domingo, 20 de novembro de 2011

COMENTÁRIO SOBRE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PORTUGUÊS




DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Introdução

Tendo em vista o objectivo do nosso curso o Direito Internacional Privado, designado por DIP, irá tutelar as situações que se possam colocar para a resolução de onflitos no âmbito das relações privadas da aviação civil.
O carácter transnacional da aviação motiva transacções comerciais e relações do foro privado com fornecedores, clientes e os próprios Estados.
Estes Estados têm naturalmente, no exercício da sua soberania, sistemas jurídicos diferentes bem como uma forma diversa de aplicação da justiça.
È nestas relações que vai ser necessário resolver os conflitos que possam eventualmente vir a existir.
Podemos exemplificar mencionando três casos de estudo:
• Um passageiro francês viaja de Lisboa para Nova Iorque na TAP em classe executiva. Dentro do avião e por motivos de sobrelotação é colocado em classe turística. Chegado a Nova Iorque a mala não aparece. Após reclamação junto da TAP no sentido de pagar as indeminizações previstas esta, após análise, entende não evolver o diferencial de preços entre classes.
• Os incidentes/acidentes no campo da aviação.
• Deslocalização das sedes de algumas companhias para outros Estados por razões de ordem económica poderão criar situações de ordem comercial diversa.
Convém referir que atendendo às especificidades dos casos e à simplicidade deste trabalho não iremos aprofundar a solução dos casos citados.
Questões desta natureza criam situações que entram em contacto com várias ordens jurídicas e serão necessariamente “tuteladas” pelo DIP.
Na verdade esta não é uma tutela pura mas uma tutela indirecta por nomeação da ordem jurídica que irá verdadeiramente tutelar as diversas situações.
Como conclusão faremos a ponte entre as Leis Reguladoras dos Negócios Jurídicos e das Obrigações e as convenções de Haia e de Roma bem como os Regulamentos Roma I e Roma II.

Definição
Citando três “internacionalistas” temos:
• Segundo Batista Machado “Factos susceptíveis de relevância jurídico-privada, que têm contacto com mais de um sistema jurídico (casos absolutamente internacionais) ou que se passaram adentro do âmbito de eficácia de uma (e só uma) lei estrangeira”.
• Segundo Isabel Magalhães Collaço “é o direito que regula as relações jurídico-privadas atravessadas por fronteiras”.
• Segundo Lima Pinheiro “o DIP regula situações de carácter internacional. Por ‘internacional’ quer-se significar a existência de contactos relevantes com mais de um Estado soberano, com mais de uma sociedade politicamente organizada em Estado soberano”

Embora por palavras diferentes o conceito genérico infere-se como sendo o mesmo, ou seja, o ramo que trata das relações jurídico-privadas que tem contacto com mais de um sistema jurídico.
É também aqui que se definem os princípios, os critérios e as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações privadas de carácter internacional.
Temos assim por objecto do DIP a averiguação da lei aplicável para tutelar as relações supramencionadas.
Podemos assim afirmar o DIP como sendo um conjunto de normas formais de remissão para ordenamentos jurídicos diversos chamados para a resolução das questões postas.

Justiça e princípios gerais
As normas jurídicas, como normas de conduta que são, têm o âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço:
• Não regulam factos passados antes da sua entrada em vigor
• Não regulam factos que não tenham contacto com os Estados que as produzem
A base do direito intemporal, constrói-se sobre o princípio da não retroactividade das leis e sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob a alçada da lei antiga.
O Direito Internacional Privado assenta na:
• Regra da não transactividade das leis;
• Reconhecimento das situações jurídicas na alçada de uma lei estrangeira.
No Direito Internacional Privado o tratamento dos factos puramente internacionais envolve o recurso a um princípio paralelo ao da teoria do facto passado e ao princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos para além de fazer intervir uma regra de conflitos determinante da lei aplicável de entre as leis em contacto com os factos.
Temos assim que o Direito Internacional Privado Português tem como fontes:
• Normas de conflito de fonte Interna;
• Normas de conflito de fonte Internacional.

Normas de conflito de fonte Interna
Assente em normas jurídicas emanadas para o estabelecimento de critérios gerais aplicáveis a situações concretas.
Tais normas materializam-se em textos que definem a sua eficácia e os seus contornos.
O Código Civil Português define no seu primeiro volume entre os artigos 14º a 65º o Direito dos Estrangeiros e Conflito de Leis:
• Disposições Gerais (14º a 24º);
• Âmbito e determinação da Lei Pessoal (25º a 34º)
• Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º);
• Lei Reguladora das Obrigações (41º a 45º);
• Lei Reguladora das Coisa (46º a 48º);
• Lei Reguladora das Relações de Família (49º a 61º);
• Lei Reguladora das Sucessões (62º a 65º).

Normas de conflito de fonte Internacional
• Nacionalidade;
• Pessoas;
• Obrigações:
o Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação (Haia, 1978);
o Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (Roma, 1980);
o Convenção de Viena sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias (1980);
• Títulos de Crédito:
o Convenção Destinada a Regular Certos Conflitos de Leis em Matéria de Letras e Livranças e Protocolo (Haia, 1930);
o Convenção Destinada a Regular Certos Conflitos de Leis em Matérias de Cheques e Protocolo (Genebra, 1931);
• Trabalho:
o Convenção Internacional do Trabalho, n.º 19, Relativa à Igualdade de Tratamento dos Trabalhadores Estrangeiros e Nacionais em Matéria de Reparação de Desastres no Trabalho (Genebra, 1925);
o Convenção n.º 182 da OIT Relativa à Interdição das Piores Formas de Trabalho das Crianças e à Acção Imediata com Vista à sua Eliminação, Convenção n.º 182 da OIT (1999);
• Família;
• Sucessões;
• Legalização de Documentos;
• Informação sobre o Direito Estrangeiro;
• Processo Civil Internacional:
• Arbitragem:
o Protocolo Relativo às Cláusulas de Arbitragem (Genebra, 1923);
o Convenção para a Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Genebra, 1927);
o Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958);
• Direito dos Estrangeiros:
• Cooperação Judiciária e Jurídica

Normas de conflitos
Temos assim que o Direito Internacional Privado, enquanto ramo do direito, não regula directamente as relações privadas internacionais mas, tão-somente, indica as ordens jurídicas que as devem reger.
Para tal concorrem as chamadas regras de conflitos que se socorrem de normas instrumentais destinadas a individualizar a ordem jurídica onde deve ser procurada a regulamentação dos institutos que constituem o seu objecto.
São normas sobre normas (lex legum), normas que dizem como vigoram, interpretam, aplicam e determinam outras normas.
Chamam-se normas de 2° grau ou de aplicação.
Dentre as “normas de aplicação” destacam-se as normas destinadas a resolver conflitos de leis no tempo (artigo 12° ( ) e 13° ( )) e os conflitos de leis no espaço (artigo 15° ( ) e seguintes) do Código Civil.
As normas de conflitos têm a função de coordenar ordens jurídicas em conexão, devido ao concurso de situações plurilocalizadas, actuando por nomeação de entre os elementos integrantes da relação jurídica pluriconectada, aquele, por intermédio do qual, deverá ser determinada a lei que lhe é aplicável
Ao julgador caberá a ponderação na aplicabilidade das regras de conflitos de leis mesmo que não seja invocado o direito estrangeiro, temos assim regras de aplicação oficiosa.
Algumas matérias, sobretudo no domínio dos contratos, detêm o princípio da elegibilidade da lei aplicável, podendo assim escolher a ordem jurídica que regulará as suas relações específicas afastando assim a aplicação das regras de conflitos.
As normas de conflitos encerram em si duas características:
• Rigidez - enquanto vinculativas da posição do julgador ao determinar o elemento de conexão a partir de critérios enunciados pela própria norma;.
• Neutralidade – não compete ao DIP fornecer a norma material aplicável a um caso concreto, mas tão-somente estabelecer a conexão mais apropriada designativa da lei a que a norma aplicável deverá ser

Conceito Quadro
O conceito-quadro designa os factos, instituto jurídico ou normativos sobre os quais a regra de conflitos aponta o elemento de conexão e consequente lei competente.

• Exemplo - casamento, filiação, estado, capacidade, etc.

Temos assim um conceito técnico-jurídico que define o objecto de conexão ou a categoria normativa que operará a conexão escolhida.

Elemento de conexão
O elemento de conexão é determinado por individualização da lei aplicável e da ordem jurídica aplicável à situação jurídica em causa.
Este é determinado pela delimitação de um sector ou matéria jurídica operada pelas normas de conflito que destacam uma ou mais questões de direito a serem tuteladas pela lei a aplicar.
A escolha da conexão relevante tem em vista encontrar uma lei que seja verdadeiramente adequada à função de regular determinada matéria ou instituto jurídico.
A uma norma de conflitos não corresponde um só elemento de conexão nem uma única consequência jurídica, mas tantos quantos forem os ordenamentos jurídicos em concurso.
Consideramos assim duas modalidades de conexão:
• Conexão simples ou singular - a norma de conflito aponta para uma única ordem jurídica por via de um só elemento (exemplo - 46º/1 CC);
• Conexão múltipla - as normas de conflito apresentam vários elementos de conexão:
o Sucessivas ou subsidiárias - dois ou mais elementos de conexão aplicáveis os quais só se irão aplicar caso falhe os anteriores (ex.: art. 52º/1 e 2 CC);
o Alternativa: prevê várias conexões como possíveis, mas apenas uma vai ser aplicada com vista à obtenção do resultado (ex.: art. 65º/1 CC);
o Cumulativa: vai-se aplicar duas leis pessoais simultaneamente, ou seja, aplicam-se ambas (ex.: art. 33º/3 e 4 CC);
o Condicional: quando o segundo elemento de conexão chamado para regular o caso vai limitar a aplicabilidade da primeira lei (ex.: art. 55º/2 CC).
Temos assim a escolha da lei que melhor se posicionar para resolução do litígio tendo em atenção a localização dos factos ou da sua relação com as pessoas e os factos em concurso.
O DIP não encerra em si um problema de justiça material pelo que o papel da regra de conflitos não é o de escolher, de entre as soluções decorrentes das várias leis em concurso, a que melhor convenha à natureza e circunstâncias do caso «sub judice».
Podemos assim configurar como elementos estruturais das normas de conflito:
i. O conceito quadro - designativo da matéria, instituto ou categoria normativa sendo no seu âmbito que se estabelece a conexão, escolhida pela norma, enquanto representada por um elemento ou circunstância factualmente concreto.
ii. Elemento Conexão – Situando o facto jurídico num espaço legislativo e sistema de direito determinado funcionando como elemento referenciador da lei chamada a intervir.
iii. Consequência jurídica - atribuição de competência à lei designada pelo elemento de conexão, sendo esta a lei aplicável para resolver a questão formulada e será aquela com a qual a relação «sub judice» estiver em contacto através do elemento de conexão.
Consideremos, a título de exemplo, o artigo 45º do Código Civil ( ):
• Conceito quadro - responsabilidade extracontratual;
• Elemento de conexão – Estado onde decorreu a principal actividade causadora;

Consequência jurídica - aplicação da lei do ordenamento jurídico do Estado onde ocorreu o facto danoso.
Devolução e reenvio
No Código Civil esta questão é tratada pelos artigos 16º a 24º com particular destaque para os artigos 17º e 18º.
O reenvio é um facto que surge de as normas de conflito do foro designarem uma lei estrangeira para regular uma questão jurídica e esta não se considerar aplicável remetendo assim para outra ordem jurídica.
Exemplos:
A. Um cidadão brasileiro domiciliado em Portugal morre neste país. Em consonância com as normas de conflito (artigo 62º ( ) CC) a lei reguladora da sucessão é a lei pessoal, ou seja, a lei brasileira (“lex patriae”), no entanto, segundo a lei brasileira a sucessão desse indivíduo é regulada pela lei portuguesa (“lex domicili”).
a. O reenvio neste caso chama-se retorno ou reenvio de 1° grau e podemos figurá-lo do seguinte modo:
L1 L2 (“lex patriae”)
L2 L1 (“lex fori”)
B. O de-cujus, cidadão dinamarquês domiciliado na Itália. Como anteriormente, manda a lei portuguesa (“lex fori”) aplicar a lei dinamarquesa (“lex patriae”), no entanto, esta remete para a lei Italiana (“lex domicili”) do último domicílio.
a. O reenvio chama-se transferência de competência, ou reenvio de 2° grau
L1 (“lex fori”) L2 (“lex patriae”) L3 (lex domicili)
O reenvio deve ser tratado e enquadrado no DIP da “lex fori” enquanto problema de interpretação do direito local englobando assim o direito vigente.
Estamos perante um caso de conflito negativo de normas dado a lei estrangeira designada pelo foro remeter para o próprio ordenamento jurídico ou para outro.
A norma de conflitos pressupõe a existência de mais que uma lei a concorrer à resolução de questões privadas de ordem internacional, directamente através das suas normas do direito interno ou de normas de outro ordenamento recebidas por uma norma de remissão material.
A designação da lei aplicável pela regra de conflitos tem em vista a designação das normas materiais que devem regular a questão, teoria da referência material, ou
determinar essas normas mediante uma referência às regras de conflito desse ordenamento, teoria da referência global.
Limites à aplicação dos direitos dos estrangeiros
O direito dos estrangeiros provém de princípios e regras materiais adoptadas pelo Estado para regular esta matéria.
Concorrem para este facto os artigos 12º ( ) e 17º ( ) do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, os artigos 18º e 20º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o artigo 15º ( ) da Constituição República Portuguesa e o artigo 14º ( ) do Código Civil.
Estatui-se como regra a equiparação dos estrangeiros aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (artigo 14º/1 CC).
Tal facto diferirá da situação normal quando estatuído em contrário ou com a verificação do pressuposto a que se refere o artigo 14º/2 CC.
Temos assim dois princípios essenciais no domínio do DIP:
• Princípio da equiparação;
• Princípio da reciprocidade.
X. Análise comparativa dos artigos referentes às leis:
Como conclusão e atentos à natureza transnacional da Gestão de Transporte Aéreo iremos debruçar-nos numa análise das:
• Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º);
• Lei reguladora das Obrigações (41º a 45º).
Esta análise não poderia deixar de interligar as convenções:
• Lei aplicável às Obrigações Contratuais (Roma I);
• Lei aplicável às Obrigações Extracontratuais (Roma II).
Abordaremos esta análise baseada na interpretação jurídica dada de Pires de Lima e Antunes Varela no seu “Código Civil Anotado” e de Florbela de Almeida Pires no “Conflito de Leis”.
a) Lei Reguladora dos Negócios Jurídicos (35º a 40º)
ARTIGO 35.º (Declaração negocial)
1. A perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente aplicável à falta e vícios da vontade.
2. O valor de um comportamento como declaração negocial é determinado pela lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta, pela lei do lugar onde o comportamento de verificou.
3. O valor do silêncio como meio declaratório é igualmente determinado pela lei da residência habitual comum e, na falta desta, pela lei do lugar onde a proposta foi recebida.
No que diz respeito as obrigações contratuais este artigo encontra-se derrogado pelo artigo 8º ( ) da convenção de Roma e artigo 10º ( ) do Roma I.
No que respeita à interpretação do contrato, há ainda que considerar o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 12º ( ) do Roma I.
A lei aplicável a substância do negocio varia consoante a natureza deste, como se preceitua nos artigos seguintes. Como exemplo de preceito que atribui a certo comportamento o valor de declaração negocial (nº 2), pode ver-se o disposto no artigo 234º ( ) quanto a aceitação da proposta contratual.
O silêncio como meio declaratório está previsto, no Código Civil, no artigo 218º ( ).
ARTIGO 36.º (Forma da declaração)
1. A forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir,
sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.
2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior.
Derrogado pelo artigo 9º ( ) da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais, no que respeita a determinação da lei aplicável à forma dos contratos celebrados após 1 de Setembro de 1994.
A forma dos contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2008 passara a reger-se pelo artigo 11º ( ) do Roma I.
O artigo 36º mantem-se aplicável aos negócios unilaterais não sujeitos a norma de conflitos especial e ainda a outros contratos excluídos do âmbito de aplicação da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, desde também que não se encontrem sujeitos a legislação especial.
Admite-se a aplicação de duas leis. Em principio, deve aplicar-se a lei reguladora do próprio negócio; mas considera-se suficiente a observância da lei do lugar em que e feita a declaração, ou seja, do lugar em que e celebrado o negócio. E este também o sentido com que a legislação italiana e alemã aceitam o principio clássico “locus regit actum”. À segunda regra consagrada no número 1 do artigo 36º abre-se uma excepção, a de a lei reguladora da substância do acto exigir determinada forma, ainda que o acto seja celebrado no estrangeiro. Temos um exemplo no artigo •2223º, em relação aos testamentos feitos por portugueses no estrangeiro, segundo a lei local. Só são eficazes em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.
No número 2 admite-se a devolução para a lei dum terceiro Estado. E como esta devolução pode ser, segundo a norma de conflitos da lei local, obrigatória ou facultativa, temos, neste último caso, a competência de três leis. Todos estes princípios contidos no artigo 36º mostram a preocupação de não estabelecer em matéria de forma princípios demasiadamente rígidos, que perturbassem a legalidade e a segurança dos negócios. É este o espírito da lei
ARTIGO 37.º (Representação legal)
1. A representação legal está sujeita à lei reguladora da relação jurídica de que nasce o poder representativo.
Verificada a representação legal é fundamental a qualificação do instituto de que a mesma resulta, sendo então aplicável a lei que, em geral, regula esse instituto.
ARTIGO 38.º (Representação orgânica)
1. A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal.
A utilidade do artigo 38º é a de esclarecer, em caso de dúvida, que a representação orgânica deve ser integrada no conjunto de matérias que compõem a lei pessoal da pessoa colectiva. Aliás, não se trata aqui de um verdadeiro caso de representação. Sendo os actos praticados pelos órgãos da pessoa colectiva, não se verifica o efeito típico da representação, a repercussão dos actos praticados por uma pessoa na esfera jurídica de outra. A ser assim, não podia ser outra a solução dada neste artigo.
A lei pessoal da pessoa colectiva e, nos termos do artigo 33º ( ), a do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração. A esta lei incumbira, portanto, indicar os órgãos que agem em nome da pessoa colectiva, além dos poderes de que goza cada um deles (artigo. 33º nº 2), e ainda definir o regime dos actos por eles praticados, bem como a repercussão desses actos na esfera jurídica da pessoa colectiva.

ARTIGO 39.º (Representação voluntária)
1. A representação voluntária é regulada, quanto à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos, pela lei do Estado em que os poderes são exercidos.
2. Porém, se o representante exercer os poderes representativos em país diferente daquele que o representado indicou e o facto for conhecido do terceiro com quem contrate, é aplicável a lei do país da residência habitual do representado.
3. Se o representante exercer profissionalmente a representação e o facto for conhecido do terceiro contratante, é aplicável a lei do domicílio profissional.
4. Quando a representação se refira à disposição ou administração de bens imóveis, é aplicável a lei do país da situação desses bens.
Derrogada pela Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação. Nos termos do artigo 4º, a lei designada pela convenção aplica-se mesmo que se trate da lei de um Estado não contratante, o que tem por efeito o carácter universal das suas disposições. O âmbito material de aplicação desta Convenção e mais vasto do que o do artigo 39º. As suas normas aplicam-se sempre que um intermediário tem o poder de agir, age ou pretende agir junto de um terceiro por conta de outrem, sendo ainda extensiva a actividade do intermediário que consista em receber e em comunicar propostas ou em efectuar negociações por conta de outras pessoas e quer o intermediário actue em nome próprio ou em nome do representado, quer a sua actividade seja habitual ou ocasional. Em Portugal, esta Convenção não se aplica:
i. Representação exercida por um banco ou grupo de bancos em matéria de operações de banco
ii. Representação em matéria de seguros
iii. Actos de um funcionário público actuando no exercício das suas funções por conta de uma pessoa privada
O representante agira, em princípio, perante terceiros, repercutindo-se os seus actos na esfera jurídica do representado. Deste modo, na determinação do direito aplicável há que atender, fundamentalmente, aos interesses do representante, que apontam para a aplicação da lei onde habitualmente exerce os seus poderes, aos do representado, e aos interesses dos terceiros com os quais o representante contrata.
As questões reguladas no artigo 39º respeitam aos aspectos específicos da representação, quer na relação interna (representante e representado) quer nas relações externas (representante e terceiro; representado e terceiro). Trata-se de determinar o direito aplicável à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos. Esta fora deste âmbito, por exemplo, o contrato celebrado entre o representante e o terceiro, cuja determinação do direito aplicável será, em princípio, sujeita as disposições da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais ou sobre o Roma I.
Estabelece a competência de varias leis, consoante as diversas situações nele discriminadas:
a) Lei do Estado em que os poderes de representação voluntária são exercidos
b) Lei do país da residência habitual do representado
c) Lei do domicílio profissional do representante;
d) Lei da situação dos bens imóveis abrangidos pela representação
Quanto ao domicílio profissional, vide o artigo 83º ( ).

ARTIGO 40.º (Prescrição e caducidade)
1. A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.
Derrogado pela Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais, cujo artigo 10º, nº 1, alínea d) ( ) determina que estão sujeitas a lei aplicável ao contrato as diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo.
Com Roma I a matéria passou a ser regulada segundo o seu artigo 12º, nº I, alínea d) ( ), em termos idênticos aos actualmente estabelecidos na Convenção de Roma.
Se se trata, por exemplo, da prescrição duma obrigação negocial, é aplicável a lei que as partes tiverem escolhido, nos termos do artigo 41º, ou a que se entender aplicável nos termos do artigo 42º.
A extinção de direitos reais pelo não uso (conforme nº 3 do artigo 298º ( )) é aplicável a lei da situação da coisa (conforme artigo 46º).

b) Lei reguladora das Obrigações (41º a 45º)

ARTIGO 41.º (Obrigações provenientes de negócios jurídicos)
1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.
2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.

Derrogado pela Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável as Obrigações Contratuais que no seu artigo 3º ( ) consagra com diferenças substanciais, a regra segundo a qual é permitida às partes a designação do direito aplicável ao contrato.

Com Roma I a matéria passou a consagrar em termos amplos a possibilidade de as partes designarem a lei aplicável às obrigações contratuais no seu artigo 3.º ( ). Devemos ainda considerar os casos particulares dos contratos de seguros, trabalho, consumidores e outros. Temos ainda que atender ao nº 2 que determina um firme interesse na lei aplicável ou esta estar em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico.

Consagra-se nesta disposição o princípio da autonomia privada, com os limites referidos no nº 2. A escolha de uma lei, ou tem de obedecer a um critério de seriedade, livremente apreciado pelo julgador, ou deve corresponder a um dos elementos de conexão atendíveis no campo do DIP, tal como a nacionalidade de um dos sujeitos, a sua residência habitual, o lugar da situação da coisa, o lugar da celebração do negócios, etc.
Para a escolha da lei não se exige uma declaração expressa: 0 nº 1 manda atender à lei que os sujeitos do vinculo obrigacional tiverem designado ou houverem tido em vista, e, portanto, aquela que os termos da convenção possam reflectir como pretendida, através de uma declaração tácita de vontade (artigo 217.º nº 1 ( )).
ARTIGO 42.º (Critério supletivo)
1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.
2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.

Derrogado, em geral, pelo artigo 4.º ( ) da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais substituído pelo Roma I sendo determinada a lei aplicável, na falta de escolha, segundo os critérios previstos no artigo 4.º ( ) deste regulamento. Tratando-se de um contrato de transporte, essa lei será determinada pelo novo artigo 5.º. Os contratos celebrados por consumidores, dentro de certas condições, estarão sujeitos ao artigo 6.º, os contratos de seguro ao artigo 7.º e os contratos de trabalho ao artigo 8.º.

Os negócios jurídicos unilaterais são, além de muitos outros, os referidos nos artigos 457.º e seguintes do Código Civil.
Quando as obrigações tenham por fonte um contrato, estabelece-se como elemento de conexão decisiva a residência habitual comum das partes. Na falta desta, nos contratos a título gratuito prevalece residência do que atribui o benefício e nos outros o lugar da celebração do contrato.
Não deve confundir-se a distinção entre contratos gratuitos e contratos onerosos, que atende essencialmente a um critério de correspectividade ou equivalência entre as atribuições patrimoniais a cargo dos• contraentes, com a classificação dos contratos em unilaterais e bilaterais que, olhando mais a estrutura do que ao lado funcional dos negócios, assenta na reciprocidade ou na relação de causalidade jurídica estabelecida: entre as obrigações das partes.
ARTIGO 43.º (Gestão de negócios)
1. À gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade do gestor.

Derrogado pela Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação com a ressalva de se considerar aplicável que esta convenção só se aplica aos contratos de mediação.
A Lei aplicável as Obrigações Extracontratuais (Roma II) contem no seu artigo 11.º ( ) uma regra especial sobre a lei aplicável a gestão de negócios. Em termos sumários, o regulamento manda aplicar a lei que for aplicável a uma relação pré-existente entre as partes (n.º 1), inexistindo esta manda atender a lei da residência habitual comum das partes (n.º 2) ou, finalmente, a lei do país onde tenha sido praticado o acto de gestão (n.º 3). Qualquer destas leis pode ser afastada no caso de resultar claramente do conjunto das circunstâncias que a obrigação tem uma conexão manifestamente mais estreita com outro país (n.º 4) ou no caso de as partes escolherem o direito aplicável (artigo 14.º ( )). Sucede, porem, que o Regulamento Roma II, embora prevaleça sobre as normas de conflitos internas em matéria de obrigações extracontratuais, não prejudica a aplicação das convenções internacionais de que um ou mais Estados-membros sejam parte na data da sua aprovação e que estabeleçam regras de conflitos de leis referentes a obrigações extracontratuais, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º ( ). Deste modo, com a entrada em vigor do Regulamento Roma II, o artigo 43.º apenas poderá aplicar-se aos actos ocorridos antes de 11 de Janeiro de 2009 que não estejam já cobertos pela supra citada Convenção da Haia. Relativamente aos actos posteriores, havendo sobreposição entre o Regulamento Roma II e a Convenção da Haia prevalecerá as disposições desta. Relativamente à gestão de facto parece ser aplicável o Regulamento Roma II.

Sobre a noção e amplitude da gestão de negócios, vide os artigos 464.º e seguintes do Código Civil.

ARTIGO 44.º (Enriquecimento sem causa)
1. O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.

Derrogado pelo Roma II consagrando o seu artigo 10.º ( ) regras especialmente destinadas a resolver o problema da lei aplicável ao enriquecimento sem causa. Em primeiro lugar, o regulamento manda aplicar a lei que for aplicável a uma relação pré-existente entre as partes (n.º 1), inexistindo esta relação, manda atender a lei da residência habitual comum das partes (n.º 2) ou se as partes não tiverem residência no mesmo país, a lei do país onde tenha ocorrido o enriquecimento (n.º 3). Qualquer destas leis pode ser afastada se resultar claramente do conjunto das circunstâncias do caso que a obrigação tem uma conexão manifestamente mais estreita com outro pais (n.º 4) ou no caso de as partes escolherem o direito aplicável (artigo 14.º).
Assim, se perante determinadas ordens jurídicas as consequências da invalidade do contrato são integradas no instituto do enriquecimento sem causa, o referido artigo da Convenção de Roma (e posteriormente do Regulamento Roma I) operou uma qualificação contratual, resolvendo, portanto, as dúvidas que se pudessem suscitar.

Sobre o enriquecimento sem causa, vide os artigos 473.º e seguintes do Código Civil.
É havido como enriquecimento• sem causa, nos termos dos artigos 476.º e seguintes, além de muitos outros, o resultante dum pagamento indevido. A lei aplicável à transferência do valor patrimonial (atribuição patrimonial, Vermögenszuwendung na terminologia dos autores alemães) como seja o pagamento, a cessão de crédito já transmitido, a disposição de direito já alienado, a doação ou a venda (para preencherem um legado nulo ou uma condição ilegal, por exemplo)- é que regula igualmente a: obrigação de restituir, a que o enriquecimento sem causa dá origem.
ARTIGO 45.º (Responsabilidade extracontratual)
1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.


Derrogado pelo Roma II excepto no tocante às matérias que, constituindo o seu objecto, são expressamente excluídas pelo artigo 1.º ( ) como e o caso da violação dos direitos de personalidade. O artigo 14.º permite em geral ao agente e ao lesado a escolha da lei aplicável às obrigações extracontratuais desde que essa escolha seja posterior ao facto que dá origem ao litígio ou as partes desenvolvam actividades económicas. Na falta de escolha artigo 4.º do regulamento adoptou, como regra geral, a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país em que tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas desse facto. O Roma II tem também várias disposições especiais em matéria de responsabilidade por produtos defeituosos (artigo 5.º), concorrência desleal e actos que restrinjam a livre concorrência (artigo 6.º), danos ambientais (artigo 7.º), violação de direitos de propriedade intelectual (artigo 8.º), enriquecimento sem causa (artigo 10.º), gestão de negócios (artigo 11.º) e culpa
in contrahendo (artigo 12.º).

A matéria da responsabilidade civil e, portanto, tudo o que como tal é qualificado nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, quer se funde num acto ilícito (acção ou omissão), quer se baseie no risco, quer decorra de uma conduta ilícita, esta sujeita à lei do lugar onde se exerceu a actividade do agente ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida.
Admitem-se duas excepções: a de, não havendo lugar a responsabilidade segundo a lei competente para a fixar, o agente dever, todavia, prever a lesão e ela se ter verificado em país que o considera responsável. E o caso do n.º 2.
A outra excepção - a prevista no n.º 3 - é esta: o agente e o lesado têm a mesma nacionalidade ou a• mesma residência habitual, e encontram-se ocasionalmente em
país estrangeiro. Neste caso, já não se aplica a lei local referida no n.º 1, mas a lei da nacionalidade ou da residência.
Assim, por exemplo, dais canadianos, ocasionalmente em Portugal, viajam de automóvel. Um é dono do veículo e o outro é transportado gratuitamente. Há um acidente. Pela lei canadiana o proprietário ou condutor não é responsável perante a pessoa transportada gratuitamente; mas já o pode ser pela lei portuguesa (Conforme artigo 504.º ( )). Ora, não se justifica, neste caso, que se aplique esta lei para •dirimir um conflito de interesses entre dois canadianos. E o que se diz quanta ao transporte gratuito, pode dizer-se quanta à extensão do dano indemnizável, quanta aos danos não patrimoniais, etc.
Na parte final do n.º 3 prevê-se, todavia, a existência de disposições que devam aplicar-se indistintamente a todas as pessoas. São as normas de aplicação rigorosamente territorial, como as que disciplinam o trânsito, as construções civis, etc. Se a lei local considera como infracção certo facto ou certa conduta, não interessa já a lei pessoal do agente ou do lesado; há um facto ilícito segundo a lei local e importa tirar dele todas as consequências. Se, por exemplo, houve excesso da velocidade fixada por esta lei, se ela foi transgredida, não importa averiguar, para determinação da culpa e da responsabilidade, se houve excesso de velocidade segundo •a lei nacional do agente e do lesado. O agente passa a ser responsável pelo seu acto, porque as leis que fixam os limites de velocidade são de aplicar indistintamente a todas as pessoas.

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