.º CE, e ainda nos arts 205.º; 133.º e 300.º; 99.º, 122.º e 123.º; 104.º e 121.º

f) Funcionamento; Generalidades
A Comissão exerce o essencial da sua competência agindo como órgão colegial. Aliás segundo o TJ «todos os seus membros são colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das deliberações tomadas»#. Isso não prejudica o facto da direcção política caber ao Presidente da Comissão (art. 217.º, n.º1).
Cada Comissário tem um voto. A Comissão delibera por maioria simples dos seus membros (art. 219.º CE e 8.º do Reg.) competindo ao Secretário-Geral da Comissão assegurar a publicação das deliberações no Jornal das Comunidades. Cada membro tem a seu cargo um ou mais pelouros, gozando o Presidente de ampla discricionariedade na atribuição das funções no seio da Comissão.
Cabe a cada Comissário elaborar projectos de propostas a apresentar pela Comissão ao Conselho e, se eles forem aprovados, zelar pela sua aplicação. Cada Comissário gere uma ou mais direcções-gerais, bem como os demais serviços, relacionados com os respectivos pelouros.
Para além disso esta delibera e funciona em colégio (competências colectivas, recaem sobre todos os seus membros, sendo que as deliberações são tomadas em reunião formalmente convocada, votada pela maioria dos membros, necessitando de um mínimo de quórum – fixado no regulamento, art. 219.º).
Para facilitar o processo de decisão, o regulamento interno prevê:
a) O acordo dos membros sobre a proposta de um deles pode ser entregue por escrito (possuindo os membros o prazo de uma semana para exprimir reservas, modificações ou solicitar a discussão da proposta, caso contrário a proposta considera-se tacitamente aceite).
b) Repartição por pelouros, compostos por DGs, que ficam colocadas sob a chefia de um comissário Europeu (opera uma delegação de poderes a favor dos membros da comissão, de funcionários superiores ou órgãos dependentes da Comissão, em que a Comissão assume a responsabilidade pelo exercício de poderes delegados).

f) A delegação de poderes
O avolumar do trabalho da Comissão impôs o recurso ao instituto da delegação de poderes (Regimento da Comissão art. 27.º), podendo esta habilitar os seus membros e os seus funcionários a tomar, em nome da Comissão e sob a sua fiscalização, «medidas de gestão ou de administração claramente definidas».
O TJ considera-os legais desde que estes não ultrapassem o âmbito material definido no referido art. 27.º do Regimento (Ac 15-6-94, BASF.).
Especial referência merece também a criação de órgãos subsidiários com missões específicas, cujos poderes têm de estar claramente delimitados (Ac. 13-6-58. Meroni.).

V – O PARLAMENTO EUROPEU

a) Origem e estatuto

O Tratado de Paris chamava este órgão de assembleia comum. Em 1962, ele auto designou-se como Parlamento Europeu, tendo obtido consagração no QUE e sendo ela depois mantida no TUE.
A ele lhe cabe representar os povos dos Estados-membros. O actual art. 189.º CE dispõe que ele é «composto por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade» (demonstração de que para o TUE não existe um povo europeu). Tem a missão de representar a legitimidade democrática no processo comunitário de decisão ou, melhor, no exercício do poder político comunitário. Está regulado nos arts. 189.º a 201.º do TCE, tendo um regimento próprio.
Tem sede em Estrasburgo (sessão plenária anual), Bruxelas (Comissões Paramentares e sessões extraordinárias) e Luxemburgo (serviços administrativos).

b) Composição

Tanto em 1951 como em 1957, os autores dos Tratados (arts. 21.º CECA e 138.º CEE) haviam previsto que o Parlamento Europeu submetesse ao Conselho um projecto que regulasse a sua eleição por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, segundo um processo uniforme em todos os Estados membros. Ele seria composto por membros cooptados pelos membros dos Parlamentos nacionais.
Em 20 de Setembro de 1976, o Conselho aprovou uma decisão no sentido do sufrágio directo e universal, seguida do acto relativo à eleição dos representantes na Assembleia por sufrágio universal e directo. Assim, em 1979, de 7 a 10 de Junho, foi possível proceder-se às primeiras eleições directas para o Parlamento. Até hoje as eleições não têm um regime jurídico uniforme, estando, sim, em conformidade com o direito eleitoral interno#.
Todavia, de harmonia com o art. 190.º, n.º4, CE, o Parlamento Europeu está encarregado de elaborar um projecto destinado a permitir a sua eleição «segundo um processo uniforme ... ou baseado em princípios uniformes». Por isso, na Resolução de 15 de Julho de 1998, ele propôs um sistema de tipo proporcional, baseado em círculos eleitorais regionais, tendo os Estados liberdade para fixarem um limite mínimo para a repartição dos assentos e a liberdade de autorizarem o escrutínio preferencial. Note-se que à excepção do Reino Unido, que se mantém fiel ao sistema uninominal a uma volta, todos os demais adoptam variantes do sistema proporcional.
Após o Tratado de Nice o art. 189.º CE, o número de deputados do Parlamento Europeu não poderá ser superior a 732. Ultrapassou-se o limite máximo permitido pelo Tratado de Amesterdão, que era de 700. Portando, antes da adesão, o Parlamento compunha-se, antes da adesão dos dez novos Estados, de 626 deputados. Depois, da adesão (1 de Maio de 2004), até ao início da legislatura de 2004-2009, esse número passou para 788, por força do art. 25.º do Tratado de adesão. Com a nova legislatura de 2004-2009, esse número fixar-se-á nos 723, por força do art. 11.º do Tratado de adesão, dando-se cumprimento ao disposto no art. 189.º, par.2.º, CE na redacção de Nice.
Assim o Tratado de Nice ao fixar o limite de 732 e ao reduzir o número de assentos por Estado procurou evitar que o Parlamento tivesse um número elevado de deputados, caso se mantivessem os critérios de proporção que determinam o cálculo do número de deputados do art. 190.º, n.º2. Esta redução só vigorará para as eleições de 2009, uma vez que em 2004 ainda não se reunia o pressuposto de 27 Estado membros.
Portanto, no mandato de 2004-2009 aplicar-se-ão aos dez Estados que aderiram em 2004 os critérios de repartição do número de deputados que presidem ao actual art. 190.º, n.º2, com o que não se ultrapassará, o número 732, como se vê pela soma dos deputados indicados no art. 11.º do Tratado de adesão.
Os deputados são eleitos por sufrágio universal e directo no âmbito de cada Estado (art. 190.º, n.º1). As eleições têm lugar na mesma data em todos os Estados membros e os deputados têm mandatos de 5 anos.
Os assentos são repartidos em função da população (art. 190.º, n.º2, CE). Note-se que o critério da população é aplicado de modo degressivo (por ex: a Alemanha tem 7,7 vezes mais população que Portugal e tem 99 deputados contra 24 de Portugal).
Numa Europa a 25, depois de iniciada a legislatura de 2004-2009, será a seguinte a repartição dos deputados, por força do art. 11.º do Tratado de adesão:
Alemanha 99
França, Itália e Reino Unido 78
Espanha e Polónia 54
Países Baixos 27
Bélgica, República Checa, Grécia, Hungria e Portugal 24
Suécia 19
Áustria 18
Dinamarca, Eslováquia e Finlândia 14
Irlanda, Lituânia 13
Letónia 9
Eslovénia 7
Luxemburgo, Chipre e Estónia 6
Malta 5
O total de deputados passará para 732, tal como previsto já como número máximo, como vimos, no art. 189.º, par. 2, CE, após a revisão de Nice.
O sistema de relações de poder mantém-se, mas aumenta consideravelmente o peso dos Estados médios

c) Os grupos políticos

O Parlamento Europeu não se encontra organizado por delegações nacionais, mas sim por grupos políticos multinacionais. O Regimento prevê esse modo de organização no seu Capitulo V, desde a Assembleia da CECA.
O próprio Tratado CE no seu art. 191.º, estimula a criação daqueles partidos ao reconhecer-lhes «um importante papel como factor de integração na União». Lembremos apenas os 4 maiores Grupos – PPE-DE; PSE; ELDR; Verdes-ALE.
Os grupos políticos desempenham uma importante função na condução da política ao nível da União em geral. Para além disso os grupos políticos não actuam em nome do Parlamento e os seus actos não lhe são juridicamente imputáveis (Ac. Jean-Marie Le Pen e Front nationeal c. Parlamento Europeu 89).

d) Competência

O Parlamento Europeu é o órgão que mais viu os seus poderes reforçados ao longo de todos estes anos, seja através das revisões de 1985, de 1992, de 1997 e 2000.

Podemos qualificar as seguintes competências

Competência legislativa: A CE possui poder legislativo, traduzido na elaboração de actos que materialmente têm carácter legislativo. O TJ reconheceu-o por diversos vezes, desde logo, quando afirmou a existência de um «sistema legislativo do Tratado», de um «poder legislativo da Comunidade» e de um «legislador comunitário».
A competência legislativa do Parlamento Europeu traduz-se na sua participação na função legislativa da Comunidade. E essa participação assume manifestações muito diferentes. São elas:
- Poder de iniciativa legislativa indirecta: encontra-se no art. 192.º, CE, embora caiba em regra à Comissão (através da apresentação de uma proposta formal). Atribui-se poder de iniciativa indirecta quer ao Conselho (art. 208.º), quer ao Parlamento, que podem provocar a apresentação de uma proposta pela Comissão.
- Competência consultiva simples: encontra-se no art. 192.º, CE. A proposta da Comissão, que em regra abre o processo legislativo, é dirigida ao Conselho, que a dá a conhecer, por um lado ao COREPER, para a preparação da decisão, e, por outro lado, ao Parlamento Europeu, para obter o seu parecer. Na versão original do Tratado era esta a única forma de participação do Parlamento Europeu.
Ela continua a ter lugar quando o Tratado a impuser e quando não estiver prevista outra forma da sua participação naquele processo. Todavia, está previsto no Tratado outra forma de participação: o direito de ser ouvido em matérias em que a sua consulta não era obrigatória à face do Tratado, ou verbalmente, sobre as propostas da Comissão, ou por escrito, pelo Conselho. Nasceu, deste modo, um «costume constitucional», que ficou consagrado no Código de conduta celebrado entre a Comissão e o Parlamento em 1995.
Nos casos em que seja obrigatório o Parlamento ser ouvido previamente pelo Conselho ou ser informado previamente da proposta da Comissão, o desrespeito por essa formalidade gera ilegalidade do acto comunitário, por violação de formalidade essencial (Ac. Parlamento Europeu c. Conselho, 94). Se após o Parlamento ter emitido o seu parecer a pedido do Conselho, o projecto de acto comunitário for substancialmente modificado em consequência da alteração sobre as quais o Parlamento Europeu não fora ouvido, este tem direito a voltar a ser ouvido sobre o projecto dessa forma modificado (Ac. Parlamento c. Conselho, 92).
Por sua vez o Parlamento quando for solicitado a pronunciar-se pelo Conselho, deve emitir o parecer em prazo razoável (princípio da colaboração leal entre órgãos).
O parecer não vincula o Conselho, embora este deva fundamentar a sua deliberação, quando decida não o seguir.
- Competência para emitir pareceres vinculativos: Casos em que o Conselho deve seguir o parecer do Parlamento. É o chamado parecer conforme, em que o Parlamento dispõe de um verdadeiro direito de veto: se o seu parecer for negativo, o Conselho não pode aprovar o projecto de acto comunitário.
Esta forma de participação do Parlamento Europeu no processo legislativo foi criado pelo Acto Único Europeu e alargada pelo Tratado de Maastricht. Ela aplica-se a decisões e acordos de grande importância (por ex: à verificação da existência de uma violação grave e persistente, ou do risco dessa violação, por um Estado membro, dos princípios enunciados no art. 6.º, n.º1 do TUE, e sobre os quais assenta a União – art. 7.º, n.º1 e 2, UE), à criação do fundo de coesão (art. 161.º CE), ao estabelecimento de um processo eleitoral uniforme para a eleição do Parlamento Europeu (art. 190.º, n.º4, CE) aos acordos de associação (art. 300.º, n.º3, CE).
- processo de cooperação: Já quando da preparação do Acto Único Europeu alguns Estados membros haviam tentado atribuir ao Parlamento Europeu um poder de co-decisão com o Conselho. Contudo, o AUE criou o processo de cooperação do Parlamento para certas decisões relativas ao mercado interno, visando com isso associar mais estritamente o Parlamento ao processo legislativo, embora não lhe conferindo ainda competência de co-decisão.
Este processo resume-se assim: em caso de desacordo entre o Parlamento e o Conselho, este conserva o poder de decidir, continuando como processo legislativo clássico, a deter a última palavra, mas, para o efeito, tem de deliberar por unanimidade.
A criação pelo Tratado de Maastricht do processo de co-decisão, diminui a importância do de cooperação, que, com o Tratado de Amesterdão, se tornou residual (arts. 99.º, n.º5; 102.º, n.º2; 102.º, n.º2 e 106.º, n.º2 CE).
O processo de cooperação divide-se em várias fases (art. 252.º CE).
Na base de uma proposta da Comissão e obtido um primeiro parecer do Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros apura uma «posição comum» por maioria qualificada.
O Parlamento Europeu tem depois três meses para em segunda leitura, se pronunciar sobre essa posição comum do Conselho, que lhe é transmitida com a fundamentação quer da Comissão, quer do Conselho. E ele pode então escolher uma de entre três hipóteses:
1) Aprova expressamente a posição comum do Conselho, ou não se pronuncia sobre ela dentro daquele prazo, considerando-se o acto adoptado.
2) Rejeita, por maioria absoluta dos membros que o compõem, a posição comum do Conselho. Nesse caso o acto só se considera adoptado se o Conselho o vier a aprovar por unanimidade. A falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu, equivale à rejeição definitiva da proposta da Comissão.
3) Aprova, por maioria absoluta dos seus membros, alterações à posição comum do Conselho. O projecto de acto é enviado outra vez à Comissão para que ela, dentro de um mês, apresente uma nova proposta ao Conselho qure inclua, se a Comissão assim o entender, as alterações aprovadas pelo Parlamento. A nova proposta da Comissão deve ser fundamentada. Se, ao contrário, a Comissão apresentar ao Conselho uma nova proposta, o Conselho delibera depois em definitivo: a proposta da Comissão considera-se aprovada, por maioria absoluta, se ela não tiver sido objecto de qualquer modificação, ou, por unanimidade, no caso contrário. Esta última hipótese, a de a nova proposta da Comissão ter sido modificada, pode ficar-se a dever a uma de três causas: ela foi modificada pelo Conselho, ou este aprovou alterações introduzidas na primeira proposta da Comissão pelo Parlamento Europeu mas que haviam sido aceites depois pela Comissão na sua nova proposta, ou o conselho rejeito as alterações sugeridas pelo Parlamento Europeu à primeira proposta da Comissão que esta acolhera na sua nova proposta. Também aqui a falta de deliberação do Conselho no prazo de três meses, prorrogável por um mês por acordo entre o Conselho entre o Conselho e o PE, equivale a uma rejeição definitiva da proposta da Comissão. E qualquer caso, porém, e como se vê, o Conselho conserva a última palavra no processo legislativo.
Por força da alteração introduzida pelo Tratado de Maastricht no actual art. 252.º, a Comissão pode modificar a sua proposta inicial em qualquer fase do processo de cooperação.
O processo de cooperação tem funcionado de modo positivo, embora pareça óbvio que ele deve ser simplificado e que, em qualquer caso, o art. 252.º deve passar a ter uma redacção que o torne mais facilmente inteligível. De qualquer forma, repete-se o processo de cooperação parece condenado a desaparecer à medida em que for alargado o processo de co-decisão.
- O processo de co-decisão: Traduz-se num processo de decisão conjunta do PE e do Conselho, os dois co-legislam.
Foi introduzido pelo Tratado de Maastricht e depois alargado pelos de Amesterdão e Nice. Respondeu à aspiração do PE de possuir um verdadeiro poder de decisão no plano legislativo, à margem da matéria orçamental. Assim, passou a haver actos comunitários que têm de ser aprovados nos termos tanto pelo PE como pelo Conselho. Se persistir um desacordo entre os dois, o Parlamento pode rejeitar o texto apresentado pelo Conselho. Portanto, o Conselho, na co-decisão, deixa de ter a última palavra.
Encontra o seu regime jurídico no art. 251.º CE, para o qual remetem, quase sempre de modo expresso, os preceitos do Tratdo que exigem, para matérias concretas, a co-decisão. O processo de co-decisão aplica-se a algumas das matérias que antes estavam sujeitas a um mero processo de consulta do Parlamento Europeu ou ao processo de cooperação.
O processo de co-decisão aplica-se as seguintes matérias (ver pag. 244).
Foi simplificado pelo Tratado de Amesterdão em relação ao teor inicial do ex-art. 189-B. Mesmo assim, e apesar da maior felicidade da redacção do actual art. 251.º, por confronto com o art. 252.º, sobre o processo de cooperação, convém que enunciemos aqui o modo como o processo de co-decisão se encontra hoje regulado no art. 251.
Sobre a proposta da Comissão, o Parlamento Europeu emite um primeiro parecer, eventualmente com alterações àquela proposta. O Conselho de Ministros, em primeiro leitura, pode, por maioria qualificada, tomar uma de duas atitudes:
1) Aprova o acto, em qualquer momento do processo legislativo posterior ao parecer ao PE, ou porque este parecer é favorável à proposta da Comissão, e, por isso, não sugere qualquer alteração àquela proposta, ou porque o Conselho está de acordo com todas as alterações sugeridas no parecer do PE.
2) Ou, especialmente no caso de rejeição de todas, ou algumas, das alterações sugeridas no parecer do PE, aprova uma posição comum e transmite-a ao PE, fundamentando a sua decisão. Por sua vez, a Comissão dá conta ao PE da sua posição.
O PE dispõe de seguida de um prazo de três meses para se pronunciar, podendo escolher um dos seguintes três caminhos:
1) Aprova a posição comum, ou não se pronuncia dentro daquele prazo. Nesse caso, o acto comunitário considera-se aprovado em conformidade com a posição comum.
2) Rejeita, por maioria absoluta, a posição comum do Conselho. Nessa hipótese, o acto comunitário proposto entende-se como não provado.
3) Propõe, por maioria absoluta, alterações à posição comum do Conselho. Nesse caso, a Comissão é ouvida sobre as alterações propostas e o Conselho, em segunda leitura, é convidado a pronunciar-se sobre o acto, assim alterado, no prazo de três meses depois de ter recebido as alterações do Parlamento. Se o Conselho aprovar todas essas alterações (por maioria qualificada quanto às alterações que tenham obtido a concordância da Comissão, ou unanimidade quanto às alterações que tenham merecido a discordância da Comissão), considera-se que o acto foi aprovado, sob a forma da posição comum emendada que, nesse caso, se considera adoptada. Se, ao contrário, o Conselho não aprovar todas essas alterações, o Presidente do Conselho, de acordo com o Presidente do PE, convoca o Comité de conciliação.
Este comité compõe-se de igual número de membros do Conselho e do PE. Tem o encargo de, dentro de seis semanas, chegar a acordo sobre um projecto comum susceptível de ser aceite pelas duas partes. Delibera por maioria qualificada dos membros do Conselho, ou dos seus representantes, e por maioria simples dos membros do PE. A comissão participa nos trabalhos e toma todas as iniciativas necessárias à aproximação necessárias à aproximação das posições do PE e do Conselho.
Se o Comité de Conciliação aprovar, no prazo de seis semanas, um projecto comum, o PE e o Conselho dispõem de seis semanas a contar dessa aprovação para aprovar o acto em conformidade com o projecto comum, deliberando por maioria absoluta dos votos expressos entre os representantes do PE e por maioria qualificada entre os representantes do Conselho. Considera-se que o acto não foi aprovado se o Comité de Conciliação não chegar a um acordo dentro do prazo fixado, ou se qualquer dos dois órgãos rejeitar o projecto comum, ou não se pronunciar nas seis semanas seguintes.
Os prazos de seis semanas e três meses podem ser prorrogados por iniciativa do PE ou do Conselho. Por derrogação a este regime, o Conselho de Ministros delibera sempre, ao longo do processo de co-decisão, por unanimidade, quando estejam em causa as matérias doas arts. 18., n.º2, 42.º, 47.º, n.º2 e 151.º, n.º5, CE.
Quanto às matérias dos arts. 156.º e 172.º, par. 2, CE, o acto aprovado no termo do processo de co-decisão carece de acordo dos Estados membros interessados.
O processo de co-decisão supõe o acordo dos dois co-titulares do poder legislativo, bastando a oposição de um deles para impedir a aprovação do acto. É por isso que os actos aprovados pelo processo de co-decisão são actos «do Parlamento e do Conselho», e são assinados pelos Presidentes dos dois órgãos (art. 254.º, n.º1 CE). O processo de co-decisão trouxe um salto qualitativo na repartição de poderes, através da valorização do papel do PE, tornando-o em co-legislador comunitário (embora não exista simetria perfeita, uma vez que o PE tem o poder de impedir, enquanto o Conselho tem o poder de decidir).
- Competência legiferante: aparece no art. 268.º e ss. Trata-se de competência para aprovar sozinho actos legislativos, ainda que com a participação prévia, no processo legislativo, de outros órgãos.
É o que especificamente acontece em matéria orçamental. O procedimento orçamental da CE é extremamente complexo, como se pode ver pelo longo art. 272.º, onde ele se encontra regulado. Acontece que quem tem competência para aprovar o orçamento é o Parlamento Europeu (art. 272.º, n.º7), que também tem competência para o rejeitar, desde que o rejeite em bloco (art. 272.º, n.º8).
A competência do PE em matéria orçamental, pelo seu carácter próprio, merece tratamento autónomo.
b) Competência de fiscalização: Como órgão eleito por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados membros, e, portanto, expoente máximo da ideia de Democracia no sistema orgânico da União, o pE goza, desde o Tratado de Roma, de importante competência de fiscalização, que o Tratado da União Europeia veio alargar. Embora essa fiscalização se exerça, sobretudo, sobre a Comissão, ela estende-se a outros órgãos da Comunidade. Assim:
1) o PE exerce um controlo geral sobre a actividade executiva dos órgãos comunitários. Ele pode colocar questões, escritas e orais, à Comissão e ao Conselho, no âmbito das matérias dos três pilares (art. 21.º, par. 2 e art. 39.º, n.º3 UE, e art. 197.º, pars. 3 e 4, CE). A Comissão tem de lhe apresentar relatórios sobre a actividade da União e das Comunidades (art. 21.º, par. 1, e art. 39.º, n.º2 UE e art. 200.º CE). O Conselho Europeu submeter-lhe-á um relatório na sequência de cada uma das suas reuniões, bem como um relatório anual sobre as suas actividades (at. 4.º UE). A presidência informá-lo-á regularmente sobre a evolução da PESC (art. 21.º, par. 1, UE) e da CPJP (art. 39.º, n.º2, UE).
2) Exerce controlo específico a nível político directo sobre a actividade da Comissão. Intervém no processo de designação da Comissão, quer ao aprovar a personalidade proposta pelo Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado e de Governo, Para Presidente da Comissão, aprovando também o Presidente e outros membros da Comissão (art. 214.º, n.º2 e 3 CE). Pode fazer cessar o mandato da Comissão, através de uma moção de censura (art. 201.º).
3) Todo o cidadão europeu, no quadro da cidadania da União, bem como qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, goza de um direito de petição junto do PE, nos termos do art. 194.º CE.
4) Um provedor de Justiça Europeu, eleito pelo Parlamento Europeu, tem competência para receber queixas de qualquer cidadão europeu, bem como de qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, com residência ou sede num Estado membro, relativas a actos de «má administração» de qualquer instituição ou órgão comunitário, com excepção do TJ e do TPI no exercício das respectivas funções jurisdicionais, de harmonia com o disposto no art. 195.º CE.
5) Em caso de infracção, ou de má administração, na aplicação do Direito Comunitário, o Parlamento Europeu pode constituir uma comissão de inquérito temporária, excepto se algum tribunal estiver, e enquanto estiver, ocupado com os factos alegados (art. 193.º CE).
c) Competência em matéria orçamental: Essa competência foi sendo alargada progressivamente. Diversos acordos entre o PE, o Conselho e a Comissão vieram facilitar e simplificar o procedimento orçamental. É o caso, mais recentemente, do Acordo interinstitucional de 6 de Maio de 1999 sobre a disciplina orçamental e o melhoramento do procedimento orçamental, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000.
Com base no anteprojecto do orçamento, que é elaborado pela Comissão, o Conselho prepara o projecto de orçamento e submete-o ao PE (art. 272.º, n.º1, 2 e 3). O Parlamento pode propor alterações quanto às despesas obrigatórias, mas, ao contrário, tem a última palavra em matérias de despesas não obrigatórias, sem embargo de te de respeitar a taxa máxima de aumento fixado pela Comissão, que, todavia, pode ser ultrapassado por acordo entre os três órgãos (art. 272.º, n.º4 a 9).
Ao fim de um complexo procedimental de conciliação entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho, é o Parlamento que aprova, em definitivo, o orçamento (art. 272.º, n.º7). Mas ele pode também rejeitá-lo. Nesse caso, deve rejeitar o orçamento em globo (como o fez em 1980 e 1985), pedindo ao Conselho que lhe apresente um novo projecto de orçamento (art. 272.º, n.º8).
A execução do orçamento compete à Comissão (art. 274.º). Todavia, o PE fiscaliza essa execução (art. 275.º), da qual dá quitação à Comissão (art. 276.º). O controlo financeiro da execução do orçamento cabe ao Tribunal de Contas, cujos poderes de investigação foram reforçados pelo Tratado de Amesterdão (art. 248.º, CE).
d) Competência em matéria de relações internacionais: A conclusão de acordos internacionais pela Comunidade (acordos internacionais tal como resulta da Convenção de Viena de 1969) encontra-se regulada no art. 300.º CE.
È a Comissão que negoceia o acordo, depois de para o efeito ter sido autorizada pelo Conselho. A autorização concedida pelo Conselho inclui um «mandato de negociação» e a indicação dos comités especiais e grupos de trabalho que hão-de assistir a Comissão nas negociações.
A conclusão do acordo cabe ao Conselho e traduz-se num acto pelo qual este autoriza o presidente em exercício a assinar o acordo.
O Tratado de Amesterdão veio permitir a aplicação provisória de um acordo antes da sua entrada em vigor, bem como a suspensão da aplicação de um acordo que já se encontra em vigor (art. 300.º, n.º2).
A intervenção do parlamento Europeu na conclusão de acordos internacionais tem vindo a aumentar progressivamente desde o Tratado de Roma.
A partir do AUE o PE passou a beneficiar de um verdadeiro direito de veto quanto aos acordos de associação, sob forma de parecer favorável aprovado por maioria absoluta (art. 238.º, n.º2 CE). O Tratado de Maastricht retirou daquele artigo a intervenção do PE
O Tratado de Amesterdão sentiu a necessidade de codificar a competência do Parlamento Europeu em matéria de conclusão de acordos internacionais, reforçando a sua competência na matéria. Fê-lo no art. 300.º CE. Assim, segundo o n.º3, par. 2, desse art., alguns ficaram sujeitos, antes da sua conclusão pelo Conselho, a um parecer favorável do Parlamento, agora por maioria absoluta dos votos expressos: os acordos de associação, previstos no art. 310.º CE, os acordos que criam um quadro institucional específico ao organizarem processos de cooperação, os acordos com implicações orçamentais sensíveis para a Comunidade e os acordos que impliquem uma modificação de um acto aprovado de harmonia com o processo de co-decisão. Quanto a todos os demais acordos vigora o princípio geral: carecem de parecer obrigatório do PE (o Conselho não os pode ratificar sem este – excepção são os acordos comerciais do art. 133.º).
O Tratado de Nice atribuiu competência ao PE para pedir parecer do TJ sobre a compatibilidade de um projecto de acordo com as disposições do Tratado

VI – O TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

a) Introdução

Os dois Tribunais são hoje tribunais autónomos entre si, tendo o Tratado de Nice posto termo à situação em que os dois nos apreciam como irmãos siameses, com preponderância do TJ.
Tanto o art. 5.º UE e 7.º CE omite em referência expressa ao TPI. Ora, essa referência passou a ser necessária a partir do momento em que ele se autonomizou juridicamente do TJ. E, dado que também os dois Tribunais pertencem hoje ao «quadro institucional único», ao qual se refere o art. 3.º UE, ambos têm de ser considerados hoje Tribunais da União Europeia e não apenas Tribunais Comunitários.
O Tratado UE não atribui expressamente competência ao TPI, mas só ao TJ, no domínio dos segundo e terceiro pilares. Mas pensamos que nem por isso o TPI deve ser despromovido a mero Tribunal Comunitário dado que o Tratado de Nice quis promovê-lo, não só a tribunal autónomo em relação ao TJ, como também a um grande Tribunal de Primeira Instância.

b) Génese e evolução histórica

Até ao AUE o TJ foi o único Tribunal das Comunidades (encontrava-se no art. 164.º CE). O AUE inseriu no Tratado CE «uma jurisdição encarregada de conhecer em primeira instância .. associada ao Tribunal de Justiça». Para além disso o Conselho, pela Decisão 88/591/CECA, CEE,CEEA, de 24 de Outubro de 1988, criou o TPI, inclusive, baptizando-o com essa designação.
Estávamos perante uma situação em que, juridicamente, havia só um tribunal, no qual, no plano institucional, estava integrado o TPI, como tribunal «associado» ao TJ. Esta situação tinha consequência, no plano funcional, que o TJ continuava a ser sempre o tribunal de última instância nas questões de direito.
Com o Tratado de Nice, o art. 220.º CE, com a alteração que nele introduziu aquele Tratado, passou a dispor que, «No âmbito das respectivas competências, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem o respeito do direito na interpretação e aplicação do presente Tratado». O Tratado CE passou a ver os dois Tribunais com autonomia e com igual dignidade, pelo que a novo art. 220.º CE abrogou a referida Decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988. Reforçou-se consideravelmente o âmbito da jurisdição do TPI, fazendo deste um verdadeiro tribunal de primeira instância (arts. 225.º e 225.º-A CE, interpretados em conformidade com o art. 51.º do Protocolo relativo ao Tribunal de Justiça, anexo ao Tratado de Nice, onde se introduz uma substancial limitação à jurisdição do TPI).
O TPI passou a poder ter adstritas a si, câmaras jurisdicionais. Estas não são secções do TPI, porque não fazem parte dele (art. 220.º, par. 2; 225.º-A, pars. 1 e 3). São portanto, órgãos jurisdicionais autónomos, em relação ao TPI, especializados em matérias concretas.

c) A função geral dos Tribunais

Existe nas Comunidades um verdadeiro poder judicial, ainda que com as limitações próprias correspondentes ao carácter inacabado da União. Engloba não só o TJ e o TPI mas também os Tribunais nacionais da União.
Pelo art. 220.º CE, o Tratado comete aos Tribunais da União «no âmbito das respectivas competências», o encargo de garantir «o respeito do direito na interpretação e na aplicação do presente Tratado».

d) Um verdadeiro poder judicial

As comunidades tentaram encontrar com os Estados uma repartição de poderes funcional, sempre com a consciência de que a efectividade do Direito Comunitário exigia um poder judicial forte.
Daí também se falar dos tribunais nacionais como tribunais comuns do contencioso comunitário.
Trata-se de um sistema judicial próximo dos sistemas judiciários dos Estados federados.
Tratam-se de tribunais não isolados na ordem internacional, mas integrados num sistema judiciário coerente, e de jurisdição obrigatória (a simples adesão de um Estado à Comunidade fá-lo sujeitar-se à sua jurisdição) e exclusiva (art. 292.º CE, os litígios para os quais têm competência encontram-se subtraídos à jurisdição de qualquer outro tribunal nacional ou internacional, não podendo aqueles deixar de os decidir, sob pena de incorrerem em denegação de justiça).

e) O âmbito da jurisdição

Tem um competência variada e extensa. Podemos distinguir os seguintes grupos:
a) Jurisdição constitucional – actuam num modelo próximo do constitucional, cabendo-lhes fiscalizar a conformidade do Dt. Comunitário derivado e do comportamento dos Estados e particulares com os Tratados, entendidos como lei fundamental das Comunidades.
b) Jurisdição administrativa – embora menos importante que a anterior, é, a mais vasta e a mais ampla, pelo simples facto de o Contencioso Comunitário ter sido fortemente moldado segundo o figurino do Contencioso Administrativo da França e Alemanha.
c) Jurisdição internacional – também dirimem litígios entre Estados membros (arts. 227.º e 239.º CE).
d) Jurisprudência uniformizadora – permite assegurar o respeito pela essência do Dt. Comunitário. Assegura a aplicação e interpretação uniforme do Direito (art. 234.º CE).
e) Jurisdição com alcance político – o TJ pode demitir um membro da Comissão (art. 213.º CE), um juiz ou advogado geral (art. 6.º do Estatuto, aplicável ao TPI e art. 225.º CE) um governador do Banco Central (art. 14.º, n.º2 do Estatuto do BCE), e pode aplicar sanções políticas a um Estado (art. 46.º, al. e) UE).

f) Estatuto e composição

Os dois Tribunais encontram-se regulados nos arts. 220.º e ss do TC. Eles regem-se pelo seu Estatuto , que foi alterado pelo Tratado de Nice, através do já referido Protocolo, que se encontra anexo àquele Tratado. O TJ elabora o seu Regulamento Processual, que carece de aprovação pelo Conselho, por maioria qualificada (art. 223.º, par. 6). O TPI tem o seu próprio regulamento processual, que deve ser aprovado pelo TJ e pelo Conselho por maioria qualificada (art. 224.º, par. 5).
È composto por um juiz por Estado-membro (art. 221.º) e por oito advogados gerais (art. 222.º - este não representa nem defende qualquer parte: age com «imparcialidade e independência»). O Prof. Fausto Quadros prefere designa-lo como Procurador Geral, por analogia com a função de promotor da legalidade do Ministério Público em Portugal.
Os critérios de escolha estão definidos nos arts. 223.º, n.º1, CE e do art. 9.º do Estatuto do TJ e pelo art. 13.º, n.º1 do Tratado de adesão de 2003.
O Presidente do TJ é eleito pelos seus pares para um mandato de três anos, renováveis. Quanto ao TPI ele é composto pelo menos por um juiz de cada Estado membro (art. 224.º, par. 1). É o Estatuto do TJ que fixa o número de juízes do TPI (actualmente são vinte e cinco – art. 48.º do Estatuto e os arts. 13.º, n.º2, e 46.º, n.º1 do tratado de adesão de 2003). O TPI é assistido por advogados-gerais (art. 224.º, par. 1,CE).

g) Competência e funcionamento

A competência dos Tribunais e o seu funcionamento encontram-se regulados, para a União Europeia, no art. 46.º, als. b), c), e e) UE e, para a CE, no art. 46.º al. a), UE, e nos arts. 225.º a 244.º CE, bem como no respectivo Estatuto e nos seus Regulamentos Processuais.
O seu funcionamento está regulado nos Tratados e no Estatutos respectivos Regulamentos Processuais.
O TJ reúne em Secções o Grande secção, podendo reunir-se em Tribunal Pleno (art. 221.º).
Mais tarde estudaremos em profundidade o Contencioso da União Europeia.

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