quarta-feira, 7 de maio de 2008

APONTAMENTOS SOBRE A POSSE - DIREITOS REAIS

Universidade Internacional de Lisboa
Faculdade de Direito
Cadeira de Direitos Reais e Direito Agrário (Curso Anual)
Docentes:
Mestre José Gonzaléz e Drª Lúcia Rodrigues



A Posse








Esmeralda Sofia de Matos Calado
4º Ano, Diurno, nº 0015 Turma D02
PREFÁCIO
No âmbito das aulas práticas de Direitos reais foi-nos solicitado, pela Drªa Lúcia Rodrigues, que elaborássemos um trabalho acerca de um Direito Real à nossa escolha, com o limite de duas pessoas para cada tema, no sentido de nos debruçarmos sobre todos os institutos: Posse, Usufruto, Servidões, Uso e Habitação (salvo a periódica), Propriedade e Compropriedade.
A data limite foi o 1º dia de aulas após as férias da Páscoa, o que foi bastante benéfico, na minha modesta opinião, sobretudo para quem não trabalha. Importante se revelou o facto de o mesmo não contar para a nota.
A razão pela qual escolhi o meu tema foi simples, é a minha matéria preferida em direitos reais, apesar de também ter gostado de registo e de outros direitos reais, tais como a Propriedade.
Foi muito interessante para mim a realização do mesmo, principalmente porque existem muitas obras sobre o mesmo (contráriamente a alguns temas), o que me facilitou bastante a pesquisa? Óbviamente que dificultou mas tornou-o mais interessante. O desespero inicial de selecção das obras rápidamente desapareceu conforme ia lendo as mesmas. É que não só o nosso C Civil trata deste tema logo no título I , arts.1251º e segs., como as obras encontradas são muito similares em termos de conteúdo. Como exemplo disto, temos o Cap.II sobre os tipos de Posse, que, com excepção das noções doutrinais (Posses civil e interdictal; formal e causal; efectiva não efectiva), as restantes classificações são legais!
Espero com este trabalho esclarecer os meus colegas ou interessados nesta temática, bem como motivá-los para a pesquisa do tema em análise que considero mereçer alguns desenvolvimentos adicionais, (que não me foram de todo possíveis pela limitação de 12 págs e de letra nº12 no mínimo). Não obstante, considero que é suficiente para o essencial sobre a Posse e ainda para a sua compreesão, na medida em que inclui um enquadramento histórico-legal. Para os amantes deste tema remeto-os para a Bibliografia. Obrigada.
INDÍCE
INDÍCE *
§ 1. Introdução e Apresentação do Tema *
§ 2. Génese Histórica *
O Usus e a Possessio do Ager Publicus *
Savigny e a Posse Subjectivista *
Jhering e a Posse Objectivista *
O Código Alemão e as Codificações Tardias *
Caso Português *
§ 3 Classificações da Posse *
Posse Causal e Posse Formal *
Posse Civil e Interdital *
Posse Efectiva e Não Efectiva *
Posse Titulada e Posse Não Titulada *
Posse de Boa Fé e de Má Fé *
Posse Pacífica e Posse Violenta *
Posse Pública e Oculta *
§ 4. Vicissitudes da Posse *
I Constituição e Transmissão da Posse: *
I.1. O apossamento /esbulho *
I.2. A Inversão do título de posse: *
I.3 A tradição / traditio longa manu *
I.4. O Constituto Possessório (tem 2 modalidades conf. n.º1 e n.º2 do art. 1264) *
I.5 A Sucessão na Posse *
II A Perda da Posse *
II.1 O abandono *
II.2 A Perda ou Destruição da Coisa *
II.3 O Esbulho por Mais de Um Ano *
II.4 A Cedência *
II.5 Outros Modos *
§ 5. Efeitos da Posse *
I. A Publicidade *
I.1 A presunção de titularidade (do direito real de gozo) *
II. Defesa possessória *
a) Meios judiciais *
Acções possessórias: *
Os Embargos de Terceiros *
b) Meios extrajudiciais *
§ 6. Conclusão *
BIBLIOGRAFIA *

§ 1. Introdução e Apresentação do Tema
A Posse expressa a situação pela qual uma pessoa tem o controlo material de uma coisa. Podemos analisar a ocorrência "controlo material" sob dois aspectos:
Uma pessoa, que é o possuidor, exercerá a sua actividade sobre uma coisa corpórea, de modo a dela retirar as suas vantagens que por sua natureza ela possa proporcionar;
Essa mesma pessoa está em condições de excluir qualquer outra desse aproveitamento.
O Direito pode adoptar uma de duas posturas:
Ou proteger esse controlo, considerando-o como estatuição normativa, produto da aplicação de normas jurídicas;
Ou torná-lo como ponto de partida para a aplicação de novas regras, independentemente de haver ou não protecção.
Na primeira situação, o controlo material aparece como um Direito Subjectivo ou como o conteúdo de um ou mais Direitos Subjectivos. No segundo caso esse controlo é um facto jurídico.

§ 2. Génese Histórica

O Usus e a Possessio do Ager Publicus
No Direito Romano Clássico, a posse - ou possessio - era já o produto de uma confluência histórica entre diversificados instintos, mais concretamente: do usus e da possessio do ager publicus
O usus correspondia e traduzia o efectivo controlo material de uma coisa.
A possessio do ager publicus por sua vez, corresponde etimologicamente no que diz repeito a Possessio, advém de pots (poder) e de sedeo, sedere (estar sentado). Por seu lado, Ager Publicus, correspondia aos terrenos que Roma conquistou fora da Cidade.
O usus e a Possessio do Ager Publicus vieram a sofrer alguma aproximação, sendo que o termo usus veio a ser substituído para expressar possessio. Considerando que esta figura é de Direito Civil e boa para alcançar o domínio por usucapião passou a ser conhecida por possessio civilis ou possessio ad usucaiponem.
Ou seja, a posse surgiu no Direito Romano como resultado da confluência de dois institutos: do usus que era necessário para adquirir a propriedade por usucapião e da possessio do ager publicus, forma de aproveitamento dos territórios conquistados pelos romanos fora de Roma.
Porém, com a evolução romana generalizou-se a propriedade e a usucapio e paralelamente admitiu-se que a protecção interdital pudesse também servir ao proprietário.
Essa mesma evolução levou à concessão de alguma tutela a situações de controlo material em nome alheio: casos do rendeiro, depositário ou comodatário foram chamadas de "possessio naturalis" e posteriormente de detenção.
Assim, fruto de uma rica evolução histórica, a posse apresentava no Direito Comum Europeu, um conjunto de regras que os Juristas, de que destaco Pothier (1699-1772) sintetizaram.
A teoria possessiária de Pothier afirma que a posse, não sendo embora um direito, origina certos direitos: presume a propriedade e faculta as acções processárias, a posse podia ser civil ou natural, sendo que esta última se for em nome alheio era do caseiro e não é verdadeira posse.
O código napoleónico secundarizou a posse e consagrou a posse vale título quanto aos bens móveis.
Definia-se a posse no art. 2228º como a detenção ou fruição de uma coisa ou de um direito que tenhamos ou que exerçamos por nós próprios ou através de outrém a tenha ou exerça em nosso nome.
Só posteriormente com Pothier e com Savigny é que se consagraram as distinções entre corpus e animus.

Savigny e a Posse Subjectivista
Friedrich Savigny (1779-1861) é um cientista fundamental para a conformação no pensamento moderno sobre a posse. Logo aos 24 anos formulou a obra "O Direito da Posse" e refere sobre o tema em análise setenta e oito obras.
No pensamento Savignyano o fundamental da posse era dado pela usucapião e pela tutela possessória.
Para o autor, para chegar à posse a ideia-chave é a de detenção, como diz o autor:
"Todas [as definições de posse] consideram como posse de uma coisa a situação na qual não só a actuação própria, sobre a coisa, é fisicamente possível mas também pode ser impedida qualquer interferência exterior".
Desta ideia porém há que salientar uma modificação fundamental:
…"a detenção que se queira fazer valer como posse deve ser intencional, isto é, deve-se para ser possuidor, não ter apenas a mera detenção, mas antes querer tê-la. Esta vontade (animus possidendi) corresponde à detenção deve ser determinada mais exactamente".
Savigny apela à intenção de possuir em nome próprio ou em nome alheio, só nesse caso não haveria animus possidendi.
A teoria Savignyana não é especialmente subjectivista, desde logo porque a vontade se insere nos requisitos jurídicos para que haja posse e porque circunscreve-se ao minimum da posse em nome alheio.

Jhering e a Posse Objectivista
Rudolf von Jhering (1818-1982) deixou-nos dois escritos sobre a Posse que marcaram duas épocas diferentes da sua vida: na juventude, o Direito da Posse, e na maturidade, a Vontade Prossecutória.
Este autor apresenta uma fórmula para a Posse:
Pela Orientação Subjectivista: x = a + c + a ;
y = a + c
Pela Orientação Objectivista: x = a + c;
y = a + c - n
Sendo: x, a posse;
y, a detenção;
c, o corpus;
a, o animus;
a , o plus de vontade
n, o factor legal que, na teoria objectiva, retira, à posse a sua característica possessória, reconduzindo-a a mera detenção.
A contraposição entre a concepção subjectivista e a objectivista tal como resultou da pena de Jhering marca as suas diversas exposições possessórias para a posteridade.

O Código Alemão e as Codificações Tardias
O Código Alemão de 1896, embora enfatizando a posse, operou nela uma série de simplificações, perante o esquema pandectístico antes em vigor, tal como no Código francês, não foi consignada qualquer exigência subjectiva, numa postura que seria respeitada pela doutrina e pela jurisprudência.
Por seu lado as Codificações Tardias acolheram, num primeiro momento, a simplificação alemã, todavia, a italiana de 1942, embora mantendo, na forma, um esquema objectivo, veio na sua aplicação, e por força da tradição, a conservar a sua referência ao corpus e ao animus.

Caso Português
A teoria portuguesa da posse era completamente imprecisa, os elementos de mais interesse referiam-se à tutela do detentor.
Com o Código de Seabra operam-se simplificações radicais no sistema possessório, de que se destacam a postura objectiva que tendia a evitar a autonomização do animus.
Apesar da orientação do Visconde Seabra, a doutrina subsequente, tal como Guilherme Moreira optaria por uma concepção subjectivista da posse. Com o Código actual de 1966 consagram-se esquemas que mais não são do que uma transposição incompleta de elementos italianos no que toca à posse, que na opinião do Professor Doutor António Menezes Cordeiro, descaracterizam o instituto. O Prof. Mesquita Cordeiro e o Prof. Oliveira Ascensão adoptam a teoria objectivista, concepção também adoptada pelo legislador no art. 1251 C.C., contra eles está a restante doutrina que entende mais coerente a teoria subjectivista, porque mais exigente nos elementos da posse e por tanto menos susceptível de falhar.

§ 3 Classificações da Posse
Espécies de Posse; a Posse Causal e a Posse Formal
O Artigo 1258º do Código Civil sob a epígrafe espécies de posse (ou caracteres da posse formal), indica assim quatro classificações de posse : Titulada e Não Titulada, de Boa e Má Fé, Pacífica ou Violenta e Pública ou Oculta. Estas classificações eram particularmente relevantes no domínio da usucapião. Porém a sua relevância aumentou e actualmente ocupam um espaço autónomo no Código Civil.

Posse Causal e Posse Formal
A primeira distinção a referir é apenas doutrinária, isto é, não consta do Código. Trata-se da contraposição entre a posse causal e a posse formal. Na primeira o possuidor é simultaneamente titular do direito em cujos termos se processe o exercício possessório. Na segunda, o possuidor não tem – "ou não invoca" - essa qualidade.
Uma das consequências do alargamento da posse já verificada no Direito Romano, referia-se à possibilidade que o proprietário tinha de se prevalecer da defesa possessória. Actualmente o titular do Direito Real de Gozo, ou de outro direito que origine a posse, pode invocar a seu favor a generalidade dos efeitos da posse desde que seja possuidor
A posse causal não é uma decorrência da titularidade do direito, ela exige sempre o controlo material da coisa a que se reporte, ou pelo menos, uma forma juridicamente equivalente. Tal posse nem sequer se presume: ela deverá ser objecto de comprovação autónoma.
Posse Civil e Interdital
A distinção advêm da contraposição românica entre a possessio civilis e a possessio ad interdictam.
A posse civil confere a plenitude dos efeitos possessórios.
A posse interdictal faculta apenas as defesas possessórias e, mesmo sendo verdadeira posse encontra-se limitada pelo facto de não pressupor a usucapião, ainda que possa facultar outras facultades, tais como a fruição.
Posse Efectiva e Não Efectiva
Esta distinção deriva de origens diversas do ponto de vista histórico-cultural.
A posse efectiva implica um controlo material sobre a coisa-objecto, no momento considerado.
A posse não efectiva conserva-se por via puramente jurídica, sem qualquer controlo corpóreo. Exemplo paradigmático de posse não efectiva é a do esbulhador, no ano subsequente ao esbulho, como decorre dos arts 1278º/1 e 1282º. A lei refere-se à posse efectiva chamando-lhe, por vezes, "posse actual" - art. 1278º/3, última parte.
Posse Titulada e Posse Não Titulada
De acordo com o art. 1259º/1 do Código Civil de 1966 o título equivale a um acto jurídico aquisitivo, abstractamente idóneo, mas que pode ser inválido contando que a invalidade não seja formal. A Lei afasta a hipótese do título putativo: o nº 2 do art. 1259 exige que o título seja provado por quem o invocar.
Existiu um efectivo avanço relativamente ao Código Seabra que apenas admitia, como vício do título, a ilegitimidade, o novo código veio alargar a todos os vícios, substanciais, só ficando de fora os vícios formais.
Posse de Boa Fé e de Má Fé
segundao a definição do Prof. Menezes Cordeiro, existe má fé quando o sujeito conhecia ou devia conhecer certo facto e há boa fé quando o sujeito, tendo cumprido os deveres de diligência e de cuidado aplicáveis desconhecia esse mesmo facto.
A posse é de boa fé quando, ao adquiri-la, o possuidor ignorava sem culpa lesar o direito de outrem. Trata-se de uma orientação de tipo ético, obtida por via sistemática e científica, a posse de boa fé dá azo a um autêntico direito de fruição.
Considera-se má fé a pessoa que, com culpa, ignorar estar a violar o direito de outrem.
Presume-se que existe boa fé na posse titulada e similarmente má fé na posse não titulada - art. 1260º/2, o nº 3 deste preceito considera a posse adquirida com violência sempre de má fé, mesmo quando seja titulada. De iure condendo, a primeira presunção é discutível por alguma doutrina, que entende que a boa fé deveria presumir-se sempre excepto se por violenta.
As consequências são as seguintes: o possuidor de boa fé tem um verdadeiro direito de gozo: ele pode usar e fruir a coisa enquanto que o possuidor de má fé tem contra ele encargos e deveres.
Posse Pacífica e Posse Violenta
A violência está intimamente ligada às situações possessórias.
O Código Civil define no art. 1261º/2 a posse violenta como a que surge quando "…para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral, nos termos do art. 255º. Segundo este preceito, a coacção moral advém do "…receio de um mal que o declarante foi ilicitamente ameaçado, com o fim de obter dele a declaração" - nº 1. A ameaça pode respeitar à pessoa, honra ou à fazenda do declarante ou do terceiro - nº 2 - não se considerando como tal o exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial - nº 3.
Qualificação de uma posse como violenta tem várias consequências:
Art. 1260º/3, tal posse pode considerar-se sempre de má fé;
Art. 1279º, o possuidor esbulhado tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhado;
Art. 1297º, os prazos da usucapião só começam a contar quando cesse a violência.
Deste modo, importa completar as noções do art. 1261º/2: a posse violenta é a que se constitui com coacção. Supervenientemente porém, a violência pode cessar.
Poderíamos acrescentar então um terceiro termo: o da posse supervenientemente violenta, isto é, a posse que, não tendo sido tomada com violência se mantenha graças a esta.
A definição do art. 1261º/2 deve ser entendida como a posse com violência, só não será violenta se a lei admitir a sua recuperação. A má fé resultante do 1260º/3 é incurável, como se infere do art. 1297º, a violência inicial não impede a sua cessação.
Cabe ao possuidor violento o ónus da prova da cessação.
Posse Pública e Oculta
O art. 1262º define a posse pública como a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
Sempre se entendeu que a posse, para o ser, deve ser acompanhada de publicidade. É mesmo um meio de publicidade instantânea.
A posse pode passar de pública a oculta ou o inverso.
Para se constituir, a posse, tem de ser cognoscível pelos interessados, pode porém subsistir clandestinamente, caso em que será uma mera posse interdictal, não sendo boa para usucapião.

§ 4. Vicissitudes da Posse

I Constituição e Transmissão da Posse:

I.1. O apossamento /esbulho
O apossamento corresponde à tomada do controlo material de uma coisa. O Código Civil no art. 1263º, a) diz que a posse se adquire "pela prática reiterada, com publicidade, dos actos matérias correspondentes ao exercício do direito".
Este preceito permite isolar três características que enformariam o apossamento: a materialidade, a reiteração e a publicidade.
Modalidade relevante de apossamento é o esbulho, ou seja, o apossamento de uma coisa sobre a qual incidia uma situação possessória de outrem, que não deu qualquer assentimento à operação. O esbulho cobre ainda as situações de inversão do título de posse.

I.2. A Inversão do título de posse:
É referida no art. 1263º, d) do Código Cívil. Trata-se da constituição de uma situação possessória a favor do detentor.
O apossamento pressupõe que alguém, anteriormente sem qualquer contacto com a coisa inicie o controlo possessório.
Ou seja, a inversão do título é uma operação pela qual o detentor obtém ex novo, uma situação possessória com referência à coisa que já detinha.
Mas, para tal, tem de haver uma declaração receptícia pelo menos por oposição do detentor, já que o Prof. Gonzalez entende não ser necessária para a inversão por acto de terceiro.
I.3 A tradição / traditio longa manu
Referida no art. 1263º, b) é material ou simbólica e feita pelo anterior possuidor.
Há um mútuo assentimento, com um acto de cedência de um lado e de recepção do outro.
A tradição pode ser: típica, atípica e nua.
a primeira ocorre nos termos de um contrato translativo,
as segundas verificam-se à margem de contratos que, em princípio não têm escopo translativo;
as terceiras processam-se no puro domínio dos factos, sem qualquer acordo que as enquadre.
Além desta distinção, o código distingue a tradição material (móveis) e a simbólica (imóveis). Na primeira, seja qual for o enquadramento que as partes lhe atribuam, existe uma actividade exterior que traduz os actos de entregar e receber. Na segunda, tudo se passa a nível da comunicação humana sem que haja interferência directa no controlo material da coisa.
A tradição romana fala em três tipos de tradição simbólica:
Traditio longa manu. Nesta, o acordo translactivo opera à distância sem que as partes cheguem a bulir na coisa.
Traditio ficta. Não há sequer contacto distante com a coisa.
Traditio brevi manu. Aqui o detentor (que tem a coisa em seu poder) passa a possuidor através de acordo com o anterior possuidor.

I.4. O Constituto Possessório (tem 2 modalidades conf. n.º1 e n.º2 do art. 1264)
O constituto possessório é o modo de aquisição da posse que opera quando o cedente, após a transferência, se mantenha no controlo material da coisa, como possuidor em nome do adquirente.
O constituto posessorium é de certa forma o oposto da traditio brevi manu, em que o detentor passa a possuidor; naquele, o possuidor passa a detentor.
O Código Civil refere-o no art. 1263º, c) explicando o seu funcionamento no art. 1264º.
O constituto possessório é apenas uma forma de tradição simbólica, ou seja, de entrega da coisa sem modificação no controlo material e unicamente através de simbologia humana.
(n.º1, art. 1264 – quando o titular da posse formal ou do direito real transmitem o seu direito mas mantém-se na detenção da coisa, por ex. A proprietário vende a B, mas continua a deter a coisa para usufrui-la)
(n.º2, art. 1264 – quando funciona o ânimos porque não há corpus, ou seja na situação de A vender a B algo que está na posse de C)
I.5 A Sucessão na Posse
A sucessão na posse exprime o fenómeno pelo qual, havendo sucessão por morte a posse continua na esfera do sucessor. O art. 1255º estabelece esta regra explicando que opera mesmo que não haja apreensão material da coisa.
A sucessão na posse é um fenómeno de sucessão próprio sensu e não uma mera transmissão. Tudo opera como se, constituída uma situação possessória, esta permanecesse estática, havendo apenas, uma modificação no seu sujeito,
Particularidades do regime da Sucessão da Posse:
Não implica apreensão material da coisa;
Não é necessário qualquer acordo ou qualquer declaração de vontade;
Não há nenhuma modificação no circunstancialismo que qualifique a posse em causa:
As posses anteriores têm de ter sido adquiridas por aquisição derivada e têm de ser contíguas e imediatas.
I.6- A Acessão na posse
Está prevista no art. 1256 C.C. e permite, no caso de sucessão mortis causa, náo só a transmição e continuação da posse, contráriamente ao esbulho e tal como na sucessão na Posse, mas também, nos termos da última parte do nº1 deste art., juntar a sua posse à do antecessor, no caso de sucessão na posse por título diverso desta sucessão.
O nº 2 deste art. prevê a pior situação, daí ser facultativa (esta é a grande diferença da Sucessão da Posse), no caso da posse do sucessor ser de natureza diferente da posse do antecessor, a acessão só se verificará " dentro dos limites daquela que tem menor âmbito".
O art.1296º contém os prazos para a usucapião nos casos de não haver registo do título nem da mera posse: 15 anos se se tratar de um possuidor de boa fé e 20 anos para os casos de má fé.

II A Perda da Posse

II.1 O abandono
É a cessação voluntária do controlo possessório sobre a coisa. É especialmente referido no art. 1267º, a) C. C..
É de certo modo o inverso do apossamento.
Relevância: depois dele, o apossamento levado a cabo por um terceiro já não é esbulho. Ele faz cessar a responsabilidade e os encargos respeitantes ao possuidor de má fé e terceiro sem prejuízo da aplicação própria das regras da responsabilidade civil.
A posse, sendo fonte de encargos, não pode manter-se contra a vontade do titular que não queira conservar o controlo material.

II.2 A Perda ou Destruição da Coisa
A perda da coisa é a sua saída fortuita do poder do possuidor.
O Código Civil refere-a no art. 1267/1, b), como causa de extinção da posse.
A perda da posse implica a extinção da posse quando:
Sobrevenha por mais de uma ano uma nova posse de terceiros incompatível com a anterior, ou,
Tudo se processa para que não seja possível recuperar a coisa.

II.3 O Esbulho por Mais de Um Ano
De acordo com o art. 1267º/1, d), o possuidor perde a posse "pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado mais de um ano".
Nesta altura constitui-se uma nova posse, a anterior mantém-se mais um ano para permitir que o esbulhado recupere a coisa através da acção de restituição, mas só durante um ano, depois caduca a acção extinguindo-se a posse - 1267º/1, d).

II.4 A Cedência
A cedência é referida no art. 1267º/1, c), traduz a perda, para o cedente da sua posse.
Pode ser material ou simbólica.
Não depende de quaisquer regras de validade e opera com a mera entrega da coisa ou com a concretização das operações na tradição simbólica.

II.5 Outros Modos
O art. 1267º/1 não é taxativo, há pelo menos mais três modos de cessação da posse:
Expropriação por utilidade pública;
Não uso;
Esbulho seguido de posse de terceiro de boa fé.

§ 5. Efeitos da Posse

I. A Publicidade

I.1 A presunção de titularidade (do direito real de gozo)
O art. 1268º/1 estabelece a favor do possuidor, a presunção de titularidade do direito.
O registo predial também tem uma eficácia presuntiva: é o resulta do art. 7º do C.R.Predial. O próprio art. 1268º/1 resolve o concurso: prevalece a presunção derivada da posse, excepto se houver uma presunção registada anterior ao início daquela. Na hipótese de presunção de igual antiguidade prevalece a posse.

II. Defesa possessória
Meios judiciais
Acções possessórias:
Acção de prevenção;
Acção de manutenção;
Acção de restituição provisória de posse;
Embargos de terceiro.
As acções de prevenção são utilizáveis pelo possuidor que tenha receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem - 1276º (1ª parte). Pressupõem uma posse que não tenha sido lesada e que tenham ocorrido factos de que seja legítimo inferir estar o possuidor sobre ameaça séria.
As acções de manutenção estão previstas no art.1278º e só são possíveis contra o perturbador (excepto na acção de indeminização contra os herdeiros deste), como ressalva a última parte do nº1 do art.1281º. Quanto à legitimidade processual activa, i.é, para intentar a acção, temos o perturbado ou os seus herdeiros. Estas acções consistem na manutenção do possuidor perturbado ou esbilhado, até prova em contrário ( é uma presunção ilidível).
As acções de restituição provisória de posse podem ser intentadas contra o esbulhador e os seus herdeiros e contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho (nº2 do art.1281º) e traduzem-se na restituição do possuidor perturbado/ esbulhado até se determinar a titularidade do direito (como decorre da última parte do nº1 do art.1278ºC.C..
Os Embargos de Terceiros
Visam a defesa de situações possessórias- art. 1285º C.C.
O embargante tem de invocar e provar a sua posse.
Têm uma função dupla: a de restituição quando o embargante já tenha sido privado da posse e de prevenção quando a diligência legal perturbadora esteja em marcha.
Meios extrajudiciais
Acção directa;
Legítima defesa


§ 6. Conclusão
A Posse é um instituto muito antigo mas que mantém as características iniciais.
Consoante o modo como for tomada, pode ser um facto ou um direito.
Enquanto controlo material de uma coisa, a posse é um facto jurídico.
Dos efeitos jurídicos produzidos destaca-se a permissão de aproveitamento de uma coisa e determinadas defesas.
Surge como um direito subjectivo.
A posse, enquanto posição tutelada - hoje enquanto direito subjectivo.- dispunha da tutela interdictal. Não se tratava de actiones im rem.
Actualmente a posse é um verdadeiro direito real de gozo. Esta é a posição perfilhada pelo Prof. José Gonzalés e pela Drª Lúcia Rodrigues e que eu concordo pelas características deste instituto, analisadas neste pequeno trabalho. Porém, para alguma dourtrina, caso do Prof. Dr. Menezes Cordeiro, embora considere a Posse como um instituto de Direitos Reais analisa-a como um direito de gozo diferenciado.

BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Justino, Da Posse (Doutrina), Edição de 1924 da Comp. Graphico, Editora Monteiro Lobato, São Paulo.
CORDEIRO, António Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3ª Edição Actualizada de 2000 da Editora Almedina.
RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estudo de Direito Civil Português, 3ª Edição Revista, Anotada e prefaciada por Soares Luso Fernando, Editora Almedina Coimbra, 1980.
PRATES, Manuel Martins Pacheco, Theoria Elementar da Posse, Escolas Profissionaes do Lyceu Coração de Jesus, 2ª Edição, 1926
PEREIRA. Carlos Alberto de Campos Mendes, A Disputa da Posse, Editora LTR, São Paulo, 2000

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