terça-feira, 23 de março de 2010

Execução civil de dívidas de cônjuges

Execução civil de dívidas de cônjuges. Novas reflexões sobre um velho problemas


Rui Pinto

SUMÁRIO: § 1º Enquadramento material. 1. Nota introdutória. 2. Responsabilidade subjectiva comum. 3. Responsabilidade subjectiva própria.4. Responsabilidade objectiva; separação de patrimónios. 5. Limites temporais 6. Expressão processual. § 2º Execução de dívida comum. 2. Legitimidade. — A. Problema. . 2. (Continuação). — B. Doutrina do litisconsórcio voluntário. 2. (Continuação). — C. Crítica. 2. (Continuação). — D. Posição pessoal: litisconsórcio necessário. § 3º Execução de dívida própria. 1. Regime de comunhão de bens (art. 825º). 2. Regime de separação de bens. § 4º Execução de dívida comunicável. 1. Comunicação na acção declarativa. 2. Comunicação na acção executiva. — A. A questão antes da reforma de 2003; posição pessoal. 2. (Continuação). — B. A questão depois da reforma de 2003. 2. (Continuação). — C. Âmbito e efeitos da comunicabilidade. 2. (Continuação). — D. A comunicabilidade na separação de bens. § 5º Conclusões.

§ 1º Enquadramento material. 1. Nota introdutória. I. A execução civil de um devedor casado deveria ser simples em face da importância prática do casamento; não o é, todavia. Doutrina e jurisprudência estão divididas quanto à legitimidade, objecto e termos da cobrança de uma dívida que seja da responsabilidade singular de um cônjuge ou que seja da responsabilidade de ambos.
A questão nunca foi pacífica aliás: não o era no tempo de ALBERTO DOS REIS e continuou até hoje em disputa .
Esta constatação não nos pode demover de procurar novas pistas de reflexão sobre uma temática que no plano pessoal nos vem ocupando já desde os anos 90 .
É esse o desiderato do presente estudo.

2. O regime processual da penhora por obrigações pecuniárias contraídas pelos cônjuges só é compreensível no quadro das normas do direito civil que fixam a responsabilidade subjectiva e a responsabilidade objectiva por aquelas obrigações. Esta última depende, em especial, do regime de bens do casamento.
Vamos, por isso, passar em revista as normas do direito patrimonial do matrimónio, para sobre elas construirmos propostas de solução para velhas questões.

2. Responsabilidade subjectiva comum. I. No plano subjectivo, a responsabilidade pode ser de ambos os cônjuges ou unicamente daquele que se obrigou.
São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas que se subsumam às previsões dos arts. 1691º, 1692º, al. b), segunda parte, 1693º, nº 2, e 1694º, nº 1, CC.
Dentro destas dívidas, deve ainda distinguir-se as dívidas comuns das dívidas comunicáveis.
As dívidas comuns têm por fonte um facto praticado por ambos os cônjuges, ainda que antes do casamento – v.g., a obrigação de restituir o capital, com juros, mutuado ao casal antes do casamento para compra de casa própria (cfr. art. 1691º, nº 1, al. a), CC)).
As dívidas comunicáveis têm por fonte um facto praticado por um dos cônjuges, mas que implica uma comunicação da responsabilidade, voluntária ou legal. A comunicação voluntária resulta do consentimento dado para o acto pelo cônjuge que não contraiu a dívida, como consta, nomeadamente, da segunda parte da al. a) do nº 1 do art. 1691º CC. A comunicação legal resulta da subsunção da situação a alguma das previsões das alªs b) a e) do nº 1 e do nº 2 do art. 1691º CC ou dos arts. 1692º, al. b), segunda parte, 1693º, nº 2, e 1694º, nº 1, CC.

II. O regime das dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges – art. 1695º CC – resume-se a isto: a dívida do casal que seja da titularidade ou do interesse de ambos deve ser suportada pelos bens de ambos.
Trata-se, assim, de um mecanismo de partilha pelo casal das consequências patrimoniais negativas de um acto funcionalmente positivo para o casal.
Isso não é tão evidente nos casos de dívidas comuns pois essa partilha já decorreria das regras gerais das obrigações, pois, afinal, ambos assinaram a letra ou o contrato, por exemplo. Aí pelo contrário, o que há é uma vantagem objectiva, nos regimes de comunhão de bens, e a favor dos cônjuges: os bens próprios ficam subtraídos à penhora de modo imediato, reservando-se a título subsidiário.
Mas já nos casos de dívidas comunicáveis, as regras gerais imporiam que fosse devedor somente o contraente e que, por consequência, apenas os seus bens pudessem ser penhorados ou, quando muito, a sua meação nos bens comuns. Ora o que sucede é que, ao impor a comunicação da dívida, todos os bens dos membros do casal — seus ou comuns — podem ser penhorados e apenas a subsidariedade é que, no regime de comunhão de bens, poderá proteger, e de modo limitado, uma parte do património.
Esta solução é boa para o credor pois aumenta o objecto da garantia, mas também é boa para o cônjuge devedor que actuou no interesse do casal, pois deixam de ser os seus bens próprios a sujeitarem-se apenas e de imediato à execução

III. Não se trata, contudo, de criar uma nova parte no negócio ou título cambiário, de cuja celebração participou.
O cônjuge do devedor é terceiro ao negócio. Por isso, e por exemplo, o cônjuge do comprador de um electrodoméstico não pode exigir ao vendedor a entrega da coisa porquanto ele não é o comprador.
O cônjuge do devedor é também terceiro à obrigação pecuniária exequenda, não sendo um condevedor, solidário ou parciário. Ele não poderá, por isso, invocar a compensação de um crédito seu sobre o credor exequente como fundamento da oposição à execução do crédito do devedor marido ou mulher. Tal seria absolutamente contrário aos princípios da boa fé objectiva que impedem que um credor possa ser prejudicado por quem não contratou com ele.

IV. No entanto, o comprador já pode interpelar o cônjuge para pagar o preço, judicial ou extrajudicialmente. Não por que ele esteja em mora — quem está é o cônjuge devedor — mas porque ele responde na mora.
Ou seja: como o fiador, o cônjuge que vê a dívida do consorte comunicada é um devedor de garantia, cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor seu consorte e cuja obrigação tem o conteúdo da obrigação principal.
E por isso a partilha das consequências negativas far-se-á ao nível do património afecto à satisfação das obrigações.

3. Responsabilidade subjectiva própria. I. A responsabilidade subjectiva própria do cônjuge que deu causa à dívida é, primariamente, residual perante a responsabilidade subjectiva comum: é a das dívidas contraídas voluntariamente, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do nº 1 do art. 1691º CC, lê-se no art. 1692º al. a) CC.
Secundariamente são ainda próprias dívidas constituídas

a. ex lege como sanção (cf. art. 1692º, als. a) e b), primeira parte CC);
b. por outrem, mas transmitidas por acto de liberalidade (cf. art. 1693º CC);
c. contraídas voluntariamente e, ainda que pudessem caber nas als. b) e c) do nº 1 do art. 1691º CC, tenham garantias sobre bens comuns (cf. art. 1692º al. c) conjugado com o art. 1694º nº 2 CC).

II. Este regime de dívidas tanto se pode dizer que prejudica o cônjuge contraente — só os seus bens respondem — como o credor pelo universo restrito de bens disponíveis para a penhora.

4. Responsabilidade objectiva; separação de patrimónios. I. No plano subjectivo, qualquer casamento está sujeito ao regime que acabamos de mostrar.
No plano objectivo, contudo, deve recordar-se que já o art. 601º CC in fine ressalvara da responsabilidade universal e imediata os “regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”.
Ora há separação de patrimónios nos regimes de comunhão de bens , seja de adquiridos – regime supletivo, segundo o art. 1698º CC, regulado nos arts. 1721º e ss. CC – seja geral (cfr. arts. 1732º ss. CC). Nesses regimes distinguem-se na esfera patrimonial de cada cônjuge os bens próprios – situações jurídicas patrimoniais activas em titularidade exclusiva, incluindo as quotas de participação na contitularidade de tipo romano, i.é, nos termos dos arts. 1405º ss. CC (cfr. art. 1727º CC) – e os bens comuns – situações jurídicas patrimoniais activas em contitularidade de tipo germânico ou em mão comum (Gemeinschaft zur gesamten Hand) .
Nestes casos, pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges devem ser penhorados os bens designados no art. 1695º CC: bens comuns e, subsidiariamente, “na falta ou insuficiência deles”, os bens próprios. Pelas dívidas de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuge devem ser penhorados os seus bens próprios e, na falta ou insuficiência, a meação nos bens comuns, nos termos do art. 1696º CC .

II. Por seu turno, aos regimes de separação de bens (cfr. arts. 1735º ss. CC), não se lhes aplica o nº 1 do art. 1695º CC. Não há bens em comunhão; quando muito, há bens em compropriedade, o que é diferente e não lhes muda a natureza própria . Apenas se encontram bens próprios no património de cada cônjuge, o que quer dizer que não há relações de subsidiariedade na responsabilidade por dívidas de cônjuges casados com separação de bens.
Assim, pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges podem, em abstracto, responder de imediato todos os bens dos cônjuges, que respondem como devedores parciários, pois a sua responsabilidade não é solidária (nº 2 do art. 1695º CC); o credor apenas pode pedir a cada cônjuge a respectiva quota-parte na prestação . Já pelas dívidas de responsabilidade singular do cônjuge respondem os bens próprios do devedor, não existindo a meação nos bens comuns a que se refere o art. 1696º CC.

III. Por último, os regimes inominados de bens fixados em convenção antenupcial (cfr. art. 1698º CC) regem-se pelas normas que a sua concreta estrutura interna implicar.
Se, eventualmente, os esposados tiverem convencionado a comunicabilidade de certos bens (dentro dos limites do nºs 1, al. d), e 2 do art. 1699º CC), valerá quanto a eles, e no seu exacto âmbito, o regime da separação de patrimónios e de responsabilidade subsidiária de que trata o art. 1695º CC. Já quanto aos demais bens, ou no caso de as partes não terem convencionado comunhão alguma, vale o regime da separação de bens, i.e., da não subsidiariedade da responsabilidade e da parciariedade das dívidas.

5. Limites temporais. I. Os regimes de bens duram enquanto durar o casamento, afirmação que deve ser entendida com algum cuidado em face de outra: a responsabilidade subjectiva e objectiva pela dívida afere-se na data sua constituição e não na data da sua execução.
Efectivamente, por um lado, as dívidas contraídas após o termo da sociedade conjugal passam a ser da exclusiva responsabilidade do devedor , nos termos gerais do art. 601º CC. Ao mesmo tempo qualquer novo bem adquirido será sempre do ex-cônjuge adquirente , enquanto os bens comuns apenas com a respectiva partilha passarão à qualidade de bens próprios.

II. Mas, diversamente, as dívidas contraídas antes do termo do casamento mas executadas depois da separação ou divórcio mantêm a qualidade própria ou comum e os bens comuns não partilhados devem ainda ser penhorados nos termos do art. 825º CPC e não nos termos do art. 862º CPC. Isto por força do art. 1690º nº 2 CC ”para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do factoque lhes deu origem” .
Neste sentido, o ac. RP 5-Mar-2009/ 2864/06.5YRPRT (JOSÉ FERRAZ) explicitou que “enquanto não partilhado, esse património comum mantém essa afectação primacial à satisfação das dívidas que eram comuns do casal”, pelo que “só na falta ou insuficiência destes, são chamados a satisfazer a dívida os bens próprios (solidariamente) de qualquer dos (ex.) cônjuge” .


6. Expressão processual. I. Importa ver como este enquadramento material se traduz processualmente, tanto em termos de legitimidade como em termos de objecto e procedimento de penhora.
A matéria deve ser abordada segundo o plano da responsabilidade subjectiva, ou seja, a execução de dívida da responsabilidade do casal e a execução de dívida da responsabilidade de cônjuge contraente.
Esta abordagem sendo corrente é, no entanto, geradora de alguns equívocos sobre a relação entre o direito de família e o direito processual civil.

II. Na verdade, como para qualquer outra qualificação jurídica, dizer-se que uma dívida é da responsabilidade do casal ou da responsabilidade de um cônjuge é dizer-se que a mesma está aceite no processo como tal.
Importa por isso perguntar se a natureza da dívida é de conhecimento oficioso ou se, independentemente disso, se alguma das partes tem o ónus de fazer a qualificação da dívida e de apresentar os factos respectivos.
Quanto aos factos de que depende essa qualificação valem, naturalmente, as regras gerais do art. 264º nº 1 CPC aplicadas ao processo executivo: a parte que queira que a execução siga o procedimento decorrente de uma dada qualificação tem de ser ela a trazer para a instância os factos em que ela assenta . Essa parte tanto pode ser o credor, como o devedor, pois um regime de dívidas tanto é favorável a um como a outro: viu-se isso atrás, tanto a respeito das dívidas próprias como a respeito das dívidas comuns. Não ao cabe ao credor presumir sem mais se o devedor é casado ou não ou o seu regime de bens ou a natureza da dívida. Trata-se de situações e estados jurídicos que assentam em factos que, como quaisquer outros carecem de ser alegados.
É, por exemplo, manifestamente descabido pelos princípios gerais do direito probatório exigir que o credor tenha de actuar processualmente, sem prévia demonstração, tanto no plano da legitimidade, como no da penhorabilidade, como se a obrigação exequenda fosse contraída para ocorrer aos encargos normais da vida familiar ou pelo cônjuge administrador ou em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração (cf. art. 1691º nº 1 als. b) e c) CC) .
Pelo contrário, como se enuncia no ac. STJ 11-Nov-2008/08B3303 (ALVES VELHO) o apuramento do proveito comum — ou de outro facto comunicador da dívida acrescentamos — “apresenta-se como uma questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito, consistindo a primeira em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida, enquanto a segunda é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída no interesse comum do casal, preenchendo o conceito legal.”. Deste modo, a “expressão legal "proveito comum" traduz-se num conceito de natureza jurídica a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino”, conclui e bem o mesmo aresto .
O que o processo, tanto declarativo, quanto executivo, têm de assegurar são os actos e momentos processuais em que a parte possa alegar os factos e fazer a respectiva qualificação. Esses momentos são, pelo menos o requerimento executivo para o exequente e a oposição à penhora para o executado e na acção declarativa a petição inicial e a contestação.
Contudo, nos termos gerais do princípio da auto-responsabilidade das partes, conjugado com a natureza peremptória dos prazos processuais, associada à imperatividade dos actos processuais, se o credor ou o devedor não alegarem a sua razão no meio e no momento previstos na lei de processo, preclude-se, i.e., caduca, o respectivo poder processual.

III. No entanto, nos termos gerais do art. 264º nº 2 CPC quer o tribunal, quer o agente de execução podem conhecer oficiosamente dos factos de que depende a qualificação se eles resultarem do exercício das suas funções.
A razão dessa oficiosidade reside na natureza imperativa das normas da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, o que significa que será ilegal qualquer penhora feita fora dos pressupostos previstos nessas normas.
Esta imperatividade implica que tanto o juiz como o agente de execução devem procurar assegurar-se de que a instância corre em conformidade com elas. Não devem por isso, nem juiz, nem agente de execução, considerar que são normas cuja violação caiba à parte prejudicada alegar — “um problema seu”, se quisermos.

IV. Uma vez adquiridos esses factos para o processo, a qualificação jurídica será a que o tribunal ou agente entender que se aplica.
Um e outro não estão sujeitos às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, graças ao art. 664º CPC.

V. De tudo isto resulta também deve sempre ser executada como comum ou como própria a obrigação exequenda quando essa natureza resulte do título — única fonte de factos incontrovertidos enquanto não for procedente uma oposição do executado — e não de outros elementos.
Assim, deve ser executada como comum a dívida que tenha por título executivo um contrato ou título de crédito assinados pelo casal ou uma sentença condenatória de ambos (aqui seja porque ambos contraíram a dívida, seja porque a dívida de um se comunicou ao outro). É que nessa eventualidade tanto os factos como a qualificação jurídica, resultante da aplicação da al. a) do nº 1 do art. 1691º CC, são de conhecimento oficioso.
Por seu lado deve ser sempre executada como própria a obrigação exequenda proveniente de crime, indemnização, restituição, custa judicial ou multa devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, nos termos doa art. 1692º al. b) CC quando decorra do título que o facto é imputável ao cônjuge.
Em todos os demais casos a comunicabilidade da dívida, i.e., a existência dos pressupostos previstos nas als. b) a d) do nº 1 e no nº 2 do art. 1691º CC deverá ser alegada e demonstrada. Nomeadamente, deverá ser alegado e demonstrado: constituir um “encargo normal da vida familiar”, o “proveito comum” (que aliás não se presume, conforme o nº 3 do mesmo artigo ), estar “nos limites dos seus [do cônjuge] poderes de administração”, contracção da dívida no “exercício do comércio” (aqui beneficiando da presunção art. 15º CCm). Ainda deverá ser demonstrada quer a oneração, quer a natureza comum do bem para efeitos do art. 1694º nº 1 CC e o ingresso da liberalidade no património comum para efeitos do art. 1693º nº 2 CC.

VI. E se, resultando dos autos que o executado está casado, mas não for feita a alegação e a demonstração de que a dívida, embora contraída individualmente, é comum? Aqui devemos voltar ao regime material: a dívida será tida por própria, conforme o art. 1692º al. a) CC.


§ 2º Execução de dívida comum. 1. Bens penhoráveis. I. Como se faz a execução de dívida comum, i.e., fundada em sentença que haja condenado o casal ou em título extrajudicial subscrito pelos dois?
Trata-se de uma dívida da responsabilidade de marido e mulher por força do art. 1691º nº al. a) e como tal deve ser tomada sempre. Mesmo que as partes não a qualifiquem, o carácter comum será conhecido oficiosamente, como acabámos de concluir: factos e qualificação da natureza comum são cognoscíveis tanto pelo agente de execução, quanto pelo tribunal.
Mas no plano da responsabilidade objectiva há que distinguir o regime de bens, entre de separação ou de comunhão.

II. Se os cônjuges estiverem em regime de separação de bens, não há bens comuns a responder, pelo que respondem os bens próprios de qualquer dos cônjuges (nº 1 do art. 1695º). Estes respondem de modo não solidário (cf. art. 1695º nº 2 in fine), i.e., os bens de cada cônjuge pagam metade da dívida.
Se os cônjuges estiverem em regime de comunhão de bens detemina o art. 1695º que respondem primeiro os bens comuns e, subsidiariamente, “na falta ou insuficiência deles”, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. Estes respondem solidariamente, ou seja, pela dívida toda. Por conseguinte, há que ter em conta a existência dos bens comuns como património afecto às dívidas comuns e de bens que respondem apenas subsidiariamente — os bens próprios

III. Note-se, contudo o seguinte: a penhora baseada em título comum contra o casal em regime de comunhão há-de ser feita sempre na presunção de que o bem penhorado é um bem comum. Implicitamente neste sentido, afirma o ac. STJ 12-Jan-2006/05B3427 (OLIVEIRA BARROS) que a existência de património comum é conclusão de direito a extrair do regime de bens do casal.
Portanto, o credor não tem de demonstrar que o bem é comum: não é razoável que ele demonstre que um concreto recheio de casa foi comprado antes ou depois do casamento. Cabe, sim, ao devedor demonstrar que um concreto bem não é comum.
Contudo pode resultar do processo se um dado bem é comum ou é próprio, como sucede com um bem sujeito a registo, por causa da data respectiva.
No entanto, por força do regime do art. 828º nº 7, pode o exequente promover logo a penhora dos bens que respondem subsidiariamente pela dívida, desde que demonstre a insuficiência manifesta dos que por ela deviam responder prioritariamente. Trata-se de uma norma que na prática tem pouca utilidade porquanto até impugnação contrária procedente todos os bens penhorados são comuns.


2. Legitimidade. — A. Problema. I. A dúvida que se deverá colocar é se o credor que executa uma dívida comum em face do título pode optar por propor a acção executiva apenas contra um ou se deve colocá-la sempre contra os dois consortes por força do art. 28º-A, nº 3, e do próprio nº 1 do art. 1695º CC.
Na acção declarativa, observando o art. 28º-A, nº 3, notar-se-á que a sua a primeira parte refere-se às dívidas comuns do art. 1691º, nº 1, al. a), CC, o que quer dizer que na acção declarativa o credor não pode optar por demandar nesses casos apenas um dos cônjuges devedores. Neste caso, se a acção declarativa não for proposta contra o casal, há uma ilegitimidade ex vi art. 28º, nº 2. Essa preocupação está ausente, como se verá mais adiante, quando a dívida for comunicável – segunda parte do nº 3 do art. 28-A –, tendo o autor e o réu o ónus de definir o âmbito subjectivo da acção declarativa.

II. A preocupação de formação uniforme de condenações judiciais contra o casal é, pela sua natureza, exclusiva da acção declarativa. Poderá, de algum modo, ser extensível à acção executiva?
A doutrina divide-se entre uma defesa de um litisconsórcio voluntário e a defesa de um litisconsórcio necessário em sede de execução de dívidas comuns.

2. (Continuação). — B. Doutrina do litisconsórcio voluntário. I. Para alguns AUTORES a resposta é negativa: a dívida comum pode executada singularmente. No plano da legitimidade, tratar-se-á de um litisconsórcio voluntário, como têm defendido LOPES-CARDOSO , LEBRE DE FREITAS , e REMÉDIO MARQUES .
LEBRE DE FREITAS, em especial, como nós mesmos no passado, defende o carácter funcionalmente declarativo do art. 28-A nº 1 primeira parte. “não se verifica na acção executiva a razão de ser do preceito, dirigido à salvaguarda de ambos os cônjuges quando está em causa a definição (mas não a execução) dum regime de responsabilidade patrimonial comum” .

II. Deste modo, na posição de LEBRE DE FREITAS, a sentença condenatória do casal pode ser executada apenas contra um dos cônjuges, bem como o contrato ou a letra, por exemplo. Por isso, quando a dívida for comum, o credor que disponha de título executivo contra ambos tem disponibilidade para decidir contra quem pode deduzir a execução, podendo executar isoladamente o cônjuge que lhe pareça ter os bens próprios mais adequados à satisfação do crédito .
Em todos os casos de penhora de bens comuns, em execução movida singularmente, o credor, sujeita-se, naturalmente, a que o executado alegue que há bens comuns ou que os bens penhorados já são comuns como causa de ilegalidade objectiva da penhora, nos termos da al. a) do art. 863º-A. Nesse caso, esse credor poderia requerer a intervenção principal do cônjuge do executado para permitir a legalidade da penhora.


2. (Continuação). — C. Crítica. I. A posição da doutrina da exequibilidade singular de dívida comum conduz a resultados dificilmente aceitáveis.
É que a consequência seria uma tal execução correr pelo regime do art. 825º, conjugado com o art. 864º nº 3 al. a), para o regime de comunhão de bens.
Justamente, na doutrina paradigmática de LEBRE DE FREITAS caberiam no art. 825º os casos de execução singular de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, tanto comum, como comunicável, e de execução de dívida da responsabilidade de um deles. E na jurisprudência o recente aresto RP 9-Jul-2009/
111-C/1992.P1 (DEOLINDA VARÃO) veio enunciar que “cabem no âmbito da previsão do art. 825º, nº1 do CPC, não só os casos de responsabilidade exclusiva do executado, mas também aqueles em que a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a execução foi movida contra um só dos responsáveis – quer haja título executivo contra ambos (caso em que o credor podia ter movido a execução contra os dois), quer haja título executivo apenas conta o executado (caso em que o credor, querendo executar ambos os cônjuges, teria de propor previamente acção declarativa contra marido e mulher: art. 28º-A, nº3, do CPC)”.
A execução de dívida comum seria perfeitamente possível para LEBRE DE FREITAS pois o art. 825º valeria também para quando a “a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a execução foi movida contra um só dos responsáveis — quer haja título executivo contra ambos (…), quer haja título executivo apenas contra o executado” .
LEBRE DE FREITAS afirma, então, que o que sucederia é que a ordem a observar na penhora teria de respeitar os regimes substantivos, in casu “sendo a dívida comum e havendo título contra ambos os cônjuges, a penhora deve começar pelos bens comuns e só na sua falta ou insuficiência pode incidir sobre bens próprios”
Esta penhora de bens comuns, defendida pelo Mestre Processualista, há-de quer dizer que o cônjuge seria citado para separar a meação nos termos, justamente, deste art. 825º.

II. A solução causa estranheza porquanto não se compreenderia como sendo penhorados bens comuns para uma dívida comum o cônjuge não pudesse estar na melhor posição processual possível: a de executado.
Materialmente, seria o mesmo que estabelecer um regime atípico de responsabilidade por dívidas comuns em que apesar de constar do processo esta natureza se começaria pela penhora dos bens comuns que compõem a meação e, só depois, a penhora dos bens próprios. Desde modo, o art. 1695º quanto à penhora de bens comuns deveria ser lido restritivamente: pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges responde a sua meação nos bens comuns, na execução singular.
Mais: a possibilidade de o credor poder demandar só ums cônjuges devedores também deveria ser aplicada no regime de separação de bens o que daria o seguinte: pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens próprios de qualquer dos cônjuges, de ambos ou de só um deles, na execução singular.

III. Ora tal resultado não pode ser tomado, pois as normas processuais devem ser interpretadas no sentido mais conforme ao direito material.
É certo que logo de seguida LEBRE DE FREITAS concede que “só se não houver bens comuns é que se explica a propositura da execução contra um só dos obrigados no título”. Esta afirmação significa que, afinal, nem sequer se chega a aplicar o art. 825, mas quando muito, supomos, o art. 864º nº 3 al. a) segunda parte.

IV. Portanto, esta posição doutrinal coloca a nu as fraquezas de se defender um litisconsórcio voluntário na execução de dívida comum: o credor poderia, se demandasse apenas um cônjuge, penhorar apenas metade dos bens comuns, o que não está na lei civil, e colocaria o cônjuge numa posição subalterna.
Por aqui decorre que o art. 825º não se aplica na execução de dívida comum, pois o cônjuge deve ser sempre citado como devedor comum, em litisconsórcio necessário.


2. (Continuação). — D. Posição pessoal: litisconsórcio necessário. I. Deve partir-se da interpretação dos dados do direito substantivo, já que o regime processual não pode senão dar expressão a este. O que está em questão é saber quais as consequências de uma dívida ser, nos termos da lei, da “responsabilidade de ambos os cônjuges” por ter sido contraída por ambos.
O problema é, portanto, anterior à responsabilidade objectiva, i.e, ao regime de bens, pois existe quer este seja de separação, quer seja de comunhão.
Expressamente a lei material não impõe em lado algum um litisconsórcio. Se é patente que ambos são devedores, como já seriam ainda que não fossem casados, e que o eventual ganho situar-se-á no plano da responsabilidade objectiva como já notámos atrás, contudo, o mero facto de existirem dois devedores não impõe a sua presença na acção executiva. Por outro lado, não é manifesto que uma dívida apenas por ser conjugal possa ser indivisível no seu cumprimento — afinal, trata-se de uma obrigação pecuniária, importa relembrar.

II. No entanto, retira-se da crítica à tese do litisconsórcio voluntário que a responsabilidade comum para poder ser realizada nos seus exactos termos apenas o pode ser contra o casal. Menos que isso é gerar uma responsabilidade comum parcial que a lei não admite: a responsabilidade comum é indivisível.
Por outras palavras, a demanda executiva de um só dos devedores não produz o efeito útil normal de uma execução de dívida comum.
Esta nossa conclusão retoma a conclusão, feita por ALBERTO DOS REIS no domínio do Código de Processo Civil de 1939 de que o então art. 19º nº 1, correspondente ao actual art. 28º-A nº 3, primeira parte, se referia a toda e qualquer acção, incluindo a acção executiva .
Tal é, ainda hoje, válido: no plano literal, o art. 28º-A nº 3 primeira parte não distingue o tipo de acção e no plano material seria incoerente que o legislador quisesse uma definição comum da dívida sem correspondência no momento grave da execução.

III. Desse modo, se decorrer do título, judicial ou extrajudicial, que a dívida foi contraída por ambos, deverá a execução ser colocada contra o casal.
Aderimos por isto, à linha doutrinal de, nomeadamente, TEIXEIRA DE SOUSA e CASTRO MENDES , que defende que a dívida comum apenas poder ser executada colectivamente sob pena de violação do regime substantivo.
Há assim, um litisconsórcio necessário passivo tanto na declaração, como na execução emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges .

IV. Note-se que esta conclusão vale tanto para uma execução comum em regime de comunhão de bens, como em regime de separação de bens.
A diferença, natural, é que na comunhão se penhorarão primeiramente os bens comuns enquanto na separação se penhorarão sempre bens próprios, de qualquer dos cônjuges. Naturalmente que podem perfeitamente ser penhorados apenas bens de um deles desde que se respeite a subsidariedade presente no art. 1695º nº 1 ou nos limites da meação na dívida impostos pelo nº 2 deste mesmo artigo.
Em qualquer caso, como ambos os cônjuges devem ser executados não há lugar nem à aplicação do art. 825º nem do art. 864º nº 3 al. a).

V. A preterição deste litisconsórcio redunda em ilegitimidade que poderá ser sanada por intervenção principal provocada pelo exequente no prazo dado em despacho liminar ou superveniente para a sua sanação. Na falta desta e após o devido despacho de indeferimento liminar ou de extinção superveniente da instância o credor poderá ainda aproveitar a acção, mediante renovação nos termos do art. 269 nº 2,


§ 3º Execução de dívida própria. 1. Regime de comunhão de bens (art. 825º). I. Os já referidos arts. 825º e art. 864º nº 3 al. a) aplicam-se, antes de mais, sim, à execução de dívida da responsabilidade de um dos cônjuges no regime de comunhão de bens, ou seja, no campo do art. 1696º.
Tratar-se-á de dívida apresentada pelo credor e não impugnada procedentemente pelo executado como sendo da responsabilidade de um dos cônjuges. Ou seja: uma execução com base em título judicial ou extrajudicial que formalmente apenas obrigue um deles, sem que o credor ou o devedor hajam alegado e feito a demonstração de que a dívida, embora contraída individualmente, é comum.
Ora, substantivamente, nesta eventualidade, a dívida será tida por própria, conforme o carácter residual do art. 1692º al. a).

II. Por conseguinte, a execução deverá ser promovida apenas e somente contra do cônjuge que é devedor em face do título, nos termos gerais, e em especial do art. 55º.
Em respeito do direito civil, deve ser, em primeiro lugar, promovida a penhora dos bens do próprio executado. Esta qualidade vai presumir-se para qualquer bem penhorado, salvo se for manifesto que os bens encontrados são bens comuns ou do cônjuge terceiro. Naturalmente, que o próprio executado pode alegar esses caracteres na oposição à penhora ou o cônjuge em embargos de terceiro.
Se algum dos bens próprios do executado for imóvel ou estabelecimento comercial, deve ser citado o seu cônjuge, ao abrigo do art. 864º nº 3 al. a) segunda parte.
Mas também podem desde logo ser penhorados certos bens comuns, e sem a citação do cônjuge que seria imposta pelo art. 825º, conjugado com o art. 864º nº 3 al.a) primeira parte , graças ao nº 2 do art. 1692º:

a) os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respectivos rendimentos;
b) o produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor;
c) os bens sub-rogados no lugar dos referidos na alínea a).

A imperatividade desta afectação dos bens próprios às dívidas próprias implica que o gradus executionis do nº 1 do art. 834º, em geral, ou que a busca dos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização ou adequado ao montante do crédito do exequente, relevada no al. e) do mesmo nº 1, deva ser feita dentro do universo dos bens próprios, desde que essa qualidade seja conhecida.
Em consequência, a penhora de bens comuns apenas com o fundamento de são os mais adequados, com desrespeito dos bens próprios conhecidos, é ilegal, podendo alegar esse vício quer o executado, quer o seu cônjuge, quer o exequente.

III. Em qualquer caso, o executado terá ao seu dispor o incidente de oposição à penhora para alegar que os bens penhorados eram comuns, nos termos do art. 863º-A, nº 1, al. b), mas, tal como antes se dispunha no nº 3 do art. 863º-B, deve indicar no requerimento de dedução do incidente “os bens integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora”, segundo o nº 2 do art. 863º-A.
O exequente, por seu turno, pode reclamar do acto de penhora praticado pelo agente de execução, nos termos do art. 809º, nº 1, al. c).
Quanto ao cônjuge do executado, importa distinguir. Sabemos que ele pode utilizar os embargos de terceiro para defender os direitos sobre os bens comuns (cfr. art. 352º); mas tem ele a posição de terceiro? Tem-na, sempre que a penhora dos bens comuns não tenha sido acompanhada da sua citação, imposta pelo nº 1 do art. 825º e pelo art. 821º nº 2, sem prejuízo do disposto nº 10 do art. 864º.
Neste caso, a procedência dos embargos de terceiro dita o levantamento da penhora, mas o exequente poderá requerer novamente a penhora dos mesmos bens, agora citando o cônjuge, como a lei impõe .
Mas já não é terceiro quando a penhora dos bens comuns tiver sido acompanhada da sua citação; neste caso, o art. 864º-A confere-lhe o direito de deduzir o incidente de oposição à penhora, nos termos do art. 863º-A, nº 1, al. b).

IV. Na falta de conhecimento de bens próprios do executado ou na insuficiência destes, mantém-se o essencial do regime que constava do art. 825º anterior a 2003 e que desde então se dispersa pelos nºs 1, 5 e 7 do mesmo art. 825º.
Se, antes da reforma de 2003 o exequente nomeava os bens comuns e, ao mesmo tempo, devia requer a citação do cônjuge do executado (cfr. anterior nº 1 do art. 825º), desde então é o agente de execução que, quando penhorar os bens comuns que haja escolhido, deverá citar o cônjuge do executado, nos termos do nº 1 do art. 825º, para possibilitar a este “requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida”.
Efectivamente, a citação do cônjuge passou a ser promovida oficiosamente pelo agente de execução, nos termos do art. 864º, nºs 2 e 3, al. a), independentemente de o executado ter sido citado previamente à penhora ou só depois desta. Cabe àquele agente a realização das citações que devam ter lugar por causa da penhora e aquando da penhora: cônjuge, credores titulares de direitos reais de garantia e demais entidades referidas no nº 3 do art. 864º.

V. A omissão da citação do cônjuge do executado tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, podendo importar a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados – nº 10 do art. 864º.
A mesma sede legal confere a esse cônjuge, em qualquer caso, o direito a indemnização segundo a medida do enriquecimento sem causa do exequente ou de outro credor pago em vez dele, e, nos termos gerais, segundo a medida do dano provocado pela pessoa – maxime, agente de execução – a quem seja imputável a falta de citação.

VI. Citado nos termos do art. 825º, nº 1, conjugado com o art. 864º, nº 3, al. a), segunda parte, pode o cônjuge exercer os poderes que lhe são atribuídos pelo art. 864º-A, a saber:

a. opor-se à execução ou opor-se à penhora, em 10 dias a contar da citação, ou até ao termo do prazo concedido ao executado, se terminar depois daquele, nomeadamente para, ao abrigo do art. 863º-A, nº 1, al. c), alegar na oposição à penhora que não se verificou a condição de penhorabilidade subsidiária da meação nos bens comuns, i.é, a existência de bens próprios do executado que são suficientes para satisfazer o crédito exequendo.
b. no prazo para a oposição (cfr. art. 825º, nº 1 e 5), requerer a separação de bem comunss, nos termos do nº 5 do art. 825º, ou juntar a certidão de acção pendente; de iguais direitos goza também o cônjuge executado, nos termos do mesmo nº 5;
c. exercer, na verificação e graduação de créditos e no pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado.

Aparentemente, o cônjuge citado não pode alegar a comunicabilidade da dívida, já que o que se prevê é que ele declare se aceita a comunicabilidade da dívida alegada por este ou pelo exequente, nos termos dos nºs 6 e 2, respectivamente, do art. 825º e manifestamente nada se diz quanto a ele.
Diferentemente, este cônjuge pode, à semelhança do executado, usar o art. 863º-A, nº 1, al. c), para, em oposição à penhora, alegar que não se verificou a condição de penhorabilidade subsidiária da meação nos bens comuns, i.e., alegar a existência de bens próprios do executado que são suficientes para satisfazer o crédito exequendo.

VII. Se o cônjuge requerer a separação de bens ou juntar a certidão de acção pendente, nos termos do nº 5 do art. 825º, fica suspensa a execução, uma vez apensado o requerimento ou junta aquela certidão.
O meio próprio para efectuar essa separação é o processo de inventário previsto no art. 1404º ss ex vi art. 1406º nº 1 . O credor exequente tem legitimidade para intervir nesse processo especial nos casos do als. a) e c) do nº 1 do art. 1406.º

VIII. Feita a partilha, de duas uma, segundo o nº 7 do art. 825º:

a. ou os bens penhorados couberam executado, prosseguindo a execução na direcção da venda;
b. ou os bens penhorados não couberam ao executado, podendo o exequente indicar outros bens que lhe tenham cabido.

Nesta segunda hipótese, estatui o mesmo art. 825º, nº 7 que a penhora anterior permanece até à nova apreensão de bens. Esta solução suscita-nos, como no passado, profundas reservas: não encontramos fundamento para estarem penhorados bens que, na verdade, não vão responder pela dívida, visto serem do cônjuge não devedor. Não é aceitável que os bens continuem submetidos aos efeitos da penhora – apreendidos e sem possibilidade de alienação eficaz a terceiros. Ademais o seu titular fica sujeito, sem prazo, aos resultados das diligências de busca e indicação à penhora de novos bens.

IX. Diferentemente, se o cônjuge citado não requerer a separação dos bens ou não juntar a certidão de acção pendente, nos termos do nº 5 in fine do art. 825º, prossegue a execução nos bens penhorados.
Neste caso, no direito anterior a 2003, o cônjuge do executado já não poderia vir a opor-se à penhora por embargos de terceiro ou a requerer a sua intervenção na acção como assistente do executado. No regime após a Reforma, ele já fica como parte no processo, nos termos do nº 5 do art. 825º (que lhe atribui a qualidade de parte - cfr. art. 864º-A)


2. Regime de separação de bens. Vigorando um regime de separação de bens, vale o que se disse anteriormente, com adaptações e exclusões.
A diferença da execução comum é que em vez de se penhorarem de modo não solidário os bens próprios de cada cônjuge (cf. art. 1695º nº 2), apreender-se-ão apenas os bens do cônjuge executado (cf. art. 1696º nº 1 primeira parte CC).
Se forem penhorados imóveis ou estabelecimento comercial do executado e que este não possa alienar livremente será citado o seu cônjuge por força do art. 864º nº 3 al. a) segunda parte.
A falta de bens comuns determina a inaplicabilidade do art. 825º, pois o seu fito é a tutela de bens comuns, já o dissemos.


§ 4º Execução de dívida comunicável. 1. Comunicação na acção declarativa. I. O art. 825º permite que, dentro de certos limites, possa ser demonstrada que a dívida contraída singularmente preenche algum pressuposto de comunicabilidade.
Na acção declarativa cabe ao credor — já ALBERTO DOS REIS o dizia — que tenha apenas um cônjuge como autor do facto de onde provém a dívida optar entre obter condenação contra um ou contra ele ou contra os dois cônjuges
No primeiro caso o credor vai obter uma sentença que não pode ser executada sobre os bens de terceiro ao título – i.e., nem sobre os bens comuns, nem sobre os bens próprios do cônjuge que não é réu. No entanto, o réu terá o ónus de alegar e demonstrar os pressupostos da comunicabilidade da dívida recorrendo à intervenção principal provocada do seu cônjuge (cfr. art. 325º, nº1), sob pena de preclusão
No segundo caso é o credor que tem o ónus de demonstrar que a dívida é comunicável para obter sentença que permita a execução dos bens próprios — e dos bens comuns, no caso de regime de comunhão de bens – do cônjuge terceiro. Por seu lado, o réu deve, consoante os casos, impugnar os respectivos factos constitutivos da comunicabilidade ou ilidir presunções
Se o credor não invocar a comunicabilidade na acção declarativa já não pode depois invocá-la na execução.
Essa sentença pode ser obtida mesmo que o credor já tenha título executivo já que tem necessidade substantiva de obter título mais adequado ao seu direito .
Portanto, em conclusão, a segunda parte do nº 3 do art. 28º-A estabelece um regime de litisconsórcio voluntário conveniente na acção declarativa, como tem sido defendido por alguma doutrina e jurisprudência .

II. No entanto, alguma jurisprudência qualifica esta necessidade de demandar os dois para obter sentença passível de permitir a penhora de bens do cônjuge do executado como sendo um litisconsórcio necessário, para assegurar o efeito útil da acção .
Com o devido respeito, parece haver aí um enviesado entendimento do conceito de necessidade litisconsorcial: esta resulta de uma indivisibilidade subjectiva da pretensão do autor e in casu existiria se em nenhuma circunstância ele pudesse obter uma condenação no cumprimento senão através da demanda plural. Ora não é o caso: ele pode obter contra o cônjuge contraente da dívida uma condenação com âmbito executivo mais restrito e, por isso, uma sentença com efeito útil.
Se essa linha de raciocínio jurisprudencial fosse conceptualmente adquada então nada impediria que também se visse como constituindo litisconsórcio necessário a impossibilidade legal de executar uma dívida conjunta apenas em face de um dos devedores parciários. A leitura do art. 27º nº 1 permite-nos rapidamente concluir que assim não se pode entender.

III. Dir-se-á que assim se está a postergar o disposto no nº 1 do art. 1695º CC. Não é o caso, de todo: não se viola o que não foi alegado e demonstrado no processo, sem prejuízo de eventual conhecimento oficioso.
Uma dívida comunicável é uma dívida que sendo da autoria de um cônjuge o respectivo pressuposto de comunicação foi provado ou pelo credor ou pelo devedor. Só depois dessa comunicação é que a dívida para efeitos substantivos é uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges. Antes disso é uma dívida que será da responsabilidade exclusiva do cônjuge, salvos os casos de comunicação automática, e que segue o regime do art. 825º, por isso .
Por isso, a demanda de um cônjuge que não conste do título não pode deixar de redundar em ilegitimidade singular por desrespeito ao art. 55º, nomeadamente .

IV. Eventualmente, pode e deve perguntar-se como se deve executar uma dívida que for comunicada.
A resposta é aí sim semelhante, no resultado, à de TEIXEIRA DE SOUSA: valendo o que já se disse quando o título demonstra uma dívida contraída por ambos. Ou seja, estar-se-á perante uma dívida da responsabilidade de ambos pelo que a penhora deve ser feita segundo o regime do art. 1695º — no regime de comunhão ou de separação de bens, consoante o caso — pois este não é divisível. Mais ainda: será de conhecimento oficioso por constar de um sentença em que marido e mulher foram condenados.
Por isso, há um litisconsórcio necessário passivo e, ainda pelas mesmas razões, não há lugar a aplicação do art. 825º e do seu correlativo art. 864º nº 3 al. a) primeira parte.
Já ALBERTO DOS REIS notava que se na execução de sentença condenatória comunicadora da dívida apenas contra o marido a penhora de bens comuns é fundamento de embargos de terceiro por parte da mulher .

V. Este entendimento vale, ainda, para o título judicial impróprio ou de formação judicial, maxime, o requerimento de injunção com fórmula executória e a petição inicial não contestada no âmbito do procedimento declarativo simplificado constante dos arts. 1º a 6º do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1/9, pois a existência do título pressupõe que não houve contestação do devedor, que bem poderia ter alegado a comunicabilidade da dívida
Contra esta posição está ABRANTES GERALDES , por entender que houve ausência de discussão, como acontece com um título extrajudicial.
Com o devido respeito, tal não será assim: seria o mesmo que dizer que, em geral, na injunção não há discussão sobre a pretensão do requerente. A injunção, vista como um preliminar eventual do processo executivo ou do procedimento declarativo simplificado, comporta discussão, só que quando ocorre — i.e.., quando o requerido contesta — implica o envio para o processo declarativo proprio sensu (art. 17º, nº 1, do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1/9. Se a discussão se centrar sobre a comunicabilidade da dívida, i.e., se é alegada a comunicabilidade da dívida, vai-se também para o processo declarativo simplificado.
Fora da injunção também é assim: o procedimento declarativo simplificado comporta discussão através da contestação; não se pode dizer que ao respectivo réu que não contestou, nem alegou a comunicabilidade da dívida, não foi dada a possibilidade de contestação e, em geral, de defesa contra a pretensão do autor.

2. Comunicação na acção executiva. — A. A questão antes da reforma de 2003; posição pessoal. I. A pergunta que se impõe agora é se fora dos casos de execução de sentença se também pode o credor provocar a comunicação da dívida, agora na acção executiva.
Na verdade o art. 28º-A nº 3 segunda parte é inaplicável directamente à acção executiva pois ele permite uma legitimidade plural conveniente para abrir um processo que possa terminar em sentença. Não é manifestamente o caso. Mais: a letra da norma - “decisão susceptível de ser executada” - mostra que o legislador não a pretende aplicar à acção executiva, mas ao momento anterior de formação do título executivo judicial.
No entanto, sempre se discutiu se estando pendente execução se poderia comunicar a dívida. Porquê? Porque subjacente ao preceito está uma regra: a tutela processual deverá dar meios ao credor de comunicar uma dívida. Contudo, ao mesmo tempo a acção executiva tem por limite objectivo e formal o título executivo: ora a questão da natureza comunicada da dívida é-lhe exterior.
Como conciliar a subsidiariedade, que resulta do regime material do art. 1695º, nº 1 CC, com a regra de legitimidade formal aferida pelo título executivo do art. 55º, nº 1 CPC?
Dois grupos de posições se perfilam.

II. A primeira posição afirma que a dívida deve ser executada apenas contra o cônjuge devedor, por ser o único que consta do título.
No caso de regime de comunhão de bens, o credor deveria, sucessivamente, nomear à penhora apenas os bens próprios do executado e a meação nos bens comuns, nos termos do art. 825º. Já no regime de separação apenas poderia indicar bens próprios do executado.
Num plano formal, não ocorreria alguma preterição de litisconsórcio necessário, pois respeitar-se-ia a regra de legitimação formal dada pelo título (art. 55º).
Por outro lado, o cônjuge executado não poderia a requerer a intervenção principal do cônjuge terceiro, pois, segundo LEBRE DE FREITAS na acção executiva seria vedado ao executado requerer a intervenção principal do outro devedor, ainda que cônjuge, além de que, “neste caso, com ela se visaria, afinal, obter a condenação do chamado [...], o que não se compadece nem com o fim nem com os limites da execução” .
Restaria, por isso, ao cônjuge executado accionar o mecanismo da compensação, previsto no art. 1697º CC.
Essa posição é, no plano numérico, a dominante, sendo defendida por GAMA PRAZERES , ANSELMO DE CASTRO , LOPES-CARDOSO , REMÉDIO MARQUES , LEBRE DE FREITAS , AMÂNCIO FERREIRA .

III. Nós próprios defendemos nos anos 90 uma variante a esta posição que passava pela nomeação da meação nos bens comuns apurados através da aplicação por analogia do mecanismo do art. 825º CPC,e depois, na falta ou insuficiência destes, de nomeação dos seus bens próprios, tudo conjugado com a impossibilidade de chamar à demanda o cônjuge do executado, quando este não conste do título (art. 325º) e sem que ocorresse alguma preterição de litisconsórcio necessário .
Em 2004 abandonámos essa nossa solução por nos parecer artificial, seja em face do direito material, seja em face do direito processual.
No entanto, toda a posição dominante, em apreço, assenta num vício de falta de suporte e violação do direito material. Um regime material de dívidas é convertido em regime de dívida próprias com fundamento em alegados limites do processo convertido.

IV. Ora, justamente, um segundo grupo de posições teve historicamente em comum apontar à anterior essa desconformidade com o direito material e buscar solução mesmo dentro do processo.
A partir daqui conheceram-se variantes.
Na variante da execução singular, ALBERTO DOS REIS e, mais tarde, CASTRO MENDES , admitiam que a execução fosse dirigida apenas contra o consorte que conste do título como devedor. Na verdade, o seu cônjuge não teria legitimidade em face do título disponível. Por isso, o credor só podia nomear à penhora os bens próprios do executado e a meação nos bens comuns ou os respectivos bens, nos termos do art. 825º (equivalente ao art. 824º CPC/39). No entanto, o devedor executado poderia obter a comunicação na própria execução por incidente de chamamento à demanda do consorte, ao abrigo do art. 335º nº 1 CPC/39 = intervenção de terceiro do art. 325º nº 1, no prazo da oposição à execução.
Deste modo se o credor apenas em acção declarativa poderia promover a comunicação da dívida, i.e., uma condenação comum anterior à execução , já o devedor o poderia fazer tanto em sede declarativa, como em sede executiva.
Mais recentemente, TEIXEIRA DE SOUSA veio pugnar pela dispensa pura e simplesmente da comunicação formal do título e por uma execução comum contra ambos os cônjuges, em litisconsórcio necessário, apesar de o título se referir apenas a um dos consortes .
O Mestre processualista parte do pressuposto de que o art. 1695º, nº 1, CC impõe que a uma responsabilidade comum corresponda uma execução comum, pelo que a execução singular de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges seria ilegal; esta regra de coincidência entre a responsabilidade por dívidas e a legitimidade encontraria expressão no nº 3 do art. 28º-A CPC (semelhante ao art. 19º CPC/61). Contudo, este imperativo não teria “qualquer resposta legal” nos casos em que o título não legitima ambos os cônjuges para a execução; nomeadamente, o art. 825º não seria a solução adequada.
Só que o exequente, atendendo precisamente aos arts. 1695º, nº 1 CC e 28º-A, nº 3, não poderia demandar apenas um dos cônjuges, apesar de ser este o único legitimado pelo título, pelo que deveria propor a acção executiva contra o casal, sob pena de o tribunal concluir por preterição do litisconsórcio necessário legal, suprível pela intervenção principal do cônjuge terceiro ao título .

V. A posição de TEIXEIRA DE SOUSA tem firmes alicerces no direito material, mas parece-nos que quanto à adequada expressão processual a razão continua a estar com ALBERTO DOS REIS e CASTRO MENDES.
Os preceitos processuais civis devem ser lidos favor actionem no seu sentido amplo, de em favor, também, das posições jurídicas subjectivas materiais da parte passiva. Ora se é verdade, como começámos por demonstrar, que os regimes de dívidas não são destinados apenas ao credor ou apenas ao devedor, seguramente que não pode, em nenhuma interpretação, ser contra o devedor por negação a este de um meio de invocar um regime que lhe possa ser útil à tutela dos seus direitos.
E, portanto, sempre haveria de ser admissível a intervenção principal provocada na oposição à penhora, ainda que apenas para os fins da execução. Uma vez convencido o exequente da comunicação da dívida deveria a execução correr contra marido e mulher.
Deste modo, novamente o regime de dívidas comuns seria executado tal como Código Civil o exige: primeiramente os bens comuns e depois, os bens próprios de cada, na comunhão de bens; os bens da cada, na separação de bens.
Não provocada ou não tendo sucesso a comunicação, a dívida seria própria, porque assim o é residualmente qualquer dívida para a qual não seja demonstrada uma causa de comunicação. O seu regime de penhora seria aquele a que já aludimos.


2. (Continuação). — B. A questão depois da reforma de 2003. I. Após a reforma de 2003 a opção do legislador foi a de permitir nos nºs 2 e 6 um incidente restrito de comunicação da dívida não contraída por ambos os cônjuges, provocado pelo exequente ou pelo executado.
Deste modo, o legislador avançou no sentido de ALBERTO DOS REIS mas sem admitir um incidente de intervenção principal provocada. Aparentemente, puseram-se de lado, as reticências à formação de título executivo contra o cônjuge terceiro em plena acção executiva, quando só houvesse título contra um dos cônjuges. Não é, no entanto, seguro que o novo regime seja totalmente eficaz e isento de problemas.

II. Pode preliminarmente afirmar-se que o art. 825º, com o seu regime de tutela dos bens comuns já analisado, se aplica só e apenas à execução de dívida contraída por um dos cônjuges no regime de comunhão de bens e que seja da sua responsabilidade exclusiva. E isto porque se o incidente da comunicabilidade não surtir o efeito de comunicação a dívida será executada como própria e se, diversamente, se for comunicada a dívida abandona-se por completo a linha procedimental do art. 825º.
Mas vamos, então, ver como se processa este incidente restrito de comunicação da dívida.

III. Importa distinguir qual o título que o exequente está a executar, se uma sentença, se outro título.
Se o título executivo for uma sentença, não deve ser admitida a alegação da comunicabilidade, dado que qualquer das partes já o poderia ter feito na acção declarativa – cfr. a letra dos nºs 2 e 6 do art. 825º.
Quanto ao executado, vimos atrás que se entendia que ele tinha o ónus de invocar a comunicabilidade na acção declarativa, sob pena de o trânsito em julgado da decisão fazer precludir o seu exercício. Agora, isso resulta expressamente do nº 6 do art. 825º, ao referir-se a “dívida, constante de título diverso da sentença”.
Quanto ao exequente, aderiu-se à melhor interpretação doutrinal da segunda parte do nº 3 do art. 28º-A: a acção declarativa emergente de facto praticado por um dos cônjuges tanto se pode mover apenas contra o cônjuge que contraiu formalmente a obrigação, como se pode mover também, em litisconsórcio voluntário conveniente, contra o cônjuge terceiro, quando “pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro”. Deste modo, ou o credor invoca a comunicabilidade na acção declarativa ou, caso não o faça, o que não é contrário à lei, já não pode depois invocá-la na execução.
Este entendimento vale, ainda, para o título judicial impróprio ou de formação judicial, maxime, o requerimento de injunção com fórmula executória e a petição inicial não contestada no âmbito do procedimento declarativo simplificado constante dos arts. 1º a 6º do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1/9, pois a existência do título pressupõe que não houve contestação do devedor, que bem poderia ter alegado a comunicabilidade da dívida.
Em conclusão, preexistindo um processo judicial ou administrativo, há o ónus, quer do autor, quer do réu, de invocar a comunicabilidade nesse processo, sob pena de não o poderem fazer na acção executiva.

IV. Se o título executivo for extrajudicial e dele conste apenas um dos cônjuges, passa a ser admitida a alegação da comunicabilidade pelo exequente e pelo executado na acção executiva, segundo o regime dos nºs 2 a 6 do art. 825º.
Trata-se de um procedimento de base declarativa, que permite que, apenas para efeitos daquele concreto processo, e sem valor de caso julgado, se possa concluir pela existência de um direito do exequente à execução dos bens comuns do casal . Tal como na injunção, o que o mecanismo pretende é tão-só provocar a oposição à alegação do requerente e associar ex lege um efeito de reconhecimento da pretensão do requerente.
A tramitação que pode ser considerada modelo está fixada para a alegação feita pelo exequente, nos seguintes termos:

a. alegação fundamentada de que a dívida, a despeito da singularidade passiva formal da obrigação, é comunicável, feita no requerimento executivo, a par da indicação de bens comuns;
b. citação do cônjuge para requerer a separação de bens ou junção de certidão de acção pendente (nº 1) e declarar se aceita ou não aceita a comunicabilidade com nos termos fundados pelo exequente (nº 2, primeira parte)

No caso do executado, o nº 6 dá a entender que, se o cônjuge não executado já requereu a separação de bens, o executado já não pode desencadear o mecanismo. O prazo de que o executado dispõe, o regime de notificação e os efeitos da resposta do cônjuge do executado são os mesmos que valem para o exequente – cfr. nºs 2, 3 e 4 do art. 825º, por força da parte final do nº 6 do mesmo artigo.
A partir daqui há que distinguir, consoante ocorra ou não o reconhecimento da comunicabilidade da dívida.

V. O reconhecimento da comunicabilidade da dívida ocorre pode decorrer da falta de oposição, consistindo então numa confissão ficta decorrente da revelia — cfr. arts. 825º, nº 2, segunda parte –, ou pode resultar de uma confissão expressa por aceitação da dívida — cf. o art. 825º, nº 2 . Produz-se, assim, o efeito da norma substantiva alegada na fundamentação do exequente para a comunicabilidade da dívida .
Repare-se que não se trata de um verdadeiro incidente declarativo, seja quanto ao contraditório, seja quanto à prova, seja quanto à qualidade de quem o dirige, seja, ainda, quanto ao valor da conclusão que dele resulta. Efectivamente, no caso do mecanismo da comunicabilidade da dívida:

a. a lei não exige nenhuma prova ao exequente ou ao executado que alegam a comunicabilidade; mais até: a sua junção ao processo não pode ser sequer relevada;
b. não há intervenção de um juiz, mas do agente de execução;
c. não há contraditório – não é ouvida sequer a contraparte, ou seja, o executado, no caso do nº 2 do art. 825º , ou o exequente, no caso do nº 6 do art. 825º;
d. não há uma decisão final onde seja exercida a função jurisdicional no acertamento definitivo de uma situação jurídica.

Mas há, porém, um acertamento limitado, condição essencial de prosseguimento da execução contra o cônjuge terceiro. Esse acertamento apenas releva para aquele processo, não tendo valor de caso material. No entanto, ele alcança alguma estabilidade processual. Estamos, pois, perante um procedimento sumário com cominatório pleno ou de tipo injuntório.
A execução prossegue então “também contra o cônjuge não executado”, lê-se no nº 3 do art. 825º, expressão no mínimo enganadora, porque, na verdade, ele passa à condição de parte executada. A execução passa a contar com dois executados, em regime de litisconsórcio necessário superveniente.
Uma vez que dívida passa a ser tida como da responsabilidade de ambos os cônjuges, passará a valer o regime de responsabilidade subsidiária do art. 1695º, nº 1, CC. Conjugando este preceito com o nº 3 do art. 825º, resulta que:

a. se mantém a penhora sobre os bens comuns;
b. o executado inicial pode requerer a substituição da penhora dos seus bens próprios – que haviam sido penhorados no pressuposto de que a dívida era incomunicável – por bens comuns suficientes;
c. o exequente pode requerer a penhora de bens próprios do cônjuge executado, verificada a falta ou insuficiência dos bens comuns.

Houve, assim, um acto processual de que resultou a exequibilidade da obrigação contra quem não constava do título original. Qual é o titulo executivo do cônjuge do executado originário? Poder-se-ia pensar que seria o título que o exequente apresentou à execução e que, portanto, a comunicabilidade consistiria numa extensão subjectiva do âmbito desse título . Não nos parece que seja assim.
A comunicabilidade da dívida não é em si mesma uma alteração, pela via processual, do conteúdo do negócio jurídico que se formaliza, por exemplo, na letra ou no contrato; um suprimento da falta de uma declaração negocial, se quisermos. Não: a comunicabilidade dá expressão ao que já decorre da lei, i.e., ao que resulta da verificação de um causa legal de extensão da responsabilidade pela dívida.
Deste modo, parece dever entender-se que se forma um título executivo ex novo, autónomo, embora geneticamente ligado ao título executivo extrajudicial inicial. Esse título é o documento em que se declara, em função do comportamento do cônjuge executado, que a dívida foi “considerada comum”, como se lê no início do nº 3 do art. 825º, ou seja, que se verificou, nos termos processualmente admitidos, uma extensão da responsabilidade pela dívida.
Será esse documento um título judicial, ou seja, conterá ele uma apreciação feita por um juiz, ou será um simples documento executivo que contém uma apreciação do agente de execução? Parece que aquela verificação há-de ser feita pelo agente de execução, já que não se acha norma que dê este poder específico ao juiz. A correcção desta conclusão pode ser aferida pela existência de idêntica solução quanto à apreciação da existência de um crédito do executado sobre o terceiro devedor no art. 858º. Este título cai na al. d) do nº 1 do art. 46º e deve ser considerado um título judicial impróprio ou, como a lei o designa, um título de formação judicial – cfr. art. 53º, nº 2 e 3.

VI. Caso o cônjuge recuse a comunicabilidade da dívida, esta mantém a qualidade supletiva de dívida comum. O problema substantivo sai, assim, da esfera da execução .
O cônjuge pode, então, requerer a separação de bens ou juntar certidão de acção pendente, nos termos da norma mais geral da segunda parte do nº 1 do art. 825º. Se não o fizer, a execução prossegue sobre os bens comuns penhorados – nº 4 do art. 825º.
A execução continuará a contar com um só executados e o seu cônjuge continaurá com os poderes processuais previstos no art. 864º-A .

2. (Continuação). — C. Âmbito e efeitos da comunicabilidade. I. Entrando, mais em particular, na análise do regime da comunicabilidade da dívida, já acima dissemos que não é seguro que seja totalmente eficaz e isento de novos problemas. A saber:
a. pode o exequente ou o executado optar por outro meio alternativo, quando ele exista?
b. que pode fazer a parte que deduziu o pedido de comunicabilidade da dívida na hipótese de não haver o reconhecimento dessa comunicabilidade?
c. podem aceitar-se todas as declarações de reconhecimento?
d. a parte que não requereu a comunicabilidade fica sujeita ao resultado de reconhecimento ou de não reconhecimento da comunicabilidade?

O primeiro problema deve ser resolvido preliminarmente, pois dele dependem as soluções dos restantes.
Importa saber, na verdade, se o exequente ou o executado podem, em alternativa, usar outro meio processual para obter a declaração da comunicabilidade da dívida A resposta deve ser negativa: o meio previsto nos nºs 2 e 6 do art. 825º é o adequado para obter aquele resultado, quer porque tal foi o desiderato legislativo, quer porque, efectivamente, ele tutela de modo suficiente os interesses em presença. Assim, o exequente não pode decidir não alegar a comunicabilidade e requerer junto do juiz de execução a intervenção principal do cônjuge do executado, tal como antes da Reforma defendia alguma doutrina .
Este entendimento é, salvo melhor opinião, o único que está de acordo com o enquadramento geral das soluções semelhantes dos arts. 856º nº 3 e 869º nº 3. são procedimentos incidentais exclusivos e que não podem ser substituídos por uma acção declarativa incidental .

II. Resolvido este problema, já estamos em condições de procurar responder às restantes questões, distinguindo algumas das hipóteses possíveis em sede do procedimento de comunicação da dívida.
Numa primeira hipótese, que diríamos ideal, porquanto foi a pretendida pelo legislador, o cônjuge aceita a comunicabilidade de dívida contraída em proveito comum. Neste caso, alcança-se alguma estabilidade como resultado do funcionamento de mecanismos diversos daqueles que são próprios do caso julgado. Assim, o cônjuge fica vinculado aos efeitos jurídicos decorrentes da procedência dos fundamentos alegados pelo exequente ou pelo executado e que o art. 825º retira do seu comportamento activo ou omissivo, nos termos que já atrás referimos.
Por seu turno, o exequente ou o executado, que obteve a procedência do seu pedido, não pode voltar a colocar o mesmo problema no mesmo processo, pois viu satisfeita a sua pretensão.
No entanto, já quanto à respectiva contraparte que discorde da comunicabilidade da dívida – o executado, quando a comunicabilidade for requerida pelo exequente, e o exequente, quando a comunicabilidade for requerida pelo executado –, dir-se-á que o respeito pelo direito de defesa não permite outra consequência que não seja a de que aquela parte não se encontra em estado de sujeição, podendo colocar o problema, nomeadamente perante o juiz de execução.
Parece-nos que não pode deixar de caber reclamação, nos termos gerais do art. 809º, nº 1, al. c), da apreciação sobre a comunicabilidade da dívida feita pelo agente de execução. Só que essa reclamação é da decisão do agente de execução, i.e., serve para pedir uma substituição da decisão do agente, no quadro em que ele agiu, com base nos mesmos elementos. Deste modo, a contraparte – v.g., o executado – pode alegar junto do juiz que não se verificaram os pressupostos da comunicação da dívida – maxime, o reconhecimento – ou que a pretensão do requerente não tem fundamento.
Contudo, a reclamação não é um procedimento alternativo, nem um incidente declarativo alternativo. Deste modo, tal como sucede nos demais procedimentos sumários com cominatório pleno, a discussão sobre a comunicabilidade terá de ser realizada fora da execução: nomeadamente, para o executado, em sede da compensação que é devida pelo pagamento de dívidas comuns através de bens próprios, nos termos do art. 1697º, nº 2, CC .

III. Numa segunda hipótese, oposta à anterior, o cônjuge do executado não aceita a comunicabilidade da dívida contraída em proveito comum.
As soluções a aplicar são, em nosso, ver as mesmas. Assim, imagine-se que a dívida é contraída em proveito comum – v.g, compra de um electrodoméstico –, mas esse cônjuge não aceita a comunicabilidade. A nosso ver, esta situação será até a mais frequente, apesar do optimismo do legislador: apenas em casos de inaptidão técnica do mandatário judicial do cônjuge, de ausência daquele, ou de forte comoção emocional do cônjuge, é que este aceitará que todo o património comum, e também os seus bens próprios, passem a estar sujeitos à execução. Tal pode acontecer, mas não será o normal.
Se daí resulta que a dívida não pode ser tratada como comum, contudo, daí também não resulta que ela seja própria do cônjuge executado. Não o é, porque esse não foi o objecto da pretensão do exequente ou do executado, e também porque a não aceitação da comunicabilidade pelo cônjuge do executado não resolve de modo definitivo e estável a questão da natureza da dívida, i.e., não faz caso julgado.
No entanto, a dívida será executada segundo o que decorre do título, ou seja, como dívida própria.

IV. Nesta eventualidade, se a comunicabilidade foi alegada pelo exequente, ele apenas pode reclamar do acto do agente de execução, nos termos e limites já referidos, ou seja, da correcção da apreciação realizada pelo agente de execução. Diversamente, o executado tem o ónus de alegar um fundamento para a comunicabilidade da dívida, nos termos do nº 6 do art. 825º.
Se a comunicabilidade foi alegada pelo cônjuge executado, este pode reclamar do acto do agente de execução. Em qualquer caso, o cônjuge executado pode beneficiar, já fora da execução, do regime de compensação que é devida pelo pagamento de dívidas comuns com bens próprios, nos termos do art. 1697º, nº 1, CC, podendo nele alegar a natureza comunicável da dívida, pois, como já vimos, não se fez caso julgado sobre a questão .

2. (Continuação). — D. A comunicabilidade na separação de bens. I. Por fim, importa notar que nada se prevê para quando os cônjuges estejam casados em regime de separação de bens. De facto, se o credor começar por penhorar bens próprios do executado não tem aplicação o art. 825º.
A solução admitir a intervenção principal provocada o que, obviamente, causaria um desequilíbrio no sistema, em face da opção legal pelo incidente restrito previsto no art. 825º.
A solução há-de ser a sua aplicação analógica. Em que termos?

II. O exequente poderá no requerimento executivo alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum, caso em que o cônjuge do executado será citado para no prazo da oposição declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza, aplicando-se os n.ºs 3 e 4, se não houver oposição do exequente.
Por seu turno, o executado poderá invocar a comunicabilidade no prazo da oposição à execução (nº 6 do art. 825º) sendo o cônjuge notificado para no prazo de que dispõe para oposição declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza (cf. nº 2 e 1 ).


§ 5º Conclusões. As nossas reflexões sobre a execução civil de dívidas de marido e mulher podem sintetizar-se nas seguintes conclusões:

a. as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges que sejam comuns devem ser executadas contra o casal, sob pena de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário
b. as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges comunicáveis são as que resultam de um procedimento de comunicação, seja em acção declarativa, seja em acção executiva, por efeito do art. 825º nº 2, e devem ser executadas contra o casal, sob pena de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário
c. as dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges são executadas contra o cônjuge devedor, mas deve ser citado o seu consorte
a. se forem penhorados bens próprios do executado que sejam imóveis ou estabelecimento comercial que ele não possa alienar livremente (art. 864º nº 3 al. a) CPC);
b. se forem penhorados bens comuns, em ordem a o consorte separar a meação respectiva (art. 825º nºs 1, 4, 5 e 7 CPC).

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