terça-feira, 3 de junho de 2008

AULAS DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Direito das Obrigações

22/10/98

A Definição de Obrigação
No artº 397 do CC aparece a definição de “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”. Trata-se de uma definição muito antiga já que era atribuída no direito romano, como uma relação jurídica entre dois sujeitos, cujo objecto vem a ser a realização da prestação. A realização da prestação vem a ser a conduta que alguém se obriga a prestar, ou seja, como especifica o artº 398 nº2 satisfazer um interesse do credor, digno de protecção legal.
O termo Obrigação deve ser distinguido do sentido polissémico que aparece na linguagem comum, por exemplo quando se indica que todos estão obrigados a respeitar a propriedade alheia, está-se a usar obrigação não no sentido de sujeição.

Assim temos:
Activo Passivo
Crédito Obrigação
Dto Absolutos Dto Genéricos
Dto Potestativos Sujeição
Ónus

O Direito de crédito consiste em que o credor tem o direito de exigir de outra pessoa o cumprimento daquela prestação.
Os direitos absolutos cabem os direitos de personalidade, a contraprestação do lado passivo corresponde ao direito genérico de não perturbar aquele direito.
A sujeição é o lado passivo dos chamados direitos potestativos, que consiste na faculdade de alguém provocar uma modificação na esfera jurídica alheia, é o caso das sujeições dos direitos de passagem que são atribuídas aos prédios encravados, quando alguém não tem saída para a via pública poderá constituir um direito de passagem, a sujeição não é violável poderá reagir depois contra o direito potestativo.
O ónus que corresponde à necessidade de adoptar determinada conduta, para beneficiar de uma situação favorável. O que destingue o ónus da obrigação é que não existe sanção. É o caso do ónus da prova, quem alegue o direito (artº 392) tem de fazer a prova para beneficiar da situação. Mas se não for adoptada determinada conduta não há qualquer sanção.

Características do Direito das Obrigações
No código civil foi adoptada a classificação germânica, que funda-se na pandectistica, e que teve repercussão no código civil alemão de 1986 e que entrou em vigor em 1900. Assim o código civil está dividido em direito das obrigações, direitos reais, direito de família, direito das sucessões.
Alguns autores criticam esta partição porque ela não assenta num critério lógico, porque os direitos obrigações e reais autonomizam-se com base na natureza estrutural do direito subjectivo, o direito de família e de sucessões autonomizam-se pela fonte do direito, mas apesar destas criticas a classificação germânica tem-se mostrado eficaz e adoptada por outros países.
Pode haver algumas situações que são enquadradas em ramos diferentes como é o caso previsto nos arts 2003ºss, sobre a prestação de alimentos é também uma obrigação em que uma pessoa fica responsabilizada perante outra no cumprimento da prestação.
Existem outras situações, como o direito fiscal que é um direito das obrigações mas que se autonomizou num ramo do direito.

Temos como direito das obrigações os casos que correspondam às figuras de;
- a prestação de serviços, é amplamente abrangida pelo direito das obrigações desde que não se autonomize num ramo de direito, como é o caso do contrato de trabalho ( arts 1152 e 1153 CC), que não se vê abrangido pelo direito das obrigações, embora figure no código no art 1154 e ss, a prestação de serviços como figura atípica “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”,
- a circulação económica dos bens, pergunta-se se isto não deveria ser tratado em direitos reais, uma vez que está em causa a circulação relativa a coisas corpóreas, a resposta é não porque o direito real escusa efectivamente a circulação dos direitos reais mas sobre um prisma estático, é assim o caso da compra e venda prevista no art 874 e ss, e tem a compra e venda como efeitos essenciais a transmissão da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço, ou seja, o contrato de compra e venda cumulativamente com o direito real de entrega da propriedade implica também o pagamento. Também se trata no direito das obrigações a circulação económica de bens a título temporário e diz respeito ao contrato da concessão de gozo de bens alheios, é os casos da locação, do comodato e do mutuo.
- a responsabilidade civil, este não tem como natureza um direito de crédito mas devido à heterogeneidade do direito temos que no direito real a detenção de um direito corresponde a uma protecção desse mesmo direito, essa protecção pode verificar-se a nível criminal se se tiver praticado um crime ou apenas a nível da sanção, a situação que ocorre é que todos os direitos são tutelados no âmbito da responsabilidade civil, assim aparece no art 483 que nos diz que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Esta responsabilidade civil actua perante uma obrigação, a obrigação de indemnizar, temos aqui vertido o regime das sanções civis.

O direito das obrigações não comporta apenas uma matéria mas várias que são arrumadas nesta disciplina de acordo com uma relação estrutural, ou seja, todos estes casos actuam mediante a constituição de obrigações, implicam um direito que estrutura através da existência de uma prestação de um sujeito.

Princípios
- Autonomia privada, é faculdade de alguém estabelecer as suas próprias regras, as partes constituem obrigações por vontade própria, princípio da liberdade (inverso ao princípio da competência), ou seja, pode-se fazer o que não for proibido, como define o Prof. Menezes Cordeiro é uma faculdade jurigena do sujeito, a criação de direitos próprios. A autonomia privada distingue-se do direito subjectivo porque neste existe uma permissão especifica de aproveitamento do bem, quer dizer que quando a alguém é especificamente destinado um bem, os outros não podem impedir o uso do bem, embora em certos casos tenha alguma concorrência, eu posso comprar todos os bens que quiser, mas no entanto só poderei vender as coisas que sejam minhas.
O negócio jurídico, (poder da vontade) ou liberdade contratual que corresponde à existência de liberdade de celebração (só as partes é que podem ou não celebrar um contrato, este não pode ser imposto), liberdade de selecção do tipo negocial (ir para além dos contratos típicos), e de liberdade estipulação (podem incluir as clausulas que lhe aprover), o negócio jurídico é um instrumento fundamental da autonomia humana. Os negócios jurídicos têm um classificação em negócios bilaterais ou unilaterais, (art 457 CC a lei restringe a autonomia privada à liberdade contratual). No direito das obrigações existe uma tipicidade de contratos que tem natureza supletiva (as partes têm a faculdade de se afastar do que o legislador estabelece), só excepcionalmente se confina a um direito impositivo porque as partes devem estar em igualdade de circunstancias, o que não se verifica em todos os casos e aí o legislador vem proteger as partes fracas, tutelando a liberdade contratual da autonomia privada é o caso das Clausulas Contratuais Gerais que vem excluir dos contratos as clausulas rígidas e que diminuem a posição da outra parte. O legislador 1º intervêm proibindo certas clausulas, e 2º prevendo uma acção inibitória. Isto sendo uma restrição da autonomia privada vem restabelecer o equilíbrio entre as partes.

29/10/98

- Boa-fé e colaboração intersubjectiva, tem origem no direito romano, era evocada a deusa fidis, uma das muitas deusas do pavilhão dos romanos, para juridificar um negócio de boa-fé. A boa-fé era uma forma de juridificação do chamado consenso, no direito romano a boa fé tinha uma natureza objectiva baseada na confiança de certos tipos de contratos, com o decorrer dos tempos veio a ser subjectivado, através dos contributos do direito germânico e do direito canónico, no direito germânico tinha-se por boa fé a ignorância de estar a lesar direito alheio, no direito canónico a boa fé corresponde a um estado de alma ou ausência de pecado. Estes contributos levaram à existência de uma polissemia do conceito objectivo, a polissemia consiste em atribuir tanto o sentido objectivo como o sentido subjectivo. Em certas situações a lei classifica a boa fé com sentido objectivo, ou seja, como regra de conduta, e noutras com sentido subjectivo, ou seja, a ignorância de estar a lesar o direito do outro.
No art 1260º nº1, âmbito da posse de boa-fé, está consagrado o direito subjectivo.
No art 242 nº2, a ignorância de estar a lesar o direito alheio, boa fé em sentido subjectivo.
No art 612º nº2, aparece a boa-fé em sentido subjectivo
Normalmente em obrigações a boa-fé aparece como direito objectivo, ou seja, como regra de conduta. Esse dever surge no âmbito de diversas situações
Art 227º a chamada culpa in contrahendo.
Art 239º na lacuna negocial deve ser feita de acordo com as vontades das partes excepto se essa contrariar os ditames da boa fé, boa fé como regra de conduta
Art 437º, a alteração das circunstâncias, boa fé como regra de conduta
Art 762º nº2, o dever de actuar de boa fé,
O dever de actuar de boa fé é um direito de crédito, um direito a uma conduta de outrem, para a satisfação do direito do credor é necessário a colaboração do devedor, se não houver colaboração do devedor não haverá satisfação do direito de crédito.
Temos que verificar por parte do devedor dois deveres
1- dever de colaboração intersubjectiva de modo a satisfazer o direito do credor
2- evitar que ocorram danos pelo exercício do cumprimento da prestação
Isto leva a que o devedor não esteja somente vinculado ao cumprimento da obrigação, mas à manutenção de deveres acessórios de conduta, que podem ser de três tipos; informação, lealdade, protecção (evitar a ocorrência de danos para as partes).
A culpa in contrahendo, art 227º, o dever de boa fé existe ainda antes da formação do contrato, o art 762º nº2, prevê o actuar de boa fé antes e durante o cumprimento de uma obrigação, mas está implícito que perdura para além do cumprimento da obrigação.
O dever de boa fé não deve ultrapassar o exposto no art 483º nº2 ou seja, pela diligência de um bom pai de família. A diligência entendida como o critério do homem médio.

- Responsabilidade patrimonial, obligatio, no direito romano significava o vinculo do seu autor, isto tinha implícito uma responsabilidade negocial, quando o devedor não cumpria as suas obrigações, o credor tinha direito a aprisionar o devedor durante sessenta dias, o credor durante esses sessenta dias levaria o devedor a três feiras onde esperaria que alguém resgatasse o devedor, cumprindo a obrigação que ele tinha com o credor, se não fosse resgatado o devedor era levado para fora de Roma, porque não era permitido aplicar castigos aos cidadãos romanos dentro da cidade, e morto pelo credor, inclusive estava previsto que se fosse mais de um credor este era esquartejado e repartido pelos credores. Isto não tinha muita aplicação porque existia a figura do “se nexum dare”, o devedor tornava-se escravo do credor. Este tipo de situação deu ligar a imensos abusos em que os devedores eram sucessivamente reduzidos à escravidão. Isto veio a ser proibido e substituído pela entrega de certos bens ao credor, sendo a prisão por dividas actualmente abolida.
A figura que aparece no nosso código é a prisão por incumprimento da pensão de alimentos, mas aí não está implícita um incumprimento de uma obrigação, e é só até ao cumprimento da dívida.
O devedor não pode ser coagido a cumprir a obrigação mas a responsabilidade do devedor perante o credor não está em causa, porque pode vir a sofrer como sanção uma agressão ao seu património. Não sendo o devedor obrigado a cumprir uma obrigação coativamente não implica que o credor não possa pedir judicialmente o reconhecimento do direito de crédito e o seu cumprimento da obrigação, na posse de um título executivo que permita ao credor a execução do património do devedor, pode faze-lo através de uma acção executiva, nós temos três formas de acção executiva:
- acção para pagamento de quantia certa, está em causa o pagamento de uma quantia em dinheiro, os bens são vendidos o que permitem o pagamento ao credor.
- acção para entrega de coisa certa, é a acção mais simples em que o credor pede ao tribunal que vá ao credor buscar a coisa a entregar, entrega judicial do bem.
- acção para prestação de facto, ou o facto é fungível pode ser prestado por outrem que não o devedor, sendo infungível só pode ser prestado pelo devedor.

A acção executiva tem três regras com as respectivas excepções;
- Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor, art 601º estão sujeitos à acção todos os bens penhoráveis, primeira excepção os bens impenhoráveis que constam dos arts 822º e 823º cpc, segunda excepção é a existência de separação de patrimónios, ou seja, no âmbito da mesma pessoa existem patrimónios distintos, os chamados patrimónios autónomos. (ex: art 2070º e 2071º )
- Só estão sujeitos os bens do devedor, os bens de terceiros não podem ser executados, primeira excepção o art 818º, bens de terceiro que estão vinculados à garantia do crédito, fiança (art 627º), penhor ou hipoteca (art 667º e 717º) a segunda excepção é a impugnação pauliana art 610º.
- Todos os credores estão em pé de igualdade. Ao contrário dos direitos reais, que é pela incompatibilidade, se A vende uma coisa a B e depois a C, se estiver sujeita a registo é do que registar primeiro, se não estiver a primeira é válida já que a segunda venda é uma venda de bem alheio. No concurso de credores art 604º, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos. As excepções art 604º nº2, quando o credor tem um direito real de garantia, o que significa que este credor tem de ser pago antes dos credores comuns, apenas e só em relação aos bens sobre que incide a garantia.

3/11/98
Conceito e estrutura da obrigação
O devedor compromete-se a realizar uma prestação ao credor, não sendo essa prestação susceptível de coercibilidade no sentido de aplicação de sanções com expressão física, no entanto o credor em caso de incumprimento reagirá sobre o património do devedor através da chamada acção executória.
Visto nesta óptica a doutrina viu-se tentada a definir se o direito de crédito tem por objecto um direito de crédito sobre o devedor (prestação), ou sobre o património (real). Surgiram duas doutrinas básicas, as personalistas e as realistas (reais), e outras duas doutrinas complementares as doutrina mistas e as tentativas de superação.

Doutrinas personalistas.
- Direito ao crédito é um domínio sobre o acto do devedor (Savigny), o direito subjectivo é um direito de vontade sendo um direito de vontade há que distinguir as situações cujo resultado se exerce sobre uma coisa corpórea, caso dos direitos reais, ou pelo contrário o resultado se exerce sobre uma pessoa, caso das obrigações. No âmbito do direito romano o direito de crédito podia abranger um direito sobre a pessoa do devedor. Com a evolução do direito deixa de estar sujeita a pessoa do devedor ao poder da vontade do credor, mas não está sujeita toda a pessoa mas um acto da pessoa, e por isto Savigny configura o direito de crédito como um domínio, uma soberania sobre um acto do devedor, em que o credor tem a soberania de moldar esse acto aos seus próprios interesses.
- O crédito é um direito à prestação, é a chamada doutrina clássica, não há que levar em conta o património do devedor, o que está em causa é a actividade que o devedor se propõe prestar, a prestação é que configura um direito de crédito, o direito de crédito é um direito à prestação.
- O direito de crédito é um direito sobre um bem a prestar (Savatier). Mais importante que a prestação para o credor é o bem que o elemento dela, ou seja, o bem ou serviço que o devedor vai proporcionar ao credor.
Doutrinas realistas.
- O crédito é um direito ao património do devedor (Brinz). Não vale a pena de pensar sobre a prestação, esta não é possível de ser coercivamente exigida, o que significa que o credor não tem qualquer direito a ela, o devedor só pode vir a ser insultado no seu património.
- Obrigação é uma relação entre patrimónios (Gaudmet), abstracção total dos sujeitos. Quando existe uma obrigação significa que dois patrimónios entraram em relação, o direito de crédito significa que há um património que fica activo em relação a outro que fica passivo.
- O crédito é uma expectativa à prestação, que se vem a somar um direito real de garantia sobre o património (Papphioni), esta é uma aproximação às teses mistas. Se a prestação não é coercivamente exigível, isto significa que o credor não tem direito a ela, tem no entanto uma expectativa que a prestação venha a ser realizada e a verificar-se o dispensa de recorrer a este direito, se a expectativa não se verificar há um direito real de garantia.
Doutrinas mistas.
- Schuld und haftung, a divida e a responsabilidade. No direito de crédito na obrigação há sempre dois elementos, o primeiro elemento a situação da divida que corresponde à prestação, segundo elemento a responsabilidade que consiste a um direito sobre o património. Esta teoria decompõe a obrigação em duas realidades, prestação e património, mas admite que elas podem existir separadamente. Há certos casos que não existe um direito sobre o património do devedor, o caso das obrigações naturais (art 402º) existe uma divida mas não existe responsabilidade o direito á execução do património do devedor, outro exemplo é o da fiança em que há responsabilidade sem divida, a lei admite a possibilidade de constituir uma fiança sobre obrigação futura art 602º, penhor art 666º nº3, hipoteca 686º nº2, nestes casos em que existe responsabilidade antes de constituída a obrigação, divida. Outros casos pode existir por prescrição extinção da responsabilidade sem a extinção da divida, é o caso das obrigações naturais em que se extingue a obrigatoriedade de prestação mas não se extingue a divida.
- o Prof. Manuel Duarte Gomes da Silva veio a defender este princípio dualista, primeiro o crédito é em primeiro lugar um direito à prestação e simultaneamente o credor tem uma garantia geral que é o património do devedor, ou seja, paralelamente existe um direito subjectivo sobre o património do devedor, temos um direito real de garantia mas todo o património do devedor entendido como realidade, daí lhe dar o nome de direito geral de garantia nas obrigações, só que o direito real tem de incidir sobre coisas corpóreas, e não sobre uma universalidade de coisas variável do património do devedor.
- Schuld und haftung, são fases da obrigação, ou seja, a obrigação começa com a divida o direito à prestação, se no entanto a divida não vier a ser efectivamente cumprida o credor tem o direito de executar o património do devedor, encara esta dicotomia como duas fases da obrigação e não em termos dualistas (Carneluti).
Tentativas de superação.
- O credor é um sucessor numa parte do património do devedor. O vínculo obrigacional vem a comportar-se como um direito de sucessão.
- O vínculo obrigacional como um processo que abrange toda uma série de fases, um processo, uma sucessão de actos com o fim de satisfazer a obrigação, direito à prestação àdireito de indemnização àdireitos acessórios àpoderes potestativos.
- O Prof. Pessoa Jorge, vem a defender o vínculo obrigacional como sendo uma realidade complexa, em que primeiro há um direito à prestação, se essa situação não ocorrer o credor pode pedir uma indemnização ao credor, se mesmo assim a prestação não for satisfeita não resta ao credor outra situação que não a de executar a património do devedor. Define um processo para satisfação do direito de crédito, direito à prestação àdireito à indemnização àdireito ao património (execução) àoutros elementos.

A nossa lei consagrou no art 398ºcc a teoria clássica, em termos jurídicos isto nada significa porque não cabe à lei dar definições cientificas, o legislador pode estabelecer um regime mas não pode estabelecer a definição cientifica. A definição legal não tem sentido vinculativo, embora seja a teoria maioritariamente seguida, ou seja, o direito de crédito é um direito à prestação, o direito à indemnização não constitui um elemento da obrigação, quando existe uma responsabilidade obrigacional é constituída uma nova obrigação (escola de Lisboa. A posição da escola de Coimbra é a de que a obrigação muda de objecto), do mesmo modo o direito ao património do devedor não é um elemento do direito de crédito, apenas constitui um direito de garantia que o estado dá para tutela desse direito.

5/11/98
Características do direito de crédito
Direito real – coisas corpóreas. Direito crédito –prestações
Direito crédito – patrimonialidade, este decorre porque uma vez que a prestação não pode ser coercivamente imposta ao devedor, quid juris, se a prestação não for susceptível de avaliação económica e não for possível estabelecer em dinheiro o cálculo da prestação, durante muito tempo considerou-se que esses casos não teriam um direito de crédito devido a prestação teria de ter natureza patrimonial, em reforço do argumento da natureza patrimonial da obrigação o legislador impôs restrições à indemnização por danos morais, e juntamente com a prestação só ser realizável através do património do devedor, levava à consideração que a prestação tinha de ter natureza patrimonial. Esta tese em vigorou durante muito tempo entre nós mas veio a sofrer restrições.
Para o código civil italiano, a prestação necessita de ter valor pecuniário e corresponder ao interesse ainda que não patrimonial do credor.
Art 398ºnº2, veio o legislador a especificar que a prestação não precisa de ter valor pecuniário. Requisito suplementar, a prestação deve corresponder a um interesse do credor protegido legalmente, este abrangia interesses extra jurídicos e que não fossem simples caprichos do credor, e permite excluir das obrigações interesses de outras ordens normativas.
A prestação quase sempre reveste natureza patrimonial na actual sociedade.

Direito crédito – colaboração do devedor (mediação), o interesse do credor necessita da colaboração do devedor para satisfação da obrigação. Juridicamente o credor necessita da conduta positiva do devedor, embora não tenha de ser o devedor a satisfazer a prestação art 767ºnº1, é também o caso das execuções especificas, arts 827º828º, em que a satisfação da prestação é feita judicialmente.

Direito real – imediação,
Direito crédito – mediação, é necessário que alguém satisfaça a obrigação

Direito real – direito absoluto, basta a relação entre a pessoa e a coisa.
Direito crédito – relatividade estrutural, o direito de crédito assenta numa relação de pessoas, na sua estrutura tem uma relação entre o credor e o devedor.
O direito potestativo não se confunde com o direito de crédito. A questão levanta-se sobre a eficácia externa do direito de crédito, os romanos tinham um brocardo, “Res inter actos asta neque nocer neque prodesse protest”, traduzindo coisa celebrada entre uns não pode indiciar nem prejudicar outros, a ideia seria a relatividade da obrigação, em relação aos terceiros a combinação é estranha e a eles não pode beneficiar nem prejudicar.
O art 406º, a propósito da eficácia dos contratos só consagra este princípio de o vínculo contratual ter eficácia contra terceiros nas situações previstas na lei. A obrigação sendo contra o devedor não beneficia terceiros, só o credor podia ser responsabilizado (posição clássica).
Há situações em que se tem de responsabilizar terceiro que afecta o direito de crédito. A morte do devedor não afecta os direitos dos credores porque estes podem reclamar da herança os seus direitos de crédito. A questão das dívidas de alimentos não é transmissível aos herdeiros no caso de morte, art 495ºnº3 indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal, têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado prestava no cumprimento de uma obrigação natural, a prestação de alimentos é substituída por uma indemnização.
A destruição de documentos conexos com a prestação, quem impossibilitar o credor à satisfação de um crédito assume um prejuízo ponderado, para efeitos de indemnização, a questão é até onde vai a tutela jurídica.

A doutrina do terceiro cúmplice, entre nós veio a ser considerada num acórdão do supremo da década de 60,mas veio esta jurisprudência a ser infirmada num acórdão posterior que manteve a posição clássica, embora haja ainda hoje autores que admitem a responsabilização de terceiro. O Dr. Menezes Cordeiro diz que o direito de crédito está sob a tutela do art 483º(responsabilidade civil), e sempre que terceiro saiba que está a lesar direito alheio o que leva a uma eficácia externa. Mas o Prof. Menezes Leitão não retira que só por isto todos os direitos de crédito tenham eficácia externa. Em certos casos pode-se admitir a responsabilização de terceiros, mas generalizar a responsabilidade de terceiros seria desvirtuar o direito de crédito, pode-se admitir eficácia externa nos casos de abuso de direito.

Direito real – tipicidade, só são direitos reais os que a lei reconhece (art 1306º)
Direito crédito – atipicidade, contrariamente a outros ramos do direito, como o direito penal em que só é crime o que está previsto, nas obrigações não existe uma tipicidade, os direitos de crédito são atípicos.

Direito real – heteronomia
Direito crédito – autonomia, é uma pretensa característica porque não há obrigações apenas no direito das obrigações, existem noutros ramos (trabalho, família), pelo que não parece correcto utilizar este conceito.

10/11/98

Figuras de natureza controversa
Direitos pessoais de gozo, situações que são tratadas no nosso código como tendo uma natureza creditícia, mas que correspondem a um fenómeno de gozo de uma coisa corpórea. Só que a definição legal, desse fenómeno de gozo é estruturado com base numa relação obrigacional, ou seja, com base numa relação contra uma pessoa, e daí a lei colocar esta situação como havendo uma obrigação de um sujeito de assegurar o gozo de uma coisa corpórea.

- o arrendatário, locação art 1022º, em que na definição do vínculo contratual aparece expressamente, obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa. Esta obrigação é tratada no art 1031º b), como sendo uma obrigação com um conteúdo positivo do próprio locador, porque este artigo refere que são obrigações do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que esta se destina.
- o parceiro pensador, parceria pecuária art 1121º, é o contrato pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outro ou outras animal ou certo numero deles para estas os criarem e vigiarem com vista a repartirem entre si os lucros futuros, temos o gozo de uma coisa corpórea neste caso animais, no art 1125 também se prevê uma obrigação positiva de gozo, que diz que o parceiro proprietário é obrigado a assegurar a utilização dos animais ao parceiro pensador.
- o comodatário, empréstimo de coisas determinadas, art 1129º o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega a outra uma coisa ou imóvel para que se sirva dela com a obrigação de a restituir. O gozo de uma coisa estabelecido com base num contrato obrigacional. A obrigação do comodante é estabelecida como uma obrigação negativa, art 1133º nº1, o comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.
- o depositário, art 1185, depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega a outra uma coisa móvel para que lha guarde e restitua quando lhe for pedido, o direito do depositário é erradamente classificado como um direito só de gozo, verdadeiramente o depositário face ao contrato de depósito não tem um direito tem uma obrigação, porque nos diz o art 1189, que o depositário não tem o direito de usar a coisa depositada, se o depositante não o tiver autorizado.

A lei configura estas figuras como sendo direitos de crédito, ou seja, direitos pessoais dirigidos contra uma pessoa.
Estes direitos como são legislados, pode-se pensar se existe um direito de crédito ou a figura não está mais próximo dos direitos reais, e contribui para isto o facto do legislador atribuir a estes o direito das chamadas acções possórias, que são acções que se destinam a permitir a defesa da posse. Sendo a posse nos termos do art 1251º, o poder que se manifesta quando alguém actua por forma a corresponder ao exercício de um direito real, a posse exige o contacto com uma coisa corpórea.
Nos termos do art 1037ºnº2, o locatário pode usar contra o locador , dos meios facultados ao possuidor nos arts 1276ºss, ou seja das acções possórias, e da mesma forma defende os seus direitos contra terceiros por acções possórias.
A parceria pecuária, em que o parceiro pensador que se prevê nos arts 1125º nº2, caso ele seja privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles pode usar, mesmo contra o parceiro proprietário, dos meios facultados ao possuidor nos arts 1276ºss.
No comodato a lei prevê no art 1133º nº2 se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos arts 1276ºss.
A lei quanto ao contrato de depósito, prevê no art 1188º nº2, independentemente da obrigação imposta o depositário que for privado da detenção da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o depositante, dos meios facultados ao possuidor nos arts 1276ºss. Também aqui se prevê que o depositário pode usar de acções possórias contra o depositante, mas este regime não faz sentido porque a lei não prevê que o depositário possa recusar a restituição da coisa ao depositante, já que o depósito se caracteriza por o depositante ao pedir a restituição da coisa este não se possa recusar a entregá-la, mesmo havendo prazo estipulado esse tem-se estabelecido a favor do depositante, art 1194º.
Em relação aos direitos reais coloca-se um problema de legitimidade, uma vez que ninguém pode constituir direitos reais sobre bens que não sejam seus, se alguém vender um bem alheio essa venda é nula nos termos do art 892º, nos direitos reais exige-se uma legitimidade para existir esse direito, nos direitos de crédito já não sucede assim, os direitos de crédito não têm um requisito de legitimidade, para constituir uma obrigação qualquer pessoa o pode fazer mesmo que não tenha património, desde que alguém lhe reconheça crédito o património que o sujeito tem não é relevante para efeitos de constituição de vínculos obrigacionais. Mas no regime dos direitos pessoais de gozo sucede uma certa aproximação ao requisito da legitimidade, que é necessário para a constituição de direitos reais.
No art 407º, que refere a incompatibilidade entre os direitos pessoais de gozo, que quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre uma mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo. O legislador manda fazer o seguinte, hierarquizem-se esses direitos pessoais de gozo conforme a constituição, não se estabeleça o princípio do rateio conforme aplicado ao concurso de credores. Temos em termos jurídicos um questão problemática, porque a lei manda tratar estes direitos como fenómenos meramente obrigacionais, mas há regimes estabelecidos próximo da realidade, primeiro o facto de ser atribuído as acções possórias, sendo discutido se essa situação implica a existência de posse.
Prof. M. Leitão, os direitos pessoais de gozo não podem ser considerados como direitos reais. Porque embora a lógica implicasse o seu tratamento como direitos reais, mas o direito não tem uma base lógica, e neste caso tem uma base histórica, no direito romano a contra posição entre os direitos reais e os direitos de crédito nasce da contraposição das acções, as acciones in rem deram origem aos actuais direitos reais, as acciones in persona, deram origem aos direitos de crédito, o que se passava no direito romano, o usufruto por exemplo era considerado um actio in rem e hoje é configurado como um direito real, a locação denominada locatio conductio era na altura considerada como uma actio in persona, e justamente por isso actualmente o código civil os mantém como direitos de crédito. Isto poderia-se dizer ser um mero resquício histórico, mas tem consequências em termos de regime, que se mantêm e que se baseiam nesta configuração do gozo como uma relação contra o devedor e não contra um direito absoluto que se exerce contra toda e qualquer pessoa.

Obrigações naturais, art 402º.
A obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
As obrigações naturais correspondem a uma figura que já vem do direito romano, a naturalis obligatio, ocorria em situações como sejam o caso de empréstimo feito a pupilo sem a autoridade de tutor, que depois era restituído por esse pupilo e os casos de dividas de jogo, neste tipo de situações, em regra geral no direito romano, quando alguém cumpria uma obrigação e essa obrigação não era devida, podia pedir a restituição do que tinha pago. É o que se chama em direito romano a condictio indebiti, o direito romano era baseado em acções, não em direitos, esta era a acção de alguém que fazia o pagamento de uma obrigação que não existia. Em relação às obrigações naturais, a lei considerava uma situação distinta, soluti retentio, como objecção à condictio indebiti, quando alguém vinha dizer que tinha pago uma obrigação que não existe, o recebedor tinha nestes casos direito a ficar com o pagamento, retenção do pagamento.
Ainda hoje o legislador traça um regime equivalente, e vem dizer no art 476ºnº1, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intensão de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação. Repetido aqui significa tornar a pedir, forma latinizada de repetere. Nas obrigações naturais prevê-se também a soluti retentio, art 403º, não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.
Temos como situações, a obrigação prescrita como dispõe o art 304ºnº2, quando existe prescrição o beneficiário dela tem a faculdade de recusar o cumprimento. Mas não pode contudo ser repetida (voltar a pedir) a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que feita com ignorância da prescrição. A prescrição transforma-se numa obrigação natural. O caso das dividas de jogo, art 1245º, o jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis, porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerias de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução. Temos de distinguir o caso do chamado jogo lícito ou legalizado, em que não existe uma obrigação natural, o jogo ilícito em que nem obrigação existe, o jogo tolerado ou social neste caso é um jogo lícito e corresponde a situações de obrigações naturais. A consequência, nesta última situação, é que quando alguém neste caso perde ao jogo, não é obrigado a cumprir, mas se cumprir, não pode pedir a restituição.
O último caso introduzido pela reforma de 1977, o art 1895ºnº2, que trata do caso de filho menor que trabalha com bens dos pais, e daí que se produzir bens nessa situação esses bens pertencem aos pais, mas os pais devem dar ao filho parte dos bens produzidos ou por outra forma compensá-lo do seu trabalho, o cumprimento deste dever não pode, todavia, ser judicialmente exigido.
Nestes casos temos obrigações naturais, há um dever, mas falta-lhe a acção de cumprimento, existe apenas a possibilidade de conservar a prestação uma vez ela efectivamente realizada. O que temos é direitos que são juridicamente relevantes, mas não são verdadeiros direitos. O prof. M. Leitão, não se pode equiparar o cumprimento de uma obrigação civil ao cumprimento de uma obrigação natural, isto porque o cumprimento de uma obrigação civil não enriquece o credor, como o credor já tem o crédito como activo no seu património, a sua situação patrimonial não é alterada em consequência do cumprimento, ao contrário no credor natural, quem tem uma divida de jogo, antes de ser cumprida a obrigação não tem absolutamente nada, não existe um direito que faça parte do activo do credor, não tem um direito que possa fazer valer em juízo e daí que não tenha grande tutela a situação, podemos considerar que o cumprimento de uma situação obrigacional não gera enriquecimento, mas o cumprimento de uma obrigação natural gera enriquecimento do credor natural. E pode-se dar o caso de o cumprimento de uma obrigação natural vir a prejudicar terceiros, mas a lei vem dizer-nos que o cumprimento de obrigações naturais não se pode fazer à custa de credores civis, e a lei permite aos credores civis reagirem através de impugnação pauliana contra o cumprimento das obrigações naturais, art 615ºnº2, porque é um acto que diminui a sua garantia patrimonial.
O que é tutelado numa obrigação natural, não é o dever de ordem moral ou social, mas sim o cumprimento desse dever, dessa obrigação, e daí a consequência é que o dever de justiça se refere ao cumprimento, e não ao próprio dever de ordem moral ou social, é o cumprimento de uma obrigação natural por corresponder a um dever de justiça, a lei nos diz que não gera o regime do enriquecimento sem causa. Caso contrário quem cumprisse uma obrigação natural, podia pedir a restituição, mas como o cumprimento desta obrigação corresponde a um dever de justiça, não tem de restituir o que prestou.

12/11/98

Classificação das obrigações
Classificação das obrigações quanto aos sujeitos, ou seja, a questão das chamadas obrigações singulares e plurais, e o regime da conjunção ou parceárias da solidariedade.
Nós temos de acordo com a definição do art 397º, alguém está obrigado para com outrem à realização de uma prestação, o que se chama de uma obrigação singular, um credor e um devedor.
Mas pode acontecer que a obrigação tenha uma pluralidade de sujeitos. Uma pluralidade de devedores comprometem-se perante um credor a realizar uma prestação temos uma pluralidade de devedores, ou uma pluralidade passiva. Um devedor obriga-se a realizar uma prestação perante uma pluralidade de credores, ou pluralidade activa. Podemos ainda ter uma pluralidade mista em que temos uma pluralidade de devedores que se obrigam a prestar uma obrigação perante uma pluralidade de credores.
Em função das diferentes hipóteses numa chamada pluralidade mista, que pode dar origem a dois regimes. O regime das obrigações conjuntas ou parceárias, ou o regime das obrigações solidárias.
Quando temos uma obrigação conjunta, o credor apenas pode exigir de cada um dos devedores a parte que a eles compete.
Pode acontecer que o regime da responsabilidade implique que cada um dos devedores possa responder pela prestação na sua totalidade, temos o regime da solidariedade, este vem no âmbito do art 512º, a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, temos a prestação passiva, quando isto vem a ocorrer temos no âmbito dos art 518ºss, a solidariedade entre devedores, o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir, tem direito de regresso contra cada um dos co-devedores da parte que a estes compete.

A denominação obrigações conjuntas ou regime da conjunção, é polémica porque um leigo pode entender o contrário do que está em causa. Se aparecer num contrato “os devedores responderão conjuntamente”, isto dá a ideia que corresponde a uma obrigação solidária, mas estão a utilizar o termo jurídico, embora a questão não seja relevante porque os contratos são interpretados com o sentido que as partes lhe quiseram dar, com o sentido de um declaratário normal e não com o sentido de um técnico jurídico, para evitar esta confusão o prof. Menezes Cordeiro prefere chamar-lhe obrigações parceárias. Tivemos a ver o regime da pluralidade passiva.
Regime da pluralidade activa, ou seja, a da pluralidade de credores, se tivermos um devedor e uma pluralidade de credores, se vigorar o regime da conjunção, o credor só pode pedir ao devedor a parte que lhe corresponde, ou seja, a parte que o devedor lhe deve. A lei vem propor a solidariedade activa como regra no art 512º, parte final, onde nos diz quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles. A consequência e que esse credor ficará obrigado a entregar a parte que corresponde a cada um dos outros credores, art 528ºss, solidariedade entre credores, e a referência ao chamado direito de regresso activo no art 533º.
Na pluralidade mista, pluralidade de credores e devedores, se vigorar o regime da conjunção, o credor pode pedir a cada um dos credores a parte que aquele lhe deve. Se vigorar o regime da solidariedade o credor pode pedir a totalidade da divida a um dos devedores, neste haverá direito de regresso entre credores e devedores.
Pode haver um regime diferenciado de um dos lados em relação ao outro lado. Perante uma pluralidade de partes qual o regime a aplicar, art 513º, que nos diz que, a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes. A consequência é se nada se disser, se não estiver previsto na lei e as partes não estipularem, o regime que vigora é o da conjunção.
Há casos em que a lei prevê o regime da solidariedade, nas obrigações comerciais do código comercial está previsto, que os co-obrigados são solidários salvo estipulação contrária, e temos no código civil situações onde a solidariedade aparece prevista, por exemplo o regime do art 497º, que prevê a solidariedade na pluralidade de responsáveis pelos actos.
Quando se põe em relevo o problema das obrigações conjuntas ou das obrigações solidárias o que se pressupõe é a divisibilidade da prestação. Mas existem obrigações indivisíveis, ou seja, uma prestação cuja obrigação não possa ser divisível sem haver prejuízo para o interesse do credor ou dos credores.
O regime das obrigações divisíveis consta do art 534º, vem presumir que são iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou negócio jurídico, quanto às obrigações indivisíveis, art 535º, se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei. A consequência é que não é possível exigir a um dos devedores parte daquela prestação. Mas pode suceder que a obrigação seja indivisível e que tenha uma pluralidade de credores, nessa altura a lei atenua um pouco o regime, art 538º, sendo vários os credores da prestação indivisível, qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro, mas o devedor, enquanto não for judicialmente citado, só relativamente a todos, em conjunto, se pode exonerar. Temos consagrado que qualquer dos credores pode exigir por inteiro, mas o credor deve prestar a todos por inteiro. É uma forma de assegurar o regime da conjunção. Mas pode prestar individualmente se for citado judicialmente, e neste caso diz o prof. Menezes Cordeiro, que a citação transforma a prestação conjunta em prestação solidária.
Classificação das obrigações quanto ao objecto, classificação de prestações

-- Prestação de coisa (bens)
Dar
Prestar
Restituir
-- Prestação de facto (serviços)
Positivo (acção)
Negativo (omissão)
Non facere (conduta de abstenção)
Pati (tolerar que outrem faça uma actividade.

17/11/98
Modalidades de prestação
(prestação é um comportamento humano, é a conduta devida pela obrigação)
Prestações de coisa e prestações de facto, obrigações de dare e de facere.
Dar uma coisa, transmitir a posse ou detenção de uma coisa. A mais usual é a que se encontra no contrato de compra e venda, art 879º, a obrigação de entregar a coisa. O doador, quando celebra um contrato de doação, fica obrigado a entregar a coisa. O comodato, aquele que recebe a coisa para empréstimo (comodatário), fica obrigado a restituir a coisa.
Prestações de facto jurídico e prestações de facto material.
De facto jurídico, a obrigação que resulta de um contrato de compra e venda. As partes prometem a celebração de um novo contrato. O devedor, deverá mais tarde celebrar o contrato.
De facto material, exemplo a reparação de um carro, o pintar de uma casa ou escrever um livro.
Prestações de facto positivo, prestações de facere, prestação a que o credor fica obrigado a fazer alguma coisa.
Prestações de facto negativo, prestações de non facere, prestações em que o devedor se compromete a não fazer uma actividade, abstém-se de fazer uma determinada actividade.
Prestações de facto negativo, prestações de pati, o devedor fica obrigado a tolerar uma actividade do credor na sua esfera jurídica.
Estas classificações em termos legais, temos no art 829ºnº1 prestação de facto negativo e no art 829ºA prestações de facto infungível positivo ou negativo.

Prestações divisíveis e prestações indivisíveis.
O direito de crédito existe para satisfação do direito de credor, quando se fala em prestação divisível ou indivisível, esta tem de ser vista no interesse do credor e não no sentido natural.
Uma prestação é divisível se poder ser fraccionável sem perca do interesse do credor, exemplo uma compra e venda, a prestação pode ser fraccionável.
Juridicamente, prestação, é a obrigação ao credor por parte do devedor, a prestação é divisível ou indivisível no interesse do credor e não com base em possíveis divisões naturais. Art 534º a 538º, obrigações divisíveis e indivisíveis. O princípio geral da ordem jurídica portuguesa, art 534º, quando há vários devedores a lei presume que cada tem uma parte igual da obrigação divisível, princípio da conjunção.

Prestação fungível e prestação infungível.
A prestação fungível, o devedor pode ser substituído, diz-se fungível a prestação da qual o devedor pode ser substituído no interesse do credor, art 767º. A entrega de coisa determinada, prestação de dare, art827º, o credor pode receber a coisa do devedor ou de terceiro. A prestação de facto fungível, art 828º, só é possível se o devedor poder ser substituído na prestação.
A prestação infungível o devedor não pode ser substituído, art 829ºA a exigibilidade de prestação infungível, a substituição só pode acontecer se o interesse do credor não for prejudicado. Se o credor não poder cumprir, art 791º, impossibilidade subjectiva, e se a prestação poder ser satisfeita por terceiro, esta faz-se à custa do devedor, mas se este não se poder fazer substituir para realizar a prestação, esta infungibilidade importa na extinção da prestação (obrigação). Esta pode ser por facto imputável, ou não imputável ao devedor.

Prestações determinadas e prestações indeterminadas. As indeterminadas aferem-se quando o seu teor não seja conhecido, o regime das prestações indeterminadas, leva a que a mesma tenha de ser determinada no momento da prestação, tem de ocorrer um meio desta ser determinada por devedor ou credor

Prestações genéricas, determinadas quanto ao seu género, necessitam de uma operação de escolha ou concentração, a prestação não está totalmente determinada, carece de uma concentração,(concentração, acto pelo qual se determina, escolha, medição, pesagem ou contagem).

19/11/98

Prestações determinadas e prestações indeterminadas.
Nas prestações determinadas, existe uma especificação da prestação a prestar.
Nas indeterminadas, há uma falta de especificação do teor da prestação a realizar, mas tem de ser possível determinar a prestação sob pena de a prestação ser inválida.

As prestações indeterminadas podem ser genéricas ou alternativas.
Obrigações genéricas, são aquelas que se encontra determinada quanto ao género, e para que o devedor possa cumprir é necessário que se especifique qual a prestação exacta, acto que a lei chama de concentração (escolha, medição, contagem ou pesagem). Há obrigações com prestações genéricas que englobam uma operação de concentração. A lei determina no art 539º, se o objecto da prestação for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao devedor, na falta de estipulação em contrário. O carácter supletivo da lei, a concentração cabe ao devedor.
A concentração pode ser operada pelo credor ou por terceiro, art 542ºnº1, quando cabe ao credor a operação de concentração só é eficaz se for declarada ao devedor, se for por terceiro se for declarada a ambas as partes. A operação deve ser feita no momento do cumprimento, mas a lei define quando a concentração é feita antes do cumprimento.
Obrigações alternativas, art 543ºss, designam uma situação em que há uma obrigação, mas o devedor pode exonerar-se por intermédio de uma prestação entre as várias possíveis, apenas uma deve ser realizada. A escolha pode ser feita pelo, credor ou terceiro, na falta de disposição, a escolha cabe ao devedor, (art 549º, a escolha de credor ou terceiro, remete para o art 542º). Não é possível repartir partes de alternativas e cumprir a prestação com parte composta entre as várias alternativas.

Prestações pecuniárias, o credor tem de prestar ao credor por intermédio de dinheiro com curso legal. Estas podem ser de;
-- Quantidade, dinheiro com curso legal em Portugal, é o princípio nominalista que se encontra consagrado na lei, art 550º, o devedor exonera-se pagando ao credor o valor nominal da obrigação, independente de o montante ter diferente valor no momento em que se constituiu a obrigação e no momento do seu cumprimento. Quando a lei permitir correcções, esta é feita em relação ao índice de preços, art 551º.
_ Moeda especifica, arts 552º a 557º
_ Moeda estrangeira, o pagamento é feito com dinheiro com curso legal noutro país que não o nacional, (art 558º Dl 343/98 6/Novembro)


Obrigações de juros, arts 559º a 561º, ligam-se à obrigação de pagamento de capital, que por sua vez é uma prestação pecuniária. Existem duas taxas supletivas dos juros legais, a lei civil e de 10% e a taxa de juros comerciais é de 15%, a mora fiscal é de 5% mais a taxa de desconto do Banco de Portugal (4,5% ). A usura, art 1146º, a questão é saber se pode-se pedir ao devedor juros dos juros. Em geral o anatocismo, art 560º, é proibido, a lei admite que o credor notificando judicialmente o devedor e desde que a duração mínima da mora seja de um ano, art 560º, só podem ser capitalizados juros ao período mínimo de um ano.

Prestações instantâneas, o devedor cumpre de uma só vez, num único acto.
Prestações permanentes , o devedor cumpre a obrigação em vários actos.
- continuas, são típicas as do locador, contrato de empréstimo ou depósito.
- sucessivas, a venda a prestações, o pagar a renda pelo arrendatário.

Prestações de resultado ou prestações de meios.
Um construtor quando realiza uma obra pode contratar de uma de duas maneiras. Ou apresenta a obra feita (resultado). Ou obriga-se a construir a obra (meios).


24/11/98
Fontes das obrigações
Correspondem ao facto jurídico que da origem á relação obrigacional. E portanto reconduz a descoberta dos factos jurídicos que originam a relação obrigacional. Tem origem essencialmente no Dtº romano. No direito romano o texto didáctico mais antigo que se conhece são as institutas legarium já tem uma classificação das fontes do direito. O nascimento das obrigações ou em virtude do contrato ou em virtude do delito ou de outras várias fontes. Duas figuras principais de fontes das obrigações, das chamadas actiones in persona, o contrato e o delito, e depois uma figura residual das várias que causaram o tributo. Esta classificação de Gaio vem a ser adaptada no século. VII com o imperador Justiniano que a partir deste século começou a redescobrir o direito romano através de uma compilação no império Bizantino. Justiniano também elabora umas instituciones e nelas recorre á classificação de Gaio mas o pretendendo aperfeiçoá-las e aí prevê que as obrigações ou nascem do contrato ou do quase contrato, ou do delito ou do costume portanto aqui as regras são estas. As obrigações nascem do contrato, do quase contrato, do delito ou do costume, esta é a referência de Justiniano.
O que é que serve de base a esta classificação? Primeiro a referência mais uma vez ás duas fontes das obrigações que para Gaio eram as preponderantes e uma referência ao chamado quase delito que se referia ao delito negligente – aqui uma diferenciação entre o delito intencional e o negligente. O delito intencional é qualificado como delito e o negligente recebe o nome de quase delito.
Um inovador é o conceito do chamado quase contrato que no aparece referido por Justiniano para referir-se a situações que são essencialmente aquelas que previa as vário figura de Gaio, ou seja de diversas causas e que no fundo reconduzia-se no seguinte: eram fontes das obrigações próximas do contrato mas que com elas não se identificavam. Uma das referências seria a Gestão de negócios que é tratada como quase contrato porque aparece próxima do contrato mandato, ou seja a Gestão de negócios seria um mandato a que faltaria o consentimento do mandante e daí por isso a sua qualificação não é um contrato com falta de consentimento mas é um quase contrato. Da mesma forma a repetição do indivíduo a chamada comudidio império também para Justiniano aparece como um quase contrato, ou seja nas institutas de Justiniano porque a indicação é de que é um contrato próximo do mútuo, falta-lhe o consentimento do mutuante e daí portanto a obrigação de restituição funda-se num quase contrato, não num contrato mas sim num quase contrato.
É essencial mente esta classificação de Justiniano que serve de base á redescoberta do direito romano no século XII. Porque como se sabe nas cidades italianas principalmente em Bolonha quando é redescoberto o direito romano no século XII é com base nos textos , nas compilações deixadas pelos autores Bizantinos o que levou á manutenção desta quadripartição das fontes das obrigações. Quadripartição esta que se veio a manter com teórica praticamente até ao Código Civil Francês que é de 1804. Um pouco antes do Código, um autor importante que é Pontier , um dos juristas que esteve na base deste Código Civil Francês acrescentou a esta quadripartição a lei porque achou insuficiente. Este código de 1804 precisamente por esse motivo faz referência expressa ao conceito de quase contrato, portanto indicando entre as fontes das obrigações os contratos, a responsabilidade civil e os quase contratos. Indicando como quase contratos – são os factos puramente voluntários do homem de onde resulta uma obrigação para este ou uma obrigação reciproca entre duas partes. Indicando o código civil Francês em 1804 entre os quase contratos a Gestão de negócios e o pagamento liquido, qualificação de quase contrato baseada nestas duas figuras. Mas esta classificação que nos aparece neste caso, a jurisprudência aproveitou a formula ampla do conceito quase contrato uma vez que não era uma formula que aparecesse fechada e acrescentou-lhe o enriquecimento sem classes. Uma enumeração neste caso que nos aparece com a indicação de um conceito de quase contrato suficientemente abrangente. Este conceito aparece também no código civil Espanhol mas não já no Alemão que é de 1896 e por isso mesmo é um conceito que tem vindo a ser contraditado no nosso século e principalmente pelos juristas franceses porque por exemplo um autor Francês Planiol logo em 1904 publica um trabalho sobre as fontes das obrigações onde critica o conceito de quase contrato. Ele vem dizer o seguinte: “esta figura é tão heterogénea como as várias que causaram ...., isto quer dizer que a expressão quase contrato significa que não é um contrato mas que está próximo dele o que não suficiente para estabelecer um conceito. E por outro lado refere-se a fontes das obrigações tão heterogéneas que não podem ser agrupadas de acordo com essa indicação.
Precisamente por isso as codificações do presente século tem vindo a abolir o conceito de quase contrato, e é isso o que faz precisamente na nossa legislação que o código civil Português nós temos a seguinte referência a estes casos. 1ª situação os contratos que como fontes das obrigações nos aparecem tratados nos artigos 405 e seguintes. Depois logo de seguida surgem-nos os negócios unilaterais que são tratados nos artigos 457 e seguintes. A seguir a Gestão de negócios que nos aparece tratada nos artigos 464 e seguintes. A seguir enriquecimento sem causa nos artigos 473 e seguintes. E finalmente a chamada responsabilidade que aparece nos artigos 483 e seguintes. Este é o sistema no nosso código, um sistema de enumeração das fontes das obrigações sem apresentar uma classificação, a referência que nos aparece no âmbito das fontes das obrigações é uma enumeração de 5 fontes:
1- os contratos
2- negócios unilaterais
3- Gestão de negócios
4- enriquecimento sem causa
5- responsabilidade civil
As fontes que nos aparecem como mais importantes são a 1ª e a última, ou seja estatisticamente os casos mais comuns de constituição de obrigações são os contratos e a responsabilidade civil. São as fontes mais importantes e isto é até uma constante histórica. Isto porquê? Porque a própria lei vem sempre prever enquanto os contratos e a responsabilidade civil aparecem baseados como fontes genéricas ou seja os contratos tem como base no princípio da autonomia privada nós podemos, temos liberdade contratual, podemos celebrar os contratos que quisermos e a responsabilidade civil no nosso sistema é baseada numa cláusula geral que prevê obrigações de indemnização para quem cause prejuízos através da violação dos direitos de outrem . Estas outras figuras de fontes de obrigações aparecem previstas para casos muito específicos ou mesmo para se dizer excepcionais, por exemplo no âmbito dos negócios unilaterais a lei vem dizer expressamente no artigo 457 que a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei, ou seja, temos aqui uma regra de carácter excepcional dos negócios unilaterais como fontes de obrigações. Segunda situação que nos aparece- a Gestão de negócios – é uma figura destinada a abranger uma situação muita específica alguém resolver cuidar dos negócios alheios sem autorização, diremos portanto que não é uma figura com grande importância na constituição de obrigações, o mesmo se pode dizer do em certa medida enriquecimento sem causa até porque a nossa lei vem dizer expressamente que o enriquecimento sem causa só funciona a título subsidiário como diz o artigo 484 quando não houver outra fonte de obrigações que se aplique. Direi portanto que de certa forma esta enumeração de fontes de obrigações não deve ilidir que estas fontes de obrigações sejam do mesmo grau de importância, porque as mais importantes são o contrato e a responsabilidade civil. As outras 3 são figuras menos importantes.
Ora bem, a quem procure essencialmente fazer uma referência neste caso ás fontes das obrigações , que questiona a possibilidade de aqui pôr as relações contratuais de facto, iremos ver adiante se se justifica ou não. Mas por exemplo se examinarmos as lições do Prof. Menezes Cordeiro verão que ele faz referência a uma co-possibilidade de tentar classificar estas fontes das obrigações. Portanto primeira classificação neste caso os actos consoante as fontes se baseiam na vontade das pessoas ou não. Depois neste campo dos actos existe uma distinção entre actos lícitos e ilícitos. Sendo lícitos o caso dos contratos e os negócios unilaterais. E no caso dos factos ilícitos a chamada responsabilidade civil, depois com esta classificação faz-se referência aos factos que são aqueles em que as fontes das obrigações não é baseada na vontade humana e nesta altura apareceriam situações como a Gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade com os outros. Podemos dizer que tenho algumas dúvidas em a vantagem de aproximar esta classificação porque não é inteiramente correcta ou considerada eficaz que a vontade de negócios seja totalmente apresentada como um facto porque a vontade do gestor é de certa forma limitada e também o enriquecimento sem causa pode ser baseado, aproximado da responsabilidade civil em cartas situações. Este sistema que aparece neste caso permite tratar no fundo esta questão das fontes de obrigações, ou seja, no fundo examinar de acordo com o sistema de enumeração as fontes que aqui nos aparecem. A primeira fonte das obrigações que nos surge neste âmbito é o chamado contrato que conforme se disse consiste numa das fontes das obrigações mais importantes porque estatisticamente o contrato e a responsabilidade civil são as figuras mais habituais de constituir obrigações.
Ora bem relativamente aos contratos temos previsto na lei o chamado princípio da liberdade contratual, a que já fizemos referência quando falamos da autonomia privada. Convém agora relembra-lo para prever especificamente uma classificação de contratos, uma vez que as classificações de contratos que são uma parte importante e há uma classificação de contratos que se baseia essencialmente nestas considerações. O que é que se prevê no artigo 405? Portanto a chamada liberdade contratual que nos diz que dentro dos limites da lei as partes tem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, ou seja portanto, o que é que aqui está previsto? É a chamada situação das 3 liberdades relativamente aos contratos.
1ª-a liberdade de celebração- partes podem livremente decidir celebrar ou não o contrato.
2ª-a liberdade de escolha do tipo negocial- as partes podem escolher os tipos negociais que quiserem, seja ele um tipo negocial previsto no código, como o não seja, as partes tanto podem decidir celebrar um contrato de compra e venda regulado nos artigos 874 do código civil ou celebrar um contrato de franchising que é um contrato cuja prática é conhecida mas que o legislador ainda não o plasmou o na sua legislação. E finalmente inclui nestas as cláusulas que lhes aprouver, a liberdade de estipulação.
Ora bem esta referência ás partes, ás liberdades permite no fundo concluir que a referência á tipicidade dos contratos que nos aparece nos artigos 874 e seguintes é meramente exemplificativa, não há limite das partes aos tipos legais que se encontram previstos no código – as partes tem a faculdade de celebrar os contrato que entenderem estejam previstos no código ou não. Isto interessa para estabelecermos uma classificação relativamente aos contratos. A primeira classificação que nos aparece distingue os contratos entre nominados e inominados. Esta classificação tem por base esta referência. É nominado quando a lei conhece aquele contrato, não é desconhecido pelo legislador, o legislador conhece-o como categoria jurídica. O contrato de compra e venda é um contrato nominado. Pelo contrário o contrato diz-nos inominado quando legislador o desconhece, que até pelo nome é desconhecido pelo legislador, por exemplo o contrato de franchising, é praticado na prática comercial, mas o legislador não o conhece, não prevê na lei uma figura contratual típica.
Atenção que esta classificação diz exclusivamente respeito ao chamado problema do nome, de existir o nome ou não, nada tem a ver com a existência do regime. Quando o contrato tem o nome in juris pode ter o não o regime de negócio, ou seja o legislador pode conhecer o contrato como figura jurídica mas mesmo assim não lhe estabeleceu o regime. Quando o legislador lhe estabelece o regime diz quer o contrato nominado é típico porque existe um tipo legal que prevê uma disciplina jurídica relativamente aquele contrato. Quando o legislador só conhece o nome, o contrato é nominado atípico, o contrato inominado também é atípico, porque se o legislador não conhece o nome sequer naturalmente não lhe pode atribuir um regime. Exemplo: compra e venda, contrato nominado, o legislador conhece o nome, refere-o no artigo 874 e é típico porque além de aparecer o nome aparece-nos um regime; o franchising é inominado e é atípico, não tem nome, não pode ter regime. Situações há em que o legislador conhece o nome mas não lhes estabelece o regime e aí sabemos que se trata de um contrato nominado atípico, só tem o nome não tem o regime, um caso característico desta situação é por exemplo o contrato de hospedagem que nos aparece previsto no artigo 755 nº 1 al. e que nos diz “que gozam de direito de protecção os albergueiros sobre as coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada ou acessórios delas pelo crédito da hospedagem, temos uma referência legal a um contrato de hospedagem não é desconhecido do legislador, mas não há um regime específico deste contrato, há apenas uma identificação do nome. Um exemplo também possível deste caso embora aqui haja umas moralidades típicas é por exemplo o contrato de prestação de serviços em que a prestação de serviços é definida no artigo 1154 que nos dá o nome da figura da prestação de serviços, mas depois não é tratada em geral, o legislador que apenas no artigo 1155 disciplina 3 modalidades de prestação de serviços: o mandato, o depósito e a empreitada. O que serve assim o contrato de serviços ser nominado, é um contrato atípico tendo 3 modalidades típicas. Esta classificação em contratos nominados e inominados, típicos e atípicos é uma consequência da liberdade contratual.
Mas a liberdade contratual vai ainda mais longe uma vez que nos aparece previsto no artigo 405 nº2 que as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de 2 ou mais negócios total ou parcialmente regulados na lei . Ora aqui nós temos então precisamente o problema dos contratos mistos ou seja, a situação em que as partes regulam regras de 2 ou mais negócios total ou parcialmente regulados na lei. Contratos mistos consistem nisto – obtenção de elementos de 2 contratos típicos ou atípicos e a sua mistura, ou a sua junção, levando não a que surjam 2 contratos autónomos isso seria uma união de contratos mas sim a que surja um único contrato que recolhe elementos dos 2, levando a que esses elementos se misturem para levarem a formar uma nova figura contratual. Esta possibilidade de mistura dos contratos que qualifica o contrato misto tem de acordo com a referência doutrinária a possibilidade de várias modalidades. A primeira categoria que nos aparece uma vez que não há uniformidade terminológica. Primeira categoria que nos aparece dos contratos mistos diz respeito aos chamados contratos múltiplos ou combinados- nesta situação há duas prestações, oriundas de 2 tipos contratuais distintos mas sequer estando uma única contraprestação homogénea do outro lado- imaginemos que alguém se simultaneamente vende um objecto e se compromete a prestar serviços relativamente a esse objecto – alguém que vende uma máquina e que simultaneamente se comprometesse a trabalhar com ela contra uma contraprestação unitária. O que é que existe aqui? Precisamente o chamado contrato múltiplo ou combinado, temos duas prestações, a da prestação de entrega e a prestação dos serviços, contra uma única contraprestação- a do pagamento de uma quantia pecuniária. Aqui o contrato misto aparece, a mistura dos elementos contratuais, aparece apenas de um dos lados. Segunda situação que nos parece são os contratos de tipo duplos ou geminados, enquanto no caso anterior tínhamos duas prestações oriundas de 2 contratos diferentes, por um lado contra uma única contraprestação homogénea do outro lado; neste caso nós temos de um lado uma prestação correspondente a um tipo contratual, do outro lado não a contraprestação própria desse tipo mas sim a contraprestação própria de outro tipo contratual – por exemplo: o caso de alguém se comprometer a locar uma casa contra a prestação de serviço de porteiro. Aqui temos uma situação em que existe de um lado uma prestação típica de um arrendamento, o fornecimento no fundo de uma coisa, de um imóvel, mas do outro lado em vez de termos uma contraprestação típica de esse arrendamento temos uma prestação de serviços, que não é típica de um arrendamento, seria típico sim a renda. Pelo contrário a contraprestação típica da prestação de serviços também não é o fornecimento de habitação mas sim o pagamento de um preço respectivo, portanto aqui temos duas prestações pertencentes a tipos contratuais distintos repartidas por duas partes – uma parte com uma prestação de um tipo e a outra parte com outra prestação de outro tipo. Terceira situação seriam os contratos cumulativos mistos directos ou ainda indirectos, trata-se de um contrato que utiliza uma estrutura típica mas para desempenhar a função económico-social, situação seria o caso de uma compra e venda, de um imóvel por um valor de 1.000$00. As partes usam a estrutura da compra e venda mas o preço é tão baixo que se percebe que o que querem é desempenhar a função económico-social típica – é ainda um contrato misto. Finalmente a última situação – são os contratos complementares, que neste caso diz respeito àquela situação em que as partes celebram um tipo contratual mas simultaneamente lhe acrescentam uma prestação ou mais prestações acessórias de outros tipos contratuais. Aqui o grau de mistura é menor porque as prestações que aparecem oriundas de outros tipos contratuais são meramente acessórias e não desempenham uma importância fundamental na economia daquele contrato mas a sua simples existência é suficiente para descaracterizar aquela contrato como um contrato típico e considerá-lo um contrato misto Por exemplo imaginemos alguém que vende um objecto e se compromete simultaneamente a prestar assistência técnica, por exemplo um vende um carro e presta-lhe assistência. Bom aqui temos simultaneamente uma compra e venda e uma situação típica da prestação de serviços só que é uma prestação acessória, a sua importância na economia contratual é menor, aparece apenas como uma obrigação de assistência técnica. Por exemplo num anúncio em que no empréstimo á habitação dizem que também oferecem um livro de decoração, ora temos aqui também um contrato complementar ou seja há um negócio típico mútuo em que aparece uma prestação acessória que não típica do mútuo mas que aparece aí conjugado neste tipo de situação. O problema que o contrato misto coloca é a questão do seu regime, ou seja, qual é o regime que deve seguir o contrato misto?. De acordo com uma primeira solução é possível resolver o contrato misto segundo a teoria da absorção- que nos diz que em todos os contratos mistos é possível encontrar um elemento principal, ele é que deve determinar o regime do contrato, sendo portanto este elemento preponderante que absorva os elementos repartidos aos outros tipos contratuais.
Pelo contrário a teoria da combinação diz que não interessa propriamente excluir o objecto principal porque isso implicaria afastar a estrutura do contrato misto. E daí que a natureza do contrato misto é a mistura de 2 elementos. Temos então de aplicar conjugadamente as regras dos dois contratos. Aplicamos as regras combinadamente o regime dos dois contratos. E finalmente a teoria da analogia – diz que os contratos mistos correspondem a lacunas da lei, não estão previsto na lei, ora se não estão na lei o caso resolve-se com a regra da integração de lacunas. Que doutrinas adoptar? Uma posição que chegou a ser defendida pelo prof. Galvão Teles tinha sido a seguinte; os primeiros dois contratos múltiplos ou combinados, ou do tipo duplo ou geminados, deviam se reger pala teoria da combinação porque não é possível aqui descortinar o elemento principal. Pelo contrário os dois últimos uma vez que são contratos em que a mistura é menor, dever-se-iam reger pela teoria da absorção. Pelo contrário os profs. Antunes Varela e Menezes Cordeiro pronunciaram-se contra dizendo que teria de ser perante cada contrato em si que se deveria averiguar se se justifica ou não uma absorção de elementos principais ou uma aplicação combinada dos dois regimes.
Curiosamente o nosso legislador tem um regime em que prevê uma situação semelhante ao do contrato misto, que é a locação com pluralidade de fins, em que o arrendamento possibilita ser para habitação, para comércio e indústria ou profissão liberal, ou seja e cada um deles tem um regime específico. Pode suceder que um arrendamento seja simultaneamente celebrado para habitação e para comércio – neste caso temos uma situação semelhante ao do contrato misto, ou seja estamos a misturar situações, que neste caso são no mesmo contrato, mas são 2 regimes distintos quanto a um dos fins contratuais. O legislado no artigo 1028, isto como um exemplo – é que se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes sem subordinação de uns a outros observar-se–á relativamente a cada um deles o regime respectivo, ora aqui a teoria da combinação. Mas diz-nos no nº 3 desse mesmo artigo que se porém um dos fins for principal e um dos outros subordinados prevalecerá o regime correspondente ao fim principal se os outros regimes só são aplicados na medida em que não contrariem o primeiro e a aplicação deles não se mostre incompatível com o fim principal. Aqui a teoria da absorção. Admite-se estas duas possibilidades. Se não existir uma subordinação dos 2 elementos o melhor é aplicar teoria da combinação. Sempre que exista uma subordinação dos elementos ao outro o melhor será a teoria da absorção. A teoria da analogia parece inadequada pois não está demonstrada a natureza lacunosa dos contratos mistos, porque se a lei refere expressamente a mistura de regras de um ou mais negócios é porque presume que existe um regime e não propriamente que existe uma lacuna.

26/11/98

Matéria dos contratos mistos
Contrato Misto – é um contrato que é celebrado ao abrigo do artigo 405 nº2 “preceito esse onde se diz que as partes podem reunir as regras de dois ou mais um ou mais negócios total ou parcialmente regulados na lei, ou seja no contrato misto o que nós temos é um único contrato composto por elementos típicos de vários tipos contratuais, as partes misturam no mesmo contrato elementos que são próprios de vários tipos contratuais, coisa que o artigo 405 permite, mas o contrato é só um.
Figura diferente é a figura da união de contrato – num contrato misto temos um contrato composto por elementos típicos de vários tipos contratuais, na união de contratos não temos um contrato mas temos pelo menos dois ou mais, a situação que temos é uma situação de uma pluralidade de contratos que se encontram interligados de algum modo entre si. Essa interligação permite estabelecer algumas classificações e através delas perceber mais claramente que fenómeno é este de união de contratos. A classificação clássica que é encontrada nos vários manuais é uma classificação tripartida: Em 1º lugar pode ser uma união externa; em 2º lugar uma união interna e em 3º lugar pode ser uma união alternativa. O que é que isto significa? Temos contratos interligados, contratos unidos, em 1º lugar modo externo, união externa, também chamada união extrínseca, também chamada, consoante os manuais que consultem; externa extrínseca ou acidental. Isto é a conexão, a interligação entre os dois contratos, isto é a conexão entre os dois contratos é perfeitamente externa, acidental. É o que acontece quando cada um de nós entra num supermercado e compra uma pasta de dentes e um sabonete, o que nós fazemos são dois contratos de compra e venda, os dois contratos tem uma união que é o serem comprados no mesmo local, no mesmo momento e pelas mesmas pessoas, mas mais nada acontece para além disto, a ligação dos 2 contratos é perfeitamente externa, acidental, o que quer dizer que hoje em dia o contrato não implica em nada no regime do outro. As coisas passam-se de modo diferente na chamada união interna, também dita união de com dependência, aí os dois contratos aparecem interligados, estou a falar em 2 mas podem ser 20 ou 30, quantos quisermos, a pluralidade de contratos aparece interligada mas de modo intrínseco, de modo interno, isto é, de algum modo (e isso depende do caso concreto) um contrato depende do outro. Suponha-se que este relógio se avaria e me dirijo a um relojoeiro para comprar outro, mas tenho um apreço especial por este e a proposta que eu faço ao relojoeiro e que este aceita; é esta “eu compro-lhe o relógio que está na montra se me arranjar este”. Uma vez aceite a proposta ou as propostas temos aqui um contrato de compra e venda (do relógio que está na montra) e tenho um contrato de prestação de serviços (relativamente ao arranjo deste que eu tenho aqui na mão), ou seja tenho dois contratos que aparecem interligados, mas de um modo intrínseco, um contrato depende do outro. Eu só celebro um contrato de compra e venda porque o relojoeiro se predispõem a celebrar um contrato de serviços comigo. Na união interna ao contrário do que acontece na união externa, o que temos é que os vários contratos, dois ou mais, aparecem interligados em termos de haver alguma dependência, alguma conexão que permita a interligação entre os dois negócios.
Finalmente a união alternativa – temos mais uma vez dois ou mais contratos interligados, conexionados um com o outro, mas conexionados de um modo muito particular, e esse modo é o alternativo, isto é admita-se que alguém convenciona com outrem a celebração de uma festa no próximo fim de semana, e contrato com uma empresa especializada para o efeito, uma dessas modernas, e admita-se que tenho uma magnífica vivenda em Cascais. Contrato nos seguintes termos, a empresa irá prestar esses serviços, “se não chover, será no jardim, mas se chover será no salão, onde está a lareira”. O que temos aqui são dois contratos celebrados alternativamente em termos de que, verificado certo evento se dará por celebrado um ou outro contrato em termos alternativos, mas não os dois, um ou outro.
Aparece-nos agora uma classificação a esse propósito, que é a classificação que permite distinguir a matéria entre contratos formais e contratos consensuais. Em teoria geral do direito civil a matéria é vista a propósito do negócio jurídico em geral, agora é adaptar os conceitos já conhecidos á figura do contrato em particular. O critério distintivo entre contratos formais e contratos consensuais é o critério da forma e a regra fundamental nesse domínio é o artigo 219 c.civil onde se estabelece o princípio geral da liberdade de forma. Consequentemente qualquer contrato há-de ser celebrado com base em declarações de vontade, a questão é saber como é que exteriorizam essas declarações de vontade e ou a lei contenta-se com qualquer modo de exteriorização de vontade, com qualquer modo que as partes adoptem livremente e consequentemente o contrato será um contrato consensual, não sujeito a uma forma especial, ou nalguns casos como é sobejamente sabido a lei indica formas especiais para a validade do dito contrato, servindo de exemplo o caso paradigmático do artigo 875 – da norma que exige para a validade de contrato de compra e venda relativa a um imóvel a sua redução a escritura pública. O contrato será formal nesse caso e consensual no caso em que a lei não exige nenhuma forma especial o que constitui a regra nos termos do artigo 219 c. Civil.
Em termos de formação de contratos aparece como já vimos a distinção entre contrato formal por contraposição ao consensual - contratos formais versus contratos consensuais. Quanto á constituição do contrato, já não da forma, mas do modo de constituição do contrato , há uma distinção entre contratos reais e contratos consensuais – contratos reais versus contratos consensuais. A terminologia é a mesma mas a matéria é diferente. O critério é o da constituição do contrato. A regra é a de que os contratos se formam por mero consenso, por mero acordo de vontades, são consensuais. Nalguns casos a lei não se contenta com o consenso para a formação de contratos e exige um acto adicional – é o acto de traditio – o acto de entrega de uma coisa. Isto é se eu propuser a este senhor vender este relógio por 50 contos e este senhor disser aceito, temos um contrato de compra e venda e o contrato está formado, muito embora este relógio se mantenha na minha mão e este senhor não tenha pago nada ainda – forma- se por mero consenso.
Nalguns casos a lei não se contenda com o mero consenso e exija a entrega da coisa, para que haja efectivamente contrato. E que casos são esses? Os casos são vários e o código civil aponta 4 destes casos paradigmáticos dos chamados contratos reais:
- o contrato mútuo, ou seja o contrato de empréstimo de coisas fungíveis nos termos do artigo 1142 (se eu emprestar 50 contos a esta senhora, não é pelo facto de eu dizer empréstimo e a senhora dizer aceito que há contrato, só há contrato quando eu pegar nos 50 contos e lhe entregar os 50 contos – o contrato depende do acordo de vontades mais a entrega da coisa) – isto acontece no contrato mútuo, acontece nos termos do artigo 1142 e acontece no contrato como um dado, ou seja o empréstimo de coisas não fungíveis (se eu emprestar o meu automóvel a alguém, só há empréstimo quando eu entregar a chave para a mão, no mínimo a chave, isto nos termos do contrato como um dado, ou seja dos artigos 1129 e seguintes.
- o contrato do depósito, só há depósito com a entrega da coisa depositada artigo 1185 e seguintes.
- o penhor nos termos do artigo 669, onde se diz que o penhor só produz os seu efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou seja antes da entrega não há penhor; como antes da entrega não há como um dado, não há mútuo nem há depósito.
Quer dizer que nos casos em que a lei exige a entrega da coisa para a existência, para constituição do próprio contrato não temos um contrato consensual mas sim um contrato real. chamado quo ode contitutionnes contrato real quanto à constituição isto é contrato que só se constitui mediante a entrega da coisa.
Uma outra distinção em matéria de modalidades dos contratos separa os contratos onerosos dos contratos gratuitos. O critério de distinção entre o contrato oneroso e o contrato gratuito é um critério que assenta na distribuição das atribuições patrimoniais e dos sacrifícios patrimoniais ou se quiserem apresenta na distribuição dos efeitos patrimoniais isto é contrato oneroso é aquele que implica para ambas as partes vantagens e sacrifícios patrimoniais para ambas as partes o contrato gratuito é aquele que não implica isso mesmo ou seja é um contrato que implica para uma das partes vantagens patrimoniais e para a outra sacrifícios.
Num contrato de compra e venda estamos perante um contrato oneroso porque para ambas as partes existem sacrifícios e vantagens patrimoniais o comprador suporta o sacrifício patrimonial que é de ter de pagar o preço e perde a titularidade do dinheiro mas recebe uma vantagem patrimonial que é titularidade da coisa para o vendedor é exactamente o inverso para ambas as partes existem sacrifícios e vantagens patrimoniais. Se pensarmos por exemplo no caso típico do contrato de doação, o contrato de doação é um contrato gratuito porque para uma das partes só há sacrifícios patrimoniais para o doador e para a outra parte só há vantagens patrimoniais ou seja aquilo que acontece na perspectiva do donatário isto pensando naturalmente na chamada doação pura isto é na doação que não tem qualquer encargo para o donatário é este no fundamental o critério de distinção entre contratos onerosos e contratos gratuitos.
Há regimes próprios dos contratos onerosos regras que só se aplicam aos contratos onerosos como há regras que só se aplicam aos contratos gratuitos e daí a importância decisiva de se conhecer o critério de distinção entre uns e outros. Vou vos dar como por exemplo uma figura que vamos estudar este ano é a figura da impugnação pauliana prevista nos art.610 e seguintes . Por exemplo a propósito dessa figura o art.610 e seguintes enumera os requisitos gerais para que se possa proceder á impugnação de um acto nesse termo e o art. 612 enumera mais alguns requisitos e diz que o acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o terceiro tiver agido de má fé e se o acto for gratuito a impugnação procede ainda que um e outro tivessem agido de boa fé. Obviamente que só sei que se ou aplica a primeira parte do artigo 612 nº1, ou se aplica a segunda parte do art 612º nº1 depois de saber qualificar perfeitamente o contrato como oneroso ou como gratuito. Um contrato oneroso é portanto um contrato do qual resultam sacrifícios e vantagens patrimoniais para ambas as partes.
Neste domínio dos contratos onerosos, aparece uma outra distinção, que é entre contratos comutativos e contratos aleatórios, Esta classificação faz principalmente sentido nos contratos onerosos. Nos contratos onerosos temos então contratos que geram vantagens e sacrifícios patrimoniais para ambas as partes, estes sacrifícios e vantagens patrimoniais podem certos ou incertos. Certos ou incertos no momento da celebração dos contratos e na ordem e na perspectivação que as partes e a ordem jurídica fazem desse mesmo contrato. Isto é se eu celebro um contrato de compra e venda deste relógio que está aqui por 50 contos, quer o comprador, quer o vendedor, quer a ordem jurídica sabem quais são os sacrifícios e as vantagens patrimoniais decorrentes deste contrato; que eu vou perder este objecto, e em consequência vou receber 50 contos, á pessoa que mo compra vai acontecer precisamente o contrário, ou seja, eu tenho um contrato comutativo, um contrato em que sacrifícios e vantagens patrimoniais são certas, certas no sentido de identificáveis, determináveis no momento da celebração do contrato. As coisas podem não se passar assim, o contrato pode gerar sacrifícios e vantagens patrimoniais, mas podem não ser certos no momento da celebração do contrato. O contrato será assim aleatório, no sentido de que está sujeito a uma álea, ou seja, a um grau de incerteza, de indeterminação – por exemplo: um contrato de seguro, um contrato que todos nós temos, celebrado com várias companhias de seguros, relativo por ex. ao seguro automóvel de cada um de nós, é um contrato perfeitamente aleatório, porque eu sei quanto é que pago e a seguradora sabe quanto é que recebe, isto é certo mas eu não sei se algum dia receberei algo da companhia de seguros, porque também não sei se algum dia irei ter um acidente e consequentemente companhia de seguros no momento em que celebra ou contrato também não sabe se algum dia vai Ter que me pagar alguma coisa já que é de todo imprevisível se eu vou ter um acidente, 2, 3, quando é vou ter e qual é o montante da indemnização devido nesse caso. Logo estaremos neste tipo de situações no domínio dos contratos aleatórios.
Distinção fundamental entre contratos sinalagmáticos e contratos não sinalagmáticos. O contrato sinalagmático é necessariamente um negócio jurídico bilateral, sob o ponto de vista estrutural, há pelo menos duas partes, do contrato derivam efeitos para uma, ou para ambas as partes. Admitindo que derivam efeitos para ambas as partes então pode ser que aconteça que ambas as partes fiquem adstritas a obrigações. Se ambas ficarem adstritas a obrigações o que temos neste momento é um contrato bivinculante, já que vincula ambas as partes; o contrato de compra e venda vincula o vendedor a entregar a coisa e vincula o comprador a pagar a coisa. Mas mais do que esta vinculação, pode ser que o contrato seja sinalagmático – O que é que isto quer dizer? Quer dizer que é um contrato em que existem obrigações para ambas as partes, mas em que essas obrigações estão ligadas com um nexo de reciprocidade, daí a ideia de contrato sinalagmático, ou seja, contrato em que existe um sinalágma, isto é, um nexo de interdependência, ou um nexo de reciprocidade entre as obrigações. Isto é, as duas obrigações, ou mais, estão ligadas em termos de interdependência uma á outra, por exemplo no caso do contrato de compra e venda: o vendedor obriga-se a entregar a coisa porque o comprador se obrigou a pagar o preço e o comprador obriga-se a pagar o preço porque o vendedor se obrigou a entregar a coisa, isto é as duas obrigações só fazem sentido se perspectivadas, interligadas em termos de reciprocidade uma á outra, só assim é que elas fazem sentido. É totalmente irazoável conceber um contrato de compra e venda em que alguém se obrigue a pagar sem que outrem se obrigue a entregar. Então o contrato sinalagmático é aquele em existe um nexo entre as duas prestações em termos tais de as duas prestações se encontrarem ligadas por um nexo de interdependência em relação uma á outra – essa interdependência pode ser vista a dois níveis, a dois momentos. Fala-se então no sinalágma genético e no sinalágma funcional. Genético porque tem a ver com o momento da formação do contrato – por exemplo: o comprador celebra o contrato de compra e venda porque o vendedor se obriga a entregar a coisa e o vendedor celebra o contrato porque o comprador se obriga a pagar o preço, ou seja, a interligação entre as duas obrigações funciona, está perspectivado (do modo como eu disse as coisas agora), para o momento da formação do contrato. O contrato é celebrado porque há essa interdependência das duas obrigações. O sinalágma pode ser visto a um outro nível, num segundo momento, o chamado sinalágma funcional, o que está agora em causa já não é o momento da formação do contrato, é o momento da execução do contrato, isto é, o momento do cumprimento do contrato. Agora nesta Segunda perspectiva já não direi que um compra porque o outro vende mas sim que o vendedor vai cumprir a sua obrigação e vai entregar a coisa por e para que o comprador lhe pague o preço. O problema agora já não é o nascimento do vinculo mas sim é a ideia de, eu pago o preço se me entregarem a coisa e a contraparte entrega a coisa se eu lhe pagar o preço, ou seja, o momento agora é o da execução. Que repercussões práticas é que isto tem ? É que algumas figuras do nosso código civil só se aplicam a contratos sinalagmáticos e só se aplicam de acordo com estas ideias que acabei de transmitir: Que ideias são essas? São as seguintes:
1ª figura – excepção do não cumprimento do contrato, figura prevista e regulada a partir do art. 428 – artigo esse que no seu nº 1 diz que “se nos contratos bilaterais, leia-se, se nos contratos sinalagmáticos, não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de usar a sua prestação enquanto o outro não efectuar, aplicar, ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”, isto, é em qualquer contrato sinalagmático, nomeadamente no contrato de compra e venda, enquanto o vendedor não se predispuser a comprar a coisa o comprador pode licitamente recusar-se a pagar o preço e vice-versa. Esta excepção só se aplica em contratos sinalagmáticos.
2º figura – que só se aplica em contratos sinalagmáticos, é a chamada figura da caducidade do contrato por inexecução das obrigações. Por ex. Imaginemos um contrato celebrado entre A e B, em que A é vendedor e B é o comprador- contrato de compra e venda. B está obrigado a entregar a coisa e A a pagar a coisa – admita-se que a coisa em causa é uma coisa infungível. O vendedor está obrigado a entregar o vaso, raro e único e o vaso é destruído por caso fortuito. O que é que acontece? O cumprimento da obrigação de entrega da coisa torna-se impossível logo a única resposta sensata da ordem jurídica é que a obrigação de entregar a coisa se extingue ao abrigo do art. 790 nº1. Então o que é que acontece á obrigação de pagar o preço? A obrigação de pagar o preço também se extingue nos termos do art. 795. Extinguindo-se as duas obrigações, o que é que acontece ao contrato? O contrato caducou. E porquê? Porque era um contrato sinalagmático, ou seja, como o contrato é um contrato sinalagmático não faz sentido manter esta obrigação uma vez desaparecida esta, já que o sinalágma ligação, esta interdependência entre as duas. Este tipo de regime só faz sentido em relação aos contratos sinalagmáticos como resulta do texto do art. 795, daí que se fale da caducidade do contrato por inexecução da obrigação, a obrigação não é executada, neste caso por impossibilidade, o contrato caduca, desde que seja um contrato sinalagmático.
3ª figura – seguindo o exemplo dado á pouco, de que o vaso se partiu, admita-se agora que ele não se parte por caso fortuito, admitam agora que é o próprio vendedor que pega num martelo e que destroi o vaso, o vaso como não é uma peça única logo não há impossibilidade de pagar o vaso, o que é que se alterou? O que não se lhe alterou é que continua a haver impossibilidade de cumprimento da obrigação, o que se lhe alterou é que a impossibilidade agora é que é uma impossibilidade culposa, imputável ao devedor, foi o devedor que exterminou a coisa que deveria de entregar – o regime aplicável é o do art. 801 nº 1.o que é que acontece á obrigação de pagar o preço e que direitos afinal é que tem este senhor comprador que não recebeu a coisa, a resposta está no nº 2 do art. 801 onde se diz “tendo a obrigação por fonte de um contrato bilateral, leia-se sinalagmático, o credor independentemente do direito á indemnização pode resolver o contrato e se já tiver realizado a sua prestação pode exigir a restituição dela por inteiro”, isto é, este senhor independentemente que possa e que deva pedir e que queira pedir, fica com o direito de resolver o contrato de compra e venda. A resolução é uma forma de extinção dos contratos regulada a partir do art. 432 e portanto o que o art. 801 nº 2 vem a dizer, é que num caso de impossibilidade culposa o credor fica com o direito de resolver o contrato.
4ª figura – a última figura que consiste numa especial repercussão de qualificação de um contrato como sinalagmático ou não – essa figura será - sessão da posição contratual regulada no art. 424 O vendedor, o comprador, tem um contrato de compra e venda – é um contrato sinalagmático, isto quer dizer que ambos são devedores e ambos são credores, um é credor da coisa e o outro é credor da entrega da coisa mas este é devedor do pagamento do preço e o outro é credor do pagamento do preço. Imaginemos que uma das partes se farta do vinculo contratual e pretende transmitir a sua posição contratual para outra pessoa que está muito interessada em adquirir a posição de credor ou de devedor tinha naquele vinculo contratual. É bem possível que o vendedor ou o comprador faças um novo contrato com o terceiro, contrato este que tenha como conteúdo o seguinte: este senhor desaparece deste contrato e para o lugar dele vem o terceiro- isto é possível diz o art. 424, desde que a contraparte consinta. Diz o art. 424: isto é possível desde “num contrato com prestações reciprocas, ora num contrato sinalagmático mais uma vez.


03/12/98
Matéria da classificação de contratos

Contratos reais quanto á formação
Contrato real quanto á formação ou á constituição – contratos que para além do consenso para se formarem é necessário a entrega da coisa, são os ditos contratos quanto á constituição. Vimos alguns exemplos: como depósito, o comodato, o mútuo e o penhor.
Hoje vamos falar de contratos reais mas numa perspectiva diferente, não já da á sua constituição mas numa perspectiva quanto aos seus efeitos – serão então contratos reais quanto aos seus efeitos ou quod efectum – é um contrato real quanto aos seus efeitos quando constitua, modifique, extinga, transmita um direito real, produz efeitos reais qualquer que ele seja, nomeadamente no contrato de compra e venda, o primeiro efeito é o da transmissão da propriedade da coisa, já que produz um efeito real que é o direito de propriedade. Em abstracto vários sistemas são concebíveis e tem sido atribuídos com designações várias: o sistema do título, do módulo, híbrido – sistemas esses que tem a ver com o modo de responder a pergunta, como é que se opera um efeito real em virtude de um contrato?
O efeito real pode ser modificação, constituição, extinção ou transmissão, por comodidade de expressão vamos pensar aqui só na transmissão – o contrato de compra e venda por exemplo: transmite a propriedade, não consistiu nenhum direito real. Como é que se transmite esse direito real? O sistema tradicional, clássico, que vem do direito romano, reconduz-se ao seguinte: A e B celebram um contrato, um quer vender o outro quer comprar, um diz que vende pelo preço x e o outro que compra pelo preço x, temos aqui então um contrato. O contrato de compra e venda tem por missão a transmissão do direito de propriedade da coisa do vendedor para o comprador, Como é que ele se transmite esse direito de propriedade? No tal sistema clássico, não basta o contrato para transmitir a propriedade da coisa, não basta um mero acordo de vontades, a declaração das partes, o direito romano exigia um acto adicional, a chamada traditio, ou seja, a tradição da coisa, ou seja a entrega da coisa, feita pelo vendedor ao comprador, isto é, para que a propriedade se transmita é necessário o acordo de vontades e é necessário um outro acto, dois actos perfeitamente distintos, que é o acto de tradição da coisa. Hoje passam-se de modo diferente consoante a ordem jurídica em que nos coloquemos. Umas das ordens jurídicas que mais influencia o direito civil Português é o direito Alemão. E na Alemanha as coisas passam-se de termos muito próximos daquilo que se passava com o direito romano, se quisermos transmitir uma propriedade através de uma compra e venda o que teremos de fazer é um contrato de compra e venda, mas só com isso a propriedade não se transmite, o BGB exige para a transmissão da propriedade, no caso paradigmático da compra e venda, um acordo de vontades e um acto adicional, qual é o acto? Bom conforme , se for móvel não registável, a entrega da coisa, e só com a entrega existirá transmissão da propriedade, se for um bem imóvel ou um móvel registável (uma aeronave, um navio, um automóvel,...), um acordo de vontades e o acto do registo.
A ordem jurídica Portuguesa trata desta matéria no seu artigo 408 código civil que tem 2 números e que no seu nº 1 diz “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvo as excepções previstas na lei” isto quer dizer que o nosso código civil adopta um sistema que se desvia do sistema que vem do direito romano e que se mantém em ordens jurídicas europeias como seja a da Alemanha. Ou seja ao contrário do que acontece na ordem jurídica Alemã, em Portugal a transferência de um direito de propriedade por virtude de compra e venda opera por mero efeito do contrato independentemente de qualquer acto adicional. Se dois de nós celebrarmos um contrato de compra e venda sobre este relógio, o contrato é celebrado agora porque há acordo de vontades, podemos estipular que o relógio é entregue daqui por 1 mês e que só é pago daqui por 6, ou 1 ano e 6 anos, é irrelevante o factor tempo para efeito de transmissão de propriedades porque a partir do momento em que as partes chegaram a acordo o proprietário deixei de ser eu e passou a ser o comprador. Independentemente primeiro; da entrega da coisa, segundo, do pagamento do preço, a propriedade transmite-se imediatamente e automaticamente para o comprador.
Art 408º, é de importância fundamental do nosso direito privado e distingue a nossa ordem jurídica da ordem jurídica Romana e Alemã. Discute-se se isto será mesmo só assim? Suponha-se que o Professor vende um carro que é do irmão a este senhor, pois celebrou-se um contrato de compra e venda em que o proprietário da coisa não é nenhum dos presentes mas sim um terceiro que não sabe de nada, estamos perante uma venda de bens alheios logo aplicar-se-á o regime do art 892º ss, que diz que a venda de bens alheios é nula, o contrato é então nulo. O comprador é que não ficou nada satisfeito com esta situação, e o que é que ele pode fazer? Pode fazer uso do que dispõem o art 895º e 897º que tratam da obrigação de convalidação – isto significa que o comprador pode exigir ao Professor, já que foi ele era o vendedor da coisa alheia, que o Professor adquira legitimidade para assim convalidar o negócio que até á data era nulo, isto é, por força do art 897º e 895º, eu vendedor estou obrigado de fazer todos os possíveis para comprar o carro ao meu irmão para convalidar o negócio. Se o Professor conseguir, o negócio passa a ser válido porque adquiriu legitimidade para vender o bem. Voltando ao art 408ºnº1 e no seguimento deste exemplo: quando a propriedade finalmente passar para o comprador, como é que a propriedade se transmitiu? Por mero efeito do contrato ou por um acto posterior nomeadamente, o acto que se traduz em o Professor ir comprar o carro ao terceiro? Ainda aqui a resposta continua a ser mesma, a propriedade transmitiu-se por mero efeito do contrato, o contrato é celebrado hoje e é nulo hoje, se daqui a 1 mês conseguir comprar o carro do irmão e adquirir legitimidade para efectuar o contrato então nesse dia o contrato será válido – o que não quer dizer que seja por efeito imediato. A transmissão é automático conforme a art 408ºnº1 e pode não ser imediata pois para além da venda de coisa alheia, posso vender algo sob condição suspensivo (a venda não será imediata mas quando se verificar a condição suspensiva mas será automática).
O art 408ºnº1 na sua parte fala em excepções previstas na lei, que vem no nº 2 do mesmo artigo – se a coisa é futura a transferência de direito real não pode operar imediatamente. Por exemplo: se vendo agora uma estante que vou fazer no próximo mês obviamente que a propriedade se transmite na data em que a estante aparecer feita como diz o art 408ºnº2. Também se a coisa é indeterminada não pode haver transmissão da coisa imediata e automaticamente. O próprio art 408ºnº2 ressalva, as modalidades de obrigações genéricas, e do contrato de empreitada. As obrigações genéricas são a obrigação que quanto ao seu conteúdo é indeterminada. Logicamente só se pode transmitir a propriedade quando a coisa estiver determinada, de acordo com o art 408ºnº2 e com a regras próprias e que já foram vistas dos arts 539º ss respeitantes ás obrigações genéricas. O mesmo se passa com parte final do art 408ºnº2, relativamente a frutos naturais, partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou da separação – por exemplo: um pomar com laranjas, a transmissão da propriedade realizar-se-á somente aquando da colheita das mesmas.
É particularmente importante saber em cada momento quem é o titular da coisa- a questão da importância do art 408ºnº1 tem também a ver com a questão do risco, ou seja, é a questão de se saber quem é que suporta o prejuízo pela perda ou deterioração de uma coisa ou de um bem em geral.
A regra é de bom senso, quem suporta o risco é o seu titular. O titular dessa coisa há-de ser o proprietário da coisa. Só sabendo em cada momento quem é o proprietário da coisa é que eu vou saber quem é que suporta o risco se essa coisa desaparecer por caso fortuito. Se houver culpa de alguém então o problema transfere-se para a matéria da responsabilidade civil e então o lesado que vá pedir indemnização a esse alguém que provocou culposamente a perda ou deterioração da coisa. E se não há culpa de ninguém? Imaginemos é uma peça rara, única, que é um objecto infungível e que vendo esta caneta a este senhor que está á minha frente, o contrato é celebrado agora e fica acordado que a caneta é entregue para a semana e que o preço também é pago para a semana. Pode ser que aconteça uma catástrofe natural e que a caneta desapareça. O vendedor diz que não tem a caneta mas que quer o preço e o comprador diz que paga porque não há a caneta. Quem é que tem razão?
Tem razão quem a disser que a tem razão resultando da conjugação do art 408º com as regras sobre risco art 408ºnº1 diz que opera por mero efeito do contrato, então quem suporta o risco segundo este artigo é o comprador. O art 796ºnº1 que trata da matéria do risco e cujo nº 1 trata a regra, isto é, a regra é a de que quem suporta o risco é o adquirente (porque é o proprietário da coisa e é o porque a partir do momento em que celebrou o contrato transmitiu-se a propriedade da coisa independentemente da coisa ter sido entregue ou não).
O vendedor não tem de entregar a coisa e tem direito a receber o valor da coisa. O comprador para além de não ter a coisa tem de pagá-la, de suportar os riscos do prejuízo.
O art 796ºnº1, contém a regra, mas o nº 2 é uma excepção (isto se a coisa não for entregue em consequência de um termo constituído a favor do alienante, então o alienante é que suportará o risco). O art 779º estipula que se é estabelecido um prazo é em favor do devedor – se for estabelecido um prazo de entrega posterior.
Nesta sede de contratos reais quanto á constituição há uma figura que tem de ser tratada. No caso da compra e venda por exemplo: em que o efeito de transmissão da propriedade é automático e em princípio imediato, pode-se suceder que se celebre um contrato de compra e venda e que o pagamento do preço seja diferido para daqui a 1 ano ou mais, (por exemplo: a compra de um automóvel ou de um frigorifico a prestações), o vendedor pode não ficar muito satisfeito com o facto de receber o preço da compra em prestações e entregar logo a coisa, pode o vendedor utilizar a figura do art 409º e estaremos perante a figura da clausula de reserva da propriedade. O que este art 409º nº1 quer dizer, é que pode-se celebrar agora um contrato de compra e venda e estipular-se que a propriedade só se transfere para o comprador quando acontecer um evento qualquer ou a quando o preço estiver todo pago.
Num contrato de compra e venda com reserva de propriedade a transmissão da propriedade não é imediata, opera-se no momento em que o comprador acabar de pagar o preço.
A clausula de reserva de propriedade é vista por alguns autores de forma diferente. Por exemplo: vendedor ð comprador – 2º o artigo 408/1 a transmissão opera neste sentido e de modo automática e imediata- e se houver uma reserva de propriedade aplica-se o artigo 409/1 e o nos diz é que a transmissão continua a ser automática mas não imediata. A quem diga que o que nós temos aqui é uma condição, estamos perante um acontecimento futuro (porque ainda não pagou) e incerto (porque nada garante que ele pague). Então nos termos do art 270º estamos perante uma condição. Se é uma condição ou será suspensiva ou resolutiva: então posso dizer que a propriedade está aqui até ao pagamento dos últimos 10 contos e estou a dizer que a clausula de propriedade é suspensiva – isto é o efeito de transferência da propriedade suspende-se até á verificação do evento futuro e incerto que é o pagamento do preço. Há quem entenda de outra maneira, isto é, o contrato é feito hoje e a propriedade passa para aqui nos termos gerais do art 408ºnº1, mas como há uma clausula de propriedade, teríamos uma condição resolutiva- a propriedade está na titularidade do comprador mas se ele não pagasse as 10 fracções do preço, então como teríamos um acontecimento futuro e incerto, então a propriedade voltaria para trás e o efeito de transmissão da propriedade seria destruído retroactivamente.
Pode-se entender de uma ou de outra maneira, como condição suspensiva ou resolutiva.
Se voltarmos á questão do risco, no art 756ºnº3, a regra é de que quem comprou a coisa a prestações leva-a para casa e se entender que é uma condição resolutiva o adquirente é quem suporta o risco. Se disser que a condição é suspensiva então não aplico a 1º parte do nº 3 mas sim a segunda parte – que quem suporta o risco é o vendedor.
A opinião do Professor Luís Menezes de Leitão não é nem uma nem outra, não se trata aqui de uma condição, isto é, numa clausula de reserva de propriedade, nós teríamos seria uma expectativa, do comprador, uma expectativa real, porque o que está em causa é a aquisição de um direito real, no caso o direito de propriedade, a clausula de reserva propriedade deveria ser configurada como uma clausula que gera uma expectativa real de aquisição – o comprador fica com a expectativa real de vir a adquirir o direito de propriedade sobre a coisa, expectativa transformar-se-á em direito subjectivo no momento em que ele pagar a totalidade do preço. Então não aplico o artigo 756/3 e aplico a regra geral do 756/1. Deixo de ter o dilema de ter de optar pela 1º ou 2ª parte do nº 3.
Ainda na clausula de reserva de propriedade há que ter atenção ao artigo 409 nº 2 e 3. Artigo 304/6 – matéria da prescrição .

10/12/98
Contrato-promessa integra-se numa grande categoria de contratos e negócios preliminares que tem sido desenvolvidos pela doutrina, nomeadamente pela doutrina estrangeira Italiana e quer dizer o contrato pelo qual as partes ou uma delas se obrigam a celebrar de futuro um negócio jurídico definitivo. É usual nas definições de contrato-promessa fazer-se referência (?) justamente á vinculação das partes ou a uma delas á celebração de outro contrato. O contrato-promessa é justamente um contrato pelo qual as partes ou uma delas se obrigam a celebrar um outro contrato.
Na primeira definição que o Professor utilizou não referiu a celebração de um contrato mas antes a celebração de um negócio jurídico porque em vez da promessa de contrato no contrato de promessa pode surgir justamente a promessa de celebração de negócio jurídico que não seja um contrato, por exemplo: a procuração, a confirmação do negócio jurídico anulável, isto porque por questões de precisão deve de ser indicado na respectiva definição de contrato promessa, e o contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ambas ou uma delas, se obrigam a celebrar um outro negócio jurídico. Portanto o contrato-promessa envolve, e por isso é que é chamado um contrato preliminar, a celebração de futuro de um outro negócio jurídico, usualmente um contrato. As partes são chamadas a celebrar um negócio jurídico por mais do que uma vez, o próprio contrato de promessa e depois o negócio jurídico definitivo ao qual se obrigaram.
A lei dá-nos uma noção de contrato-promessa no artigo 410 nº1 – “Á convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato ...” – esta convenção é precisamente o contrato-promessa, e a referência ao contrato é uma referência equivoca, porque embora o exemplo: mais corrente seja as partes obrigarem-se a celebrar um contrato definitivo também é verdade que o pode haver não a obrigação de celebrar um contrato mas um negócio jurídico unilateral. Quando se fala em ambas as partes ou uma delas isto significa que o contrato-promessa pode ser monovinculante ou bivinculante, esta terminologia é do Professor Menezes Cordeiro e quer significar o seguinte: o contrato-promessa é um contrato como qualquer outro contrato, mas é um contrato que tem por objecto o desenvolvimento de uma prestação que consiste justamente na celebração de outro negócio jurídico, que pode ser um contrato ou outro negócio jurídico unilateral. Como contrato que é tem uma estrutura bilateral, tem pelo menos duas partes, no entanto nesse contrato apenas uma parte pode vincular-se á celebração do negócio definitivo ou ao invés ambas as partes podem se vincular, consoante apenas uma das partes vincula a celebração de um negócio definitivo ou ambas as partes se vinculam fala-se em contrato-promessa monovinculante ou bivinculante.
O contrato-promessa é uma figura cuja construção dogmática é relativamente recente, ao contrário de parte das figuras que ainda hoje constam no direito civil, o contrato de promessa não foi desenvolvido pelos Romanos e também na Idade Média pouca atenção teve dos juristas. É no séc. XIX que começam a aparecer as primeiras referências esporádicas ao contrato-promessa ainda sem um tratamento sistematizado, mas a propósito de alguns tipos contratuais normalmente a promessa de compra e venda ou como no caso do código civil Austríaco o contrato de promessa de mutuo. Foram os Alemães sobretudo da escola pandectistica no final do sec. XIX que desenvolveram a figura do contrato-promessa como uma figura geral das obrigações. Curiosamente apesar de este desenvolvimento doutrinal os códigos Europeus do nosso século ainda não tem um tratamento sistematizado da figura. Curiosamente é no nosso código civil que nós encontramos um tratamento completo da figura do contrato-promessa. Esse tratamento encontra-se disperso por várias disposições nomeadamente nos arts 410º a 413º, 442º, e 755º e),f) e 830º do código civil onde o contrato-promessa vem formulado.
Quanto á noção de que falámos à pouco de contrato-promessa monovinculante e bivinculante, para explicar melhor estas definições vamos dar como exemplo: nomeadamente o contrato promessa de compra e venda de fracção autónoma; uma pessoa que pretende comprar uma casa mas que por várias razões pode não poder concretizar imediatamente o negócio, porque por exemplo: o prédio ainda não está construído, ou ainda está em construção e o contrato-promessa surge como uma forma de relativamente a partes que chegaram a um acordo sobre a celebração do negócio definitivo mas que ainda não podem conclui-lo assegurarem uma situação imediata.
Através do contrato de promessa de compra e venda o potencial comprador pode vincular o vendedor a vender e fá-lo através da celebração do contrato de promessa de compra e venda. Mas o contrato pode sendo bilateral vincular apenas uma das partes e não ambas? Pode apenas ser o comprador a vincular-se a comprar bem como pode ser o vendedor a vincular-se a vender, se é o vendedor que se vincula a vender só ele se encontra obrigado á celebração do negócio definitivo que celebrará então apenas e somente na medida em que o comprador queira concretizar o negócio sempre no entanto que o promitente vendedor se encontre vinculado á celebração do contrato definitivo de compra e venda; se for o comprador que ficar vinculado ao contrato é o promitente vendedor que não se encontra vinculado á venda mas se quiser pode exigir do comprador a consumação definitiva do contrato de compra e venda.
Se ao invés ambas as partes se encontram vinculadas pois ambas se encontram obrigadas á celebração do contrato definitivo de compra e venda.
O contrato de promessa é um contrato preliminar, não é ainda o contrato definitivo, o contrato definitivo há-de surgir depois em execução do contrato promessa. O contrato-promessa é o passo intermédio em busca da vinculação definitiva que só surge quando o contrato, ou negócio jurídico unilateral, definitivo – portanto o contrato-promessa serve para vincular ambas as partes ou uma delas á celebração do negócio quando ainda por qualquer razão não há possibilidade de celebração do negócio jurídico em si, porque por exemplo: o prédio não está construído como vimos há pouco. As razões que ditam a celebração do contrato de promessa podem ser as mais variadas. Normalmente quando é celebrado um contrato de promessa as partes tem um acordo sobre o negócio definitivo que querem celebrar e sobre o respectivo conteúdo, apenas se vinculam á sua celebração em momento posterior na medida em que naquele momento não o podem celebrar, então querendo assegurar aquela situação poder celebrar um contrato de promessa. Quanto aos seus efeitos vimos que o contrato promessa pode ser monovinculante ou bivinculante consoante obrigue ambas as partes ou apenas uma delas.
Do ponto de vista da forma o contrato-promessa pode ser consensual ou pode ser formal. Como sabem em matéria do negócio jurídico vale o principio da consensualidade artigo 219 código civil o que significa em principio qualquer forma é admitida para a exteriorização do negócio jurídico. Este principio te no entanto a ressalva da existência de disposição legal que imponha uma determinada forma para o negócio. Essa disposição existe a propósito do contrato de promessa e do contrato de compra e venda.
Regime jurídico do conteúdo do contrato de promessa – quais são os requisitos alusivos que a lei coloca quanto ao conteúdo do contrato-promessa?
A este propósito dispõe o art 410ºnº1, que consagra o principio da equiparação diz o artigo “... são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido” isto quer dizer que por exemplo: num contrato promessa de compra e venda – a lei diz que ao contrato promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido significa que a apreciação do contrato de promessa de compra e venda há-de ser feito: em 1º lugar pelas regras gerais relativas aos contratos (como qualquer outro contrato está sujeito ao regime geral dos contratos, portanto ás regras gerais, como a formação do negócio, os vícios da vontade, da forma, ... ); em 2º lugar a lei manda aplicar as disposições legais relativas ao contrato cometido pelas partes o que significa que se as partes celebram um contrato de promessa de compra e venda também as disposições do contrato de compra e venda são em principio aplicáveis ao contrato de promessa – excepto, diz o artigo 410 nº 1 aquelas disposições relativas ao contrato definitivo pela sua razão de ser não devam ser aplicadas ao contrato de promessa, temos aqui um conceito indeterminado – o intérprete não sabe a partida quando nós recorremos e interpretamos o artigo 410 nº 1, não podemos saber á partida quais são as disposições do contrato prometido que ficam de fora da celebração do contrato de promessa, só perante cada tipo de contrato de promessa em particular é que poderemos saber quais são as disposições aplicáveis ou não ao contrato de promessa.
Vamos imaginar com o exemplo, paradigmático, o contrato de compra e venda, há algumas disposições relativas a este contrato que não fazem sentido serem aplicadas ao contrato de promessa, por exemplo: o art 879º enuncia os efeitos do contrato de compra e venda, e dentro destes está a transmissão do direito que ... e em 3º lugar na alínea C a obrigação de entrega da coisa. Ora o contrato de promessa não é o próprio contrato de compra e venda, é um contrato pelas quais as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo de compra e venda, ora se com o efeito da compra e venda está a transmissão da propriedade esse é um efeito específico da compra e venda, não é ainda a compra e venda definitiva mas um contrato preliminar á compra e venda definitiva, o que significa que essa disposição por exemplo não é aplicável – a obrigação de entrega da coisa do vendedor ao comprador supõe naturalmente que esteja consumado o contrato de compra e venda, não faz sentido que um contrato de promessa na qual não se compra nem vende mas apenas se promete a realização da venda, que o promitente vendedor fique logo obrigado á entrega da coisa – daí que por exemplo: daí que essa disposição não seja directamente aplicável ao contrato de promessa. Estes 2 exemplos tem como objectivo levar-nos a pensar que embora a lei mande aplicar as disposições do contrato definitivo ao contrato de promessa, isto não implica uma aplicação total dessas disposições, tendo o interprete que realizar a interpretação das disposições do contrato definitivo para ver se elas fazem sentido, sendo que apenas são aplicáveis ao contrato de promessa as disposições do contrato definitivo que pela sua razão ser não contentam com a celebração do contrato de promessa. Fim do conteúdo dos negócios jurídicos.
A propósito da lei quando manda equiparar o regime aplicável do contrato de promessa ao contrato definitivo que as parte se vinculam a celebrar, é o de fazer com que quando é celebrado o contrato de promessa o conteúdo do acordo que vai figurar no contrato definitivo esteja já apurado e clausulado no contrato de promessa: exemplo: o contrato de promessa de compra e venda, a lei pretende quando o promitente comprador e o promitente vendedor acordam na celebração do contrato de promessa que todos os elementos do contrato de compra e venda figurem no contrato de promessa porque este contrato de promessa só será válido, nomeadamente se as partes o determinarem o preço, o pagamento do preço, a coisa objecto do pagamento (...), a lei pretende que todos os elementos essenciais da compra e venda figurem no contrato de promessa de compra e venda e por isso as disposições relativas ao contrato de compra e venda que não pressuponham a sua celebração efectiva são aplicáveis igualmente ao contrato de promessa de compra e venda – artigo 410 nº 1 código civil.
O art 410ºnº1, consagra o principio da equiparação que visa tornar aplicável as disposições do negócio jurídico ao tal contrato de promessa – o que significa na prática que o contrato de promessa fica submetido a duas categorias de normas: as regras aplicáveis aos contratos em geral (em questão de capacidade, sobre o objecto ...) e as regras sobre o contrato de compra e venda no caso de ser um contrato de compra e venda, se for um contrato de locação as regras sobre locação, ...
O segundo aspecto desta aula diz respeito á forma do contrato de promessa. Diz o art 410ºnº1, também relativamente á forma do contrato promessa a lei isenta a aplicação da regra de forma do contrato definitivo. Diz que o efeito do art 410º, “Á convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato cometido exceptuadas as relativas á forma e ás que pela sua razão de ser não se devam considerar estabelecidas ao contrato de promessa” – esta última ressalva diz respeito ao conteúdo. Vamos agora analisar a ressalva anterior “... exceptuadas as relativas á forma...” – isto quer dizer que o contrato definitivo é um e o contrato de promessa é outro, o contrato definitivo pode estar sujeito a uma determinada forma mas o contrato de promessa não tem de estar sujeito á forma do contrato definitivo. A lei propositadamente exceptuou a forma porque se por exemplo: todos os contratos de promessa estivessem sujeitos á escritura pública haveriam muitos encargos a ter. Assim isto seria um entravo e a lei não quis criar esse empecilho para os particulares e consagrou para o contrato de promessa a liberdade de forma. Portanto em principio o contrato de promessa é válido independentemente da forma pela qual as partes, os promitentes, exteriorizem a sua vontade, de qualquer forma há que contar com as regras do nº 2 e 3 do art 410º que estabelecem excepções ao limite da liberdade de forma.
O art 410ºnº2 diz “que a promessa respeitante á celebração do contrato para a qual a lei exija documento quer autêntico quer particular só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por A consoante o contrato de promessa seja unilateral ou bilateral”. Quanto a esta última parte do bilateral e unilateral, isto pode levar a confusão com o que diz o Professor Menezes Cordeiro, pois ele diz-nos que o contrato é sempre bilateral quanto á sua estrutura, e é verdade de facto o contrato tem de ter sempre duas partes. Quando o artigo 410 nº 2 fala em unilateral e bilateral é quanto ao facto de ser monovinculante ou bivinculante, portanto é unilateral quando apenas uma das partes se vincula e é bilateral quando ambas as partes se vinculam.
O nº 2 do art 410º é uma excepção á liberdade de forma do nº 1, e quer dizer que quando a lei exigir para o contrato definitivo uma forma escrita o contrato de promessa só é válido se for celebrado por escrito ex: contrato de compra e venda de imóveis segundo o art 875º do código civil tem de ser celebrado por escritura pública, forma escrita, ora se a lei exige aqui a escritura pública então o contrato de promessa só é válido se for escrito. A lei relativamente aos contratos que devam ser feitos por escrito, como é o caso do contrato de arrendamento e do contrato de compra e venda de imóveis, exigiu também que devam de ser assinados pelas partes que se lhe imponham, se é monovinculante e o contrato de promessa tenha de ser reduzido a escrito então a parte que vincula tem de o assinar, se forem ambas as partes a vincular então ambas terão de o assinar. Um caso que surgiu muito nos tribunais e que nem sempre tinha a mesma solução era: um contrato de promessa bivinculante assinado apenas por uma das partes, isto quando a lei exige que se ambas as partes se vinculam ambas tem de assinar, qual é o valor deste contrato?
Esta polémica recebeu duas soluções: o contrato ou era parcialmente nulo (no entanto como a lei permite o aproveitamento dos negócios nulos nos termos gerais da redução do negócio jurídico considerava-se que o negócio era nulo mas parcialmente aproveitável nos termos do art 292º, que permite que o contrato subsista na parte que não seja afectada pela nulidade desde que isso não contrarie a vontade das partes, o que significava que um contrato de promessa bivinculante ficava reduzido a monovinculante); ou totalmente nulo (mas podia ser convertido nos termos do 293 para um contrato de promessa monovinculante).
A solução dos arts 292º (quem adoptar esta solução leva a sustentar que o contrato em principio é válido ainda que parcialmente) e 293º (leva a que seja a parte que pretende fazer valer-se da validade do contrato que as partes teriam celebrado na mesma o contrato de promessa se tivessem previsto o vício do contrato) apesar de parecerem idênticas são diferentes. A melhor solução será a do art 292º.
Art 410ºnº3, quanto ás exigências de forma. Em meados da década de 80 quando o último regime do contrato de promessa entrou em vigor, último regime porque até agora houve 3 regimes jurídicos do contrato de promessa: o inicial quando o código entrou em vigor em 1966; posteriormente houve a revisão de 1980 e depois dessa revisão devido aos enormes problemas de interpretação que essa revisão gerou surgiu um diploma em Novembro de 1986 que deu a redacção definitiva (decreto-lei 379/86 de 11/11). Em 1986 havia um grande problema de tutela dos particulares que queriam comprar casa para habitação, haviam dois aspectos diferenciados: um era o problema da proliferação da habitação clandestina e o outro tinha a ver com a necessidade do estado inserir mecanismos de controlo administrativo relativamente a prédios que não tinham condições para o fim a que se destinavam. Por forma a introduzir um mecanismo que fosse defesa dos particulares, um espécie de tutela do consumidor potencial adquirente de um imóvel para habitação ou para um fim comercial por um lado, por outro o tentar combater a exploração de prédios que não teriam as condições mínimas para o fim, levou a que o legislador aumentasse a burocracia relativamente a um tipo de contrato de promessa – o contrato de promessa de constituição ou de transmissão onerosa de direitos reais sobre edifícios a construir, em construção ou já construídos ou fracções autónomas. Essa burocracia consistia em exigir que os contratos promessa relativos a essas coisas para além da exigência de forma escrita tivessem reconhecimento presencial e fosse exibido ao notário licença de utilização de construção ou de utilização. A violação de qualquer um deste princípios origina a nulidade do contrato de promessa. Mas havia um problema, é que muitas vezes os promitentes vendedores numa época de inflação alta tinham interesse em provocar contratos nulos a assim os compradores que não tinham conhecimento destas formalidades viam os seus contratos sujeitos a nulidades sem saberem que tinham sido provocadas culposamente pelos promitentes vendedores. Para evitar estas nulidades o legislador criou no artigo 410 nº 3 um mecanismo de defesa que o promitente transmitente possa invocar o vício de forma excepto se for culposamente causado pela outra parte. Se for o promitente comprador a causar o vício de forma a lei admite que o promitente transmitente possa invocar o vício de forma mas se o vício não for culposamente causado pelo promitente comprador então o promitente vendedor não pode ele invocar a nulidade devido ao vício de forma.
Nos termos do art 286ºcc qualquer interessado pode arguir a nulidade de um negócio jurídico aqui é o inverso, a lei nega ao promitente vendedor a possibilidade de invocar o vício de forma temos aqui uma nulidade atípica.
Põem-se outro problema: o de saber se pode um terceiro oficiosamente requerer a nulidade do contrato-a doutrina diz-nos que se for apenas o vício for apenas a falta de reconhecimento presencial das assinaturas apenas as partes (e nomeadamente o promitente adquirente) podem invocar esse vício. Relativamente á falta de apresentação da licença de utilização ou de construção a maior parte da doutrina, e uma vez que é um interesse público e o estado quer fazer um controlo sobre a proliferação da habitação clandestina, pode haver interesse e que esse interesse se manifeste por terceiro que possa invocar o vício de nulidade do contrato de promessa em que não houve apresentação no notário da licença de utilização ou de construção.

15/12/98

17/12/98


05-01-99
Pacto de preferência, previsto no artigo 414 e seguintes do código civil. O pacto de preferência de acordo com a definição que consta do artigo 414 refere o pacto de preferência como uma convenção pela qual alguém assume a obrigação de atribuição da preferência a outrem na venda de determinada coisa. Esta definição é propositadamente restritiva uma vez que a lei refere no artigo 414 apenas a venda, mas o artigo 423 vem logo esclarecer que o pacto de preferência não se resume apenas à venda e portanto é uma figura geral possível em todos os contratos com ela compatíveis, por exemplo: a obrigação de preferência pode ter por objectivo uma venda, mas também pode ter por objecto, para dar um exemplo, um arrendamento ou um aluguer. São tudo contratos compatíveis à obrigação de preferência. Já não será compatível a relação uma vez que há um contrato de intuito “correçoni” .
Em que é que consiste então o Pacto de Preferência ? Como se disse, é a convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na celebração de determinado contrato. Dar preferência na celebração de determinado contrato, ao contrário do que se passa com contrato promessa, não implica uma obrigação de contratado. Implica sim uma obrigação de, caso decida contratar, escolher aquele contratante se ele estiver disposto a oferecer as mesmas condições que outro contratante na mesma situação. Portanto ao contrário do que se refere no contrato promessa, em que há efectivamente uma obrigação de contratar, no Pacto de Preferência não há obrigação de contratar, há apenas uma obrigação de, caso se decida contratar dar preferência a outrem, ou determinada pessoa, caso ela ofereça as mesmas condições que outrem.
Precisamente por essa indicação relativa ao Pacto de Preferência, o Pacto de Preferência não é de certa forma ainda um contrato preliminar, não resulta a obrigações de contratar, mas resulta numa obrigação de dar preferência em relação a determinado contrato futuro. Por esse motivo justamente, a lei vem sujeitar o Pacto de Preferência ao mesmo regime de forma do contrato promessa, ou seja, o artigo 415 remete-nos para o regime do nº 2 do artigo 410, dizem-nos que a promessa em relação à celebração do contrato para o qual a lei exija documento, quer autentico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula. Aqui a parte que se vincula a dar preferência é naturalmente apenas a obrigar a preferência, portanto só ele é que tem assinar o Pacto de Preferência de acordo com a indicação prevista neste, na remissão do artigo 415 pelo nº2 do artigo 410. Só em caso de haver preferência recíprocas, mas aí no fundo trata-se da conjunção de dois Pactos de Preferência relativamente a objectos distintos, em que pode haver obrigações de assinarem os dois. Caso contrário, apenas o obrigado à preferência tem que assinar o Pacto de Preferência . O Pacto de Preferência por esse motivo é naturalmente um contrato unilateral estabelecido com uma obrigação de dar preferência ainda que possa haver retribuição como contrapartida dessa preferência.
Neste âmbito, relativamente a esta situação do Pacto de Preferência deve no entanto esclarecer-se que do Pacto de Preferência resulta a denominada Obrigação de Preferência.
A Obrigação de Preferência consiste precisamente na obrigação de quando alguém decide contratar dá preferência a outrem, ou seja, de comunicar à outra parte se pretende ou não exercer o direito de preferência e caso pretenda exercer, por desejar não celebrar o contrato com a pessoa que estava nas mesmas condições, mas sim com aquele, o titular da preferência . Ora esta Obrigação de Preferência, portanto como se lhe vê tem o regime expresso previsto nos artigo 416 a 418 que se referem à denominada Obrigação de Preferência e esta localização do próprio contrato de preferência da própria Obrigação de Preferência nestes artigos. A propósito do Pacto de Preferência, não deve fazer esquecer que existem situações em que a Obrigação de Preferência não surge em função de uma Pacto de Preferência, mas surge em virtude certos titulares de direitos terem direitos reais menores ou direitos pessoais de gozo, terem possibilidade de, em certas condições, adquirir a coisa objecto desses direitos. Trata-se da situação das preferências legais, ou seja, preferências que a lei concede a determinados titulares de direitos reais ou direitos pessoais de gozo, como um arrendatário, de exercer com a preferência sobre as coisas objecto desse direito.
A situação aqui prevista neste âmbito tem como exemplo paradigmático a posição do co-proprietário, em que se refere a esta situação do artigo 1409, que nos diz que o co-proprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais em caso de venda ou de acção em cumprimento a estranhos da quota de qualquer dos seus consórcios, portanto como se vê, não apenas no caso do Pacto de Preferência, mas também numa situação de preferência legal, existe esta Obrigação de Preferência, e esta Obrigação de Preferência rege-se sempre pelas mesmas normas do artigo 416 a 418, é assim a situação para onde remete o artigo 1409, número 2.
A mesma coisa faz o regime do arrendamento urbano, a propósito da chamada preferência do arrendatário, o chamado decreto de lei 321-B90, que prevê expressamente o direito da preferência do arrendatário nos artigos 47 e seguintes do regime do arrendamento, portanto o decreto de lei 321-B90 de 15 de Outubro. Este decreto lei, também no seu artigo 49 remete mais uma vez para os artigos 416 a 418, portanto, este regime da Obrigação de Preferência no seu artigo 49 aparece como paradigmático, não apenas no Pacto de Preferência, como também de situações que atribuem o direito legal de preferência. Neste âmbito portanto, conforme se vê, a nossa lei estabelece a aplicação dos artigos 416 a 418 a toda esta figura do direito de preferência.
Inclusivamente também mais um exemplo relativamente ao proprietário do solo do âmbito da superfície também goza do direito de preferência previsto pelo artigo 1585 e o número 2 desse mesmo artigo manda também aplicar os artigos 416 e 418. Isto implica fazermos uma classificação: Classificação dos Direitos de Preferência. Consoante a sua origem legal ou contratual, tratando-se de direitos legais de preferência, portanto direitos concedidos por lei, como vimos no exemplo, ao co-proprietário, ao arrendatário, ao proprietário do solo do caso da superfície, a própria lei concede o direito de preferência em caso de venda ou de acção em cumprimento da coisa objecto dos seus direitos. Pelo contrário os Direitos de Preferência convencionais têm por base o Pacto de Preferência, ou seja, o pacto celebrado entre duas pessoas, em princípio que não são titulares dos Direitos de Preferência e que um deles adquire o Direito de Preferência em consequência dessa celebração. Uma característica, no entanto, deste regime é a seguinte: os Direitos de Preferência legais têm a eficácia real, o que significa, conforme iremos verificar a seguir, a possibilidade de opor a terceiro o Direito de Preferência. Pelo contrário, os Direitos de Preferência convencionais, os chamados Pactos de Preferência, podem ter eficácia obrigacional ou podem ter, portanto, área de eficácia, ou seja, daí esta classificação que nós temos que fazer. Se, se tratar sempre de um direito de preferência atribuído por lei, já sabemos que ele tem sempre eficácia real, é essa a rega estabelecida.
Pelo contrário, o Pacto de Preferência em princípio não tem eficácia real, é esse o regime que resulta dos artigos 414 e seguintes que têm apenas eficácia obrigacional. Daí por isso, em princípio, não é oponível ao terceiro que adquira a coisa. Só tem eficácia real nos casos do artigo 421, ou seja, se respeitando a bens imóveis ou móveis desse registo, forem observados os registos de forma e publicidade exigidos no artigo 412.
Portanto, nestes casos a classificação que nós temos então é esta: o Direito de Preferência pode ter eficácia real ou pode ter eficácia obrigacional. Tem eficácia real sempre que se tratar de direitos legais de preferência, portanto direitos concedidos por lei e tem eficácia obrigacional no caso do Pacto de Preferência. Este porém, ainda pode ter eficácia real se, se tratar de bens imóveis ou móveis desse registo e tiverem sido observados os mesmos requisitos de forma e publicidade necessários para atribuir ao contrato promessa a chamada eficácia real, como sabe a escritura pública e a inscrição de um registo, excepto se a lei não exige essa forma para o contacto preferível em que basta simples documento assinado particular com reconhecimento de assinatura.
No entanto, em todos estes regimes de Direito Legal de Preferência, Direito de Pacto de preferência e Direito Convencional de Preferência, com eficácia real ou sem eficácia real é sempre aplicável o regime da Obrigação de Preferência, constante dos artigos 416 a 418, portanto, que se trata de um regime genérico a toda a Obrigação de Preferência. Apesar de ser colocado aqui, a verdade é que há sempre uma remissão nos diversos preceitos para estas normas. Estas normas são genéricas, aplicáveis a toda a Obrigação de Preferência.
Nota do professor: A este propósito devo recomendar como elemento de estudo sobre a Obrigação de Preferência o livro do Doutor Carlos Lacerda Barata, que os senhores já conhecem, porque ele substituiu em duas aulas e portanto se domina a Obrigação de Preferência e é um elemento de estudo imprescindível para esta matéria.
Quanto à Obrigação de Preferência, o legislador impõe em primeiro lugar ao artigo 416, o chamado dever de comunicação. Este dever de comunicação que aparece no artigo 416 coloca algumas dúvidas, porque nos diz que querendo vender a coisa que é o objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito, o projecto de venda e as clausulas do respectivo contrato.
No fundo, o exercício do comprimento da obrigação de preferência faz-se quando se tem um contrato preferível comunicar ao titular da preferência a seguinte situação: “Eu tenho um contrato preferível, portanto estás disposto a preferir nestas condições...”indicar o projecto de venda e as clausulas do respectivo contrato. Daí portanto que seja necessário sempre estabelecer precisamente uma comunicação para preferências, é este o sentido, não bastando para esta possibilidade fazer uma proposta contratual. Por exemplo imaginemos o seguinte: há alguém que está interessado em adquirir um Ford T, por hipótese. Compromete-se a oferecer vários milhares de contos por ele, mas quando lhe pedem um preço excessivo, diz o seguinte: “prefiro uma Obrigação de Preferência”. Se encontrar alguém que dê uma quantia avultada sobre este carro, eu pretendo preferir. Em vez de receber uma comunicação de preferência, “o fulano tal oferece 10 mil contos ”por hipótese, o titular da preferência recebe uma proposta contratual, dizendo “queres comprar um Ford T por 10 mil contos?”. A posição do dotado da preferência é completamente diferente se lhe disserem que lhe oferecem o carro por dez mil contos ou se lhe disserem que há outra pessoa que o vai comprar por dez mil contos, assim para haver uma comunicação para preferência não basta haver uma proposta contratual, tem que se fazer uma proposta relativamente à existência de uma efectiva comunicação para preferência, ou seja, não basta dizer que se vende o carro por dez mil contos “queres comprar?”, tendo que se dizer que há outrem interessado em comprar o carro por dez mil contos “queres preferir?”.
A comunicação por preferência não é uma proposta contratual e implica sempre a referência a um contrato preferível. Portanto não há renuncia para preferência se alguém rejeita uma proposta contratual, mas que não é feita sobre a forma de comunicação por preferência, porque mesmo que se venda nas mesmas condições ao terceiro, a verdade é que violou a preferência, dado que não fez a comunicação por preferência conforme a lei refere, refere projecto de venda e clausulas do respectivo contrato. Quanto às clausulas do respectivo contrato a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva uma vez que indica expressamente que não serão necessárias todas as clausulas com detalhe, bastam os elementos essenciais do próprio contrato, aqueles necessários para formar a decisão relativamente à preferência. Portanto é esta a comunicação que aqui nos aparece.
Uma dúvida que tem vindo no entanto a surgir na doutrina é se o obrigado à preferência tem que identificar o nome da outra parte a que pretende vender. Já se sabe claramente que esta comunicação não pode surgir depois de ter sido celebrada a venda, porque aí já há violação da própria preferência. Deve surgir antes de ter sido celebrado este contrato, mas pergunta-se se na comunicação por preferência é necessário indicar o nome da outra parte, ou se pelo contrário, a comunicação por preferência fica satisfeita com a simples indicação de que existe alguém a comprar com o preço X, nas seguintes condições sem indicar aquele nome. Esta questão tem lançado alguma dúvida na doutrina.
A posição do Professor Menezes Cordeiro, que consta das vossas lições, é por força do princípio da boa fé que a informação deve ser completa e que a comunicação por preferência deve envolver o nome da pessoa a celebrar o contrato.
Pelo contrário, o Doutor Carlos Lacerda Barata não é tão exigente nessa teste, e vem dizer que em princípio a indicação do nome da outra parte não é necessária, só sendo necessária em casos em que do não exercício da preferência, fiquem a surgir relações entre o titular do direito e a parte que celebrou aquele contrato, como por exemplo na parte do co-proprietário, se o co-proprietário decidir não exercer a preferência da venda da quota já sabe que quem comprar a quota fica seu proprietário. Da mesma forma se o arrendatário prescindir da preferência da compra do prédio, fica a saber que quem o comprar fica seu senhorio. Daí que, para o Doutor Carlos Barata, só nestes casos há necessidade de saber a entidade de quem celebrou o contrato.
Em meu ver (professor) parece-me que em todos os casos deve ser obrigatório indicar o nome da outra parte com quem se quer celebrar o contrato. Caso contrário não parece possível existir aqui um efectivo exercício do Direito de Preferência, porque por exemplo, imaginemos a situação: Normalmente o exercício da preferência faz-se com alguém que não está em condições de dar o preço que é pedido, mas aceitará dar esse preço para evitar que o bem seja vendido a outra pessoa. É essa a função a meu ver (professor) da própria preferência, dizer “não acredito que exista alguém no mercado que compre a este preço, se existir no entanto, eu quero preferir”, no fundo, a função da preferência essencialmente é esta. Imaginemos a situação de preferência anterior do Ford T em que o senhor recusa pagar os 10 mil, mas que resolve preferir: no dia seguinte recebe uma comunicação do obrigado à preferência a dizer “encontrei alguém que quer comprar a esse preço, quer preferir ou não”, naturalmente que aí sem indicação do nome da outra parte é muito difícil ao titular da preferência ter condições para um efectivo exercício da preferência.
Já é fácil de colidir a preferência com a simulação, mesmo indicando o nome da outra parte, se não for indicado o nome então ainda mais fácil será esta regra. Portanto me (professor) parece de concordar com a posição, que a meu ver a referência a este projecto de venda implica a referência do nome do eventual adquirente, e que caso não seja realizada essa situação não haverá uma efectiva comunicação para preferência, porque caso contrário não me parece que sem indicação do nome do requerente hajam efectivas condições para o exercício da referência. O titular da preferência terá sempre dúvidas se existe ou não simulação em relação à comunicação para preferência.
A preferência efectuada como comunicação neste caso, a lei estabelece um prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se o requerente especificar prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo. Portanto o prazo supletivo é de oito dias, aqui de referir neste âmbito. Atenção portanto à forma de cálculo deste prazo, conforme os senhores ?? (contador 16) civil, o prazo de oito dias , por força da aplicação conjugada do artigo 297 e do artigo 279 é calculado numa semana, e que termina às vinte e quatro horas do dia que corresponda na semana seguinte, que correspondem a oito dias no total e não a oito dias úteis. Caso seja bem exercida a comunicação e não seja exercido o direito dentro do prazo de oito dias, existe a chamada caducidade da obrigação de preferência.
Uma discussão que tem havido na doutrina e que no fundo se reconduz à própria natureza da obrigação de preferência, pergunta-se o seguinte: imaginemos a hipótese do caso da venda de imóveis e de alguém que tem direito a preferência, o obrigado à preferência comunica que encontrou um interessado em comprar o imóvel pelo qual pedia 10 mil contos e pergunta se quer preferir. O titular efectivamente indica que está interessado em preferir, dentro do prazo dos oito dias, mas apesar disso, o obrigado à preferência decide não celebrar o contrato com nenhum deles. Pergunta-se se nestes casos há violação à preferência ou não? Se, se conjurar que existe, a questão no fundo depende da configuração do Pacto de Preferência e se, se considerar que neste caso existe violação da preferência, implica que a violação da preferência é uma obrigação de conteúdo positivo, ou seja, no fundo uma obrigação de celebrar o contrato em caso de a pessoa dar as mesmas condições que outrem. Pelo contrário, quem entenda que ainda não há violação da preferência resulta da configuração da preferência como obrigação de conteúdo negativo, ou seja, não celebrar o contrato com mais ninguém a não ser com o preferente. A tese que apresenta o Doutor Carlos Barata e com a qual eu tendo a concordar é que efectivamente a obrigação por preferência tem conteúdo negativo. Não é violada enquanto não é celebrado um contrato incompatível com a preferência e portanto neste caso a situação seria esta, especialmente põem-se o problema em caso de eficácia real parece-me (professor) errado configurar que se alguém comunica a preferência e a outra parte não celebra o contrato já há incumprimento definitivo daquela obrigação. A meu ver a obrigação por preferência só é violada quando efectivamente o bem é alienado a um terceiro, portanto quando é celebrado um contrato incompatível com a preferência. Atenção no entanto que a celebração de um contrato incompatível com a preferência, implica a celebração de um contrato idêntico àquele a quem se dá a preferência, por exemplo, se alguém dá a preferência do arrendamento a outra pessoa, isso não o impede de vender o prédio. Aí não violou qualquer obrigação por preferência, porque limitou-se a dar preferência no arrendamento, “caso eu decida arrendar escolho as si como arrendatário se der que outrem”. Se depois decide vender o prédio, não há qualquer violação da preferência.
Neste âmbito portanto a regra que nos aparece, neste caso, ainda o artigo 417 e 418, vem esclarecer o funcionamento da obrigação de preferência no caso das chamadas uniões de contratos e contratos mistos. A primeira hipótese que não aparece neste âmbito, quanto à chamada situação das uniões de contratos que vem referida no artigo 417, como sabem estes artigos são essencialmente referidos à compra e venda, embora tenham que ser extensivos por força do artigo 423, a todo e qualquer contrato compatível com a obrigação por preferência e aí portanto faz-se referência à união de contratos da venda da coisa juntamente com outro ou outras pelo preço global. O que se sucede? Imagine-se o seguinte exemplo: alguém tem uma fracção autónoma do prédio e que tem direito de preferência sobre essa fracção autónoma, na venda dessa fracção autónoma, mas o titular do prédio é por hipótese dono de todas as fracções e decide vendê-las em conjunto pelo preço global. Em vez de vender a fracção do titular da preferência decide vender as 20 fracções todas de uma vez, uma chamada assim, situação de união de contratos relativamente a esta hipótese. Não estipula portanto um preço para cada fracção, dizendo antes que o prédio (todas as fracções) é vendido pelo preço de X. A lei estabelece que nesta hipótese, a obrigação de preferência pode ser exercida em relação à coisa pelo preço proporcional que lhe for atribuído, portanto estabelece o preço em proporção. No entanto o obrigado pode exigir que a preferência abranja todas as restantes se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável. Normalmente, a própria doutrina entende que se a separação das coisas afectar todo o contrato, por exemplo suceder que alguém diz: “eu compro o prédio, mas somente se me forem vendidas todas as fracções”, que nesse caso há prejuízo apreciável com o exercício da preferência a apenas a uma das fracções e aí portanto, o obrigado pode exigir que a preferência abranja tudo, ou seja, que ou a preferência abrange tudo ou que não pode exercer o direito à preferência. É essa a regra consagrada neste caso e que no fundo atenua um pouco as possibilidades de exercício, no caso da união de compromissos. Outra situação que nos aparece é o chamado exercício da frequência dos contratos, que é a regra bem referida do artigo 418, sobre a denominação de prestação de acessórios, que é quando o obrigado recebe de terceiro a promessa de uma prestação acessória que o titular da preferência não pode satisfazer, por exemplo imaginemos que alguém deu preferência na venda de alguma coisa, mas a outra parte disse que além de, por hipótese, pagar determinado preço, presta também serviço de qualquer natureza que o titular da preferência não está capacitado para fornecer, aí diz-nos a lei que essa prestação é compensada melhor, no fundo o que o (...) (contador 95/96) por princípio faz é compensando em dinheiro o valor da prestação acessória. Agora, no entanto, se esta não for avaliável em dinheiro, portanto se, se tratar de uma prestação de acessório de natureza não patrimonial, aí a bem dizer que é excluída a preferência. Isto porque aquele contrato não se apresenta como um contrato preferível, porque em vez de se estar a vender alguma coisa por um preço, estou a vender uma coisa em troca, não apenas no preço, mas também de uma prestação de serviços com valor não patrimonial e que não podem ser realizados por outra pessoa e daí por isso o (...) (contador 101/102) diz que neste caso não estamos perante um contrato preferível, não há uma verdadeira venda , mas sim um contrato misto que deve por esse motivo afastar a preferência. Neste caso a preferência é afastada para evitar a fraude, que é quando seja lícito resumir que mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria de ser efectuada, tratando-se no fundo de uma prestação acessória de pouca natureza ou quando a prestação é convencionada para afastar a preferência para expressamente defraudar o titular da preferência. Se, se tratar deste último caso o preferente não é obrigado a satisfaze-la mesmo que esta seja avaliável em dinheiro. Esta é a situação prevista para o regime de contratos mistos. Aqui deve dizer-se essencialmente que a preferência tem um carácter intuito “persona”. Normalmente quando alguém celebra um Pacto de Preferência tem em consideração absoluto do preferente, só por esse motivo é que estabelece tal vinculação em relação à sua liberdade contratual. Por esse motivo expressamente o artigo 420 vem afastar a transmissibilidade em vida ou por morte do direito de preferência, salvo estipulação em contrário. Aqui afasta-se o regime do contrato promessa, em princípio aqui não considera o direito do promitente como pessoal, por força do artigo 412.
O Pacto de Preferência pelo contrário o direito e obrigação de preferência são considerados de natureza intuito “persona” e daí portanto não são transmissíveis nem em vida nem por morte, só por estipulação expressa em contrato. Cabe referir ainda o regime de haver vários titulares com preferência, aí nós temos duas hipótese, ou uma pertença simultânea a vários titulares, portanto haver várias pessoas que simultaneamente devam exercer preferência, então nessa altura esse direito só pode ser exercido em conjunto, ou seja, todos têm que exercer a preferência em conjunto, se no entanto o direito se extinguir em relação a alguns deles ou se algum declarar que o não quer exercer, acresce o seu direito aos restantes, se no entanto o direito pertencer a mais de um titular mas houvesse exercido apenas por um deles, na falta de designação abrir-se-á licitação entre todos revertendo o excesso para o alienado, é portanto no fundo esta regra que existe havendo vários titulares da preferência, mas só um deles o podendo exercer, faz-se o leilão para ver quem oferece mais e o excesso reverte para o alienado, não confundir no entanto esta situação com o chamado conflito entre direitos de preferência. Aí neste caso se, se tratar de um direito convencional de preferência, diz-nos a regra do artigo 422, não prevalece contra os direitos legais de preferência.
No fundo se alguém tem um Pacto de Preferência e alguém tem um direito legal de preferência então o que tem o direito legal de preferência tem prevalência sobre o titular do direito convencional de preferência, mesmo que o direito de preferência goze de eficácia real, se não gozar de eficácia real nem sequer pode ser. Procede numa alienação efectuada em execução, valência ou insolvência, no caso de se tratar de direitos legais de preferência própria lei estabelece a hierarquização entre eles, não há exercício simultâneo de direitos de preferência, por exemplo no caso do co-proprietário, a lei estabelece expressamente que o co-proprietário tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda ou de acção em cumprimento, isto por força do artigo 1409 nº 1, em caso de haver situações de co-propriedade e de outros titulares de direito é o co-proprietário que exerce em primeiro lugar. Por exemplo também, no caso da superfície a lei diz-nos que o proprietário do solo goza do direito de preferência em último lugar na venda ou na acção em cumprimento do direito de superfície, aqui esta hierarquização que nos aparece estabelece entre os vários titulares dos direitos de preferência.
Cabe examinar quais são as consequências da violação do Pacto de Preferência. A obrigação de preferência é um mero direito de crédito, quando ele é violado dá lugar à indemnização por incumprimento, mas o terceiro não pode ser afectado por força do princípio da não eficácia externa a não ser em casos excepcionais do direito de crédito em relação a terceiros, portanto se A se obriga a dar preferência a B, no caso de B querer preferir e depois vende a C sem cumprir a obrigação por preferência, a situação que nós temos é esta, o bem neste momento é do comprador que tem o direito real, pelo que o titular da preferência já não pode adquirir o bem, porque se tratava de uma obrigação de outrem que já não é titular e portanto só pode obter indemnização por incumprimento.
Uma posição defendida pelo professor Menezes Cordeiro nas suas lições que na altura defendia com um carácter bastante mais amplo do que hoje defende a admissibilidade da eficácia externa dos direitos de crédito. E por isso vem a admitir, com base na violação dos direitos de crédito invocar a nulidade da venda caso o terceiro estivesse de conhecimento e baseado nessa tese admitir a possibilidade de o titular da preferência opor o seu direito. Neste momento ele tem um opinião mais restritiva de modo que se pensa (professor aula) que ele já não defende essa tese. Toda a doutrina e toda a jurisprudência entende que se o pacto de preferência tem eficácia meramente obrigacional, o terceiro em princípio não pode ser demandado porque adquire o direito real e dá-se o chamado conflito entre o direito de crédito e a sua não eficácia externa perante o titular e o direito real. Já no caso de o titular da preferência ter eficácia real, aí a situação passa-se de forma distinta, porque aí nós temos o que se denomina um direito real de aquisição. Isto significa quer o titular de preferência tem o direito de adquirir o bem e que é o direito real e que portanto por força da prevalência dos direitos reais é possível de se opor a todo e qualquer direito posterior.
Precisamente por isso nós temos a possibilidade de haver eficácia real, situação prevista no artigo 421 desde que sejam respeitados os registos de forma e publicidade já referidos para o contrato de promessa, a mesma situação há um direito real de aquisição o titular da preferência pode precisamente nesse caso opor eficazmente o seu direito de preferência ao terceiro e ficar com o bem em lugar desse mesmo terceiro. Essa posição é exercível, e conforme se vê sucede quando o Pacto de Preferência tem eficácia real, mas também é regra geral a todos os direitos legais de preferência, porque todos os direitos legais de preferência têm eficácia real. Quando têm eficácia aplica-se a chamada acção de preferência só pode ser exercida pelo titular do direito de preferência que tem eficácia real. Quem tenha um mero direito obrigacional de preferência não pode obter acção de preferência, apenas pode pedir indemnização por incumprimento. A acção de preferência aparece no artigo 1410 a propósito da preferência do co-proprietário, mas que se refere por remissão já vimos que o artigo 421 nº2 remete para lá e também o fazem os outros artigos que atribuem preferência legais. A acção de preferência prevista no artigo 1410 indica-nos que o co-proprietário a quem se não dê o conhecimento da venda ou da acção em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contado que o requeira dentro do prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos 15 dias posteriores à interposição da acção. Aqui, no regime anterior, era nos oitos dias seguintes ao despacho que ordena a citação dos réus. Desde, no entanto, a entrada em vigor do novo código processo civil, deixou de haver despacho de citação e portanto passou a ser os 15 dias posteriores à interposição da acção. Neste âmbito portanto a regra que existe neste caso é esta: alguém vendeu um bem, havia um titular de preferência e não se lhe deu conhecimento da venda ou de uma acção em cumprimento, nessa altura ele pode ficar com coisa vendida, desde que ele o requeira dentro de 6 meses, desde o momento em que ele teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação. O titular pode ter conhecimento da alienação, mas se por exemplo não tem conhecimento do valor de venda do bem a terceiro, então não tem conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação e não iniciou o prazo para interpor a acção de preferência. Só então poderá exercer dos seus direitos de preferência.
Neste caso a questão que existe é esta (uma discussão bastante colocada pela doutrina) : é saber contra quem é que deve ser interposta a acção de preferência. Tradicionalmente a acção de preferência neste momento só tem utilidade se for demandado o adquirente e como bem se compreende é neste momento o adquirente o titular do bem, para que o titular da preferência fique com o bem o adquirente terá que ser demandado. A dúvida que existia era se o alienado tem de ser demandado ou não, pela seguinte razão: é que a posição do obrigado à preferência, na acção de preferência costuma ser meramente passiva pela razão de ele já ter recebido o preço. A discussão que resta é se o bem fica com o adquirente ao com o titular da preferência. Se o bem ficar com o titular da preferência, este deposita o preço e o preço é entregue ao adquirente, mas o obrigado à preferência não ganha nem perde nada a não ser que cumulativamente lhe seja pedida uma indemnização. Se nada lhe for pedido, se for somente pretendida exercer a preferência, a sua acção é meramente passiva, de modo a que a posição da jurisprudência e a posição da doutrina tem sido a posição que o obrigado à preferência era parte ilegítima para a acção de preferência. Esta posição sempre teve uma vigorosa oposição do professor Antunes Varela, que como voz isolada veio sempre a defender que existia um litisconsórcio necessário entre o obrigado à preferência e o terceiro adquirente, litisconsórcio passivo e ambos teriam que ser demandados naquela acção, caso contrário não se poderia saber da existência ou não de violação da própria preferência. Esta posição era baseada no argumento literal do artigo 1410, que na versão anterior dizia “despacho que ordena citação dos réus”. Estava no plural a referência a réus, hoje em dia já não está sequer esta referência e daí ele ter defendido essa posição isoladamente. Recentemente porém a jurisprudência inverteu a sua posição e tem vindo a seguir a posição do Professor Antunes Varela uma vez em argumento ponderoso de que é o incumprimento do obrigado à preferência que dá causa à acção de preferência. Para saber se há ou não lugar à acção de preferência tem que ser demonstrado que o obrigado à preferência, não cumpriu a obrigação à preferência. É essa a causa da obrigação de preferência e esta argumentação é de facto uma argumentação ponderosa, melhor que o argumento literal e que demonstra que o obrigado à preferência deve ser demandado para a acção em termos de litisconsórcio. Não é essa a posição do Professor Menezes Cordeiro que nos diz que basta mandar o terceiro adquirente. No entanto a jurisprudência tem vindo a inverter a sua posição inicial e defende que basta demandar os dois e será esta a melhor posição.
Relativamente á questão da obrigação de preferência deve-se dizer que uma discussão que tem surgido quanto á acção de preferência é quanto ao preço devido que aqui nos aparece referido em que tinha sido discutido também pela jurisprudência se quando se refere o preço devido é apenas o preço estabelecido pela transacção ou se também tem de ser depositadas as outras importâncias que por lei estão a cargo do comprador, como seja a sisa ou as despesas de registo que a lei faz recair sobre o comprador. A posição que tem prevalecido é que o preço devido é apenas o preço, não é necessário depositar as outras importâncias.


7/1/99
Vamos ver a questão da preferência na simulação e a seguir entraremos na matérias do contrato feito a favor de terceiro.
Relativamente á questão de preferência na simulação aqui tem vindo a surgir algumas questões relativamente ao problema de como exercer quando está perante um negócio simulado. Uma vez que principalmente nos casos em que a preferência tem uma eficácia real há tentação de o obrigado á preferência por conluio com a outra parte simular uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada através da qual ou pretende ilidir a preferência ou ilidir qualquer outro regime.
Neste âmbito precisamente por esse motivo põe-se a questão de saber quid juris quando a preferência é exercida no âmbito do negócio simulado. A regra tradicional que se encontra prevista a propósito da simulação consta do artigo 240 e 241, onde se prevê que o negócio simulado é nulo sendo válido o dissimulado.
Isto significa que se alguém resolver vender um prédio por 20.000 contos quando o está a fazer por 10.000 para afastar o exercício da preferência, nenhumas dúvidas existem de que o titular da preferência tem possibilidade de preferir o preço real. Há no entanto um problema que fica colocado quando a simulação se fez, não para afastar o direito de preferência mas por outra razão qualquer, por exemplo: na tentativa de enganar o fisco no caso dos imóveis – o chamado imposto de sisa – neste âmbito pode suceder que o comprador e vendedor celebrem um negócio simulado quanto ao preço declarando um preço inferior ao efectivamente praticado. Neste caso imaginemos alguém que está a vender um imóvel por 40.000 mas a fim de pagar menos sisa declara só 20.000. Acontece no entanto que há um direito de preferência e ele aparece a exercer o direito de preferência. A questão que se coloca é de saber como é que é exercido neste caso o direito de preferência, se o preferente tem de preferir efectivamente o preço real ou se pode preferir o preço relativo ao negócio simulado. Aqui o problema que se põe é este, é que se encontra previsto no artigo 243 nº 1 a regra de que a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.
Dizendo-se que a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos. Num caso destes imaginemos alguém que vende um prédio por 40.000 mas para enganar o fisco, é claro que o está a fazer por 20.000 e um terceiro que intenta uma acção pedindo a preferência e depositando os 20.000 que era o que as partes declararam naquela escritura. Ora o que é que se passa neste caso ? A doutrina tem apresentado alguma divergência neste entendimento, o Professor Antunes Varela e o Professor Castro Mendes vieram defender que neste caso era admissível que o titular da preferência decidisse preferir o preço constante do negócio simulado uma vez que se encontra de boa fé (ignorância da simulação). O que é que sucede então ? Houve no entanto uma reacção a este entendimento por parte dos Professores Mota Pinto e Almeida Costa que protestaram contra o locupletamento (locupletar –tornar rico) que esta tese procederia ao preferente. A razão seria que o preferente perante uma situação deste tipo poderia vir a ficar com locupletamento á custa alheia numa vez que neste âmbito o resultado seria adquirir um prédio que vale 40.000 por apenas 20.000 o que não se afiguraria correcto que a li permitisse um entendimento destes.
Segundo este Professores admitem a possibilidade de os simuladores invocarem perante o preferente que não praticaram esse preço em termos reais e que portanto a preferência foi exercida pelo preço real e não pelo preço simulado. O Professor Menezes Cordeiro vem aderir a esta tese e procura efectuar uma construção do artigo 243 que permita evitar a preferência pelo preço simulado. A tese dele é a seguinte: é que a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos e que o respectivo direito neste caso não era o direito de preferência, mas sim o direito de adquirir o bem, o direito de propriedade sobre o bem, esse bem só se constituiria com a sentença que se declara-se procedente á acção de preferência.
E daí que se fosse alegada a acção de preferência já se poderia dizer que quando adquire o direito da propriedade B não estaria de boa fé e portanto teria obrigação uma vez que conhecia a simulação, de pagar o preço respectivo ao momento da aquisição da propriedade. Esta tese tem alguma viabilidade embora tenha uma dificuldade prática que é a dificuldade de prova da simulação em acção especial uma vez que o legislador procurou restringir extraordinariamente a possibilidade de os simuladores invocarem a simulação. O legislador restringe a possibilidade de provar a simulação em processo:
- Em 1º lugar a regra que existe é que proíbe a prova por testemunhas do negócio dissimulado e do acordo simulatório, regime do artigo 394 nº 2-os simuladores não podem então requerer a prova por testemunhas para este efeito e assim também não lhe é possível utilizar as presunções judiciais (artigo 351) ; Na acção de preferência o preço é depositado logo a seguir a interposição da acção, se não for depositada a totalidade do preço não há condição para a própria preferência, portanto este resultado acabaria por processualmente se virar contra o preferente.

Vamos agora entrar noutra figura que é o chamado contrato a favor de terceiro:
Está previsto nos artigos 443 e seguintes. Neste âmbito á semelhança do que acontece com o pacto de preferência não consistem em tipos contratuais mas sim em figuras gerais, ou seja, formas de estipulação de uma clausula em qualquer contrato. Na figura do contrato a favor de terceiro o que sucede é isso a possibilidade de ocorrer no contrato uma estipulação que não beneficie uma das partes mas beneficie a terceiro. Neste caso a lei admite que essa estipulação a beneficio de terceiro tenha eficácia em relação a esse mesmo terceiro, é uma excepção ao principio da relatividade dos contratos consagrado no artigo 406 nº 2. Em relação ao contrato a favor de terceiro a lei dá-nos a definição do contrato no artigo 443-dizendo-nos que “por meio de contrato pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a terceiro ...”
Temos aqui a existência de duas partes no contrato, o promitente e o promissário, e uma terceira que não é parte nesse mesmo contrato mas que aparece como beneficiário dele uma vez que vem receber uma prestação, o perdão de uma dívida ou a cedência de um crédito ou ainda a transmissão, constituição ou extinção de um direito real através desse mesmo contrato. Implica a existência de três pessoas das quais duas são partes do contrato. Por isso mesmo o contrato a favor de terceiro considera-se como instituído o que se chama uma relação triangular, ou seja, uma relação entre três pessoas embora o contrato só exista entre dois.
A relação entre o promitente e o promissário é o que vai desencadear a posterior prestação a terceiro, e tradicionalmente no âmbito do costume das relações triangulares nós damos a esta relação, que determina a prestação entre o promitente e o terceiro, damos o nome de relação de cobertura. Por sua vez a relação entre o promitente e o terceiro é designada por relação de execução (o promitente executa esta relação em relação a terceiro, porque tem cobertura com base numa qualquer relação com o promissário). O promissário pode fazer determinado contrato em que diz “eu pretendo que você entregue uma determinada televisão a terceiro, para este efeito eu pago-lhe determinada quantia”, há esta relação de cobertura através da qual o promissário vai pagar ao promitente, e é essa relação de cobertura que vai determinar que o promitente faça a prestação, o promitente em relação a terceiro vai executar o que está determinado na sua relação.
A lei refere que para existir esta execução em relação a terceiro do que está determinado na condição, o promissário tem de ter na promessa um interesse digno de protecção legal. Esse interesse normalmente baseia-se numa relação entre o promissário e o terceiro, relação que pode já existir ou pode ser criada. E essa relação faz o terceiro lado do triângulo tem o nome de relação de atribuição ou da luta. O que sucede neste vértices do triângulo, ou melhor neste terceiro lado do triângulo, o que sucede é que quando o promissário executa a prestação, determina com terceiro, que o promitente efectue a prestação em relação a terceiro, pode ter qualquer razão para o fazer, por exemplo: o promissário tinha-se comprometido perante o terceiro a obter por exemplo um camião não fornece camiões mas vai ter com o promitente e diz você forneça um camião ao fulano tal. A relação de cobertura determina que o promitente efectue a prestação a terceiro, mas o promitente faz a prestação ao terceiro porque há uma relação entre o promissário e o terceiro que ele aparece a executar o preço.
Pelo contrário a relação da luta pode consistir numa relação já existente, derivada de um contrato, mas também pode ser instituída pelo próprio contrato com terceiro, exemplo: doação, outro exemplo é se alguém quer oferecer flores á namorada vai ter com a florista e faz um contrato com terceiro, a florista e determina que faça a entrega desse ramo, temos a relação da luta, a relação de cobertura (o contrato pelo qual se faz o pagamento do preço) e a relação de execução (a entrega do ramo).
A parte principal no contrato com terceiro é o promissário, que é no fundo o desencadeador do contrato.
Temos aqui uma estrutura peculiar, a relação entre o promitente e o promissário á completamente estranha em relação a terceiro. O terceiro não é parte do contrato e até pode ter total desconhecimento do contrato que vem a ser celebrado. Acontece que a lei determina que o contrato tem eficácia perante o terceiro a partir do momento em que é celebrado. Se A celebra compromete-se para com B a que B faça uma prestação a C, C adquire direito á prestação imediatamente, sem necessidade de manifestar qualquer declaração de vontade artigo 444 nº 1. Tanto o terceiro como o promissário podem exigir o cumprimento da promessa artigo 444 nº2.
No artigo 444 nº 3 é feita uma situação distinta, promessa de deliberação, é o chamado falso contrato a favor de terceiro, ou contrato a favor de terceiro impróprio, porque se só aquele é lícito exigir o cumprimento das promessas está-se a referir ao promissário, o terceiro não tem então o direito de exigir o cumprimento da promessa, só o promissário o pode fazer. Por exemplo: o promissário deve ao terceiro a quantia de 1.000 contos e diz ao promitente, eu dou-lhe o meu automóvel se você conseguir livrar do que eu devo ao terceiro.
Falta aqui falar das prestações em beneficio da pessoa indeterminada, trata-se da situação em que a pessoa do terceiro não é determinada e não se sabe portanto de quem é o direito á prestação. A lei diz-nos que se a prestação for estipulada em beneficio de um conjunto indeterminado de pessoas ou no interesse público, o direito a reclamar pertence não só ao promissário e seus herdeiros como ás entidades competentes para defender os interesses em causa. Neste caso a lei atribui uma legitimidade difusa para reclamar a prestação, não apenas ao promissário e seus herdeiros mas ás entidades competentes para defender o interesse em causa, por exemplo: se alguém se obriga a conservar um jardim com a contrapartida de determinada situação aparece que neste caso qualquer entidade (a associação dos moradores, defesa do ambiente) poderia reclamar o cumprimento daquela prestação.
Temos ainda de fazer referência aos meios de defesa oponíveis pelo promitente, a questão que aparece é que relativamente ao contrato com terceiro há a possibilidade de opor excepções derivadas, por parte do promitente em relação a terceiro, exemplo: A, promissário vai ter com o promitente e diz o seguinte: determino que pague a terceiro a quantia de 1.000 contos e como contrapartida dou-lhe o meu automóvel, contrato com terceiro, o promissário torna-se credor do promitente. O artigo 449 diz-nos que são oponíveis ao terceiro por parte do promitente todos os meios de defesa derivados do contrato- o artigo 428 pode ser oposta ao terceiro. Outra situação possível é que o promitente teve excepções contra o promissário que no entanto não derivam da relação de cobertura em si mas de outra relação entre o promitente e o promissário. Por exemplo: o promitente tinha-se comprometido a entregar a terceiro 1.000 contos e recebe como contrapartida o automóvel que era do promissário, acontecia no entanto que o promissário lhe devia 2.000 contos por uma dívida há bastante tempo, artigo 847 mas, poderia se, se tratasse de uma mera relação entre o promitente e o promissário poderia o promitente aplicar ao promissário a excepção da compensação (eu não pago os 1.000 contos porque você me deve mais e eu quero compensar a dívida), mas como se trata de uma excepção estranha á relação de cobertura e derivada da outra relação com o promissário já não pode ser oposta ao terceiro.
Reacção de terceiro em relação ao contrato:
1ª-o terceiro adquire o direito automaticamente, sem manifestar qualquer vontade nesse sentido (excepção ao principio de a ninguém se dá o beneficio sem a sua vontade);
2ª-artigo 447-rejeição da promessa por parte do terceiro (exemplo: de há pouco das flores, se a namorada não as quiser receber pode fazê-lo, tem esse direito), deverá dar conhecimento mediante declaração ao promitente que deve comunicar ao promissário, extingue-se assim o direito de crédito, se o promitente não comunicar ao promissário é culposamente responsável em face deste;
3ª-pode aderir á promessa mas também pode nada fazer porque não é a adesão que lhe confere o direito, o direito já está adquirido. A vantagem da adesão é que a lei diz-nos no artigo 448 que salvo estipulação em contrário a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua adesão ou enquanto o promissário for vivo quando se trate de promessa que haja de ser cumprida após a morte deste, sendo que esse direito de revogação pertence em principio ao promissário, ou seja, o promissário é que decide se revoga a promessa ou não, e se revogar a promessa extingue retroactivamente o direito do terceiro.
Artigo 450, diz que só no que respeita á contribuição do promissário para a prestação a terceiro são aplicáveis as disposições relativas á coacção, imputação e redução das doações e á impugnação pauliana, sendo que a designação a terceiro for feita por liberalidade são aplicáveis com as necessárias adaptações as normas relativas á revogação das doações por ingratidão do demandatário através de doações determinada pessoa não pode prejudicar a quota indisponível dos seus herdeiros legitimados. A coacção é o instituto que pretende que os descendentes por doações recebam exactamente o mesmo.
A doação através do contrato a favor de terceiro coloca alguns problemas: imaginemos que o promissário acordou com o promitente o pagamento de 1000 para que ele doasse um carro ao terceiro, acontece que o promissário é um bom negociante e o carro x vale 1500 e aqui temos duas questões: qual é o valor que entra caso seja afectada a legitima ou para efeitos da chamada coacção: os 1000 que o promissário pagou ao promitente no momento da relação da cobertura ou os 1500 que o estranho á herança efectivamente recebeu-o valor que entra é a contribuição do promissário para a prestação a terceiro, e não o que o promitente faz. Aqui a lei também refere expressamente uma indicação neste âmbito que é a de que se a prestação a terceiro houver de ser efectuada após a morte do promissário presume-se que só depois do falecimento deste o terceiro adquire direito a ela, visa permitir que o promissário possa revogar expressamente a todo essa promessa enquanto for vivo, o exemplo: típico desse caso é o seguro de vida. Só após a morte é que o terceiro adquire direito a ele. A lei no entanto de uma forma contraditória vem dizer que se porém o terceiro morrer antes do promissário os seus herdeiros são chamados em lugar dele á titularidade da promessa. O terceiro ainda não tinha qualquer direito mas transmitiu-o por morte, o que é uma solução contraditória em relação a esta regra.

12/1/99
Vamos tratar da parte relativa ao contrato da pessoa a nomear.
O contrato para pessoa a nomear á semelhança do que temos vindo a tratar até agora, não estamos a examinar tipos contratuais como sejam a compra e venda, a doação, a sociedade, estamos sim a examinar situações particulares no âmbito de certos contratos. É isso que sucede no contrato em favor de terceiro que se caracteriza por ter uma estipulação em benefício de terceiro e é isso que sucede também no contrato para pessoa a nomear que consiste numa cláusula típica na celebração de contrato que se denomina a reserva de nomeação. Reserva de nomeação e contrato de pessoa a nomear identificam-se. O contrato de pessoa a nomear é aquele em que se inclui uma cláusula estabelecendo a reserva de nomeação. Essa cláusula pode ocorrer numa série de tipos contratuais, como sejam, a sociedade, a compra e venda, o mandato, ... A reserva de nomeação tem referência no artigo 452 nº1-uma parte poder nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato. Esta situação surge porque alguém pode celebra um contrato mas não ter a certeza se vai ser ele o sujeito efectivo do negócio. Para resolver este problema poderia ser usada uma Gestão de negócios ou uma procuração, mas isso implicaria a determinação logo do contraente. O contrato a nomear caracteriza-se por o contraente poder ser indeterminado, exemplo: reservo-me o direito de nomear alguém que em meu lugar fique como comprador, que me substitua neste contrato. Aqui existe uma única transmissão do bem. Há no entanto obstáculos á reserva de nomeação, a lei diz-nos que ela não é possível nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a determinação dos contraentes. No entanto o casamento não pode ser celebrado com uma cláusula para pessoa a nomear porque é indispensável a determinação dos contraentes. Neste âmbito o legislador ocupa-se da forma e efeitos de proceder á nomeação. A nomeação tem um prazo muito curto uma vez que se considera contrário ao interesse público que fique muito tempo incertos os sujeitos do contrato, no fundo é apenas para não perder uma oportunidade negocial que se admite a reserva de nomeação. A lei vem nos dizer que a nomeação deve de ser feita mediante declaração por escrito ao outro contraente dentro do prazo convencionado ou na falta de convenção dentro dos 5 dias (dias corridos nos corridos nos termos do artigo 279 e 297) posteriores á celebração do contrato. Para haver a certeza de que a nomeação é correctamente exercida a nomeação para ser eficaz implica uma garantia de vinculação do terceiro em relação ao contrato. A forma de vinculação do terceiro é acompanhar a declaração de nomeação, artigo 453 nº2 de um instrumento que vincule o terceiro, instrumento de ratificação do contrato (o terceiro dizer ratifico o contrato celebrado o que significa que se vincula ele próprio a ele) ou então procuração anterior á celebração deste. A ratificação deve de ser escrita, excepto se o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, por exemplo: a escritura pública. Nessa altura a ratificação terá de revestir igual forma, no fundo para assegurar uma equiparação da forma neste âmbito ao contrato que foi celebrado. Se ocorrer ratificação problema é que considera-se celebrado pelo contraente nomeado com efeitos ex tunc, ou seja originariamente. Sendo feita a declaração de nomeação a pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir do momento da celebração dele, portanto a declaração de nomeação tem efeitos retroactivos. Se não for feita a declaração de nomeação nos termos legais o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário a não ser que haja estipulação em contrário. A nomeação implica uma substituição de contraentes. Esta situação distingue-se da representação pela razão seguinte: na representação o representante nunca é parte no negócio, o sujeito do negócio é sempre o representado; no contrato de pessoa a nomear há um momento ainda que possa vir a ser retroactivamente destruído em que o contraente originário assume os direitos do negócio. O artigo 456 vem ainda a resolver um problema que é o problema do registo deste tipo de contratos que como se sabe esta figura surgiu essencialmente para os casos de compra e venda de imóveis porque a questão que se coloca é esta: como sabemos o registo está sujeito ao principio do trato sucessivo, o que quer dizer que o registo tem de documentar uma cadeia ininterrupta de transgressões e só é aceite o registo se a transmissão vier da pessoa que se encontra registada em último lugar. Esta situação pode levantar problemas quanto á questão do contrato de pessoa a nomear porque colocam-se duas questões: 1-quem celebra o contrato de reserva de nomeação tem interesse em fazer o registo para evitar nomeadamente uma alienação, por parte do proprietário e que o segundo comprador registasse primeiro. Mas a questão que se colocava era a de como registar então a segunda transmissão caso houvesse substituição do próprio contrato. A lei vem nos dizer no artigo 456 que se o contrato estiver sujeito a registo pode este ser feito em nome do contraente originário com indicação da cláusula de pessoa a nomear fazendo-se posteriormente os necessários (...).

Negócios Unilaterais, art 457ºss.
O negócio unilateral implica que alguém produza efeitos jurídicos apenas pela sua declaração, por uma simples declaração unilateral determinada pessoa produz efeitos jurídicos. No contrato exigem-se duas declarações negociais enquanto no negócio unilateral existe apenas uma declaração negocial. Até que ponto pode esta declaração negocial unilateral produzir efeitos? Pergunta-se se esta declaração feita unilateralmente é ou não suficiente para vincular o seu autor ? Regra geral tem-se entendido que é uma coisa diferente um compromisso por força da autonomia privada e outra coisa é uma simples declaração. Por esse motivo tem-se considerado que a força vinculativa dos negócios unilaterais deve ser muito menos restrita que a dos contratos, o que quer dizer que só excepcionalmente se deve de admitir que o negócio unilateral constitua obrigações. Se alguém emite uma simples declaração unilateral em principio essa declaração não terá força vinculativa como constituição de obrigações, e é essa consagração que nos aparece no artigo 457-consagra-se aqui o chamado principio do contrato ou principio da tipicidade dos negócios unilaterais. Os negócios unilaterais em principio não serão fonte de obrigações como regra geral, só o são nos casos previstos na lei. Daqui resulta para a maior parte da doutrina a tipicidade dos negócios unilaterais. O Professor Menezes Cordeiro no entanto nas suas lições levanta-se contra este principio da tipicidade dos negócios unilaterais praticamente é o único autor que tem uma posição divergente. Esta divergência resulta de uma concepção conceptual de que o Professor Menezes Cordeiro tem relativamente aos chamados direitos de crédito potestativos porque considera que estes direitos podem ser direitos de crédito absolutos, o de aceitar uma proposta contratual e assim existiria aqui uma situação potestativa mas creditícia (o nosso Professor rejeita esta posição ) tendo o outro lado uma sujeição. Esta ideia de aceitar uma proposta contratual como um direito de crédito, como uma obrigação da outra parte o resultado seria de que então é possível celebrar propostas contratuais em relação a toda e qualquer contrato, e sendo assim a proposta contratual seria o negócio jurídico unilateral que constitui obrigações.

14-01-99
Do negócio jurídico unilateral
Negócio jurídico unilateral é uma manifestação de vontade á qual o direito associa a produção de efeitos jurídicos, constituição, modificação, transmissão ou extinção de uma situação jurídica. A doação é um contrato, não basta a mera declaração, é necessário que o donatário (aquele em benefício do qual é feito o testamento) a aceite. Ver artigo 461.
Importa ter presente duas distinções: a da promessa pública e a da promessa unilateral.
A proposta contratual é um negócio jurídico unilateral dirigida á formação do contrato e pressupõe no seu inter formativo a aceitação para que o contrato se forme e nasçam por força do contrato obrigações. A promessa unilateral não carece de aceitação, não se dirige á formação do contrato e a obrigação nasce directamente dessa declaração da promessa, não nasce do posterior negócio que seja concluído por via da aceitação. Portanto promessa pública e proposta contratual são realidades conceptualmente distintas mas ainda mais incisivamente deve de ser feita a distinção entre promessa pública e oferta pública. Oferta Pública, art 230ºnº3cc, é uma proposta contratual dirigida a sujeitos indeterminados.
A promessa pública é um negócio jurídico unilateral que faz nascer imediatamente a si que é dada a devida publicidade á promessa a obrigação. A oferta pública é uma proposta dirigida á aceitação de destinatário indeterminado. Com a emissão de oferta pública não é constituída nenhuma obrigação mas o direito potestativo á aceitação que os destinatários da oferta pública aceitarão ou não consoante as suas conveniências.
Á uma semelhança entre a oferta pública e a promessa pública que consiste em também na oferta pública o credor estar indeterminado quando é feita a proposta tal como acontece na promessa pública. O direito que emerge da oferta pública é um direito potestativo dos destinatários dessa proposta a aceitarem ou não essa mesma proposta; do negócio jurídico unilateral que é a promessa pública nasce efectivamente uma obrigação que tem credor indeterminado, mas uma verdadeira obrigação nasce do próprio negócio jurídico unilateral.
O nosso código civil na secção atinente aos negócios jurídicos unilaterais fala-se ainda em mais 2 negócios jurídicos unilaterais: a promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida, art 458º. Apesar de aqui estarem consagrados estes dois negócios jurídicos unilaterais, a doutrina de um modo praticamente unânime reconhece estes dois negócios não são geradores de obrigações, e portanto não são isentos de negócios jurídicos unilaterais nos quais nasçam obrigações como vimos acontecer com a promessa pública.
A promessa de cumprimento representa uma manifestação negocial unilateral de alguém que supostamente é devedor por força de um contrato ou outro facto jurídico anterior e que justamente declara ao seu credor que vai cumprir, por exemplo: uma companhia de seguros, ao abrigo do contrato de seguro declara ao terceiro, lesado, que vai cumprir que vai cumpri o dever de indemnizar o resultante da apólice em questão a fonte de obrigação é o contrato de seguro com base no qual nasceu a obrigação de indemnização que a seguradora declara ao credor e cumpriu. Na promessa de cumprimento não se trata na verdade de gerar uma nova obrigação mas apenas do devedor declarar ao credor que vai cumprir. Não há dúvida que há um negócio jurídico unilateral mas não há nascimento de uma nova obrigação, não cria uma obrigação nova. O artigo 458 tem apenas um preceito tem apenas um significado processual porque permite inverter o ónus da prova.
Os concursos públicos representam talvez uma subespécie de promessa pública mas que geram 2 tipos de problemas:
1-é o de saber quais são os competentes admitidos;
2-o de saber como é que a prestação prometida no concurso público vai ser atribuída.
Num concurso público nem toda a gente concorre, desde logo porque há regras de selecção ou admissão e depois porque normalmente a prestação prometida só vais ser atribuída a um ou a poucas pessoas, nunca a todas elas. E então a preocupação da lei é assegurar o critério de selecção dessa prestação, nesse sentido dispõe o artigo 463. Os concursos públicos são uma espécie de promessa pública.

Síntese da aula:
- negócios jurídicos unilaterais não são fonte de obrigação (tem de ser aceite por um credor;
- a admissão dos negócios jurídicos como fonte de obrigação serão uma excepção mas a lei fechou a partir do principio da tipicidade essa possibilidade-457 e seguintes;
- concursos públicos reconduzem na prática ás promessa pública;
- promessa pública constitui uma fonte de constituição de obrigações unilaterais;
- o momento da constituição das obrigações unilaterais na promessa pública é o momento da publicidade da obrigação;
- promessa de cumprimento e o reconhecimento da dívida (reportam-se a obrigações já constituídas cuja fonte não é esse negócio jurídico unilateral mas outro qualquer);
- Na ordem jurídica Portuguesa só a promessa pública e o concurso público é o único acto jurídico unilateral pelo qual a ordem jurídica Portuguesa admite a constituição de obrigações.

O Professor Menezes Cordeiro refere que há aqui uma atipicidade de negócios jurídicos unilaterais que constituem obrigações e que refere que quer a proposta contratual quer o testamento são exemplos de negócios jurídicos unilaterais que geram obrigações.


19/01/99
Gestão de Negócios prevista nos artigos 469º e ss.

Esta matéria foi objecto da tese de mestrado do Professor. A Gestão de negócios em termos de evolução histórica, pode-se dizer que tem origem no Direito Romano. Como é tradicional nos institutos dos Direitos das Obrigações, praticamente é lá que reside a origem dos institutos jurídicos privados.
Gestão dos Negócios ocorreu no Direito Romano por força de uma necessidade sentida dos cidadãos de Roma, relativamente ao problema de cuidar dos assuntos dos cidadãos que se encontravam ausentes pelas províncias do império, dai sucedeu, muitas vezes que alguém começava a cuidar dos assuntos de outrem, com intensão de entregar o resultado do seu trabalho, ou sem intensão de apropriação própria mas sim no interesse e por conta de outrem e é então precisamente por esse motivo, que foram sendo concedidas acções para regular esse tipo de situação. Acções essas que eram baseadas na figura “ negocion gestum “ a chamada gestão dos negócios.
“ Action negocion gestoron directa “ no fundo permitia ao dono do negócio o “ dominus “ quando regressava recuperar os seu bens, exigindo tudo o que os seus bens tivessem obtido.
“ Action negocion gestorum contrarium “ que era utilizada pelo gestor de negócios, para obter o reembolso das suas despesas e a indemnização pelos prejuízos que tinha sofrido cuidando do assunto alheio. Assim precisamente por esse motivo a Gestão de negócios aparece-nos, como uma regulação altruísta. No fundo alguém decide cuidar dos assuntos de outrem, não no seu próprio interesse mas para a tutela de interesse de outrem, é essa essencialmente a ideia de Gestão de negócios e aparece-nos como uma fonte das obrigações.
O legislador veio definir a Gestão de negócios nos termos do artigo 464º pela forma seguinte:
Diz-nos que dá-se Gestão de negócio quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio, no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizado. Aqui temos 3 requisitos da Gestão de negócio :
_Assunção da direcção do negócio alheio, no interesse e por conta do respectivo dono, falta de autorização.
_Qualquer destes elementos consiste num conceito jurídico, portanto, tem de ser estabelecido por essa via.
_A assunção da direcção reflecte expressamente a actuação do gestor, a assunção da direcção corresponde ao equivalente em português do significado latino do termo “ gestun “, que é precisamente acto dirigido. Agora esta assunção de direcção diz respeito a um negócio quando, estamos a falar de negócio, e recuperando a expressão romana “negocion gestun “ a expressão negocio não está utilizada no sentido de negócio jurídico, porque esta é uma expressão de criação pandectista ( ? ) do sec. XIX.
A expressão Gestão de negócio tem uma antiguidade muito maior, aqui a expressão é utilizada num sentido impróprio, conforme diz o Professor Galvão Teles, assunto de outrem ou interesse de outrem
Negócio neste sentido não diz respeito a negócio jurídico, é doutrina pacifica que a Gestão de negócio pode ter por objecto negócio jurídicos por exemplo, quando outrem precisa celebrar contrato e não se encontra presente, para o fazer, pode aparecer alguém que em Gestão de negócio, em substituição dessa outra pessoa, decida celebrar esse negócio. Mas não é necessário que seja assim porque a Gestão de negócio pode ter por objecto simples actos jurídicos, ou simples actos materiais, por exemplo: se alguém vê que a quinta de outrem precisa ser semeada, porque o outrem não está presente para o fazer, e realiza essa tarefa, está a realizar um acto material, mas não deixa de estarmos perante uma Gestão de negócios. Portanto aqui conforme se disse, a expressão “ negociun “ está utilizada num sentido impróprio. Não se refere expressamente a negócio jurídico, pode abranger simples actos jurídicos, como actos matérias.
O problema que aqui se refere, é que a lei diz-nos que o negócio tem de ser alheio. Tradicionalmente no entanto a expressão negócio Alheio, pode ter dois sentidos: o primeiro deles diz respeito a alienaridade objectiva, que significa precisamente, que quando alguém quiser a Gestão de negócio ingere-se na esfera jurídica alheia, o exemplo da quinta, alguém ao semear a quinta de outrem, ingeriu-se num bem que era da esfera jurídica de outrem, ai temos preenchido o conceito de alienidade.
A doutrina tem vindo a discutir se para se estar presente perante uma Gestão de negócio, nós temos que efectivamente estar perante uma ingerência da esfera jurídica alheia, ouse alienidade poderá ser apenas subjectiva, ou seja em função da invenção do gestor, a resposta que pode ser positiva, tanto é Gestão de negócio a ingerência da esfera jurídica alheia como o facto de alguém ter efectuado determinada actividade apenas com intensão de beneficiar o dominus. Exemplo de negócio subjectivamente alheio, imaginemos a hipótese de alguém que está a assistir a um leilão, vê ser leiloado uma colecção de selos, como conhece uma pessoa que é um entusiasta coleccionador de selos, remata a colecção com o intuito de entregar a colecção ao coleccionador e obter o reembolso do que tiver pago em consequência disso.
Temos aqui Gestão de negócio porque alguém resolveu assumir a direcção do negócio alheio, comprar a colecção de selos, porque sabia que outro estava interessado. No entanto não houve qualquer invasão da esfera jurídica alheia, só vemos que o negócio é alheio em função da intensão do gestor, é precisamente isto que se denomina o negócio subjectivamente alheio. Entende-se no entanto que não é exclusivamente necessário que a Gestão de negócio seja objectiva, pode exercer a gestão sob negócios subjectivamente alheios..
Segunda refª. Que nos aparece é no interesse e por conta do dono do negócio segunda parte do artigo. Aqui há alguma doutrina, que é o caso do Dr. Almeida Costa e Professor. Antunes Varela, que interpretam esta expressão em sentido exclusivamente subjectivo, dizendo que no interesse e por conta do dono do negócio significa com a intensão de actuar no interesse e por conta do dono do negócio neste caso estaríamos a fazer refª. a uma figura essencial da gestão que é o “ animus ge... negociun “ o ânimos de actuar em beneficio de outrem. A intensão de gerir negócio alheio, elemento intencional em relação a Gestão de negócio.
O Professor não tem essa interpretação, entende que a expressão no interesse deve ser referida antes a utilidade da gestão, de acordo com a opinião seguida pelos Professores Pessoa Jorge e Menezes Cordeiro, quando estamos a referir .... a expressão por conta é a que se refere ao ânimos, o que significa actuar por conta de outrem, o que significa que os benefícios e os prejuízos desse acto não são destinados ao próprio mas sim a outrem, é isso precisamente o que caracteriza este regime e esta intensão, o ânimos aliena “ negociun gerendita “, no fundo a intensão de actuar em benefício de outrem e conforme foi dito e suficiente para caracterizar a alienidade da gestão no caso do negócio ser subjectivamente alheio, quando nos referimos a expressão no interesse, significa utilidade da gestão, é uma posição tradicional embora entre nós não muito seguida, a de que para haver Gestão de negócio a intervenção do gestor tem de ser objectivamente útil para o dominus, se isso não acontecer deve- se considerar que a intervenção do gestor é desnecessária e portanto não se justifica a aplicação das regras de Gestão de negócio, por exemplo se o dominus se encontra presente, ou se encontra afastado, mas vai regressar em breve e o gestor decide semear a quinta dele, falta-lhe um requisito, que é a utilidade da gestão, portanto ele iria semea-lo, dois dias depois qual a necessidade ou qual a utilidade da intervenção do gestor, se ela não existir faltaria o requisito da gestão, a ideia de que a gestão terá de ter objectivamente interesse para o dominus, se não o tiver não justificará a aplicação do regime da Gestão de negócio.
O último pressuposto que nos aparece, a chamada falta de autorização, este é um requisito essencial da Gestão de negócio uma vez que permite afastar do regime da Gestão de negócio, todos os casos em que o gestor tenha autorização para actuar ou inclusivamente se encontre obrigado a actuar. Primeira questão que nos aparece, o facto de haver autorização, portanto, se alguém tem um contrato, ou estabelece um mandato ou qualquer outro contrato que habilite o gestor a agir, não podemos aplicar o regime da Gestão de negócio porque esta só é aplicável se não existe qualquer autorização para exercer esse tipo de actuação, já da mesma forma se existir uma obrigação par o gestor titular também já não se pode aplicar este regime, no fundo aqui autorização, está usada com sentido impróprio tanto significa falta de autorização como mesmo ausência de obrigação para o gestor actuar, por exemplo determinado policia que tentasse prender um ladrão e em consequência disso tivesse prejuízos, não poderia reclamar qualquer indemnização com fundamento na Gestão de negócio, porque o dever dele é precisamente praticar esse tipo de actos, se no entanto fosse um qualquer estranho, ai já poderíamos dizer que estava a actuar em Gestão de negócio, uma vez que ele não estaria autorizado a agir, esta a actuar objectivamente com a intensão em benefício de outrem.
Ocorrida uma situação neste tipo de acordo, com estes pressupostos a lei prevê o surgimento de dois tipos de obrigações, deveres do gestor para com o dominus e reciprocamente deveres do dominus para com o gestor. O que corresponde no Direito Romano “ action negociorun gestorun directa “ ( ? ) e “ action negociorun gestorn contrariun “, ainda hoje o Professor Almeida Costa faz refª. a essa sistematização, no seu manual de Direito das Obrigações, uma reminiscência desses antigos nomes.
Quais são então os deveres que os gestores tem ?
O primeiro problema que nos aparece relativamente ao artigo 465º, donde constam os deveres do gestor, diz-nos que deve conformar-se com interesse e vontade real ou presumível do dono do negócio , sempre que esta não seja contrária á lei ou ordem pública ou princípio dos bons costumes, esta norma tem de ser articulada com o disposto no artigo 466º, que estabelece precisamente a responsabilidade do gestor, e ao estabelecer a responsabilidade esta norma diz-nos que o gestor responde perante o dono do negócio, tanto pelos negócios a que der causa por culpa sua, no exercício de da gestão, como por aqueles que causar com a injustificada interrupção dela, referindo ainda que considerasse culposa a actuação do gestor quando ele agir em desconformidade com interesse ou a vontade real ou presumível do dono do negócio, conforme se vê duas normas tem de ser articuladas.
Primeiro problema saber: responsabilidade do gestor, esta obrigado a continuar a gestão, até a conclusão do negócio? Tem recebido respostas diversas no âmbito do direito comparado, no Código civil italiano prevê-se expressamente, que o gestor deve conduzir a gestão até aos seu termo natural. Pelo contrário no sistema do Código civil alemão o gestor não está obrigado a concluir o negócio embora possa ser responsabilizado se interromper injustificadamente a gestão, num caso admite-se uma responsabilidade por interrupção injustificada, por outro, estabelece-se uma obrigação de continuar a gestão, no fundo dois sistemas existentes no âmbito do direito comparado, entre nós tem-se discutido o que a norma do artigo 465º al. A) e 466º significam em termos de existência ou não de um dever de gestão.
A posição do Prof Antunes Varela é a de que a lei apesar de não dizer expressamente que o gestor está obrigado a continuar a gestão, responsabilizam pelos danos que causar com a injustificada interrupção da gestão, o que a seu ver pressupõe um dever de continuar a gestão e chega ao ponto de dizer que se alguém comprou sementes para efectuar uma plantação, tem que fazer efectivamente essa plantação, não pode limitar-se a deixar lá as sementes para posteriormente o dominus fazer essa sementeira. Da mesma forma se tiver adquirido um titulo de crédito para o dominus, não pode deixar caducar, no fundo seria deveres de continuar a gestão até ao fim, pelo contrário a posição do Professor Vaz Serra, baseava-se numa ideia de que não haveria qualquer dever de continuar a gestão e que a responsabilidade da interrupção da gestão, só ocorrerá quando o dominus tivesse com a interrupção aumentado os riscos que o dominus corria antes da gestão. Por exemplo, imaginemos que o gestor vê que o prédio do dominus está em derrocada e resolve fazer qualquer intervenção, para evitar a derrocada, mas não leva a gestão a seu termo e desiste a meio, para o Professor Vaz Serra nesta situação o gestor só não pode se a sua actuação aumentou o risco da derrocada, caso contrário só pode interromper a gestão se o risco se mantiver exactamente na mesma.
Está aqui em causa, o dever de protecção e não propriamente o dever de prestação e dai que não parece correcta a posição do Professor Antunes Varela de que existe aqui uma responsabilidade do gestor pela obrigação de continuar a gestão, no entanto parece também demasiado restritiva do Professor Vaz Serra de só responsabilizar o gestor quando este aumentar o risco, isto pela seguinte razão, o gestor deve avisar o dono do negócio, logo que seja possível de que assumiu a gestão, esse aviso vai criar no dono do negócio uma determinada confiança de que o gestor, precisamente por isso, cuidará do negócio, dai parece claro que o gestor nessa altura assume um dever de protecção perante o dominus e pode ser responsabilizado se não vem actuar em conformidade com a confiança que criou.
Se por exemplo o gestor disse ao dominus, esteja descansado que vou fazer a plantação, ai naturalmente que o dominus , se recebe esse aviso não precisa de indicar mas ninguém, se o gestor deixar de o fazer poderá vir a ser responsabilizado, claro se o fizer injustificadamente, porque sendo a gestão uma actuação altruísta, admite-se sempre que haja justificação muito mais do que exista em relação as obrigações normalmente para esta interrupção da gestão.
Uma interrupção injustificada que venha lesar a confiança do dominus implicará que o gestor violou um dever de protecção e por isso estabelecer-se uma responsabilidade neste âmbito por violação desse dever de protecção.
É muito curioso no entanto a formula que aparece no artigo 466º nº 2, em que nos diz que considerasse culposa a actuação do gestor quando ele agir em desconformidade com o interesse ou com a vontade presumível ou real do dono do negócio Isto tem então um dever que nós temos no 465º, uma indicação que nos aparece ao dever do gestor se conformar com interesse e a vontade real ou presumível do dono do negócio , sempre que esta não seja contrária a lei, a ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, estabelecendo no entanto que considerasse culpa, uma actuação uma actuação e desconformidade com esta situação.
A lei pela indicação do artigo 466º nº2, segundo entende o Professor Galvão Teles, está-se a referir a ilicitude e não propriamente a culpa, porque o artigo 465º al. a) refere-se expressamente ao dever de conformar, sendo assim o artigo 466º nº2 chamaria culpa a uma situação de ilicitude o implicaria acrescer a ilicitude o requisito subjectivo da culpa, ainda que ele se presumisse e entende que a diligência que o gestor deve adoptar é a de um bom pai de família, prevista no artigo 487º nº 2 é esta a regra que nos aparece aqui.
Opinião diferente tem o Professor. Antunes Varela, tratando-se de uma actuação altruísta não se justifica que o gestor seja responsabilizado por não ter adoptado a conduta de um homem médio. Deve sim ser responsabilizado pela omissão da diligência que ele habitualmente põe nos seus negócios, portanto o Professor A. Varela defende a aplicação ao gestor da diligência que ele habitualmente colocaria nos seus negócios, não da diligência de um bom pai de família. Ora bem aqui há algumas dúvidas a colocar.
Parece desnecessário estar a reduzir a diligência do gestor, no fundo, a responsabilidade pelo homem médio é um critério que nos aparece colocado aqui, mas também parece excessivo a refª. que indica concentração culposa, o que parece que esta situação quer referir é que se o gestor deliberadamente actuar em desconformidade com o interesse ou vontade do dono do negócio , deve ser responsável por todos os riscos que dai advenham, mesmo que respeite a diligência de um bom pai de família.
Imaginemos o seguinte: o dono do negócio habitualmente compra acções, o gestor do negócio decide comprar outras acções que não correspondem a opinião do dono do negócio, julgando no entanto que é o melhor investimento que pode fazer gerindo o património do dominus, verifica-se no entanto que o investimento é mau embora ninguém no mercado pode-se saber esse tipo de situação. Nesse âmbito se o gestor do negócio decidiu actuar em desconformidade, deve responder por esse risco, desrespeitou a vontade do dominus, por isso deve ser responsabilizado 446º nº2.
Resta esclarecer qual é efectivamente o dever do gestor de conformar-se com o interesse, a vontade real ou presumível do dono que nos refere a lei, sempre que esta não seja contrária aos princípios do artigoº487º nº2, portanto aqui a refª. é esta, o gestor tem que actuar simultaneamente em conformidade com o interesse e a vontade real ou presumível do dono do negócio, vontade que não deverá ser seguida nos casos citados.
O primeiro problema que vem a ser colocado, é saber até que ponto existe esta isenção de respeitar a vontade do dominus. Professor. Menezes Cordeiro chega a defender uma restritiva, dizendo o seguinte, sempre que a vontade do dominus seja contrária a lei, bons costumes e ordem pública, nem por isso o gestor estará isento de a respeitar, porque se não fosse assim, não haveria qualquer necessidade de recorrer aos tribunais, bastava iniciar uma Gestão de negócios correctiva.
Imaginemos a seguinte situação, alguém não quer pagar as suas dividas, um dos credores dizia o seguinte, ele não quer pagar eu assumo a gestão do negócio, retiro o dinheiro e pago-me a mim próprio, uma vez que não querer pagar é contrário á lei, portanto no fundo a ideia é esta, poder-se-ia assumir uma Gestão de negócios correctiva. Claro que não parece ser isso o que esteja em causa, mas a solução que Menezes Cordeiro apresenta não é a melhor solução para resolver o problema, a tese que ele entende é esta: o gestor pode desrespeitar a vontade do dominus no caso de se tratar de actuações positiva, no caso de se tratar de actuações negativas ,se ele quiser desrespeitar a lei por omissão o gestor deve abster-se de agir, no fundo tem de respeitar a vontade do dominus de desrespeitar a lei por omissão.
Neste caso a hipótese seria esta: se o dono do negócio não quisesse pagar os seus imposto o gestor poderia respeitar, mas no entanto se ele quisesse adquirir drogas já não o poderia adquirir. Este critério coloca alguns problemas, imaginemos que o dominus queria construir um prédio clandestinamente, por este critério o gestor não poderia continuar a construção porque é uma actuação positiva, portanto não pode desrespeitar a lei e teria de suspender a actuação, no entanto se o dominus quisesse deixar os filhos morrer de fome, ai teria de respeitar a actuação não poderia proceder a alimentação dos filhos, porque era uma actuação negativa, claro que isto é um pouco exagerada, sempre que se trate de situações de direitos imediatamente exequíveis, sem passar pelos tribunais, como é o caso das dividas de alimentos, fiscais, ou outro tipo de dividas. A meu ver o gestor actuará bem se desrespeitar a vontade do dominus em que qualquer caso estará sempre vedada ao gestor, qualquer actuação ilegal, mesmo que a vontade do dominus seja desrespeitar a lei, isto como é obvio o próprio gestor comete um crime.
Neste âmbito a lei refere que a vontade do dominus deve ser respeitada, desde que não seja contrária á lei, ordem pública e ofensiva dos bons costumes. Por hipótese imaginemos que o dominus quer se suicidar, neste caso a lei entende e é doutrina comum que neste caso o gestor deve salvar o dominus, mesmo que a intensão tenha sido suicídio, porque este é contrário aos bons costumes e portanto haveria isenção do dever de respeitar a vontade do dominus.
Há outros casos no entanto em que se discute o problema de se tratar de situações de respeito e de consciência. Uma das hipóteses que tem sido colocada, é se tratando-se de testemunhas de Jeová em perigo de vida, é licito efectuar as transfusões de sangue em Gestão de negócio e a resposta parece correcta, não é licito uma vez que neste caso, existe um direito fundamental de liberdade de consciência e ninguém pode coagir outrem ou actuar por forma a que outrem pratique um acto contrário a sua liberdade de consciência religiosa, dai portanto se alguém se recusa a ser submetido a tratamento médico ou qualquer outro tipo de tratamento por razões de consciência pessoal, naturalmente que ai já haverá obrigação de respeitar, inclusivamente no âmbito da Gestão de negócio.
Não podemos considerar esta regra ofensiva dos bons costumes numa sociedade pluralista, todas as crenças devem ser respeitadas. Outro problema tem sido colocado, Quid Iuris no caso de conflito entre interesse e vontade do dominus, portanto, o interesse do dominus e um, a vontade é outra, a que é que o gestor deve dar prevalência. Já se viu sempre que a vontade seja contrária á ordem pública ... o gestor não deve dar prevalência á vontade.
Quid Iuris quando a vontade não é legal e contrária aos princípios citados, mas esta em contrariedade com o que é interesse objectivo do dominus, embora ele quisesse uma situação em desconformidade com esse interesse objectivo. Professor. Menezes Cordeiro defende que em caso de contrariedade o gestor deve abster-se de agir, a meu ver não deve ser esse essencialmente o critério, o gestor não deve actuar danosamente para o dominus respeitando a vontade dele, mas parece que em caso de conflito entre interesse e vontade, quando por exemplo o interesse considera a situação irrelevante e o dominus tem essa vontade, parece que o critério prevalecente deve ser a vontade, o dominus é o melhor gestor dos seus interesses ou melhor avaliador dos seus interesses e não é o que a sociedade normalmente pensa que é uma actuação correcta mas sim o que o dominus efectivamente julga.
Imaginemos que o dominus é um fanático apreciador de futebol e precisa fazer crónica de futebol para o seu jornal, só consegue obter bilhetes a preços do mercado negro, para um jogo importante. Mas a vontade do dominus é adquirir o bilhete a qualquer preço, pergunta-se nesse âmbito o seguinte: se o gestor sabendo que a vontade do dominus é pagar o bilhete a qualquer preço, compra o bilhete e faz a entrega ao dominus, agiu em Gestão de negócio? Parece que sim, desde que respeite a vontade dele, é o dominus o melhor juiz dos seus interesses ele é que sabe avaliar qual o preço que daria por esse bem, ou ao contrário, pode o comum das pessoas achar que a acção do gestor foi boa e o dominus achar que foi má .
Outra hipótese, imaginemos alguém coleccionador de carros antigos, o gestor tendo boa oportunidade para recuperar um carro antigo que era do dominus resolve mandar polir, acontece que o dominus entende que o carro só parecera antigo se estiver enferrujado, se for polido perde o cariz autêntico da antiguidade, naturalmente neste caso a maior parte da opinião das pessoas será uma e a dominus será outra, naturalmente que será a opinião dele que irá prevalecer.
O gestor deveria averiguar de acordo qual a vontade do dominus, se sabe que a vontade do dominus nunca seria polir um carro em caso algum não o deve fazer, embora o interesse das pessoas pode-se dizer isto fosse uma boa actuação, o dominus deve ser o juiz, portanto, dou prevalência a vontade sobre o interesse neste âmbito.
A vontade presumível, a lei permite que ela seja tutelada e a meu ver, quando não há elementos para saber a vontade real se o gestor actua de acordo com a vontade presumível, actua bem no fundo, parece que se deve considerar esta actuação correcta porque esse critério que existe eu devo dizer que o Dr. Júlio Gomes discorda desta interpretação, ele acha que é risco do gestor haver desconformidade entre interesse e vontade do dominus penso que essa argumentação é totalmente contrária á lei, porque a lei diz vontade real ou presumível, se fosse essa a interpretação, ser risco exclusivo do gestor nunca estaria aqui vontade presumível, seria só vontade real.


21/01/99
Gestão de negócios

Exemplos de modo a que se perceba o que é que esta por trás da regulação legal da Gestão de negócio:
1º num determinado dia há uma hasta pública de um bem, A pretende licitar nessa hasta pública, mas fica doente e B sabendo da impossibilidade da A e que este quer comprar um determinado bem que vai ser vendido substitui-se ao A e licita o bem comprando no lugar de A.
2ª um emigrante que está de férias e durante o Inverno há uma tempestade , que provoca danos no telhado , a casa fica inundada, na impossibilidade de recorrer ao dono que está ausente no estrangeiro, um vizinho providência um contrato de reparação com um empreiteiro em nome do proprietário da casa e providência ele próprio uma parte do trabalho de recuperação.
3º. Na altura das colheitas o proprietário dum terreno agrícola cultivado, adoece um filho e tem de se ausentar, o vizinho constatando a situação procede ele próprio á colheita que o dono do terreno, ficou impossibilitado de fazer.
Todas estas situações correspondem a necessidade de regulamentação de um instituto que é conhecido por Gestão de negócio. Gestão de negócio a Lei dá uma noção e fixa os respectivos pressupostos, art 464º. Quando se fala em Gestão de negócio não se trata somente de enquadrar aquilo que é tecnicamente negócio jurídico, a noção Gestão de negócio tanto se encontra de facto a prática de um negócio jurídico no interesse do dono do negócio com também qualquer acto de natureza material.
Pressupostos:
1º. _ que alguém assuma a direcção do negócio alheio.
2º. _ actuação do gestor no interesse e por conta do dono negócio.
3º. _ intervenção do gestor, na direcção do negócio alheio, não esteja autorizado.

Em primeiro lugar a Gestão de negócio supõe a actuação no negócio alheio, isto significa que o gestor se interfere na esfera jurídica alheia, aquele que providencia um contrato de empreitada para reparar a casa do emigrante, aquele que numa hasta pública previdência em nome de alguém a compra de um bem sem para tal estar mandatado , aquele que providência pela colheita. Naturalmente estão a intrometer-se na esfera jurídica alheia, em termos de normalidade está intromissão consubstancia um acto ilícito .
Na medida em que a Gestão de negócio representa a interferência na esfera jurídica alheia, começa por ser um acto ilícito por representar uma actuação no âmbito de bens alheios.
O gestor deve de actuar no interesse e por conta do dono do negócio, o instituto Gestão de negócio está regulado sobretudo, para situações em que alguém altruisticamente interfere na esfera jurídica de outrem, de modo a prosseguir não os interesses próprios mas o interesse do dono do negócio
Nas situações de Gestão de negócio não se trata de alguém erroneamente estar a actuar na esfera jurídica alheia, pensando que está a actuar na sua própria esfera jurídica. Por exemplo quando alguém explora um estabelecimento que pensa que herdou quando afinal o testamento é nulo. Essa pessoa certamente não esteve actuar em Gestão de negócio, porque estava a actuar no interesse própria. Na Gestão de negócio por definição o gestor actua no interesse de outra pessoa, que se chama o dono do negócio Não está excluído que a actuação do interesse do dono do negócio comporte igualmente o interesse do próprio gestor. Em primeiro lugar está o interesse do dono do negócio não se excluindo que haja uma concorrência com o interesse próprio na actuação do gestor.
Quem actua em Gestão de negócio em interesse próprio as consequências são as regras da responsabilidade civil e eventualmente a responsabilidade criminal mas não as regras da G N . A lei ainda faz refª a uma actuação por conta do dono do negócio esta refª significa que o gestor deve transferir tudo aquilo que for resultado da actuação da gestão para o dono do negócio
O gestor actua no âmbito do negócio do dono do negócio com falta de autorização. Se alguém actua na esfera jurídica de outrem nos termos de um direito que lhe é conferido, ou pela lei, ou pelo negócio jurídico, pode nos termos de um dever que resulte da lei ou dum negócio jurídico, essa actuação não é Gestão de negócio Se o pai gere o património do filho nos termos da representação legal que lhe esta cometida, não actua em Gestão de negócio.
Pode consistir em actos materiais, vizinho que repara um telhado, mas também pode consistir em verdadeiros actos jurídicos, o amigo que paga a divida aquele que está impossibilitado de o fazer, vizinho que celebra contrato de empreitada, para que sejam efectuadas obras no telhado do vizinho. Quer uns quer outros podem se repercutir na esfera jurídica do dono do negócio
Gestão representativa, gestor actua em nome do dono do negócio, ou faze-lo em nome próprio.
Deveres do gestor no exercício da gestão: primeiro e principal dever conformar-se com interesse e vontade real ou presumível do dono do negócio artigo 465º al. a). Poderá haver um interesse objectivo a luz de critérios normais de administração e um critério de interesse subjectivo aquele que corresponde aquilo que o dono do neg, pretenderia ser a actuação do gestor.
Alei não diz se esse interesse é objectivo ou subjectivo, mas danos indicação no artigo 465º al. a) o gestor tem de se conformar com a vontade real ou presumível do dono do negócio Quer dizer que prossecução de um interesse que o gestor deve observar na actividade da gestão é um interesse que corresponde, não as regras normais de administração mas aquilo que resultaria da vontade do dono do negócio , portanto uma incidência subjectiva e não objectiva.
Vontade real repousa no conhecimento que o gestor do negócio tenha daquilo que é a vontade do dono do negócio Vontade presumível gestor não conhece a vontade do dono do negócio, é uma vontade hipoteca, é uma vontade desconhecida. Esta vontade não deve ser mais do que aquela que uma pessoa normal colocada na posição de um gestor de negócio faria se estivesse no lugar do dono do negócio
A coincidência entre o interesse e a vontade dá prevalência a esta última. Se o interesse não coincidir com a vontade há dois critérios: Primeiro é se a vontade do dono do negócio for uma vontade ilícita, o gestor deve actuar em conformidade somente com o interesse “ objectivo “ do dono do negócio 465º al. a). Em princípio a actuação do gestor deve conciliar o interesse e a vontade do dono do negócio essa vontade pode ser conhecida ou meramente presumível. Em caso de conflito o espirito da lei vai no sentido de impor ao gestor de negócio que actue de acordo com a vontade do dono do negócio
Principais deveres do gestor do neg, logo a seguir a conformidade com a vontade do dono do negócio , é o de avisar o dono do negócio logo que seja possível e tem de lhe prestar contas da gestão feita, prestar todas as informações relativas a gestão e ainda não interromper a gestão, quando ao dono do negócio seja legitimo esperar que ela continue.
Relação entre gestor e dono do negócio, temos de saber finda a gestão a quem é que vão ser imputados os negócio e factos materiais praticados pelo gestor no exercício da gestão e em que medida é que o dono do negócio tem alguma responsabilidade para com o gestor.
Acabada a gestão o dono do negócio pode estar de acordo com a gestão ou não. Se está de acordo aprova, esta aprovação tem dois efeitos jurídicos, o primeiro é faz cessar o direito de indemnização que o dono do negócio eventualmente tenha pelos danos causados pelo gestor, no exercício da gestão, 469º.
2º efeito jurídico da aprovação da gestão, é que o gestor adquire pelo facto de o dono negócio ter aprovado a gestão, o direito de ser indemnizado de todas as despesas que fez, no interesse e por conta do dono do negócio assim como dos juros legais e ainda o direito de ser indemnizado pelo gestor de negócio pelos prejuízos que a ele trouxe, a realização da actividade de gestão. 468º nº1.
Se o dono do negócio não aprova a gestão, na lei portuguesa não fica desobrigado de indemnizar o gestor pelos danos que ele sofreu com a gestão, pode ser licita essa Gestão de negócio, ser reconhecida judicialmente como tal pelo facto de o gestor ter actuado , no respeito pelos pressupostos legais.
Se o dono do negócio não aprova a gestão e não se verifica os pressupostos, então o gestor de negócio não tem direito a ser indemnizado dos prejuízos que sofreu, como está obrigado a indemnizar o dono do negócio pelos prejuízos que a gestão ilícita lhe causou.
Artigo 478º nº2
Gestão conforme a lei, seja aprovada ou não pelo dono do negócio chama-se gestão regular.
A gestão ilícita que não foi aprovada e não respeita os pressupostos, chama-se gestão irregular. A aprovação implica um juízo de valor.
Quando é celebrado um neg, em nome do dono do negócio é em princípio ineficaz, porque é feito sem poderes, para produzir efeitos na esfera jurídica do dono do negócio de ser ratificado, nos termos gerais do artigo 268º.
Quando a Gestão de negócio é feita em nome próprio, se o dono do negócio aprova esse acto, então aplicam- se as regras do mandato sem representação e o gestor está obrigado a transferir os efeitos do negócio que celebrou com terceiro, para o dono do negócio artigo 471º. Pode acontecer o dono do negócio não aprove esse acto, quando se verifica nos termos gerais do mandato sem representação o gestor de negócio vai ter que suportar ele, negócio que realizou. Pode acontecer o dono do negócio não aprovar a gestão mas, decidir ratificar alguns dos negócio praticados pelo gestor, lei admite estas situações, admite que o dono de negócios ratifique só alguns negócio, quer a gestão seja representativa ou não representativa e não há provas, isto embora parecendo incoerente resulta da lei portuguesa.
Há que separar as funções do gestor de negócio das do negócio. Relações do gestor de negócio com terceiros, e aqui depende de o negócio ter sido feito em nome próprio ou em nome do dono do negócio e á depois as relações directas entre o dono do negócio e o terceiro com o qual o gestor de negócio celebrou algum negócio jurídico, a relação entre estes só existe nos casos de gestão representativa, quando o dono do negócio ratificar o negócio jurídico praticado pelo gestor de negócio em seu nome. Nos casos em que a gestão é não representativa o dono do negócio nunca interfere directamente com terceiro, se é representativa o dono do negócio só se relaciona com terceiros se ratificar ele próprio o negócio, se recusar a ratificação o terceiro nunca poderá requerer indemnização do dono do neg, esse direito verterá contra o gestor dos negócio



26/01/99
Gestão de negócio alheio julgado próprio, artigo 472º, este artigo diz que se alguém gerir negócio alheio convencido que ele lhe pertence só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão. Em quaisquer outras situações são aplicáveis a gestão as regras do enriquecimento sem causa sem prejuízo de outras que ao caso couberem, se houver culpa do gestor na violação do direito alheio são aplicáveis ao caso as regras da responsabilidade civil, portanto aqui situação que se encontra prevista. A Gestão de negócios exige conforme se verifica um “ animus alienen negocions gerentem “ a intensão de alguém gerir o negócio alheio.
Se o gestor não tem a consciência de estar a gerir um negócio alheio, esta convencido que está a agir em benefício próprio, nessa altura faltaria a intensão de actuar por conta de outrem que caracteriza a gestão. Sendo assim o gestor está a actuar por conta própria. Por esse motivo a lei considera que não se justifica, aplicar neste âmbito a Gestão de negócio o regime que se prevê relativamente aos deveres do próprio gestor a menos que o dominus decida aprovar a gestão, se este aprovar é que existe a aplicação das regras da Gestão de negócio, caso não seja assim o gestor não terá direito a exigir os seus direitos previstos no artigo 468º, ou seja o reembolso das despesas que fundadamente tenha considerado indispensáveis com juros legais a contar do momento que foram feitas e a indemnização do prejuízo que haja sofrido.
Portanto estes deveres deixam de aplicar se o gestor estiver convencido que está a gerir negócio seu e não negócio alheio, excepto se houver aprovação da gestão, o dominus tem a faculdade de aprovar a gestão e reconhecendo conforme resulta do artigo 469º ao gestor esses direitos.

Se o gestor decidiu julgando por exemplo que uma quinta era sua proceder a sua sementeira e depois colheita dos frutos e o dominus vem a beneficiar com isso pode decidir, aprovar a gestão e reconhecer ao gestor o reembolso de todas as despesas em vez de se limitar a aplicação do regime do enriquecimento sem causa.
Se no entanto não houver aprovação da gestão, o que a lei determina é que só existe aplicação regime do enriquecimento sem causa ou seja neste caso a ingerência na esfera jurídica alheia, ( chama-se a atenção para este artigo 472º tem conceito de negócio alheio diferente do 474º neste abrange-se negócio subjectivamente alheio no 472º está em causa situações de alienidade objectiva, ou seja, situações de ingerência na esfera subjectiva do dominus e precisamente nesse caso como falta o animus de beneficiar outrem o que sucede é que aplica-se em princípio o regime do enriquecimento sem causa ou da responsabilidade civil se houver culpa do gestor na violação do direito alheio.)
Se houver aprovação da gestão o dominus poderá decidir aprovar, reembolsando o gestor das sua despesas e dos prejuízos que tenha sofrido. No caso contrário aplica-se o regime do enriquecimento sem causa ou seja a restituição do enriquecimento.
No âmbito do artigo 472º só faz refª ao que se chama a Gestão de negócio alheio julgado próprio, a situação de alguém que está convencida que está a gerir um negócio seu e por isso não tem intensão de actuar por conta de outrem.
Há no entanto uma situação que estava prevista no ante projecto do Dr Vaz Serra e que o nosso legislador não consagrou expressamente , apesar de existir noutros direitos como seja no Código civil alemão e é a chamada situação de Gestão de negócios imprópria.
A Gestão de negócios imprópria, diferentemente da gestão de negocio alheio julgado próprio consiste na situação em que o gestor decide conduzir por conta própria um negócio que sabe muito bem ser alheio, ou seja, no caso da Gestão de negócio alheio julgado próprio o gestor por julgar que o negócio era próprio conduz por conta própria , neste caso o gestor que o negócio é alheio mas mesmo assim decide actuar por conta própria.
Pergunta-se neste caso Quid Iuris neste tipo de situação. Esta figura existe no Código Civil alemão, estava prevista no ante projecto , mas não aparece no Código, daí coloca-se a questão se pode considerar-se aplicável por analogia a luz do regime da Gestão de negócio A questão foi examinada pelo Dr Armindo Ribeiro Mendes chegou a conclusão que o princípio germânico da Gestão de negócio imprópria não foi consagrado entre nós, porque tratar-se-ia de uma matéria nova em que não havia tradição no nosso direito, e precisamente, por isso, para ser consagrada o legislador teria que o ter feito expressamente. A conclusão a tirar é que não existe propriamente uma consagração no nosso Código Civil da figura da Gestão de negócios imprópria.
Pelo contrário o Professor A. Varela desde sempre se pronunciou em que há regras da Gestão de negócio que são aplicáveis ao gestor de negócios impróprio, e refere especialmente aos deveres previstos no artigo 465ºdizendo por exemplo que os deveres das alíneas c), d) e e) , prestar contas findo o negócio quando o dono as exigir, prestar todas as informações relativas a gestão, ou entregar tudo o que tenha recebido durante a gestão, o saldo das respectivas contas são deveres que se aplicam em relação ao gestor de negócio impróprio e portanto defende expressamente esse tipo de consagração.
Para o Professor parece incorrecto não permitir a aplicação do regime de G N ao gestor de regime de negócio impróprio, já que se a lei permite, através do artigo 472º que quando alguém está a gerir um negócio que de boa fé julga ser próprio e negócio alheio permite sujeita-lo através da aprovação do dominus as regras da Gestão de negócios, não pareceria contraditório com os pressupostos que essa possibilidade desaparece-se quando o gestor está de má fé. Este artigo 472º é aplicável a gestão negócio imprópria por analogia na opinião do Professor. Não há obstáculo a aplicação analógica nós decidamos sujeitar o gestor de negócio impróprio ao mesmo regime de gestão de negócio através da chamada aprovação da gestão.
Enriquecimento sem causa, objecto de dissertação de doutoramento do Professor.
A lei prevê o regime do enriquecimento sem causa no artigo 473º nº 1 , “ aquele que sem causa justificativa enriquecer a custa de outrem é obrigado a restituir aquilo, com que injustamente se locuptou “ esta figura tal como aparece corresponde a um princípio jurídico, proibição do enriquecimento injustificavel, é um princípio que surge não apenas no direito romano mas tem tido aplicação em quase todos os direitos conhecidos, mesmo por exemplo na commowealt.
Aparece no âmbito do Digesto, na parte final ( vários termos em latim ) estabelece um principio de proibição do enriquecimento injustificado.
No âmbito do digesto admitiam-se 3 tipos de acções:
1ªCondiction, consistia numa acção , através da qual alguém podia exigir a restituição de uma prestação que tinha feito quando essa prestação não obtinha o resultado. E essa situação no direito romano era estabelecida com base em quatro tipos de situações: 1ª Condiction indebitin ( ? ) corresponde ao que hoje em dia chamamos a repetição do indivíduo, ou seja, alguém fez um pagamento em consequência de uma dívida e essa divida não existia. Os romanos entendiam que podiam utilizar aquela acção para exigir a restituição daquele pagamento que foi indevidamente feito ( os romanos tinham sistema processual para o fazer ).
2ºCondiction, esta diferentemente da anterior em vez de se verificar em relação a uma causa passada, visava obter um resultado futuro, podendo ser pedida a restituição quando esse resultado não acontecia. Exemplo era o de alguém constituir um dote em função de um casamento, quando esse casamento não vem a ser celebrado, nesse caso pode-se pedir a restituição daquela prestação com este fundamento.
3ºCondiction, isto é uma especialidade da anterior , também é uma restituição de uma prestação para um resultado, acontece que o resultado é ilícito , tratava-se de alguém fazer uma prestação, por exemplo visando que alguém praticasse um assassínio. O que caracteriza este tipo de situação é que a restituição pode ser devida mesmo que o resultado se verifique. Finalmente aparece uma última figura do digesto 4º Conviction sine causen a realização de uma prestação sem causa, uma figura que aparece com cariz subsidiário, uma vez que prevendo-se uma situação deste género sobram as demais
Aparece também actio .. e esta acção significava essencialmente , que como a representação era um instituto ignorado pelos juristas romanos, acontecia que se alguém, por exemplo um filho ou um escravo celebrasse contrato com terceiro em nome do pater families este não era responsabilizado por esse contrato, no entanto se esse contrato o viesse a enriquecer poder-se-ia utilizar esta figura para reclamar o enriquecimento, aqui tratar-se-ia de um enriquecimento indirecto, com base num negócio celebrado por outrem.
Ultima figura também ela utilizada action negociorum gestorum utilis, significava a utilização da acção de Gestão de negócios quando o gestor não actuou com animus alienen negocium gerenden mas sim com animus deprevenden com a intensão precisamente de se apoderar dos bens do animus.
O princípio geral da proibição do enriquecimento injustificado, fascinou desde sempre os juristas medievais nomeadamente mesmo nas próprias sete partidas.
O problema que se colocava e que os glosadores colocaram é que esta ideia da proibição do enriquecimento injustificado tal como consta da regra de ponpónios é demasiado ampla , isto porque com base no princípio há uma série de regras jurídicas que podem ser fundamentadas , mas também se entra em contradição com toda uma outra série de regras jurídicas, portanto, visto assim, este princípio insere uma série de regras como por exemplo os vícios da coisa na compra e venda, restituição em caso de resolução do contrato. Há toda uma série de institutos aos quais este princípio se pode aplicar, mas grave do que isto há institutos que entram em contradição com ele por exemplo usucapião, o facto de alguém adquirir uma propriedade em caso de ter a posse dela após um lapso de tempo, essa usucapião vai ser um enriquecimento sem causa á custa do proprietário.
Primeiro caso que surge em França em 1892, é um caso que ficou conhecido como o “ arre podie “. O caso é o seguinte alguém é arrendatário de um prédio rústico e resolve comprar sementes para semear esse terreno , acontece no entanto que depois não paga as sementes que comprou, não paga porque ficou insolvente, levando precisamente a que nem pague as rendas e o proprietário venha adquirir o terreno, extinguindo assim o arrendamento. A pessoa que tinha vendido as sementes e os adubos não pode mandar o arrendatário porque ele não tem dinheiro esta insolvente então decide demandar o proprietário com fundamento no enriquecimento sem causa. O tribunal francês deu razão a essa acção. Jurisprudência francesa critica esta amplitude utilizada pela acção, isto por uma razão, o contrato não tinha sido celebrado com proprietário do terreno, mas sim com o arrendatário e dai, portanto admitir-se demandar o proprietário do terreno para pagamento daqueles adubos que foram incorporados no seu terreno, estava-se a por em causa o princípio da relatividade dos contratos. Havia um terceiro que estava a ser demandado por um contrato que não tinha celebrado. Segundo problema o da igualdade de credores, com isto, um dos credores do insolvente, tinha um privilégio tinha o direito de ser pago a frente dos outros coisa que não estava a ser consagrada.
Essa decisão ficou conhecida como um caso celebre, levou a que posteriormente a jurisprudência francesa corrige-se, esta aplicação desvirtua a acção de enriquecimento, e afastou essa consagração, através da consagração do princípio da subsidiariedade, vem-se dizer que não é possível usar a acção de enriquecimento sempre que se ponha em causa disposições imperativas da lei ou sempre a lei conceda qualquer outra acção para o empobrecido se ressarcir. Acção por enriquecimento no sistema francês é consagrada mas não existe nenhum artigo no CÓDIGO CIVIL que expressamente a refira , seria apenas de cariz subsidiário.
Direito alemão influências pandectistica que recusando a aplicação desvirtuada do direito romano procurou retornar ao sistema romanistico, encontrou como fundamentos da acção por enriquecimento as condições estas aplicações da condiction. Consagrou as 4 condiction em vários preceitos aplicando a acção de enriquecimento. O que implica trazer uma primazia ao enriquecimento baseado numa prestação afastando assim a velha doutrina dactio en reversion, que atendia especialmente ao enriquecimento indirecto.
Nosso código em 66 acusa duas influências, consagra uma acção de enriquecimento sem causa que aparece totalmente baseada no sistema das condictiones, conforme resulta do nº 2, porque o artigo 473º diz-nos que “ aquele que sem causa justificativa enriquecer a custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locuptou “ . No nº 2 com cariz exemplificativo, vem dizer que a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido em virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. ( Condiction cine causem ).
Estabelecendo o sistema das condiciones, o legislador logo a seguir veio consagrar o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa que é previsto no artigo 474º , prevê que o enriquecimento não tem aplicação sempre que a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído , sempre que negar o direito a restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Legislador português adopta influências contraditórias, adopta o sistema das condictions acolhido do direito alemão mas vem a prever a consagração da natureza subsidiária do enriquecimento, á semelhança do que faz a doutrina francesa. Como é que devemos entender a ideia de enriquecimento sem causa, a doutrina tradicional baseia-se essencialmente no seguinte: é que o enriquecimento sem causa é baseado no que se chama deslocação patrimonial entre duas pessoas , deslocação patrimonial essa que coloca o enriquecimento numa e o empobrecimento noutra. Essa deslocação tem de ser directa e imediata, essa deslocação não teria que ter causa jurídica .
Pressupostos :
1º obtenção do enriquecimento,
2º a custa de outrem,
3º sem causa justificativa. Artigo 473º.
A teoria inicial a teoria da deslocação patrimonial defende que quer o enriquecimento quer o empobrecimento á custa de outrem são entendidos em sentido patrimonial, portanto devem ser apreciados em concreto e não em abstracto. Verifica-se se existe uma diminuição do património ou se existe um excremento do património e logo a seguir verifica-se se essa deslocação patrimonial, portanto o valor que se passou de um património para outro tem ou não tem causa justificativa. Se faltar esta causa haverá lugar a restituição do enriquecimento. Esta teoria clássica da deslocação patrimonial foi comum no âmbito do enriquecimento sem causa até praticamente 1930.
Em 1905 houve um autor alemão que procurou estabelecer o enriquecimento sem causa noutros moldes, aplicando ao problema das intervenções da esfera jurídica alheia e enriquecimentos causados por essas intervenções, porque este sistema das condiciones, está em causa sempre uma situação comum, o que for recebido, isto pressupõe uma prestação do empobrecido. Quid Iuris, quando quem provoca o enriquecimento é o próprio enriquecido, ou seja quando o enriquecimento em vez de ter por objecto uma acção do empobrecido tem antes por objecto uma acção do enriquecido, ou seja, não se baseia numa prestação. Seria o caso de alguém que decida se apoderar da quinta de outrem e colher os frutos todos; publicar livro que seja se outro autor, ou seja, situações em que o enriquecimento é desencadeado pelo próprio enriquecido. Este autor vem a defender que o que está em causa nesta situação é o lucro obtido por uma actuação ilícita, o que ele chama o lucro de intervenção, portanto, exigia o seguinte que alguém tivesse obtido um enriquecimento que esse enriquecimento derivasse de uma actuação ilícita através de uma intervenção e que houvesse um nexo causal entre essa intervenção e o enriquecimento. O próprio autor chegou ao ponto de dizer que esta situação dispensaria inclusivamente a refª a um dano do próprio empobrecido. Exemplo se alguém por hipótese tem uma quinta ao abandono e determinada pessoa resolve cultivá-la e obter lucros, a verdade é que o empobrecido de acordo com a concepção clássica não teria tido prejuízo nenhum, uma vez que o seu património permaneceu exactamente como estava. Para SHULTZ já não era assim , está acção não deixa de ter sido obtida ilicitamente e precisamente com base nisso nos temos lugar á instituição do enriquecimento. Aquele autor considerou que é essencialmente a acção ilícita que fundamenta a restituição do enriquecimento sem causa, mas curiosamente, mesmo o enriquecimento por prestação, ou seja enriquecimento causado pelo acto do empobrecido.
A tese SHULTZ é esta, o enriquecimento sem causa é uma acção de responsabilidade civil invertida, ou seja, enquanto a responsabilidade visa compensar os danos, o enriquecimento sem causa pretende eliminar o enriquecimento obtido com essa acção ilícita. O enriquecimento sem causa baseia-se numa tese de ilicitude , esta tese veio a ser posta em causa.
A doutrina maioritária, actualmente defende que não há unidade entre as diversas categorias de enriquecimento sem causa, ou seja o enriquecimento sem causa é um instituto fundado no princípio genérico , sendo instituto genérico tem muitas aplicações e essas aplicações implicam a concretização em diversas categorias de casos em que se refere a aplicação do enriquecimento sem causa, e essas categorias não tem pressupostos nenhuns e dai , portanto que tenha de se estabelecer uma diferente natureza. Esta é a doutrina da natureza do instituto é essencialmente defendida por 2 autores um austríaco outro alemão. Estes autores defendem que não há caracter, que a doutrina unitária tradicional, portanto a ideia de que todo o enriquecimento sem causa se baseia numa deslocação patrimonial sem causa jurídica, ou seja, é necessário haver uma deslocação de valor de um património para o outro que produza um concomitante enriquecimento e empobrecimento e faltar a causa, é uma dou trina errada, porque não é possível definir o enriquecimento sem causa por esta formula tão genérica, até porque haveria muitos casos em que a doutrina seria aplicada e toda a gente defende que não há enriquecimento sem causa.
Estes autores defendem a divisão do instituto em várias categorias, primeira de todas, a prestação que são os casos em que o enriquecimento sem causa resulta de uma actuação do próprio empobrecido, este visou obter qualquer resultado, este por sua vez não veio a ser atingido, então vai pedir a restituição, segundo caso a chamada intervenção, alguém veio a ingerir-se na esfera jurídica alheia obtendo determinados valores que estariam destinados ao empobrecimento, portanto este seria também um caso diferente. Estes são os dois casos mais importantes mas ainda existiriam outros casos; Primeiro a realização de despesas, o que em certos casos a lei prevê que quem realiza despesas que beneficie outrem pode ser ressarcido nos termos do enriquecimento sem causa, exemplo do artigo 468º nº 2 que estabelece que o gestor tem perante o dono do negócio o direito ao reembolso de despesas. Finalmente casos especiais em que o enriquecimento permite a desconsideração de um património intermédio, as situações que aparecem como casos excepcionais . Ultrapassar as barreiras de contratos celebrados por entidades diferentes só é possível em casos muito excepcionais.

28/1/99 J

2/2/99
Enriquecimento sem causa. Obrigação de restituir.

Hoje vamos continuar a matéria do enriquecimento sem causa, tratando agora, a questão da obrigação de restituir.
Já referimos na ultima aula que o art 473ºcc que o enriquecimento sem causa á custa de outrem tem, em termos jurídicos uma eficácia destrutiva, ou seja o enriquecimento deve ser destruído. Restituindo-se á custa de quem se verificou esse enriquecimento.
Esta concepção no entanto dá origem á restituir o enriquecimento. Só que essa obrigação de restituir o enriquecimento, tem por base o art 479º . O qual tem varias interpretações possíveis, de acordo com o que a doutrina tem apontado.
O artº479º que tem por objecto a obrigação de restituir, diz-nos:
Nº1- A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido á custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Nº2- A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do art seguinte-( 480º)
Esses factos são:
A) ter sido o enriquecimento citado judicialmente para a restituição
B) ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.
Nestas situações, como se pode verificar, o legislador aponta essencialmente a limitação da obrigação de restituir o enriquecimento por 2 valores:
1º o empobrecimento que se obteve á custa de outrem;
2º O próprio enriquecimento.
O enriquecimento, é no entanto uma grandeza variável , uma vez que quando alguém obtém um enriquecimento á custa de outrem, esse enriquecimento pode diminuir com o decurso do tempo, ou inclusivamente aumentar.
Por exemplo:
Alguém entrega a outrem um certo bem ,um charuto ou uma garrafa de whisky e verifica-se que a pessoa não sabendo que eles são prestados sem causa, procede ao seu consumo, julga que lhe eram destinados.
Aqui verifica-se um desaparecimento do enriquecimento, uma sua diminuição , na medida em que nessa situação, no momento em que a pessoa conhece a ausência de causa , já não esta tão enriquecido como estava anteriormente, ou já não esta sequer enriquecido.
Daí que o legislador mande tomar em consideração estes dois critérios:
- O enriquecimento.
- O empobrecimento.
...Sendo que o enriquecimento, é fixado no momento do conhecimento da ausência de causa jurídica, o que se presume ocorrer sempre, quando ocorre a citação para a acção de restituição.
Nestes casos é possível adoptar dois tipos de calculo do enriquecimento, de acordo com o que a doutrina refere:



4/2/99 E

9/3/99
Responsabilidade civil (última fonte de obrigações a tratar)
De acordo com a sistematização tradicional, a responsabilidade civil era dada no fim, só que isso tem o defeito de não ser muito bem dado e daí como é uma das matérias cruciais para o curso convém dar adiantadamente.
As lições do prof. Menezes Cordeiro, já estão muito desactualizadas, porque mesmo em termos de pensamento ele já evoluiu nessa matéria. No livro denominado "responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais", embora trate de matéria de direito comercial, tem bastantes páginas sobre a sua forma de entender os pressupostos da responsabilidade civil.
O prof Menezes Leitão, na sua tese de mestrado sobre a "responsabilidade civil do gestor de negócios", teve oportunidade de realçar a sua posição sobre a responsabilidade civil.
A responsabilidade civil consiste essencialmente, na situação que se verifica quando alguém fica obrigado a indemnizar um dano que outrém sofreu, a responsabilidade civil pode assim apresentar-se como uma fonte de obrigação de indemnização, que o nosso código refere autonomamente nos arts 562º ss, a responsabilidade civil aparece como uma situação de natureza excepcional, uma vez que a regra que existe em relação a danos é que o dano é suportado por quem o sofreu. Esta é uma indicação que já os autores romanos explicavam através da expressão "Res perit domino", ou seja o perecimento da coisa prejudica o seu dono, a regra que existe é esta em principio quando alguém sofre um qualquer prejuízo, ou porque fez um mau investimento nos seus negócios, ou porque deteriorou um bem seu, ou porque sofreu um dano pessoal, tropeçou e partiu um braço, em todas estas situações o dano é suportado por quem o sofreu.
Quando no entanto ocorrem alguma razão de justiça especial, nós podemos passar esse dano para outrém, o que de alguma forma se denomina por a imputação de danos.
A imputação de danos — a imputação tradicionalmente, é considerada uma razão de justiça que existe para que o dano não seja suportado por quem o sofreu, mas que venha a ser suportado por outrém. Ou seja, que esse outrém tenha uma obrigação de indemnização. Isto quer dizer que no âmbito da obrigação indemnização, isso signifique que outra pessoa em virtude de se ter constituído civilmente responsável, fica obrigado a eliminar esse dano. Indemnizar significa tornar indemne, ou seja, tornar-se em dano. Se alguém por qualquer motivo é responsável por esse dano, consequência que surge é esta, tem de eliminar o dano na pessoa de quem o sofreu, e no fundo suportar ela esse mesmo dano, paga a indemnização correspondente.
Tradicionalmente para se falar numa ideia de imputação de danos, a título genérico seria sempre necessário, em principio de acordo com os cânones tradicionais, a existência deste nexo de imputação. O nexo da imputação dos danos, tradicionalmente era apresentado como a culpa do agente, ou seja, o que significa que se o dano é causado em virtude de um facto culposo de determinada pessoa, nessa altura ela tem uma razão efectiva de justiça, q significa q não seja obrigada a suportar o dano mas sim quem o causou culposamente. A ideia que teríamos era que alguém tem de reparar um dano se o tiver causado culposamente. A culpa apareceria como um nexo típico de responsabilidade civil, a ideia tradicional era que a responsabilidade civil baseia-se na culpa. No entanto, por força da própria evolução do direito, tem-se vindo a admitir um desenvolvimento de situações que o legislador veio a verificar em que não pareceria correcto responsabilizar apenas quem tivesse praticado o facto com culpa. São exemplos:
— os chamados acidentes de trabalho, se a culpa é pressuposto da responsabilidade, isso significa que quem se sente lesado para obter a indemnização tem de provar a culpa do agente. Como regra geral cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do direito alegado, o resultado nesta situação e no âmbito dos acidentes de trabalho gerava o seguinte problema, era que o trabalhador ficava fisicamente diminuído em consequência de um acidente de trabalho não poderia pedir indemnização à entidade patronal a menos que demonstrasse que era por culpa da entidade patronal que o dano se tinha verificado. Isto é uma situação que se apresenta como propiciadora de injustiças, já que se em principio a entidade patronal está a tirar proveito da actividade do trabalhador, questiona-se porque não há-de atribuir determinada compensação quando no âmbito da sua actividade o trabalhador vêm a ficar lesado. A esta questão de justiça colocava-se outros resultados práticos, a prova da culpa da entidade empregadora era quase sempre impossível de fazer, a questão era a seguinte também ponderar o problema do seguro, é que facilmente a entidade patronal, conseguiria estabelecer um seguro, contra uma eventual responsabilidade que lhe fosse imputada. O seguro é um custo, e o custo pode ser repercutido nos consumidores que compram o produto. O trabalhador nunca faria um seguro contra danos, porque se o fizesse teria de reduzir o valor liquido do seu salário o que seria algo bastante prejudicial para ele. O legislador introduziu sucessivamente diversa legislação, a estabelecer responsabilidade mas sem ser baseada na culpa, introduziu então um novo critério para imputar danos no direito civil, que é a chamada responsabilidade pelo risco. Responsabilidade objectiva- que se reconduz a que alguém é responsável não por ter culpa pelo facto, mas por ter criado um risco, que poderia dominar ou que em certos casos tira proveito desse mesmo risco. A chamada responsabilidade pelo risco.
— os acidentes causados por veículos, em que a pessoa responde tenha culpa ou não tenha culpa, trata-se da responsabilidade pelo risco.
— os produtores, mais recentemente a chamada responsabilidade dos produtores pelos danos causados por produtos defeituosos, legislação actualmente consagrada pelo dec-lei 383/89 na sequência de uma directiva comunitária.
A situação que nos surge no âmbito da responsabilidade civil, é uma evolução que tem sucessivamente feito funcionar uma responsabilidade também objectiva. Ou seja, não apenas uma responsabilidade baseada na culpa, mas também uma responsabilidade objectiva.
Outro tipo de evolução que se discutiu, era se a responsabilidade civil não acabaria por sucumbir perante um novo desenvolvimento da segurança social, porque o que sucede relativamente aos danos corporais a própria segurança social, tende a compensar os danos, a proceder a uma socialização dos danos levando a que todo o estado suporte os danos que as pessoas venham a sofrer, principalmente no âmbito das doenças profissionais. Mas hoje em dia verifica-se que, por exemplo há uma catástrofe por exemplo no Alentejo, e o estado distribui indemnização aos agricultores que são lesados. Ou seja não aplica o principio "Res perit domino", o estado entende que nas suas funções está a prestação de subsídios e ajuda para a reparação, aqui temos processos de socialização do dano, que de certa forma se apresentam um pouco afastados da ideia tradicional de responsabilidade civil, o dano não é suportado pelo lesado e descobre-se alguém que é responsável e que vem atribuir uma indemnização. Apesar disso a responsabilidade civil tem-se mantido praticamente triunfante no nosso sistema, ou seja, não apenas a responsabilidade civil mas todo o processo baseado na culpa, o legislador apesar de ter vindo a admitir casos que não se baseiam na culpa, a verdade é que não prescindiu da responsabilidade por culpa, considerando-a sempre como o caso normal para atribuição de indemnizações.
Quando o legislador consagra um caso de responsabilidade pelo risco estabelece normalmente um limite máximo de indemnização. Diz — nós indemnizamos sem culpa mas só até certo limite. Exemplo os acidentes causados por veículos têm uma responsabilidade civil limitada.
A responsabilidade por culpa, por contrário é tradicionalmente ilimitada, se alguém consegue estabelecer a culpa do agente, por isso tem normalmente garantida a indemnização integral do dano, que pode não suceder no caso de responsabilidade pelo risco. Por isso o nosso legislador consagrou no código civil a responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, a responsabilidade subjectiva, que quer dizer aquela que é baseada na culpa. Embora também preveja os casos de responsabilidade pelo risco referido nos arts 499º ss, neste caso o legislador vem nos dizer, para estabelecer o critério excepcional da responsabilidade pelo risco, que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa, nos casos especificados na lei, art 483ºnº2.
Convém esclarecer uma outra divisão que se estabelece na responsabilidade civil, nós podemos dividir a responsabilidade civil em;
— responsabilidade civil objectiva, responsabilidade por factos ilícitos
— responsabilidade civil subjectiva, responsabilidade pelo risco
Mas há ainda outro critério de responsabilidade, que falaremos dela mais adiante, que se baseia não propriamente em alguém ocorrer um dano numa esfera de riscos imputável à outra pessoa, mas sim num caso de a lei autorizar o sacrifício licito de bens de outrém com obrigação de indemnizar, nesses casos nós falamos em responsabilidade civil por factos lícitos ou pelo sacrifício. É exemplo, a chamada limitação voluntária dos direitos de personalidade, art 81ºnº2, e que a lei diz que a limitação voluntária dos direitos de personalidade quando legal é sempre revogável, ainda que com a obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legitimas expectativas da outra parte. Ou seja, neste caso alguém pratica um facto lícito, revogar uma limitação dos seus direitos que estabeleceu, mas tem de indemnizar. É a chamada imputação por factos lícitos ou pelo sacrifício. Assim nós temos já no âmbito da ideia de responsabilidade civil a possibilidade de estabelecer uma primeira subdivisão.
— Responsabilidade subjectiva ou por factos ilícitos.
— Responsabilidade objectiva ou pelo risco.
— Responsabilidade por factos lícitos ou sacrifício.

São três divisões da responsabilidade, embora o caso principal seja o da responsabilidade subjectiva, uma vez que os outros dois são de verificação excepcional. Cabe agora tratar de outra classificação de responsabilidade, que no fundo levanta a questão da articulação da responsabilidade civil no âmbito do curso de direito das obrigações, que é a distinção entre;
— Responsabilidade delitual ou por factos ilícitos como também se refere, nós temos essencialmente a seguinte situação, alguém vêm lesar direitos de outrém, mas direitos de outrém que têm cariz absoluto. Ou seja, portanto, os direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos de propriedade industrial, portanto os direitos que não se baseiam numa relação para com outra pessoa. Esta situação aparece-nos referida no art 483º, que tem no fundo a chamada clausula geral da responsabilidade civil. Essa norma diz-nos que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado nos danos resultantes da violação. Ou seja, há aqui a referência à violação de direitos de outrém, à violação de disposição legal destinada a proteger.
— Responsabilidade obrigacional, a lesão dos direitos de crédito no cumprimento de obrigações também provoca danos, e a lei também os considera como um facto ilícito. O que sucede é que os trata noutra secção que é a que começa no art 798º, dizendo-nos que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa. Aqui mais uma vez a violação do direito de crédito, no cumprimento da obrigação, também pode causar danos, nessa altura faz surgir uma obrigação de indemnização, a cargo do devedor.
Neste caso temos um problema, saber como estabelecer no fundo a conexão entre as duas situações. Há autores que dizem que se trata exactamente da mesma coisa, porque também aqui estamos perante um caso de responsabilidade civil. Mas surge um problema que é o seguinte, que é saber se não existe uma essencial diferença de natureza entre estas duas responsabilidades. Isto pela simples razão que a tese clássica diz que a responsabilidade obrigacional, como já existia uma obrigação prévia, não é fonte de obrigações. Porque a obrigação já existia, o que significa apenas que para além do dever de prestar passou a abranger o dever de indemnizar. Seria um caso de uma mera modificação da obrigação. A fonte da obrigação era o facto que deu origem à violação violada.
Pelo contrário a responsabilidade civil delitual, apareceria como fonte de obrigações. E daí como neste caso não há nenhuma obrigação anteriormente, que vinculasse aquela pessoa, a obrigação é constituída pela lesão de um direito absoluto de outrém, a obrigação surgiria ex novo.
Esta diferente natureza das diferentes responsabilidades está na base da sistematização do código civil, porque se vê a responsabilidade delitual referida nos arts 483º ss, aparece na fase das fontes das obrigações. A responsabilidade obrigacional pelo incumprimento das obrigações já aparece noutra secção, a secção relativa ao cumprimento e não cumprimento das obrigações.
Mas curiosamente o legislador veio a tratar unitariamente, a obrigação de indemnização, que pode ter por fonte qualquer destas duas situações. Aí a obrigação de indemnização é referida pelos arts 562º ss, tratada unitariamente quer a responsabilidade obrigacional quer a responsabilidade delitual.
A responsabilidade civil delitual ou extra contratual é tratada nos arts 483ºss, a responsabilidade obrigacional nos art 798ºss, e depois a obrigação de indemnização, que é no fundo o efeito gerado por estas duas situações, tem um regime unitário nos arts 562ºss. A questão que se coloca é esta, há alguma diferença entre as duas responsabilidades?
O que a doutrina tem apontado e que a lei consagra é o seguinte, — é que o primeiro regime que nos aparece é a presunção de culpa, ou ónus de prova da culpa na responsabilidade civil. Na responsabilidade delitual é ao lesado que cumpre provar a culpa do autor da lesão. Art 487ºnº1. Já na responsabilidade obrigacional presume-se a culpa do devedor, situação prevista no art 799ºnº1.
Outra diferença é que se a responsabilidade for delitual, e houver vários responsáveis pelos danos a regra é a da solidariedade, art 497º, se a responsabilidade for obrigacional esse regime só se pode aplicar se essa solidariedade já vigorava na obrigação violada, porque se a obrigação violada era conjunta, naturalmente que a responsabilidade dos devedores permanecerá conjunta ou parceária, aqui também uma diferença nestes dois casos.
Outra situação também importante o regime da prescrição, é que sempre se entendeu que a norma relativa à prescrição o art 498º, só se refere à responsabilidade delitual, estabelece um prazo curto de prescrição de três anos, ainda que tenha de ser conjugado com outro prazo. Já na responsabilidade obrigacional, pelo contrário, aplica-se o regime da prescrição da obrigação violada, então o prazo ordinário é de vinte anos, de acordo com o disposto no art 399º. Ainda um caso a apontar é as diferentes regras de conflitos, porque o chamado direito internacional privado, nós tratamos das obrigações no art 41º, refere-se às obrigações provenientes de negócio jurídico, mas a responsabilidade extra contratual, responsabilidade delitual, é tratada no art 45º, aqui nós temos diferentes regras de conflitos de leis nestes dois campos de responsabilidade.
Isto justifica perguntar se estas diferenças justificam ou não que se tratem separadamente estas duas responsabilidades. A tese clássica, que é a tese que sempre predominou na escola de Coimbra, defendia precisamente isto, que as duas responsabilidades, têm natureza distinta, e portanto a responsabilidade delitual é fonte de obrigações, porque faz nascer uma obrigação que não existia anteriormente. A responsabilidade obrigacional ou contratual, já não seria fonte de obrigações, porque já existiria uma obrigação prévia e portanto essa obrigação apenas transformaria o objecto da obrigação.
Esta posição tem vindo a ter algum obstáculo na escola de Lisboa, isto em virtude dos trabalhos dos professores Paulo Cunha, Manuel Pessoa da Silva, Pessoa Jorge, e numa primeira fase o prof Menezes Cordeiro.
O prof que mais desenvolveu este tema foi o prof Gomes da Silva que precisamente fez uma tese de doutoramento titulada, " o dever de prestar e o dever de indemnizar", essa tese de doutoramento sustentava o seguinte. Não há qualquer identidade entre o dever de prestar e o dever de indemnizar, têm conteúdos completamente diferentes. O dever de prestar visa realizar uma prestação em beneficio do credor, o dever de indemnizar visa eliminar um dano. Sendo assim por esse motivo não faria sentido nós estarmos a defender que um dever de prestar se transformasse em dever de indemnizar. O que se passa quando ocorre incumprimento é que o dever de prestar se extingue, em virtude da impossibilidade da execução coerciva, mas como essa extinção gera um facto ilícito passava a surgir em sua substituição um dever de indemnizar. Na tese do prof Gomes da Silva, a responsabilidade obrigacional era tão fonte de obrigações como a responsabilidade delitual.
O prof Menezes Leitão, lhe parece que efectivamente quer a responsabilidade obrigacional, quer a responsabilidade contratual, devem considerar-se fontes de obrigações. Isto porque em ambos os casos, se nós tratar-mos das fontes das obrigações por exemplo baseadas nos negócios jurídicos, ou seja os contratos e os negócios unilaterais, nós vemos que está em causa um principio, que é o principio da autonomia privada, ou seja, as pessoas ditam as suas próprias regras. Em consequência de ditarem as suas próprias regras vinculam-se a realizar comportamentos. Se nós verificar-mos a responsabilidade delitual nós vemos aqui em causa outro principio, o principio do ressarcimento dos danos injustos, ou seja, os danos que alguém sofre e se existe uma razão de justiça para serem imputados a outrém devem ser ressarcidos por esse mesmo.
Questiona-se o seguinte, a responsabilidade obrigacional está mais perto do principio da autonomia privada, ou está mais perto do principio do ressarcimento de um dano injusto. A ver do prof M. Leitão está mais próximo do principio do ressarcimento de um dano injusto.
Pressupostos dessa mesma responsabilidade civil, uma delas é o sistema francês que tem uma chamada grande clausula geral. Baseada no fundo que aquele que cause a outrém um dano é obrigado em virtude da sua falta a indemnizar. Isto é uma referência muito ampla ao dever de indemnizar. Apenas baseado numa falta. No código civil alemão este vem tipificar três situações em que alguém pode obter responsabilidade civil delitual, 1º- alguém violar com dolo ou mera culpa o direito de personalidade, um direito real, ou outro direito absoluto. 2º- alguém violar, também com dolo ou mera culpa, uma disposição destinada a proteger os interesses de outrém. 3º- alguém violar dolosamente os bons costumes. Neste código civil temos uma situação muito restritiva.
O nosso sistema adoptou uma posição intermédia. Nem foi tão restritivo como o código alemão, mas também não avançou para uma ideia de grande clausula geral como é o código francês. Daí que estabelece no art 483º, que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrém, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado, pelos danos resultantes da violação. Portanto aqui nós temos esta sistematização, temos esta indicação de uma forma analítica.

Formulação clássica da responsabilidade civil
— facto do agente
Ä acção
Ä omissão
— ilicitude
— culpa
— dano
— nexo de causalidade entre o facto e o dano.


11/3/99

Análise dos pressupostos da responsabilidade civil
— Facto ilícito. Quando a lei no art 483º, diz que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente, esta referência implicitamente contém uma menção ao facto, a um facto. Esse facto pode ser uma de duas espécies, uma acção ou uma omissão. O facto que dá origem à responsabilidade provém de um facto voluntário de uma pessoa. A pessoa pode comportar-se agindo, ou pode comportar-se omitindo uma acção devida.
As situações mais frequentes de responsabilidade civil, de imputação a alguém de um dano, dependem de um comportamento humano activo. Esse comportamento activo leva a que do ponto de vista da responsabilidade se afastem as situações em que a pessoa não age, mas é instrumento da acção. Se a pessoa não domina o seu comportamento e portanto não controla a sua acção, do ponto de vista jurídico não pode haver imputação de danos, porque a responsabilidade pressupõe um comportamento humano imputável. Sendo este o primeiro pressuposto da responsabilidade o comportamento voluntário. A referencia quer à acção quer à omissão, é importante na medida em que o direito só pode valorar condutas humanas que caiam debaixo da possibilidade do domínio da vontade do próprio agente, aquele que causa dano. Se alguém causa danos, mas não esteve no domínio da sua acção, foi instrumentalizado por uma força da natureza, ou foi empurrada contra uma loja, a pessoa agiu, mas quem causou directamente o dano é responsável por esse dano. Não é desde logo, na medida em que falta a acção. Quando a pessoa não age mas é instrumento de uma força da natureza, ou até de outra acção humana, a pessoa não é responsável, falta o requisito, o pressuposto da responsabilidade, que é o tal comportamento voluntário ou acção. Na linguagem mais tradicional dos autores, o facto.
A acção traduz-se justamente num comportamento voluntário em que alguém desenvolve determinada conduta e com essa conduta causa danos. Há um revés da acção que é justamente a omissão. A omissão representa um não agir, do ponto de vista técnico. Isto não significa que quando uma pessoa não age, não esteja em movimento, significa simplesmente que do ponto de vista jurídico devia ter agido e não agiu. Um médico está a cuidar de um paciente, o paciente apresenta um determinado sintoma, e pela ciência médica deveria requerer um determinado comportamento do médico, o médico apesar disso não reage, é responsável se o doente morre. A doença não é provocada pelo médico, uma determinada reacção em princípio não é determinada pelo médico, há hipóteses em que o médico pode provocar o dano directamente, se faz uma incisão e deixa lá a tesoura ou a compressa, aí temos uma acção. Mas o exemplo em causa é diverso, é um exemplo por omissão em que o médico perante um determinado sintoma de um doente deveria ter actuado e portanto não actua. Este tipo de comportamento é um comportamento por omissão. A omissão não representa a inacção do agente, representa a falta de cumprimento de um dever que o agente em causa deixou de atender. Outro exemplo é o do nadador salvador, numa praia perante o afogamento de um banhista ele não socorre porque está na conversa, não está com atenção. Ou mais claro o dos pais que estão na praia não cuidam da vigilância dos filhos que por essa falta de vigilância se afogam no mar. A omissão representa um tipo de comportamento diverso da acção. Na omissão alguém deixou de agir.
Quando um doente chega ao hospital e o médico não reage perante os sintomas do doente, quando deveria reagir, não foi o médico que provocou a doença do doente, ele aparece ali com sintomas. Se o resultado da inacção do médico é a morte do doente, não foi o médico que deu origem ao processo causal conducente à morte do doente, esse foi desencadeado pela própria doença do doente. Ao contrário quando o médico opera e por engano deixa lá a tesoura, ou faz um corte mal feito, nesse caso é o médico por acção que está a gerar o próprio dano. Nas situações de omissão, o agente não é ele próprio que desencadeia o processo causal do dano. É justamente porque o processo causal conducente ao dano, não é produto do comportamento directo do agente a responsabilidade tem que se fundar num motivo diferente de quando a responsabilidade surge por acção.
A lei no art 486º, define o critério segundo o qual é possível a imputação dos danos de responsabilidade civil por omissão. Quando diz que havia por força da lei ou negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido. Na omissão a responsabilidade só pode advir pelo facto de alguém ter de actuar em face de uma determinada situação, e ter deixado de actuar. O médico tem o dever profissional de actuar segundo as regras da arte. Se deixou de o fazer impedindo que o processo causal da doença causa-se a morte ao doente. Não é ele que causa a morte directamente, mas ele com a sua acção poderia ter impedido o resultado, a morte. Se estava obrigado a agir por força da sua profissão, por força de um contrato que tem com o hospital ou com o paciente. Então ele com a omissão da sua actuação é responsável pela morte.
Justamente por haver este dever, se o agente não cumpre, apesar dele não ter causado directamente o dano, não o evitou. A lei assimila então que o comportamento omissivo, ou comportamento activo de modo a imputar os danos àquele que com a sua acção teria evitado os danos. Na acção é o agente que dá causa ao dano. Na omissão, a lei diz é que a responsabilidade, só pode ter lugar quando haja um dever de origem legal, ou negocial, de agir. Assim os pais têm segundo a lei um dever de cuidar dos filhos, é uma situação de dever legal de cuidar. Mas se os pais colocam os filhos num colégio, mas como existe um contrato de prestação de serviços com o colégio, o qual envolve o cuidar da criança, se acontecer um acidente porque as pessoas que lá trabalham em vez de cuidarem das crianças estão na conversa, e não vigiaram o comportamento que pode ter dado origem ao dano, então o colégio será responsável perante a criança pelos danos que a sua falta de vigilância provocou. Temos uma situação que resulta de um dever negocial. Temos um dever que não resulta da lei mas de negócio jurídico.
Uma outra situação é que por exemplo estou na praia e vejo uma pessoa a afogar-se à minha frente. Tenho o dever de agir? Se não houver disposição legal que me imponha o dever de agir, eu mesmo que saiba nadar e possa evitar o resultado, não sou responsável. Do ponto de vista jurídico, se não há dever de acção, legal ou negocial, a imputação do dano não se pode fazer a ninguém. Não havendo nenhuma ligação negocial ou legal a determinada pessoa, não há dever de agir. Se não há dever de agir não há responsabilidade.
Um exemplo é a que foi corrigida pelo código da estrada. Acontecia que muita gente passava por feridos ou acidentados na estrada e não prestava auxilio. E foi corrigida, e foi introduzido o dever de auxilio que pode dar inclusivamente responsabilidade criminal. Se há um acidente da estrada e passo sem parar para prestar auxilio, eu sou responsável pelos danos que possa vir a causar pelos danos, por não ter intervindo na altura em que passei, e se a pessoa vier a morrer, eu que não prestei assistência imposta por norma do código penal poderei ser responsável por homicídio, por negligência ou por crime de dano. Além de responsável civil pelos danos que causei.
A omissão representa a ausência do comportamento que é legal e negocialmente devido, que a omissão desse comportamento devido, na medida em que não interrompe o processo causal conducente ao dano gera, para aquele que omite a acção, responsabilidade civil pelos danos causados. Quando o dever legal ou negocial não existe, não há responsabilidade civil, o que significa que quando a lei não impõe às pessoas ou a determinada pessoa o dever de interromper o nexo causal que vai conduzir ao dano, a responsabilidade não sobrevêm, exemplo de alguém estranho que está a afogar-se e nós embora saibamos nadar não vamos fazer nada para a salvar. O direito não nos impõe essa responsabilidade.
Do ponto de vista físico a imputação de danos só é possível às pessoas quer singulares quer colectivas, não há imputação de responsabilidade a animais no direito português, embora nalguns estados americanos haja imputação de danos a animais e os animais são responsáveis e até condenados, mas num sistema jurídico como o nosso apenas as pessoas são susceptíveis de indemnização por danos. Por conseguinte o comportamento voluntário que falamos é o comportamento da pessoa, por acção ou por omissão.
— Ilicitude, não basta uma qualquer acção, é necessário que essa acção seja ilícita, a ilicitude é o segundo pressuposto a ter em conta. Há a propósito desta matéria várias concepções, há quem distinga ilicitude objectiva e ilicitude subjectiva. Há quem dê uma concepção de ilicitude objectiva, a concepção clássica diz simplesmente que a acção ilícita é aquela que viola o direito ou o interesse legitimamente protegido, a acção ilícita é aquela que grosso o modo representa a violação da ordem jurídica. Comportamento contrário à lei por violação de um direito ou interesse que a lei protege.
Ao lado desta concepção de ilicitude, alguns autores introduziram uma outra ideia de ilicitude, que é a noção de ilicitude subjectiva, esta leva a considerar que a acção só é ilícita, quando o agente se comporta de acordo com a sua vontade contra a lei violando um direito ou interesse legitimamente protegido. Isto significa que a acção ilícita é a acção intencional, por dolo ou negligência. Esta concepção não se pondera apenas com o resultado que viola um direito ou um interesse protegido, mas atende-se ainda ao envolvimento da vontade na violação.
Art 483ºnº1, é o artigo que no nosso código civil funda o principio da responsabilidade civil extra contratual. Quando este faz a referência ao dolo ou mera culpa, é a referência ao acto subjectivo da ilicitude, não basta para que alguém seja responsável por um determinado dano por acção ou omissão, que o direito seja violado ou que o interesse seja violado, é necessário que o agente que causa o dano, tenha actuado com dolo ou com mera culpa.
Dolo, o dolo representa a intensão de praticar o facto ilícito, a conduta dolosa é aquela em que o agente não só tem consciência como quer violar o direito ou interesse protegido. Tanto a acção como a omissão se movem no sentido da violação da ordem jurídica de um direito ou de um interesse. Há três espécies de dolo;
— directo, é quando o agente quer violar um direito ou um interesse protegido
— necessário, o agente não quer provocar a violação do direito ou do interesse protegido como primeiro objectivo, o objectivo é outro mas aceita a violação de um direito ou interesse protegido como resultado da sua acção. Exemplo: alguém quer matar determinada pessoa com uma bomba, mas não se importa, sabendo que nesse dia o carro aonde vai colocar a bomba, vai também ser transportada a mulher e o filho e o motorista, mas embora não queira matar a outra pessoa que está no carro, aceita o resultado sabendo que para atingir o seu fim terá igualmente de matar outras pessoas.
— eventual, é a hipótese mais difícil de distinguir sobretudo da chamada negligência consciente, no dolo eventual o agente não quer realizar a violação de um direito ou de um interesse, mas não se importa que esse resultado ocorra para desse modo obter o resultado pretendido. Exemplo: imaginemos que é colocada uma bomba na embaixada, e vai-se colocar a bomba numa altura em que não está lá ninguém, mas o autor pode prever que lá esteja o segurança, ou lá esteja a empregada de limpeza, a acção não é direccionada para matar ninguém, mas o resultado é previsto e é aceite, embora o autor possa não querer matar as pessoas que estão dentro da embaixada assume esse resultado como um resultado inevitável da acção que ele pretende. A acção não está virada para a violação do direito à vida, o que se pretende é apenas destruir a embaixada com uma bomba, mas o agente prevê que esse resultado possa acontecer, e não o evita, conforma-se com ele. A lei considera que ainda há uma forma de intensão quanto a esse resultado, embora a intensão do agente não seja matar nenhuma pessoa que está na embaixada ma apenas destruir a embaixada, na medida em que, ele pode figurar, na hora em que a bomba explodir estar lá alguém, que esta situação é de dolo eventual, porque o agente prevendo a possibilidade disso acontecer não evita o resultado. Diz-se que é dolo eventual porque o agente não tem vontade de directamente violar um direito ou interesse, mas prevê essa possibilidade e não o evita, conforma-se com ela.


16/3/99

Casos de situações delituais especificas, situações que a lei refere expressamente como casos de ilicitude da conduta do agente.
— a situação prevista no art 334º, o chamado abuso de direito. A lei trata como figura geral, derrogando o antigo brocardo romano que dizia que aquele que está dentro do seu direito não lesa ninguém. Estabelecendo que haverá ilegitimidade no exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito. Aqui temos consagrada uma ideia de exercício inadmissível de posições jurídicas. Isto implica que quando determinado direito é exercido em condições excessivas, considerada contrária à boa fé, aos bons costumes ou ao fim sócio económico desse direito a consequência é que se torna ilegítimo o exercício desse direito. A pessoa não está dentro do seu direito, encontra-se a lesar direito alheio, e por isso o abuso de direito aparece como um facto constitutivo de responsabilidade civil.
— art 335º, a colisão de direitos. Esta norma vem dizer-nos que quando existe uma colisão de direitos iguais ou da mesma espécie devem os titulares ceder na medida do necessário, para que todos produzam igualmente o seu efeito sem maior detrimento para qualquer das partes. Se os direitos forem desiguais ou diferentes prevalece o que deva considerar-se superior. Se for excedido este limite em caso de colisão de direitos também temos uma ilicitude, ou seja, o simples exercício do direito quando em conflito com outro, a ultrapassagem destes limites é uma situação de ilicitude, e por esse motivo pode também constituir o titular em responsabilidade civil.
— art 484º, que se refere à ofensa do crédito ou do bom nome, esta norma vem-nos dizer que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Aqui uma das previsões delituais especificas é o considerar este caso como a violação de um direito. Este artigo vem confirmar essa violação, ou seja, as simples afirmações que sejam capazes de afectar o crédito, e por crédito entende-se a reputação comercial, ou o bom nome de qualquer pessoa significa uma responsabilidade pelos danos. Temos aqui a previsão delitual das chamadas ofensas do crédito ou do bom nome. O problema que esta norma coloca e que a lei não vem esclarecer é se o artigo se refere exclusivamente aos factos falsos ou também abrange os factos verdadeiros. Há duas posições que têm vindo a ser apontadas pela doutrina, a primeira a do prof Pessoa Jorge, que vem defender que este artigo só poderia abranger os factos falsos, porque se abrangesse os factos verdadeiros, estaria posta em causa uma actividade admitida socialmente e mesmo até considerada socialmente útil que é a das agências de informação económica. Hoje em dia com a profusão do recurso ao crédito, quando alguém concede crédito é com base numa informação sobre o devedor. Informação que se baseia no facto de se o devedor tem boa reputação e cumpre regularmente os seus compromissos, ou se não tem essa reputação. Se houver qualquer acção contra a pessoa em causa, o resultado é que os credores não concedem crédito. Eles obtêm essa informação através de uma agência de informação económica. O prof Pessoa Jorge argumenta que se este artigo abrangesse estes casos, essas empresas estariam proibidas de exercer essa actividade. Já o prof Antunes Varela vem dizer que o artigo abrange efectivamente os factos verdadeiros. E que o caso das agências de informação económica não é significativo, uma vez que se encontra consagrada a regra de que quem exerce licitamente o seu direito não responde por esse motivo. Parece que não se deve restringir do âmbito do artigo a divulgação de factos verdadeiros, uma vez que se fosse afastada essa realização o artigo ficaria muitíssimo restrito, já que seria necessário provar pelo lesante que o facto é verdadeiro para afastar completamente a sua responsabilidade. Pergunta-se se em certos casos a divulgação de factos verdadeiros será considerada lícita. Mesmo que sejam factos insusceptíveis de qualquer relevância e cuja divulgação serve apenas para prejudicar a pessoa a quem se faz essa referência, por exemplo: se alguém resolve publicar que determinado cantor usa uma peruca postiça, fazendo que com isso ele perca rendimentos em termos de vendas, a questão que se coloca é se, se justifica excluir esta norma do art 484º. O problema que se coloca é o seguinte a conjugação desta norma com certas permissões que existem da divulgação de factos. E aí a questão que se coloca é o facto da liberdade de imprensa e de informação ser constitucionalmente consagrada. Por esse motivo essa liberdade de informação uma vez exercida não implica responsabilização. Desde que claro se encontre dentro dos limites da liberdade de imprensa.
— a situação do art 485º, a possibilidade de alguém ser responsabilizado por dar conselhos, recomendações ou informações. Esta norma existe porque quando alguém dá um conselho informação ou recomendação a outrem e esse pessoa vem a sofrer um prejuízo, o que acontece é que esse outrem teve alguma contribuição para os prejuízos. Pode perguntar-se se por isso se justifica ou não a responsabilidade, se há ilicitude neste tipo de conduta uma vez que no fundo quem acaba por fim de se infligir os prejuízos é o próprio lesado. Por esse motivo o legislador veio esclarecer o que se passava nesta circunstância, e veio referir que os simples conselhos recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligencia da sua parte. Mas a obrigação de indemnização existe quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intensão de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível. A lei estabelece a ilicitude claramente neste tipos de casos. Fora destes casos mesmo havendo negligência as simples recomendações conselhos ou informações não responsabilizam quem os dá. Há um problema que o artigo não abrange, que é o facto dos conselhos dolosos, já que o art 485ºnº1, só exclui os conselhos negligentes, se a atitude do agente não é de negligência mas de dolo. Quando alguém dá um conselho com intensão efectiva de provocar o dano o escuta. Nestes casos seria muito estranho que a lei excluísse a responsabilidade, uma vez que alguém que tem uma intensão lesiva e que consegue precisamente obter o resultado visado, ainda que através de um conselho informação ou recomendação não viesse a ser responsabilizado. A boa interpretação do art 485ºnº1, leva a que é isso que sucede, já que a lei exclui a simples negligência, mas não isenta em caso de dolo. Havendo dolo haverá responsabilização.
— art 486º, uma outra situação que nos aparece como uma previsão delitual especifica, embora em bom rigor pode-se ser enquadrado na parte final do art 483º, diz respeito às simples omissões que são colocadas no art 486º. Aqui a diferença que existe à responsabilidade por acção é a seguinte, em ambos os casos está em causa um facto ilícito mas o problema que existe é que enquanto existe um dever geral de abstenção da lesão de direitos alheios, imposto pelo próprio principio que ninguém deve lesar os direitos alheios, isto implica que os direitos alheios são sempre tutelados contra qualquer acção. Pergunta-se quid iuris em caso de omissão. A pessoa não causou a lesão por acção mas por omissão, a simples actuação sua podia ter evitado o dano. A lei não vêm prever um direito de ingerência geral, ao contrário do dever da abstenção geral, ou seja todos se devem abster de qualquer conduta capaz de lesar os direitos alheios, mas não têm todos o dever geral de ingerência em qualquer situação que pretenda evitar os danos. Daí que a lei vem exigir, para a responsabilização por omissão, um dever especifico de acção. E que só nesses casos é que existe a responsabilidade por omissão. É a norma que nos aparece no art 486º, que nos diz que as simples omissões dão lugar à obrigação de repara os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, ( requisitos do art 483º), havia por foça da lei ou do negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido. Ou seja, exige-se que haja um dever especifico de acção para que alguém deva ser responsabilizado por omissão. A omissão implica um dever especifico de actuação por força da lei.
Estas são as situações que a lei pretende ver resolvidas, e que não o são pela clausula geral do art 483º. Cabe agora fazer referência às chamadas causas de exclusão de ilicitude. As causas de justificação. Estas consistem em situações em que o agente apesar de ter praticado um facto aparentemente ilícito, a sua ilicitude é excluída por estar numa das situações em que a lei permite a violação dos direitos alheios. Daí que o art 483º, quando se refere “violar ilicitamente o direito de outrem” esta norma é redundante porque a violação do direito de outrem já é ilicitude, o problema é que em certos casos há a exclusão dessa ilicitude quando nos encontramos perante uma situação em que a lei determina que o comportamento é justificável, as causas de justificação. Estas são as situações de acção directa, legitima defesa, estado de necessidade e consentimento do lesado. Nestas quatro situações a lei vem considerar excluída a ilicitude, determinando que não há responsabilidade nesses casos.
— art 337º, legitima defesa, a lei vem dizer-nos que neste caso se considera justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão. Quando a lei se refere à actualidade da agressão significa que a agressão tem de estar em execução ou ser iminente. Não pode ser uma lesão esperada num futuro, ou ser uma agressão passada porque ai trata-se de um desforço em relação ao infractor o que não é permitido por lei. A agressão tem de ser contrária à lei, por outro lado se a agressão for considerada licita já não há direito de defesa, a legitima defesa só é possível contra agressões ilícitas. Isto exclui a legitima defesa contra a intervenção legitima de uma autoridade. Se alguém está a actuar em legitima defesa o outro não pode estar em legitima defesa, faltaria para a segunda defesa o requisito de contrariedade à lei, não há legitima defesa contra legitima defesa. A legitima defesa pode ser em relação a terceiro, o que se passa neste caso em relação ao terceiro, (prof M. Leitão) defende que se alguém exerce a legitima defesa em relação a terceiro está a actuar em gestão de negócio, e daí poderá aplicar-se as regras da gestão a esse tipo de actuação. A lei admite que o prejuízo causado pelo acto seja superior ao da agressão, o que vem dizer é que não pode ser manifestamente superior.
— art 336º, acção directa. Esta distingue-se da legitima defesa porque ao contrário desta última, ter uma atitude ofensiva, ou seja, quando na legitima defesa alguém se defende, na acção directa uma pessoa ataca, tem uma atitude ofensiva. A lei, por ser uma acção ofensiva, rodeia a acção directa de mais cuidados. Diz-nos que é lícito o recurso à força a fim com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, exigindo-se que a acção directa seja indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito. Enquanto na legitima defesa apenas se exigia a impossibilidade de recurso aos meios coercivos normais, na acção directa exige-se que essa impossibilidade signifique que o direito se perca se, se recorrer em termos práticos aos meios coercivos normais. A acção directa, ao contrário da legitima defesa, o agente não pode exceder o prejuízo que pretende evitar.
— art 339º, estado de necessidade. Aí a lei vem dizer-nos que é licita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer de agente, quer de terceiro. Neste caso tratando-se de um caso em que é licito sacrificar um bem para salvar outro bem, a lei apesar de considerar lícito admite em certos a responsabilidade, que leva à figura da responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício. A lei diz que o autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade. Alguém sacrificou coisa alheia licitamente, mas pode ser sujeita a indemnização se, se considerar que neste caso haveria.
— art340º, consentimento do lesado. Exclui a ilicitude da conduta uma vez que havendo consentimento não faria sentido a indemnização. Há no entanto que tomar em consideração a seguinte restrição, o consentimento do lesado não exclui a ilicitude do acto se este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes. Um outro caso que a lei refere é o consentimento presumido, que no fundo se reconduz à licitude da gestão de negócios, esta figura está prevista no art 340ºnº3, que nos diz que se tem por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível. Esse consentimento presumido exclui a ilicitude. O consentimento presumido funciona como um estado de necessidade interno, do lesado.



18/3/99

Responsabilidade Civil - Supõe um comportamento voluntário do agente. Esse comportamento voluntário para se tornar possível a indemnizar danos tem que ser um comportamento ilícito, numa acção ilícita, que pode ser dolosa ou negligente.
O art.º 483, nº1, faz uma alusão a esta, quando refere “aquele que com dolo ou mera culpa...” é uma referência à ilicitude subjectiva, ou seja, a comportamento voluntário ilícito doloso ou negligente.
O que será o dolo?
É a intenção de actuar directamente contra uma norma jurídica, representa uma actuação ilícita na medida em que traduz um comportamento do agente que violar directamente um direito ou interesse.
O dolo é a forma mais grave da acção ilícita na medida em que se trata de uma acção ilícita que não só resulta do comportamento voluntário do agente, mas também que é objecto da vontade do agente. Representa a intenção de violar uma regra jurídica.
Temos três espécies de dolo- directo, necessário e eventual.
a) Directo- Quando o agente actua direccionando o seu comportamento para a violação da norma, ( exemplo: o automobilista que passa com o sinal vermelho, porque vai com pressa viola conscientemente a regra.
b) Necessário- Quando o agente actua violando uma norma consciente tendo em vista atingir um fim.
c)Eventual- Quando o agente viola uma norma jurídica, mas esta violação não é a finalidade da acção nem é necessária para atingir o fim que o agente tem em vista.
A violação da norma jurídica aparece como um resultado possível da acção ou omissão do agente.
Como poderemos dizer que houve intenção de violar a regra jurídica?
- Quando o agente pré figura a possibilidade de violar uma regra jurídica com o seu comportamento. E conforma-se com essa possibilidade não deixando de actuar, ou seja, não omitindo o comportamento que evitaria o resultado de violação de uma norma- há dolo eventual(ex: caso da ex- ministra da saúde).
Na ordem jurídica portuguesa não há diferença de tratamento para estas modalidades de dolo, a consequência em termos de responsabilidade não se altera. Todo o dolo é tratado de forma uniforme; ou seja, mesmo regime jurídico. A forma como o dolo pode surgir no caso concreto é que varia.
Ao lado do dolo como forma de actuação voluntária ilícita existe a negligência. Na negligência não é finalidade do agente violar a norma jurídica com o seu comportamento. O agente não quer realizar um acto ilícito, ( exemplo: num dia de chuva um condutor vai com velocidade, mas apesar do pavimento estar escorregadio despistou-se e foi atropelar um peão; o condutor não tinha intenção de violar a ordem jurídica, o agente sujeita-se a uma apreciação de negligência por parte da ordem jurídica. A negligência representa a omissão de diligência devida, é uma forma de comportamento que causa danos não intencionalmente, o agente não tem intenção de realizar comportamentos ilícitos, mas ao actuar violando a regra de prudência, cuidado, competência, etc., que a sua actividade desenvolvida requer sujeita-se à valoração de ilícito desse comportamento.
A negligência pode ser : Consciente
Inconsciente
— Consciente - O agente pré figura a possibilidade do resultado, mas não acredita que ele suceda.
— Inconsciente - O agente nem tão pouco pré figura a possibilidade que o acto ilícito se verificará.
A lei trata de forma uniforme as duas espécies de negligência. A ilicitude é valorada negativamente pela ordem jurídica tanto quanto esta resulte de um acto doloso ou de um acto negligente. No entanto, há uma diferença em termos de responsabilidade civil, que resulta do Art.º 494 CC (ler artigo),( mera culpa significa negligência). Em principio quem é responsável pelos danos causados por uma acção ilícita deve ressarcir integralmente o lesado. No entanto, o Art.º 494CC permite ao juiz a possibilidade de equitativamente fixar a indemnização em montante inferior ao valor dos danos quando a acção ilícita resultar em mera negligência.
Culpa — Tem no ordenamento jurídico português um fundamento axiológico, ou seja, pretende traduzir um juízo passível de reprovação, que a ordem jurídica faz ao agente pelo facto de ter actuado ilicitamente. A ordem jurídica considera que em atenção ao comportamento doloso e negligente do agente que deve terminar a censura do mesmo, porque, perante, as circunstâncias do facto o agente podia e devia ter actuado em conformidade com a ordem jurídica.
Culpa — representa um juízo ético ou normativo que a ordem jurídica faz ao agente pelo facto deste se ter revelado contra a ordem jurídica, actuando ilicitamente. Encerra um juízo de valor sobre as possibilidades da conduta do agente.
A culpa supõe dois requisitos:
— primeiro lugar a liberdade do agente
— segundo lugar o seu discernimento
O direito só censura comportamentos de alguém se justamente o agente tiver liberdade para actuar de modo diferente daquele que, efectivamente se comportou, sem liberdade não há responsabilidade e a responsabilização supõe que o agente em causa que é censurado pela ordem jurídica tinha no campo das possibilidades de comportamento alternativas de modo a que a violação da ordem jurídica não tivesse tido lugar.
Quando o agente actua com constrangimento da vontade relativamente ao seu comportamento o juízo que consubstancia a culpabilidade pode ser afastado.
Fala-se no campo da desculpa.
Em segundo lugar a lei exige para o juízo de culpabilidade o discernimento do agente, ao falar-se em discernimento tem-se em vista dois aspectos: - Em primeiro lugar a maturidade psíquica do indivíduo e a possibilidade de haver uma formação de vontade contrata e consciente.
Estamos a pensar nos menores; as crianças cuja maturação intelectual é diferente de criança para criança. Pressupõe-se que a pessoa que haja tem consciência do que faz. Em segundo lugar as situações de doença do foro psíquico que impedem a pessoa de ter não só o controlo, mas nem sequer a consciência dos actos que pratica. A referência ao discernimento leva-nos à imputabilidade.
O juízo de culpabilidade supõe a imputabilidade do agente e quando não há discernimento não há imputabilidade.
Temos que distinguir duas situações:
a)- A situação em que o agente involuntariamente coloca numa situação de imputabilidade, porque se droga, bebe excessivamente, etc.,.
b)- Ou as situações inerentes à infância ou doença do foro psiquiátrico.
O Art.º 488 estabelece o critério da imputabilidade, não responde pelas consequências do facto danoso, tem no momento em que o facto ocorreu estava por qualquer causa incapacitado de tender ou de querer esta a referência genérica ao discernimento.
A pessoa para ser responsável tem que estar em condições psíquicas, avaliar as consequências do seu comportamento. O direito não lhe imputa responsabilidades a quem não tem o controlo do seu caso. Só é susceptível de culpa quem for imputável.
O Art.º 488, nº2, trata-se de uma mera presunção ilidível, ou seja, significa que uma criança de menos de sete anos se conseguir provar que já tem capacidade ( definida pelo médico), de ponderar as consequências dos seus actos, a imputabilidade civil pode sobrevir, a penal é só aos 16 anos.
Havendo imputabilidade a culpa fica excluída se ocorrer em concreto uma causa de desculpa ou desculpação do acto ilícito.
Ao contrário do que sucede relativamente às causas de justificação da ilicitude, a lei portuguesa não codifica as causas da exclusão da culpa. No entanto, assentando As culpa na existência de liberdade e na capacidade natural das consequências dos seus actos os juízos de culpa poderá ser repescado, quando no caso concreto o agente actua sem contacto ou com alguma anomalia do foro psíquico “ exemplo: alguém é coagido a agir”. Ao lado das situações da falta de liberdade encontram-se as situações de anomalia psíquica, uma pessoa que é vitima de uma doença mental provoca um dano- falta a culpabilidade.
A lei no Art.º 488, nº1, alude para uma capacidade de entender ou querer, só uma ressalva salvo se for....” a lei aceita excluir a culpa não se fazer a censura da conduta se a falta de discernimento não é devida à prestação voluntária do agente em questão ( doença, etc.). Portanto, a lei admite que nas situações em que por um lado haja falta de liberdade ou falta de discernimento possam afastar a culpa. A lei portuguesa funda em várias situações — presunções de culpa.



Requisitos da responsabilidade de culpa
— acto ilícito
— dolo
— nexo de causalidade
— dano
Todos estes requisitos se têm que verificar cumulativamente.
Segundo a repartição do Ónus da prova, aquele que pretender responsabilizar o agente que causou o dano tem que fazer a prova de todos os pressupostos constitutivos da responsabilidade civil, o que significa que também tem que provar a culpa (exemplo: fui atropelado, o autor em tribunal tem que provar que houve culpa do condutor).
Para facilitar nalgumas situações, a posição do lesado, a lei funda várias presunções de culpa. Essas presunções são todas elas ilidíveis, mas significam desde já que uma impressão do ónus da prova , relativamente à prova de culpa. Essas presunções estão em vários artigos- 491,492,493,nº1 e nº3, 789( Art.º 491 dever de vigilância, artº492- queda de um prédio,
Art.º 493, nº2- danos que acontecem com o contador da electricidade, já que a electricidade é uma actividade perigosa, a lei presume que há culpa da EDP em caso de danos.
A construção civil também os tribunais a têm considerado como uma actividade perigosa ( exemplo: se alguém passa junto a uma obra e cai um tijolo que provoca danos num indivíduo que ia a passar no local, estamos, perante uma presunção de culpa).
Art.º 779- faz presumir a culpa do devedor.
Qual o critério que permite aferir a culpa?
É o critério de avaliação da negligência.
No dolo há intenção, daí não haver necessidade de aferição. Quanto à negligência é que temos de saber quando se pode afirmar que, um determinado comportamento do agente, não actuou com dolo.
O art487ºnº2, Funda o critério de aferição da culpa — bom pai de família, temos aqui um conceito indeterminado. É segundo alguns autores a pretensão de estabelecer um critério ético de referência. Significa que o comportamento das pessoas se deve pautar pelas regras da competência.


23/3/99
Ónus da prova da culpa, e presunções da culpa. A referência é a regra geral do art 487ºnº1, que vem prever que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. Esta regra seria dispensável uma vês que sendo a culpa um dos pressupostos da responsabilidade civil, por força do art 382ºnº1, caberia sempre ao autor de uma lesão provar os factos do direito violado. Mas o legislador estabelece desde logo uma distinção, salvo havendo presunção legal de culpa. Ou seja, as presunções legais de culpa correspondem aquelas situações previstas em certas normas legais, em que o lesado está dispensado de provar a culpa do lesante. O que facilita a tarefa de obter uma indemnização pelos danos causados, já que a prova da culpa é o que se denomina uma " provactio diabólica", ou seja, é muito difícil provar que determinada pessoa teve culpa, sendo portanto difícil do lesado obter a indemnização por parte do lesante. Se ao contrário for o lesante a ter de provar que não teve culpa na verificação daquele facto, o problema é inverso, o lesante terá dificuldade em ilidir esta presunção de culpa, e sendo neste caso agravada por ele ter de provar uma circunstância negativa. O legislador por estes motivos em certos casos especiais vem estabelecer as presunções de culpa.
— art 491º, responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, e vêm nos dizer que, as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.
— art 492º, danos causados por edifícios ou outras obras. No seu nº1, a lei refere que o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
— art 493º, danos causados por coisas, animais ou actividades. No seu nº1, vem estabelecer que, quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. No nº2, quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
— art 799º, presunção de culpa e apreciação desta. No seu nº1, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. Aqui existe uma presunção de culpa na responsabilidade contratual, neste âmbito o lesado não tem que provar a culpa, do devedor porque este presume-se culpado, neste tipo de situação.
Esta presunção de culpa deve ser articulado com um outro problema que é a questão da culpa do lesado, uma vez que a lei quando estabelece a presunção de culpa, ela pode ser ilidida, e uma das formas de ilidir a presunção de culpa é demonstrar que houve culpa do lesado. A lei faz referência a esta hipótese no art 570º, Culpa do lesado. Prevendo no seu nº1, que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. No seu nº2, se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar. O que se estabelece é que em principio a culpa do lesado pode contribuir para diminuir ou excluir a indemnização. Mas se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a demonstração da culpa do lesado exclui a indemnização. Quanto à prova da culpa do lesado, a lei estabelece que compete ao lesante prová-la, que é a hipótese referida no art 572º, Prova da culpa do lesado, que nos diz que àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.
A culpa pode funcionar para estabelecer uma diminuição da indemnização, que é a referência que nos aparece no art 494º, Limitação da indemnização no caso de mera culpa (negligência), admite a fixação da indemnização no caso de mera culpa que é entendida como negligência, o que significa que ocorrendo um facto intencional, o que sucede é que o autor do dano tem de indemnizar todos os danos causados. Se no entanto os danos foram causados por uma acção negligente, aí a lei admite que aja uma limitação da responsabilidade. Que é a hipótese do art 494º, que nos diz que quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias da caso o justifiquem. A nossa lei não consagra em termos absolutos o principio do tudo ou nada, este é um dos princípios mais usados pelos tribunais para a atribuição de indemnizações tão baixas.
O dano como pressuposto da responsabilidade civil. Sem dano não há responsabilidade, ao contrário da responsabilidade criminal, da responsabilidade contra-ordenacional, ou da responsabilidade disciplinar, em que pode admitir-se a aplicação de sanções ao agente sem ele ter causado qualquer dano. No caso da responsabilidade civil o dano aparece sempre como pressuposto essencial da responsabilidade, a responsabilidade civil determina a constituição de uma obrigação de indemnização. A obrigação de indemnização significa precisamente isto, eliminar um dano. Se não houver dano não há responsabilidade. A lei faz depender a responsabilidade civil da existência de danos, danos esses que visa evitar, sem danos a responsabilidade está excluída.
Tradicionalmente estabelecia-se que os danos tinham de ser necessariamente patrimoniais, ou seja, para estarmos perante um dano era necessário que alguém tivesse sofrido determinado prejuízo susceptível de avaliação pecuniária. Esta concepção baseava-se no pressuposto que se não houvesse equivalente pecuniário para o dano sofrido, como por hipótese o sofrimento pela perda de um ente querido, ou danos corporais sofridos, não seria possível atribuir uma indemnização.
A ideia de atribuir uma indemnização por sofrimentos pessoais era repugnante. Isto seria o tratar-se da comercialização de um sentimento. Era chocante em termos morais, que alguém recebesse uma contrapartida pecuniária pelo facto de ter tido um sofrimento de natureza não pecuniária. Esta ideia do século passado, entre nós foi-se esbatendo, e desde à bastante tempo que se admite o ressarcimento dos danos morais, ou seja, os que não têm equivalente pecuniário. Estabelece neste caso que a sanção não tem uma função indemnizatória, portanto eliminar o dano sofrido, mas antes uma função compensatória. Isto com o argumento que mais vale atribuir nestes casos uma compensação do que não atribuir nada. Esta atribuição de indemnização foi consagrada no nosso código civil no art 496ºnº1, que nos diz, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Exige-se apenas que os danos não patrimoniais tenham alguma gravidade especial.
Toda a doutrina entende que os danos não patrimoniais são indemnizáveis, mas há um autor que estabelece uma limitação. O prof Antunes Varela, vem dizer que na responsabilidade contratual, não deve ser admitida a indemnização por danos morais, isto porque a norma do art 496º, não aparece na parte geral, na parte relativa à obrigação de indemnização, como alias estão as outras normas, como o conceito de dano, arts 562º ss, mas antes na parte relativa à responsabilidade delitual, arts 483º ss. E apesar dessa norma ser extensiva à responsabilidade pelo risco, por força da remissão do art 499º, não seria extensiva à responsabilidade contratual, uma vez que nos arts 798º ss, não se estabelece extensão semelhante. O prof Antunes Varela, ainda argumenta que uma extensão dos danos não patrimoniais, à responsabilidade contratual apresentar-se-ia pouco adequada com o problema da determinação dos direitos do próprio credor. Quando alguém tem uma obrigação, o incumprimento da obrigação deve traduzir-se em prejuízos pecuniários. Mas esta posição é uma voz isolada em toda a doutrina.
Conexa com esta situação aparece o problema da indemnização pelo dano morte. Isto significa, a perca da vida como dano. Esta ideia parte do seguinte pressuposto, que a vida como tal é uma bem jurídico que o seu titular desfruta. E se ele é privado da vida, a consequência é que sofre um dano. Não é esse dano susceptível de avaliação pecuniária, haverá no entanto que atribuir uma indemnização por danos não patrimoniais. Aqui coloca-se o problema de que quando alguém morre, perde a personalidade jurídica, já que o art 68ºnº1, diz que a personalidade jurídica cessa com a morte. Se perde a personalidade jurídica, perde a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações, e sendo assim não poderia adquirir com a morte qualquer direito a uma indemnização. O que levaria que a perda da vida não seria indemnizável. Havia a possibilidade de apenas indemnizar os danos patrimoniais sofridos por terceiros. Mas não havia a possibilidade de indemnizar o próprio dano morte em si.
Esta posição aparece como uma posição excessivamente conceptual, é o velho problema da utilização dos sofismas, quando se qualquer pessoa analisar a questão, não numa ideia de conceitos, mas numa ideia de valores, chega à conclusão que se alguém perdeu o bem da vida sofreu um dano gravíssimo, a ideia de não indemnizar esse dano com o fundamento do termo da personalidade jurídica, coloca precisamente um problema de restrição, de extrair as soluções dos conceitos, em vez de criar conceitos com base nas soluções jurídicas.
Tentando derrogar o problema o prof Galvão Teles vem dizer que " o momento da morte é o último momento da vida", e sendo assim a pessoa quando morre pode imediatamente adquirir o direito à indemnização e transmiti-lo aos seus herdeiros. Se uma pessoa morre quando outrem lhe causa um dano, vem com essa situação adquirir esse direito de indemnização que é transmitido aos herdeiros por herança, desde que estes reclamem essa indemnização com base de serem herdeiros do autor da sucessão e dele ter adquirido o direito à indemnização pelo dano morte.
Agora coloca-se o problema que é o seguinte, quem admita que o direito à indemnização, como é defendido pelo prof Galvão Teles, é um direito que se adquire ainda pelo autor da própria sucessão, para efeitos de transmitir aos herdeiros coloca um problema, como articular essa norma com o art 496ºnº2 e 3, porque este diz-nos que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem. A tese que se pronuncia contra o dano morte vem defender o seguinte, aqui está a tese que o dano morte não é hereditável, ou seja, são danos não patrimoniais usufruídos pelas pessoas que estão próximas da vitima. Não o dano que a vitima teve em consequência da perda da vida, esse estaria excluído por força desta norma. Porque este art 496ºnº2, ao referir os titulares do dano morte não se adequa ao regime do art 2133º, classes de sucessíveis. A tese mais adequada é a do prof Menezes Cordeiro, considera que a indemnização pela perda da vida é hereditável, porque a vida é um bem jurídico, que uma vez perdido em consequência de um facto lesivo de outrem, ilícito e culposo, deve envolver indemnização. Quem a poderá reclamar, eventualmente os herdeiros sendo um bem incluído na herança.
Este artigo faz referência a alguém ter sofrido danos não patrimoniais em consequência da morte de outrem, alguém com a morte de outra pessoa sofre danos. É uma hipótese muito comum, a lei aqui pretende evitar que se multipliquem os titulares de um eventual direito à indemnização, por danos não patrimoniais. No caso do art 496ºnº2, é necessário que haja um dano para existir um direito à indemnização, não basta a titularidade desta situação, é necessário provar que as pessoas sofreram um dano com a morte de outrem.
No art 496ºnº3, este vem estabelecer uma limitação à indemnização em caso do dano morte, o facto de ser o montante fixado equitativamente, tem permitido ao tribunal atribuir indemnizações baixíssimas, estas indemnizações têm sido tão ridículas que chegava-se a atribuir uma indemnização de 1500 contos por perca da vida e se esse alguém morre ao volante de um carro de luxo o carro todo espatifado vale mais que a vida.
Conceito de dano, o dano é considerado um conceito simultaneamente fáctico e normativo. O dano é a frustação de um fim, significa que alguém perdeu uma utilidade que era objecto de tutela jurídica. Daí temos o conceito fáctico a perda da utilidade, e o conceito simultaneamente normativo, essa utilidade ser objecto de tutela jurídica. A frustação de utilidades que não sejam objecto de tutela jurídica não entram no conceito de dano.
Podemos distinguir danos patrimoniais e danos não patrimoniais, se alguém é vitima de um acidente e vem em consequência disso sofrer danos nas pernas, e se por exemplo é um jogador de futebol, a lesão que sofreu é apenas uma, mas essa lesão envolve dois tipos de danos, o primeiro a frustação de natureza não patrimonial, a perca da vivência que a pessoa tem em função dessa perca, e segundo uma frustação de natureza patrimonial, a perca de rendimento em consequência de não poder jogar futebol. Numa mesma lesão pode haver dois tipos de danos, patrimoniais e não patrimoniais.
Podemos distinguir os prejuízos emergentes e os lucros cessantes, uma vez que os mesmos são entendidos no conceito de dano. Esta hipótese é nos feita referência no art 564º, que nos diz que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Aqui temos que tanto é dano o prejuízo causado como os benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, quer num caso quer noutro há uma frustação de utilidades objecto de tutela jurídica, que nesta hipótese são os chamados lucros cessantes, ou seja, a pessoa tanto pode ter tido um prejuízo como pode ter tido um dano por não ter obtido lucros que iria obter se não tivesse sofrido aquela lesão.
Hoje em dia, no nosso direito o conceito de dano é entendido como um conceito que abrange estas duas realidades. Tanto o prejuízo emergente como o lucro cessante. No antigo código de Seabra, utilizava-se o conceito de perdas e danos, a perca era os lucros cessantes e o dano só os prejuízos emergentes.
Outra distinção é a que se afigura entre os danos presentes e os danos futuros, uma vez que a lei manda tomar em consideração os danos presentes, admite-se no art 564ºnº2, a possibilidade de estabelecer indemnizações respeitantes a danos futuros, a lei diz-nos que o tribunal quando fixa a indemnização pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Outra distinção é o conceito de dano real, ou seja, o prejuízo que objectivamente existe, e que para o conjunto das pessoas corresponde ao dano, e o dano patrimonial, que se baseia na diminuição ou alteração do património do lesado. Quanto ao calculo do dano patrimonial previa-se uma teoria que é a teoria da diferença, em que o dano corresponde à diferença da situação que o lesado tem e a situação hipotética que ele teria se não existissem danos. No fundo uma comparação com a situação real actual e a situação hipotética se ele não tivesse sofrido a lesão, ou seja, não basta comparar o passado e o presente, é necessário comparar o presente com o presente hipotético, no caso de não ter existido o dano. A lei faz-nos referência à teoria da diferença no art 566ºnº2, que nos diz que, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Mas esta teoria só é referida a propósito da indemnização em dinheiro, se alguém pede uma indemnização em dinheiro, o calculo dessa indemnização deve ser patrimonial. Acontece no entanto que a lei estabelece que a indemnização em dinheiro só é fixada sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Só nestes três casos é que se estabelece uma indemnização em dinheiro. Isto quer dizer que o critério geral é o da reparação natural, que é o que diz o art 562º, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existia, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.


25/3/99

Nexo causal
O que se entende pelo problema do nexo causal é o problema de saber se todos os danos provocados por um facto, ou um facto que a lei considera gerar imputação de danos no próprio.
A importância do nexo causal é o de saber quais são os danos que são susceptíveis de serem abrangidos pelo dever de indemnizar quando a lei declara a imputação desses mesmos danos ao agente. Dois ou três exemplos servem-nos para ilustrar os problemas da causalidade: um problema de escola;
1- um advogado patrocina um cliente, esquece-se de entregar a contestação no prazo processual estabelecido para o efeito. O cliente perde a acção — uma acção de despejo — e é despejado, com esse desgosto o cliente sofre um ataque cardiovascular e morre.
2- 0 passageiro contrata um taxista, para o transportar à estação do comboio, mas este atrasa-se e o cliente apanha o comboio errado, comboio esse, que descarrila provocando a morte do passageiro, que só apanhou aquele comboio por atraso do taxista.
3- uma pessoa é atropelada numa passadeira, tendo sofrido lesões internas que a levam ao hospital. Por força do mau atendimento hospitalar a pessoa sofre uma infecção e vem a morrer.
4- A1guém precisa de executar um trabalho, saí à rua para ir a casa de um colega para entregar o trabalho no caminho é atropelada, sofre ferimentos e morre.
Nestes exemplos é levantada a questão da morte e, a questão jurídica é a seguinte: o autor destes factos, aquele que atropela, o advogado, o taxista, etc... encontram-se investidos do dever de indemnizar ou não esses danos.
O problema da causalidade é o problema de saber se todo e qualquer facto é a condição de um dano e do princípio jurídico idóneo para justificar a imputação desses danos ao agente. Trata-se no fundo saber quais são os danos abrangidos por uma conduta que seja susceptível pela lei de gerar responsabilidade. Se todos os danos, se um determinado comportamento é condição para o dever de indemnizar ou o direito de limitar os danos que são susceptíveis de serem indemnizados por força de uma determinada actuação.
O problema da causalidade do direito civil tem sido marcado por três doutrinas (mas há muitas mais):

a) teoria da equivalência das condições ou da "condictio sine qua non"
b) teoria da causalidade adequada
c) teoria da ultima condição

Na primeira teoria a cansa do dano o nexo causal dar-se-ia a favor de qualquer evento que fosse condição necessária do dano. O problema da causalidade é o de saber se determinado comportamento que é causa de um dano provoca o dever de indemnizar. Aqui a chamada condição "sine qua non" defende que sempre que o comportamento é condição do dano, o agente que o provoca fica investido no dever de indemnizar. Voltando aos nossos exemplos: taxista que se atrasou e que impediu o passageiro de tomar o comboio que tinha planeado faze-lo e que por causa desse atraso teve que apanhar outro comboio, aproveitando a insuficiência — atraso do taxistas foi a condição do dano, porque se o taxista, não se tivesse atrasado o passageiro teria tomado o comboio anterior por conseguinte, não teria sofrido a morte.
Também a mesma situação se aplica ao advogado que não entregou a contestação dentro do prazo. Foram os comportamentos destas pessoas que geraram o dano. Mas uma observação mais atenta provoca indecisão, parece que apesar de aquele comportamento surgir como condição do dano que esse comportamento não é suficiente ou idóneo para provocar esse resultado. Em previsão será necessário dizer que toda e qualquer condição que conduz ao dano é susceptível de provocar o dever de indemnizar. Esta teoria é hoje rejeitada de uma forme unanime, porque leva no fundo a enquadrar todo e qualquer comportamento como causa do dano dentro do nexo causal, o que alarga extraordinariamente o âmbito do dever de indemnizar.
Reparem noutros exemplos dados, o condutor que atropelou ligeiramente alguém, mas que depois vem a morrer no hospital devido à falta de cuidados médicos, na verdade o atropelamento é condição do dano, se a pessoa não tivesse sido atropelada, se o condutor tivesse parado na passadeira, teria evitado o resultado que provocou .
Pergunta-se se o mero atropelamento que provoca ferimentos ligeiros numa perna é suficiente para considerar que está o motorista implicado no dever de indemnizar. Havendo uma relação entre este atropelamento e a morte será que o comportamento dele é idóneo a produzir este resultado. A verdade é que a teoria da condição sine qua non, colocando o assunto numa relação naturalista, causa efeito, provoca o alargamento da responsabilidade que o facto — comportamento do agente não se mostra idóneo para abranger o resultado final que é a morte. Por essas razões a doutrina divide-se e na sua evolução surgiu a tese considerada a mais importante, pois tem sido acolhida pelos autores franceses, alemães, portugueses, etc que é a teoria da causalidade adequada. Nesta teoria há duas formulações:
ð na formulação positiva — não basta que o facto ser a condição do dano. É necessário que esse dano seja consequência normal esperada, verosímil, normal da acção ou omissão que conduziu ao dano. Assim nesta formulação positiva se nós formos avaliar o ocultamento do dever.... pois está de acordo com a questão. Pergunta-nos, esse comportamento é susceptível em que condições de ter validade, da tipicidade do acontecimento gerar aquela situação. Porque em abstracto não é, apesar de naquele caso concreto ter desencadeado a morte, então, considera-se que não existe um nexo causal. Reparem que em concreto há um duplo facto de que a pessoa se socorre. Mas a verdade é que não basta que o comportamento tenha sido condição do dano. É necessário que aquele comportamento em termos de normalidade determine muito provavelmente analisada a decisão do comportamento para em termos abstractos, suscitar criticas, o atropelamento provoca o ferimento na perna não se pode suscitar normalmente razão pela qual o agente é responsável pelo dano, ou seja, não se considera aqui o nexo causal duplamente pelo resultado final desencadeado.
ðNa formulação negativa da causalidade adequada ainda é mais restritiva. Diz o prof. Antunes Varela que há causa adequada quando o comportamento é indiferente para a produção do dano, só em circunstâncias extraordinárias anormais e atípicas é que o podem produzir. Vamos imaginar este exemplo clássico; um policia em perseguição de um ladrão disparou um tiro com falta de cuidado, apurou-se mais tarde que o policia actuou com negligência atingiu uma pessoa e no hospital a pessoa vem a falecer ... ... ...




8/4/99

13/4/99

Responsabilidade pelo risco (responsabilidade objectiva)

ð Regime dos acidentes causados por veículos
Os acidentes causados por veículos parecem regulados nos arts 503ºss, estabelecendo um título de imputação baseado na existência da direcção efectiva de um veículo de circulação terrestre, e na utilização no seu próprio interesse, mesmo por intermédio de comissário responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
Esta norma tem dois problemas. Em primeiro lugar estabelece uma responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objectiva, como se verifica, quem cause acidentes em virtude da condução de um veículo de circulação terrestre, é responsável por esses acidentes, uma vez que tem uma fonte de riscos que são esses veículos de circulação.
Exige-se que os danos resultem da condução própria do veículo, e daí que tenha-mos de ter em consideração que é um risco próprio do veículo que está em causa. Mesmo que esse veículo não se encontre em circulação. Efectivamente o veículo pode estar parado e ocorrer um acidente qualquer, nessa altura o proprietário do veículo é responsável, por esse acidente.
É responsável se tiver a direcção efectiva do veículo, aqui a direcção efectiva do veículo significa a possibilidade de determinar onde é que esse veículo vai. Não é necessário que o veículo esteja em circulação. Tem a direcção efectiva do veículo quem pode determinar a localização efectiva do veículo, ou a condução desse mesmo veículo. Normalmente será o proprietário, mas poderá ser outro qualquer proprietário de um direito real ou mesmo pessoal sobre o veículo. Exemplo um comodatário de um veículo tem a direcção efectiva dele, pode determinar aonde é que esse veículo vai. Exige-se ainda para esta responsabilidade pelo risco a utilização no seu próprio interesse, uma vez que se tratar da utilização no interesse de outrem, o regime que se encontra estabelecido baseia-se essencialmente que nessa altura o veículo está a ser conduzido por comissário, e nessa altura quem tem a direcção efectiva do veículo é o comitente, porque determina qual é o destino do veículo. O comissário não utiliza o veículo no seu próprio interesse, quem utiliza é o comitente ainda que por seu intermédio, e daí que seja o comitente que tem a direcção efectiva do veículo, e por isso pode determinar onde esse veículo está a ser dirigido.
Neste âmbito temos aqui um caso de responsabilidade pelos danos próprios, riscos próprios desse veículo, mesmo que esse não se encontre em circulação. Outro problema é a condução por inimputáveis, ou seja, pode acontecer que determinado inimputável, uma criança ou um incapaz, se encontre a conduzir o veículo. Aqui o problema não deveria ser suscitado porque o inimputável, não é susceptível de culpa, mas esta responsabilidade não se baseia na culpa, mas sim no risco próprio do veículo. A lei considera que o inimputável não tem a direcção efectiva do veículo, uma vez que não tendo a capacidade do entender ou crer, não pode determinar livremente qual é efectivamente o destino do veículo, e daí o facto de ser excluído o inimputável da responsabilização do art 503ºnº2, ele responde apenas com base no art 489º, que estabelece a responsabilidade desse inimputável.
A norma do art 503ºnº3, tem suscitado alguma polémica na jurisprudência, e que coloca um problema relativo à situação da condução por conta de outrem, ou seja, o caso de alguém estar a conduzir um veículo como comissário de outra pessoa. Neste caso a lei vem nos dizer que aquele que conduzir um veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do nº1. Este artigo não refere uma responsabilidade pelo risco, já que na primeira parte diz que responde salvo se provar que não houve culpa, o que quer dizer que se ele demonstrar que não houve culpa deixa de responder, aqui coloca-se um problema de presunção de culpa. Sendo assim o que sucede é que se alguém está a conduzir um veículo por conta de outrem é presumido como culpado na verificação do acidente, mas se, se estabelece uma presunção de culpa, isto tem como consequência o seguinte, a responsabilidade pelo risco é limitada, ou seja tem os limites máximos previstos no art 508º, pelo contrário a responsabilidade por culpa é ilimitada. Isto significa que se determinada pessoa causar um acidente estando a conduzir o veículo no âmbito do seu interesse próprio, ou seja, sem ser por conta de outrem. O lesado tem de provar a culpa do autor da lesão, caso contrário obtém a indemnização com base no risco, mas indemnização limitada, ou seja, sujeita aos limites do art 508º. Se pelo contrário quem estiver a conduzir um veículo for um comissário, por exemplo um chofer de taxi por conta da sua entidade patronal ou um motorista de autocarro, o que sucede é que a lei vem dizer que se presume a culpa. O lesado já não tem que demonstrar a culpa do próprio comissário, e sendo assim pode logo obter uma indemnização com base na culpa, e não com base da responsabilidade pelo risco, indemnização limitada e não ilimitada. A razão para estabelecer este regime é que quem está a conduzir um veículo por conta de outrem, normalmente é um condutor profissional, e um condutor profissional é normalmente mais desleixado em relação aos acidentes em virtude da sua grande habituação à condução, do que um condutor não profissional, quem usa o carro apenas para ir para o emprego ou passear ao fim de semana, tem normalmente uma condução mais cuidadosa, porque são poucas as horas que passa ao volante e concentra-se mais naquela actividade. Quem tem por profissão a condução de veículos, aí vai-se habituando sucessivamente e tem tendência a desleixar mais a sua atenção relativamente aos riscos causados pela condução de veículos. O legislador achou por isto que se justificava atribuir aos condutores profissionais uma presunção de culpa, que consiste em que o condutor profissional que causar danos é logo presumido culpado, o lesado não tem que provar a culpa dele. Isto tem uma excepção, se o condutor profissional estiver a conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, já não responde com base na presunção de culpa, mas apenas responde pelo risco uma vez que está a ter a direcção efectiva do veículo utilizando-o no seu próprio interesse, aí é tratado como qualquer condutor, porque se considera que quem esteja a conduzir o seu veículo, ainda que seja o veículo que utiliza na sua actividade profissional, não no seu trabalho mas num momento de laser, aí está a actuar como qualquer condutor.
Outro problema é como conciliar este tipo de situação com o problema do próprio comitente, imaginemos a seguinte situação, o comissário está a conduzir um veículo, e causa determinado dano nesse tipo de condução, o que é que sucede neste caso determinada pessoa foi atropelada e pede indemnização. A questão que se coloca é a seguinte, a quem é que pode pedir a indemnização, à partida temos logo dois tipos de responsabilidades, a primeira de todas a responsabilidade pelo risco, uma vez que existe alguém que tem a direcção efectiva do veículo e está a utilizá-lo no seu interesse. Esse alguém é a empresa titular dos veículos.
Essa empresa responderia pelo risco próprio do veículo, o comissário seria responsável individualmente a título de culpa, com base numa culpa presumida. A solução à partida seria a seguinte, a empresa seria responsabilizada pelo risco sujeita à indemnização limitada pelo art 508º, o comissário responsável por culpa e responde ilimitadamente. À um ponto a considerar a aplicação do art 500º, uma vez que este estabelece a responsabilidade do comitente, vem nos dizer que quando alguém é encarregado de qualquer comissão, responde independente de culpa pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. Se o comissário é responsável com base na culpa presumida, e portanto sobre ele vai recair a obrigação de indemnizar ilimitadamente, significa com base no art 500º que a responsabilidade do comitente também vai ocorrer pelo mesmo montante. Daí por isso que o mais habitual quando se aplica a presunção de culpa do art 503ºnº3, para o condutor por conta de outrem, é não aplicada apenas em relação ao comitente o regime do art 503ºnº1, mas também desencadeada a aplicação do art 500º, uma vez que se o comissário responde ilimitadamente, e o comitente responde se o comissário responder, a regra é que o comitente vai responder pelo mesmo montante. Tradicionalmente uma acção deste tipo seria instaurada dizendo o seguinte, há presunção de culpa o comissário presume-se culpado e o comitente é responsável em primeiro lugar com base no art 500º, independentemente da sua responsabilidade.
O regime que se encontra estabelecido quanto aos titulares da responsabilidade a lei baseia-se na seguinte regra, o art 504º, vem a estabelecer os beneficiários da responsabilidade, estabelecendo o seguinte. Existem dois tipos de titulares desta responsabilidade, primeiro os terceiros, as pessoas que são terceiros em relação ao acidente, e em segundo lugar as pessoas transportadas em virtude do contrato. Relativamente às pessoas transportadas em virtude de contrato, abrange apenas a própria pessoa e as coisas por ela transportadas. É uma formulação que vem excluir em relação aos transportados por contrato, a aplicação das normas relativas aos outros titulares da indemnização, por exemplo a situação relativa ao art 495º, indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal. As pessoas que são transportadas em virtude do contrato vêm-se assim excluídas relativamente a este tipo de danos. É uma menor protecção que aparece justificada pela distinção entre a protecção contratual e a mera situação delitual, e que justifica este regime. Se no entanto se tratar de transporte gratuito, a indemnização apenas abrange os danos pessoais da pessoa transportada.
Há que ver até onde pode ir a responsabilidade pelo risco. O legislador esclarece-nos no art 505º, os casos em que a responsabilidade pelo risco venha a ser excluída, dizendo o art 570º, que a responsabilidade fixada no art 503ºnº1, só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. A lei coloca-nos a hipótese de o acidente ser imputável ao próprio lesado ou a terceiro, aqui imputável não significa que seja a título de culpa, não significa que o acidente resultou de culpa do lesado ou de terceiro, mas significa que a causa do acidente foi exclusivamente do lesado ou terceiro, o resultado seria este haver uma causa estranha ao risco próprio do veículo, por exemplo o facto de uma pessoa cair de uma ponte em cima de um carro, isto não é um acidente causado pelo risco próprio do veículo, ou seja, trata-se no fundo de um acidente totalmente imputável ao lesado, mesmo que possa ter caído sem ter culpa nenhuma ou ter sido empurrado por terceiro. Também sucede assim quando o acidente resulte de causa de força maior estranho ao funcionamento do veículo, é considerada força maior uma força invencível da natureza, também não estamos perante um risco próprio da condução do veículo daí que a situação seja excluída. É necessário ter por força maior o seguinte; a derrapagem de um veículo devido ao piso molhado ou por óleo no piso, é unanimemente considerado pela jurisprudência e pela doutrina como um risco próprio do veículo, a causa de força maior tem de ser uma situação mais vasta, se houver uma tempestade no mar e uma onda atira o veículo contra uma pessoa, aí temos uma causa de força maior.
Outra situação é a referida no art 506º, relativa à colisão de veículos, esta norma vem nos dizer que se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores. Temos aqui a situação de uma colisão de veículos, este é tratado à parte porque quando estamos perante uma colisão de veículos, não estamos perante um acidente causado por um mero veículo, que esse coloca o problema de haver uma fonte de riscos que causou o dano. Quando existe uma colisão de veículos, os veículos que chocaram são eles todos uma fonte de riscos. E daí que a responsabilidade pelo risco tenha de ser articulada de forma distinta, a situação que se deverá ponderar é esta, como é que a responsabilização deve ser estabelecida. A lei estabelece o seguinte, se houver culpa de apenas um dos condutores, naturalmente o condutor lesado é obrigado a indemnizar, se nenhum dos condutores tiver culpa, então a responsabilidade é repartida entre os diversos condutores, na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. Se por exemplo um veículo utilitário choca com um camião, ficando o veículo utilitário mais destruído, é evidente que o camião contribui para os danos numa proporção maior que o veículo utilitário, e daí que a responsabilidade seja repartida, em virtude de um dos veículos ter contribuído em maior proporção de riscos para os danos. Se os danos forem causados só por culpa de um dos condutores, só a pessoa responsável é obrigada a indemnizar.
Isto levanta um problema que tem sido levantado pela jurisprudência, a questão é esta; Quid iuris se a colisão de veículos vier a ocorrer entre um condutor profissional e um não profissional, e nos termos do art 503ºnº3, presume-se culpado. O problema é que o art 506º, é uma regra especial relativamente ao art 503º, ou seja, enquanto o art 503º, falava em acidentes causados por veículos em geral, o art 506º fala do problema da colisão de veículos. Aqui põe-se em questão o seguinte, havendo a colisão entre dois veículos nós aplicamos a presunção dizemos ou se prova a culpa de um deles ou reparte-se o risco aplicando o art 506º, ou devemos primeiro considerar que o art 506º, não se aplica porque o art 503ºnº3, presume culpado o condutor profissional. Esta questão suscitou várias duvidas até ter vindo a surgir um acento, acento que surgiu em 1983, e que vinha dizer essencialmente o seguinte. A aplicação ou não do art 503ºnº3, à colisão de veículos, o acento veio a considerar que efectivamente o art 503ºnº3, era aplicável, e por esse motivo o resultado que se estabeleceu era este, o art 503ºnº3 seria aplicável à colisão de veículos, se houver colisão de veículos e um dos condutores é profissional este presume-se culpado e o art 506º, estaria afastado já que havia alguma pessoa presumida culpada. A duvida que o acento suscitou é que embora tivesse sido suscitado por essa situação jurídica, na sua formulação literal não foi tão concreto, já que se limitou a dizer que este artigo estabelecia uma presunção de culpa, do comissário aplicável nas relações entre ele com o lesante e o titular do direito à indemnização. Isto nada diz ao caso concreto, o problema é que a questão que estava discutida era esta que o art 503ºnº3, se aplicava ou não à hipótese de colisão de veículos. E a jurisprudência veio sempre a respeitar o acento, dizendo que não seria adequado interpretar o acento do supremo, apesar da sua deficiente formulação, como tendo consagrado solução distinta daquela que expressamente estava em discussão. Isto foi assim até que em 1994 noutro caso o supremo voltou a confirmar que a presunção de culpa do art 503ºnº3, é aplicável ao caso da colisão de veículos referida no art 506º. E daí que em virtude da anterior força obrigatória dos acentos, esta situação ficou estabelecida com força obrigatória geral. Posteriormente após a reforma do processo civil os acentos foram abolidos, e foram abolidos com eficácia retroactiva, uma vez que se considera que até os acentos anteriores perderam a eficácia obrigatória geral que tinham, esta questão por isso poderia voltar a ser apreciada pela jurisprudência. Mas até agora a jurisprudência tem-se mantido firme em defender esta solução.
A lei vem estabelecer que quando a responsabilidade pelo risco recai sobre várias pessoas, elas respondem todas solidariamente, mesmo que alguma delas seja culpada. Ou seja, mesmo havendo culpa de uma das pessoas e havendo responsabilidade pelo risco sobre várias, há responsabilidade solidária. Nas relações entre os diferentes responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo, mas se houver culpa de algum ou alguns apenas os culpados respondem, aqui a responsabilidade por culpa prevalece, ou seja, no fundo havendo a culpa de um dos responsáveis, embora todos respondam solidariamente nas relações externas, nas relações internas apenas os culpados respondem.
O direito de regresso será exigido apenas dos culpados, pela totalidade, enquanto os responsáveis pelo risco nas relações internas se descobrirem alguém culpado, ficarão sem responder.
Quanto à responsabilidade pelo risco ela tem limites máximos previstos na lei. Estes limites são estabelecidos utilizando um critério bastante estranho. A norma que consta do art 508º, vem nos dizer que a indemnização fundada em indemnização, quando não haja culpa do responsável tem como limites máximos no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação; no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada da relação. Este regime foi estabelecido em 1985, vindo a lei a prever como critério para limitar o máximo uma situação deste género. O critério que foi utilizado e que pretendia acompanhar a desvalorização da moeda não foi o mais adequado, faria mais sentido ter em consideração o salário mínimo, ou um qualquer outro bem de consumo essencial, para averiguar a estabilidade da moeda.
Temos ainda como danos pelo risco, os danos causados por instalação de energia eléctrica ou gás, diz-nos a lei que aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. O regime que temos estabelecido baseia-se na seguinte situação, quem tem a direcção efectiva de instalação de energia eléctrica ou gás é responsável objectivamente, mas há uma exclusão importante, é que a responsabilidade desaparece, quando a instalação está de acordo com as regras técnicas, e em perfeito estado de conservação. Isto aparece numa situação que o prof Meneses Cordeiro chama de responsabilidade quase amortecida, ou seja, a lei estabelece uma responsabilidade objectiva mas tem uma ideia de ilicitude amortecida. Uma vez que o que está em causa é o desrespeito pelas regras técnicas e simples conservação da coisa, ainda que não seja necessário demostrar a culpa uma vez que a situação é esta; demonstrando que a instalação não estava em perfeito estado de conservação ou não estava de acordo com as regras técnicas há logo responsabilidade objectiva.
Se os danos resultarem de força maior, e consideram-se danos de força maior toda a causa exterior independentemente do funcionamento ou instalação da coisa, aí não obrigam a reparação. E também não são reparáveis com base nesta situação, os danos causados por utensílios de uso de energia. Neste caso a lei também estabelece limites máximos de indemnização, é a situação comum na responsabilidade pelo risco, esta baseia-se sempre na existência de limites máximos, sendo dela excluída, salvo dois casos que se referem a danos pequenos os danos causados por animais do art 502º, e a equiparação do comitente ao comissário, porque no fundo ainda se está perante uma situação culposa que esteve na base dessa mesma responsabilização.
Falta-nos falar numa última situação que se refere à responsabilidade por facto lícito ou pelo sacrifício, trata-se do caso em que a lei permite a alguém que sacrifique um bem alheio. Assim estamos perante uma actuação lícita, não podemos falar em responsabilidade por factos ilícitos ou responsabilidade subjectiva. Já não será assim, mas a lei pode atribuir uma compensação ao lesado, como contrapartida por permitir a outra pessoa sacrificar os seus direitos, e daí portanto que o título de importação seja o facto lícito que causou danos a outrem.
Os dois exemplos relativos a esta situação são, em primeiro lugar a limitação voluntária dos direitos de personalidade, hipótese prevista no art 81ºnº2, que admite quando alguém estabelece uma limitação voluntária dos seus limites de personalidade de a revogar, mas tem sempre de indemnizar as legitimas expectativas da outra parte, ou seja, pode causar danos a outrem licitamente mas tem de indemnizar, aqui uma responsabilidade por factos lícitos. Outra situação deste género, e a mais comum, a hipótese referida no art 339ºnº2, o estado de necessidade, que prevê que quando alguém sacrifique um bem alheio em estado de necessidade para remover o perigo de um dano manifestamente superior quer do agente quer de terceiro, estabelece aqui uma situação de indemnização.
Nestes casos o autor da destruição ou do dano é obrigado a indemnizar o lesado do prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva. Em qualquer outro caso o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.

15/4/99

Obrigação de indemnização

A obrigação de indemnizar tanto pode resultar da responsabilidade civil objectiva, como da responsabilidade pelo risco, como da responsabilidade por factos ilícitos, como da responsabilidade por incumprimento das obrigações. A responsabilidade civil aparece-nos bipartida, por um lado a responsabilidade chamada extracontratual, delitual ou aquiliana que vem regulada nos art 483ºss, compreendendo não só a responsabilidade por factos lícitos mas também a responsabilidade pelo risco, depois temos a chamada responsabilidade contratual ou obrigacional, que vem regulada nos arts 787º ss, que resulta da cumulação de direitos de crédito.
Apesar desta estrutura separada como o nosso legislador regula a matéria da responsabilidade civil, todas estas situações têm em comum o seguinte, constituírem contra o lesante o dever de indemnizar. Este dever de indemnizar é regulado na nossa lei unitariamente para todas as modalidades de obrigações nos arts 562ºss. A obrigação de indemnização é o dever que resulta para o responsável civil, o reparar os danos que causou.
O principio geral da matéria de obrigação de indemnização é o lesante encontra-se obrigado a reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso. O direito procura que a obrigação de indemnização prossiga a finalidade de restaurar, reconstituir, a situação que existiria ao momento da prática do acto danoso, tal qual, ele nunca tivesse ocorrido. Este principio geral, que é o principio da reconstituição natural, consta do art 562º, quando alguém violando um direito de outrem causa danos, e a lei determina a obrigação de indemnização, pois então o dever de indemnizar deve ser satisfeito de modo a suprimir o dano para reconstituir a situação que existiria no momento em que o facto ilícito danoso ocorreu.
Este principio da restauração natural, tem no entanto uma limitação obvia, é que nem todos os danos são susceptíveis de serem reparados por esta reconstituição natural. Exemplo a situação em que um carro é embatido por outro, o condutor responsável pelo embate provoca não só danos na viatura como danos no condutor, há aqui vários tipos de danos, os correspondentes à violação do direito de propriedade sobre o carro, e os danos por agressão à integridade física do condutor. Dentre esses danos, à integridade física, o condutor queixa-se das dores, danos classificados pelo direito como danos não patrimoniais, danos não susceptíveis de avaliação pecuniária. É fácil de compreender que um veiculo embatido é possível ser restaurado, e o carro voltará ao seu estado normal, a situação que existia antes do impacto é reconstituída, cá está o principio da restauração natural que torna possível essa reconstituição. Mas há outros danos que não são susceptíveis de serem eliminados, ninguém pode eliminar as dores, isto para não falar de outro direito muito mais evidente que é o direito à vida. A indemnização do responsável em caso algum pode devolver a vida.
O primeiro principio que importa considerar é o principio da reconstituição natural. Contudo existem situação em que a reconstituição natural não é possível, essas situações o legislador identifica-as no art 566º, em que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. O direito português tem a preferencia não pela indemnização em dinheiro mas pela eliminação do dano pela reconstituição natural. A lei ressalva três situações em que a indemnização natural não ocorre;
— caso de morte, a perda do direito à vida, os danos não são susceptíveis de reconstituição natural, o direito providencia uma alternativa indemnizatória, que é justamente a obrigação pecuniária. Trata-se de fixar o valor patrimonial do dano, quando a reconstituição natural não é possível.
— quando não repare integralmente os danos, há que determinados tipos de danos que a reconstituição natural não consegue satisfazer, porque não à possibilidade de repor a situação ao momento da prática dos actos danosos.
— quando seja excessivamente oneroso para o devedor, isto corresponde a um aforismo popular em que é normal dizer-se que quem estraga velho paga novo. Utilizando o exemplo do acidente automóvel, imaginemos que o carro fica totalmente destruído, a reconstituição natural fica impossibilitada, ou até é possível, vamos supor que o valor do carro é de 200contos, e a reparação importava em 1000contos, muitas vezes a reparação excede o valor do próprio objecto a reparar, aqui coloca-se a questão, estará o lesado ainda assim a suportar esses danos. A lei portuguesa parece admitir que a reparação natural possa ser superior ao valor do dano, a lei não admite uma desproporção tal em que a obrigação entre o prejuízo causado e o esforço que o lesante tem de sofrer para o satisfazer já é demasiado.
A reconstituição natural pode ser afastada pelas partes, tem caracter supletivo. Isto significa que nada obsta a que o credor da indemnização, lesado, e o devedor da indemnização, lesante, negoceiem em caso de ser possível a reconstituição natural, uma indemnização em dinheiro. Muitas vezes a seguradora em vez de mandar reparar o veículo pode encontrar um acordo com o lesado paga-lhe X e ele encarrega-se de providenciar a reparação.
Nos termos gerais do art 564º, a obrigação de indemnização compreende os danos emergentes e os lucros cessantes, trata-se de indemnizar o lesado não apenas pelos danos que ele sofre em direitos existentes à prática do acto danoso, mas também a lesão de direitos que ele viria muito provavelmente a adquirir se não tivesse ocorrido o evento danoso.
O modo como se calcula a indemnização indemnizar significa tornar indemne aos prejuízos, como é que se processa essa indemnização, o principio consagrado na lei portuguesa no art 566ºnº2, corresponde à chamada doutrina da teoria da diferença, já que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos. Quem fixar a indemnização tem que encontrar a situação patrimonial que o lesado se encontraria se não fosse o facto danoso. Portanto tem de fazer confronto da situação patrimonial actual, aquela que resulta do facto danoso, e a situação em que se encontraria se não tivesse havido o facto danoso.
A lei admite que a obrigação de indemnização em vez de ser paga de uma vez só, possa ser convertida numa obrigação de renda. Isto não é muito frequente mas é possível, esta possibilidade consta do art 567º, atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tribunal a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.

Quando se determina o dever de indemnizar, tem sempre de se verificar o envolvimento quer do lesante quer do lesado, para a prática do facto danoso, ou seja, estamos sempre a partir do pressuposto que o lesante é 100% responsável pelos danos, mas pode acontecer que o facto danoso possa ter ocorrido por culpa de terceiro, ou por culpa do próprio lesado. Se se vier a considerar que a responsabilidade pelos danos é de 50% para o lesante e de 50% para o lesado, o dever de indemnizar é na proporção da responsabilidade. Quando há um terceiro, não é apenas o lesante que é responsável mas é também o terceiro como co-autor do processo causal conducente ao dano.



20/4/99 Natália



22/4/99 Natália



27/4/99

Modificação das obrigações — a chamada prescrição. A razão porque a prescrição nos aparece tratada como modificação de obrigações baseia-se essencialmente no regime do art 304ºnº2, que estabelece que ocorrendo a prescrição de uma obrigação não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que feita com ignorância da prescrição. Isto quer dizer que a obrigação prescrita se transforma numa obrigação natural. Deve dizer-se que se trata de uma obrigação natural sujeita a um regime próprio, já que nas obrigações naturais tal como consta do art 402º, o seu cumprimento não é judicialmente exigível, em relação à prescrição o cumprimento da obrigação prescrita é judicialmente exigível enquanto a prescrição não for invocável. Uma vez que o art 303º, estabelece que o tribunal não pode suprir de oficio a prescrição, que esta necessita para ser eficaz de ser evocada judicial ou extra-judicialmente por aquele a quem aproveita, seu representante ou tratando-se de incapaz pelo ministério público. Conforme se vê a prescrição só produz efeitos sendo invocada, é isto que torna um regime especifico quando às obrigações naturais. O prof Menezes Leitão não concorda com a sistematização da obrigação prescrita como modificação de obrigações, por uma razão simples, é que de facto embora exista aqui a constituição de uma obrigação natural, mas as obrigações naturais não são verdadeiras obrigações, porque não existe nelas um direito efectivo de exigir a prestação tutelada através da acção de cumprimento. Há apenas um direito a conservar uma prestação espontaneamente realizada que não se caracteriza por um direito de crédito, daí por isso é que efectivamente podemos ver na obrigação prescrita uma transformação em obrigação natural. Mas isso não implica uma verdadeira modificação, mas sim a extinção de uma obrigação com a constituição de uma outra.
Em relação à própria prescrição nós temos estabelecido um prazo ordinário para a prescrição, sendo esse prazo nos termos do art 309º, de vinte anos. Mas há certas prescrições que estão sujeitas a um prazo mais curto, as situações referidas no art 310º, como sejam por exemplo todas as prestações periódicas (rendas perpétuas ou vitalícias, rendas ou alugueres devidos pelo locatário, juros convencionais, cotas de amortização do capital, pensões vitalícias vencidas e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis), estas estão sujeitas a um prazo mais curto de cinco anos o que caracteriza o que normalmente ocorre é que quanto a estas obrigações periódicas só podem ser exigidas as prestações dos últimos cinco anos, já que todas as anteriores prescrevem em consequência desta situação. Há no entanto uma categoria especial de prescrições ainda sujeitas a um prazo mais curto, que são as nominadas prescrições presuntivas. E nominam-se porque se fundam na presunção de cumprimento, ou seja, têm um prazo muito curto mas precisamente porque se julga que o devedor cumpriu a obrigação. E daí que o cumprimento tem de ser provado por recibo, e o devedor passado algum tempo deita fora os recibos respectivos deste tipo de obrigações. Daí a lei presume que estas prescrições ocorrem num prazo bastante curto, dentro deste prazo é normal o devedor ter pago daí que no art 316º, os créditos de estabelecimento comidas ou bebidas um prazo de seis meses, e no art 317º, os créditos dos estabelecimentos que fornecem alimentação a estudantes, estabelecimentos de prestação de assistência, ensino esta prescrição que tem por base uma prescrição presuntiva baseada na presunção de cumprimento é ilidida em caso de confissão do devedor. Se o devedor invocar a divida já não pode invocar a prescrição. No entanto há uma regra bastante importante que é a confissão tácita, o art 314º, prevê que se considera confessada a divida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Um dos casos mais importantes relativamente à prescrição e que a diferencia bastante da caducidade é que a prescrição suspende-se em certos casos. Permite que em certos casos o prazo de prescrição venha a ser suspenso ou interrompido. Isto não sucede com a caducidade que em princípio nos termos do art 328º, não se interrompe senão nos casos em que a lei o determina. Os casos de suspensão da prescrição constam dos art 318ºss, e referem-se a certo tipo de situações que não se considera correcto que ocorra a prescrição. Por exemplo entre os cônjuges, entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas. Entre as pessoas cujus bens estejam sujeitas à administração de outrem. Nestes casos e noutros como por exemplo os militares, e pessoas adstritas às forças armadas e em caso de força maior, nestes casos a prescrição suspende-se. O que significa que pode ainda não ter corrido o prazo de prescrição, se ocorrer uma destas causas suspensivas. Já quanto à interrupção da prescrição, aqui a diferença com a suspensão é esta, na suspensão aproveita-se o prazo anteriormente corrido. A prescrição interrompida depois exige que se inicie um novo prazo. Já não se aproveita um prazo corrido após a interrupção.
Relativamente à interrupção da prescrição há uma regra muito importante do art 323º, que nos vem dizer que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intensão de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. O que sucede aqui é que não basta simples interposição da acção. É necessário que ocorra a citação ou notificação para que a prescrição seja interrompida. No entanto diz-nos o nº2 que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. O que a lei aqui presume é que sendo posta a acção ocorre a citação no prazo de cinco dias, no entanto a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva da causa não imputável ao requerente, porque entende que para ser assegurado que a citação ocorre no prazo de cinco dias tem de se requerer a citação prévia à distribuição, porque como a distribuição só é feita uma vez por semana se, se deixa ocorrer a distribuição, passam sempre mais de cinco dias, após a interposição da acção. Daí a consequência é esta se o requerente deverá, para não se considerar que é por causa não imputável a ele, requerer que a citação seja feita antes da distribuição. Se não for assim considera-se que foi por causa imputável a ele que não ocorreu a citação, por isso este prazo de cinco dias deixa de contar, e pode prescrever a obrigação se a citação ocorrer depois de extinto o prazo prescricional.
A caducidade distingue-se da prescrição por não se interromper nem prescrever, isto nos termos do art 328º. A caducidade é do conhecimento oficioso, mas com uma restrição nos termos do art 333º, a caducidade só é do conhecimento oficioso se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, porque se a matéria se encontra na disponibilidade das partes, isso significa que a caducidade se rege pelo disposto no art 303º, ou seja, tem à semelhança da prescrição de ser invocada para beneficiar a quem a invoca, caso contrário o tribunal não pode conhecer oficiosamente.

Cumprimento das obrigações. Consiste no destino normal da obrigação, a obrigação deve ser cumprida. Como diz o prof Galvão Teles "todas as obrigações tendem para o cumprimento". O problema da caracterização do cumprimento enquanto tal, coloca alguns problemas de dogmática jurídica, em virtude de várias teses terem sido apresentadas para explicar a natureza do cumprimento.
ð teoria geral do contrato — o cumprimento é sempre um contrato. Já que isso exige um acto jurídico negocial. A proposta do devedor que vai oferecer a prestação, mas simultaneamente a aceitação do credor daquela prestação como cumprimento. Assim teríamos consequentemente duas relações negociais. A proposta e a aceitação. O que justificaria que o cumprimento se traduza num contrato.
ð teoria limitada do contrato — há certo tipo de obrigações em que já ocorre cumprimento da obrigação e no entanto não há qualquer aceitação do próprio credor, porque a aceitação do credor é muito comum nas prestações da aceitação de coisa, mas não é necessário o credor dar essa aceitação no caso de prestações de facto ou de omissões. Se alguém se compromete a cortar as flores de um jardim o credor não tem de estar presente enquanto o credor está a executar a obrigação. O devedor pode ir-se embora e ninguém duvida que ele já cumpriu a obrigação. Não surge aqui a declaração de aceitação do próprio credor. No caso das omissões o devedor cumpre a obrigação por forma continuada enquanto omite aquele comportamento. Nunca se vê uma declaração do credor em como aceita aquele prestação como cumprimento. Por esse motivo surgiu a tese denominada por teoria limitada do contrato. No fundo vinha dizer o seguinte, o cumprimento aceitou as objecções mas dizia o cumprimento continua a ser um contrato em todos os outros casos, ou seja, sempre que o credor aceite a prestação tem que a aceitar como cumprimento e portanto tem de emitir uma declaração negocial. Regra geral o cumprimento é um contrato. Não será um contrato quando a aceitação do credor seja dispensável. Mas isso sucede em casos limitados, e nesses casos será um negócio jurídico unilateral.
ð teoria do acordo sobre o fim — esta diz o seguinte, não é propriamente necessária a existência de declarações negociais expressas, é necessário que quando se realiza a prestação haja acordo sobre o fim daquela prestação, que ela se destina ao cumprimento da obrigação.
ð teoria da realização final da prestação (Animus Solvendi) — a ideia de acordo é dispensada. Não é exigido um acordo mas é necessária alguma intensão por parte de quem realiza a prestação. Ou seja, quem realiza a obrigação tem de ter a intensão de cumprir a obrigação. Tem de ter o animus solvendi, e sendo o animus solvendi requisito do cumprimento, teríamos então que a classificação do cumprimento aparece como uma realização final da própria prestação.
ð teoria da realização real da prestação (não precisa de Animus Solvendi) — esta tese diz que não é exigido sequer um animus solvendi para o cumprimento, desde que o comportamento do devedor à prestação que ele realiza se identifique materialmente com aquilo a que ele estava vinculado, ou considera-se que ele cumpriu a obrigação. Esta última posição é que tem vindo a fazer carreira quer na doutrina nacional quer na doutrina estrangeira, e esta teoria consta do art 762ºnº1, que quando estabelece a definição do cumprimento da obrigação diz-nos que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. Basta a realização real da própria prestação.
O negócio jurídico tem caracter inovador, o cumprimento das obrigações não implica qualquer inovação para a ordem jurídica ela já se encontra realizada por ambas as partes através da autonomia privada, o cumprimento baseia-se apenas no passar para o plano dos factos do que já se encontra estabelecido no plano dos comandos. Ou seja, passar para o plano ontológico o que está no plano deontológico. Daí que o comportamento é considerado na expressão de Carneluti um acto devido. Ou seja, não estabelece qualquer inovação na ordem jurídica já que essa inovação resulta do negócio jurídico subjacente. Há no entanto algumas excepções, porque em certos casos o cumprimento implica uma inovação na ordem jurídica, é o caso do contrato definitivo em relação ao contrato promessa, o contrato definitivo é cumprimento do contrato promessa, mas também tem uma formulação inovatória que acrescenta algo mais do que constava do próprio contrato-promessa.

Princípios que regulam o cumprimento das obrigações. Como estabelece o prof M. Cordeiro, nós podemos apontar quatro princípios para definir o cumprimento das obrigações;
ð Pontualidade — este princípio significa que este deve corresponder ponto por ponto ao plano obrigacional, ou seja, não pode haver desvios no cumprimento das obrigações em relação ao que era a própria obrigação. Este princípio consta do art 406ºnº1, a propósito dos contratos que nos diz que o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mutuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Corresponde à exigência ponto por ponto não apenas em termos materiais mas também em termos substanciais.
ð Integralidade — a ideia que a prestação não deve ser realizada por partes, deve ser realizada de uma vez, daqui que não devam ser aceites cumprimentos parciais, o devedor ou cumpre a totalidade ou não cumpre. O cumprimento implica que só o cumprimento integral satisfaz o próprio credor. Este princípio está no art 763ºnº1, que nos diz que a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos. O credor tem, porém, a faculdade de exigir uma parte da prestação; a exigência dessa parte não priva o devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro. Conforme se verifica mesmo que se trate de uma prestação divisível, que é aquela que pode ser fraccionada sem haver prejuízo para o interesse do credor. A verdade é que a lei não autoriza a divisão.
ð Boa-fé — este princípio está consagrado no art 762ºnº2, talvez a mais importante referência ao princípio da boa fé, no direito das obrigações. Que nos diz que no cumprimento da obrigação assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé. O princípio de boa fé implica a imposição de deveres acessórios. Deveres acessórios de protecção, informação e lealdade. E que esses deveres acessórios têm duas funções; uma a de potenciar o aproveitamento da prestação em ordem à satisfação do interesse do credor, outra evitar a ocorrência de danos para as partes. Por esse motivo a nossa lei quando estabelece o princípio da boa-fé falo correr tanto por conta do devedor como por conta do credor. A boa fé no cumprimento que se reconduz à complexidade da obrigação, porque a prestação não se baseia no simples dever de realizar a prestação, e sendo assim esses deveres existem para ambas as partes. Quando existe violação do princípio da boa fé, existe responsabilidade e cumprimento deficiente da prestação. Cumprimento defeituoso.
ð Concretização — significa que o programa obrigacional deve concretizar-se numa conduta especifica do devedor. O cumprimento tem de realizar o que estava no âmbito da obrigação.

Requisitos para o cumprimento. Baseiam-se na configuração do cumprimento, não como um negócio jurídico, mas como um acto jurídico ou como um acto material quando não tem efeitos jurídicos.
ð Capacidade — daqui neste caso a situação que ocorre tem uma regra especial em termos de capacidade. Situação que consta do art 764º, ou seja, a capacidade para o cumprimento é diferente da capacidade negocial. A regra que nos aparece no art 764ºnº1, é que o devedor só deve ser capaz se a prestação constituir um acto de disposição. Só quando se trate de cumprimentos que implique um acto de disposição do património é que se exige a capacidade do devedor. Normalmente o que produz efeitos no património do devedor é um negócio dispositivo. É esse que aliena os direitos patrimoniais e daí por isso que o cumprimento da obrigação regra geral não é considerado um acto de disposição. A não ser em certos casos o contrato definitivo em relação ao contrato-promessa. Ai obviamente que o devedor dispõe do seu património quando efectua o cumprimento, também só nesses casos é que é exigida a capacidade. Mesmo exigindo-se a capacidade do devedor quando o cumprimento consiste num acto de disposição, a lei vem nos dizer que o credor que haja recebido do credor incapaz pode opor-se ao pedido da anulação se o devedor não tiver tido prejuízo com o cumprimento. Já quanto à capacidade do credor para receber a prestação, aí as regras são distintas, isto não porque a actividade do credor para receber a prestação seja uma actividade jurídica negocial, mas apenas porque se o credor estiver incapaz quando recebe a prestação, pode facilmente destruir essa prestação. E portanto não se vir a aproveitar dela. Exemplo; alguém tem obrigação de entregar a outrem uma jarra Ming chinesa, acontece que quando a entrega, entrega ao credor incapaz, naturalmente que o credor poderá destruir o objecto daquela prestação, tornando portanto a prestação inaproveitável a prestação que recebeu para os efeitos que eram pretendidos. Daí que a lei exija a capacidade do credor para receber a prestação, embora refira que quando esta chega ao poder do representante legal do incapaz ou o património deste tiver enriquecido, pode o devedor opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada e de novo cumprimento da prestação, na medida do que tiver sido recebido pelo representante ou do enriquecimento do incapaz.
ð Disponibilidade para o cumprimento — este quanto às prestações de coisa, o que sucede é que em princípio o devedor deve cumprir com coisas do seu património, pelo menos com coisas que pode alhear. Mas imaginemos que o devedor resolve cumprir a obrigação com coisa alheia, nesse caso se o credor estiver de boa fé, tem o direito de impugnar o cumprimento sem prejuízo da faculdade de ressarcir dos danos que haja sofrido. O devedor se prestar com coisa alheia não pode impugnar o cumprimento, a menos que ofereça nova prestação. Requisito de anulação em termos especiais. Se o cumprimento for declarado nulo ou anulável por causa imputável ao credor, as garantias prestadas por terceiros extinguem-se a menos que este tenha conhecimento do vicio no momento em que teve a noticia do cumprimento da obrigação. Isto é uma forma de tutelar a boa fé do terceiro. Se o terceiro garantiu o cumprimento e foi posteriormente avisado que tinha ocorrido o cumprimento, essa sua boa-fé é tutelada, ele pressupõe que já não é precisa a garantia, e ocorrida a prestação não há renascimento das garantias prestadas por terceiro.
ð Legitimidade — para o cumprimento, ou seja, quem pode fazer e a quem pode ser feita a prestação. A lei tem maior amplitude em relação ao autor da prestação e ao seu receptor, do que em relação às pessoas do credor e do devedor. O que significa que quem faz a prestação e quem recebe a prestação, podem não ser o credor e o devedor daquela obrigação. Também é característico na doutrina que as partes no cumprimento não sejam identificadas como credor e devedor. Em princípio o cumprimento pode ser feito por outra pessoa, e pode ter como sujeitos outra partes. Daí que as partes do cumprimento sejam designadas pelas expressões latinas de "Solvens e Accipiens", significa aquele que solve a obrigação e aquele que a aceita. Esta regra aparece no art 767ºnº1, que estabelece um requisito de legitimidade geral para o cumprimento. Ou seja, que qualquer pessoa, regra geral, pode fazer a prestação. Esta norma diz-nos que a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação. Ou seja, para cumprir uma obrigação nem sequer se exige um requisito de interesse em agir, qualquer terceiro pode cumprir a obrigação, mesmo que seja completamente estranho à obrigação. Há dois casos em que o credor não pode ser constrangido a receber a prestação de terceiro. É o caso das prestações infungíveis, as prestações naturalmente infungíveis, quando a substituição prejudique o credor. Naturalmente se contratar um pintor famoso para pintar um quadro, não fica satisfeito se o quadro for pintado por um aprendiz daquele pintor. Nesse âmbito a substituição prejudica o credor. Pode acontecer que a prestação seja fungível, não haja prejuízo, mas que se tenha acordado expressamente que só o devedor é que faz a prestação. Nesse caso as partes ao abrigo da sua autonomia privada, podem transformar uma prestação que era naturalmente fungível, numa prestação infungível. Nesse caso falamos de infungibilidade convencional, significa que se acordou que só o devedor realizaria a prestação. Nestes casos o credor pode recusar a realização da prestação por terceiro.
Quanto à pessoa a quem pode ser feita a prestação a lei refere no art 769º, que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante. Estas são as pessoas que têm legitimidade para receber a prestação, e mesmo aqui com atenuantes, é que o legislador numa norma que parece bastante criticável, que é o art 761º, vem-nos dizer que mesmo quanto a representantes voluntários o devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao representante voluntário do credor, nem à pessoa autorizada por este em recebe-la se não houver convenção nesse sentido. Ou seja, esta norma se fosse usada, o que felizmente não é, proibia qualquer cobrador de dividas. Qualquer cobrador que aparecesse a cobrar o devedor dizia que não está previsto no contrato que pago ao representante e portanto, só tenciono pagar pessoalmente ao credor. Esta norma é totalmente incompatível com a actual sociedade económica, em que a actividade de cobrança de dividas é perfeitamente corriqueira e não passa pela cabeça de alguém que só seja possível com uma menção expressa por convenção pelo devedor a permitir que haja terceiros a receber a prestação.
Há casos em que a prestação é feita a terceiros, o resultado que ocorre é este, não se extingue a obrigação. Não tem efeito liberatório o pagamento feito a terceiro. O que quer dizer que o credor continua a poder exigir o cumprimento, e a quem faz a prestação, ao terceiro, resta a possibilidade de usar a repetição do indevido, nos termos do art 476ºnº2. Há no entanto casos que a obrigação feita a terceiros extingue a obrigação. São os casos referidos no art 770º, são casos em que a prestação feita a terceiro o devedor obtém o seu efeito liberatório. Se for estipulado ou consentido pelo credor. Se o credor ratificar o cumprimento feito a terceiro como se tivesse sido feito a si próprio. Se quem a recebeu houver adquirido posteriormente o crédito. Se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio, é um caso comum, as pessoas vão a uma empresa pagar uma divida e pagam ao empregado ou chegam a casa e pagam a familiar do credor. A verdade é que não entregaram ao verdadeiro credor, mas admitindo que o credor recebeu o cumprimento seria abusivo nesse caso vir reclamar novamente a prestação, com o argumento desta não ter sido feita pessoalmente. Tratar-se-ia de uma situação abusiva, e daí que a lei considera neste caso que se considera extinta a obrigação.


29/4/99


4/5/99

Não cumprimento das obrigações

Situação em que ocorre a não realização do vinculo obrigacional. Esta indicação do não cumprimento aparece-nos como epígrafe da secção II que encabeça o artº 790 e se denomina Não Cumprimento. É importante ter presente este título uma vez que, de acordo com a sistematização do código, aparece-nos o não cumprimento indicado em sentido naturalistico, ou seja, o código apresenta o não cumprimento como a não ocorrência da realização da prestação, independentemente do motivo pelo qual essa não realização da prestação ocorreu. O regime do código será bastante diferente consoante o não cumprimento da prestação seja imputável ao devedor ou não, ou seja, se é por responsabilidade do devedor ou não que se verificou a frustração do direito de crédito.
Temos então esta distinção:

Não cumprimento
1) Não imputável ao devedor
2) Imputável ao devedor

1) Se o não cumprimento da prestação não é imputável ao devedor, temos uma situação que se baseia no risco, ou seja, o risco de frustração do direito de crédito que é o que sucede quando determinado dano ocorre na esfera, conforme vimos a respeito da responsabilidade civil, mas nessa esfera não há qualquer motivo para imputar o dano a outra esfera civil. Quando ocorre uma situação destas, temos apenas um problema de impossibilidade e risco não imputáveis ao devedor. Nunca temos um problema de responsabilidade do devedor já que, se não é por culpa sua que ocorreu o não cumprimento da obrigação, não há maneira de o responsabilizar. A questão quanto ao não cumprimento baseia-se apenas num problema de distribuição do risco ou da impossibilidade da própria prestação.
2) Se o não cumprimento da obrigação é imputável ao devedor, já podemos fazer um juízo de censura ao devedor em virtude dessa ocorrência. A consequência de se fazer um juízo de censura em termos de culpa, se ele estava obrigado a cumprir e por sua culpa não se efectuou o cumprimento, baseia-se no estabelecimento de uma responsabilidade, ou seja, a responsabilidade contratual ou obrigacional.

Os factos que dão origem ao não cumprimento imputável ao devedor, de acordo com a nossa lei, são as formas em que o devedor tem de violar o vinculo obrigacional. A primeira hipótese que nos surge é o problema do incumprimento ou chamado não cumprimento ou incumprimento stricto sensu em contraposição do não cumprimento. O incumprimento significa a não realização da prestação por facto imputável ao devedor. Esta situação, implica que o devedor responde pelo incumprimento da obrigação e gera a responsabilidade contratual. Significa que ocorreu a violação do vinculo obrigacional por facto imputável ao devedor. Esta situação implica um requisito - é necessário que a prestação ainda seja possível para se poder falar de não cumprimento, pois se a prestação já for impossível, chamamos a esta forma de vinculo obrigacional impossibilidade culposa do cumprimento. Embora estruturalmente se distinga do não cumprimento, em termos funcionais é de certa forma equivalente já que tanto é responsável o devedor que podendo realizar a prestação não o faz por culpa sua, como o devedor que não pode realizar a prestação por culpa sua. Ex. o devedor que está obrigado a entregar uma jarra Ming não a entrega - Incumprimento;
Ou
O devedor estava obrigado a entregar a jarra e culposamente a destroi, impedindo portanto a entrega mas, por culpa sua - Impossibilidade culposa.
Estas são ambas as situações que implicam violação do vinculo obrigacional.

Uma outra situação que também nos aparece como violação do vinculo obrigacional é o cumprimento defeituoso. Neste caso, ocorre a realização da prestação mas, é feita em termos tais, que não permite a satisfação do interesse do credor. Neste caso, a situação também é configurada como um ilícito obrigacional. Na doutrina alemã tem a denominação de violação positiva do contrato, uma vez que o contrato é violado por uma actuação positiva, ou seja, a realização da prestação em termos que não satisfazem o interesse do credor.

Uma outra forma de não cumprimento imputável ao devedor, entendido em sentido naturalistico, é o regime da mora, ou seja o cumprimento retardado. A mora significa que a prestação ainda é possível realizar mas não foi realizada no tempo devido, ou seja, há apenas um atraso na própria prestação. Aqui temos duas hipóteses - ou o devedor extingue a mora, podendo realizar a prestação e pagar a indemnização moratória, ou a mora acabará por se converter em incumprimento definitivo, portanto uma impossibilidade culposa de cumprimento em virtude das situações que ocorrem neste âmbito.

Conforme se verifica, estes caso de violação do vinculo obrigacional estão de acordo com a estrutura do código. Nos últimos casos, ocorre responsabilidade obrigacional e são situações que geram não cumprimento por facto imputável ao devedor. Nos outros dois casos, já não ocorre qualquer violação do vinculo obrigacional e, em consequência, o devedor já não responde nestas primeiras situações, uma vez que a não realização da prestação ocorreu em virtude dum caso fortuito, do qual ele não é responsável . A regra é: quem tem o direito sofre o risco. O credor, como titular do direito de crédito, sofrerá o risco de qualquer facto que afecte que esse direito, desde que não seja responsabilidade do devedor.

Esta solução aparece-nos constante no artº 790º, onde se prevê a impossibilidade da prestação. Faz-se referência aos casos não imputáveis ao devedor, daí a sua epígrafe "Impossibilidade de cumprimento e mora não imputáveis ao devedor" - estamos aqui perante casos fortuitos. Neste caso, a situação que se coloca quanto à impossibilidade, baseia-se em - ocorrendo a impossibilidade da prestação derivada de um caso fortuito, o credor é que sofre o prejuízo. É o problema da distribuição do risco da prestação, onde quem sofre o risco é quem é titular do direito, daí a regra do 790 - "a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor". Se a prestação se tornou impossível e o devedor já não a pode realizar, nessa altura a sua obrigação extingue-se, de acordo com a regra (latim - para variar não percebi patavina - é o que dá estes aprendizes de advogados nunca terem tido aulinhas de latim que faziam muito jeitinho nestas ocasiões em que o professor gosta de brilhar) traduzindo: a regra é "ninguém é sujeito a realizar coisas impossíveis" e daí a extinção da obrigação em consequência da impossibilidade. Ex: se alguém se compromete a pintar uma casa e esta é toda destruída por um tremor de terra, naturalmente que será impossível realizar a prestação, logo a obrigação do devedor extingue-se. Há uma prestação, tornou-se impossível a realização, o credor sofre o prejuízo daí derivado e a obrigação extingue-se.

Resumindo esquematicamente:

Não cumprimento

Não imputável ao devedor
Consequência: artº 790
Impossibilidade
Risco

ü Não cumprimento stricto senso
ü Impossibilidade culposa
ü Cumprimento defeituoso
ü Mora Imputável ao devedor
Consequência :
Responsabilidade Obrigacional
Ou Contratual





Para que a impossibilidade provoque a extinção da obrigação, terá que ter alguns requisitos especiais :

Requisitos de extinção de obrigação
ðImpossibilidade Superveniente
ðImpossibilidade Absoluta
ðImpossibilidade Definitiva



ð Impossibilidade superveniente
Quando falamos em impossibilidade superveniente, surge-nos um problema que é o não ser possível estipular negócios, relativos à impossibilidade de prestações originariamente impossíveis. A regra para estas prestações originariamente impossíveis é o artº 401 que nos vem dizer que " a impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico". Trata-se duma nulidade do negócio jurídico e não será causa de extinção de obrigação porque o negócio nem se chega a constituir, de acordo com a regra do regime da nulidade. Há, no entanto, um caso de validade do negócio previsto no 401/2 "... se a obrigação for assumida para o caso da prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo." Aqui, o momento que se conta para a averiguação da validade, é a verificação da condição ou do vencimento do termo. O legislador prevê no artº 790/2 que "Quando o negócio do qual a obrigação procede houver sido feito sob condição ou a termo, e a prestação for possível na data da conclusão do negócio, mas se tornar impossível antes da verificação da condição ou do vencimento do termo, é a impossibilidade considerada superveniente e não afecta a validade do negócio." Tratando de um caso deste género, sendo a prestação possível na data da conclusão do negócio, a impossibilidade que ocorre no momento da verificação da condição ou do vencimento do termo é considerada superveniente - daí que o negócio se considere válido. É esta a nuançe a estabelecer no âmbito da distinção entre a impossibilidade originária e a superveniente. A impossibilidade só extingue a obrigação sendo superveniente pois se for originária o negócio será nulo.


ð Impossibilidade absoluta
Não basta uma mera Dificultas prestandi (já sabem qual é a minha opinião sobre este tipo de linguagem...) ou seja, não basta a existência de uma dificuldade em prestar. A impossibilidade tem que ser efectiva, ou seja, terá que ocorrer em termos absolutos, não apenas numa maior dificuldade em prestar. Por outro lado, a impossibilidade para extinguir a obrigação em termos normais, tem que ser verificada em relação a todos os sujeitos da ordem jurídica - impossibilidade objectiva nos termos do artº 790 - não basta que a impossibilidade seja relativa apenas ao devedor mas, para extinguir a obrigação, tem que ser relativa a todos os sujeitos. Ex.: em relação às obrigações pecuniárias, não é possível extinguirem-se por impossibilidade porque enquanto existir dinheiro em circulação é sempre possível cumprir obrigações pecuniárias. O devedor pode não ter dinheiro mas a impossibilidade económica não é considerada impossibilidade para efeitos de extinção de obrigação. Poderá, em certos casos aplicando-se o respectivo o regime, desencadear a aplicação da alteração das circunstâncias. Não permite extinguir a obrigação, uma vez que para a extinção da obrigação implica que a impossibilidade seja absoluta - ou seja em relação a todos os sujeitos relativa ao objecto e não apenas à pessoa do devedor.
Há um caso excepcional previsto no 791 em que "A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro." Caso das prestações infrangíveis previstas no artº 767/2. São as hipóteses em que a prestação não pode ser realizada por terceiro. Nestes casos, a regra que existe é que a impossibilidade subjectiva do devedor, extingue a obrigação porque, se o devedor não puder realizar a prestação, não podendo mais ninguém realizá-la, extingue-se a obrigação. Portanto, a impossibilidade subjectiva provoca igualmente a extinção da obrigação. Ex.: Pintor famoso que é encarregado de pintar uns quadros e fica sem mãos. Naturalmente que não pode fazer-se substituir e o facto de ter perdido aos mãos torna-o incapaz de realizar a prestação. Ocorre então a extinção da obrigação, sendo o risco assumido pelo credor, em virtude da impossibilidade de substituição do devedor.


ð Impossibilidade definitiva
Não basta uma mera impossibilidade temporária. Prevê expressamente o artº 792/ que "Se a impossibilidade for temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento." Ou seja, a impossibilidade temporária não implica a extinção da obrigação, mas apenas irresponsabilidade do devedor. O devedor realiza a prestação com atraso mas não é considerada em mora, pois foi devido a facto que não lhe é imputável. Ex: Alguém se compromete a entregar uma mercadoria para um certo dia e acontece que há um bloqueio, ficando retido e impossibilitado de fazer a respectiva entrega no dia previsto. Como não é responsabilidade sua, não vai responder por essa mora, não acarretando a extinção da obrigação. A lei diz-nos no artº 792/2 que a impossibilidade só é temporária se "...atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor." Quando o credor em função do atraso perde o interesse naquela prestação já não chamamos a esta situação uma impossibilidade temporária mas sim definitiva. Ex: No exemplo acima, se fosse uma empresa de catering que tivesse que fornecer refeições para uma festa às 21h, se chegasse à 1 da manhã quando toda a gente já tivesse saído, naturalmente que aí já não existe um interesse do credor e portanto seria uma impossibilidade definitiva.


ðImpossibilidade parcial
Esta situação só existe em relação às prestações divisíveis, ou seja, aquelas que podem ser fraccionadas sem prejuízo do interesse do credor. Se alguém está obrigado a entregar uma jarra Ming e esta estivesse partida em dois, não é uma impossibilidade parcial mas sim total, como é obvio, porque a prestação não pode ser fraccionada provocando o prejuízo do interesse do credor. O caso já é diferente quando alguém se compromete a entregar frutos de uma colheita e os frutos se perderam em parte. Aí podemos considerar uma impossibilidade parcial pois a prestação pode ser fraccionada, dividida, sem prejuízo para o interesse do credor.
A lei diz no artº 793/1 que a impossibilidade parcial, ao contrário da impossibilidade total, não acarreta a extinção da obrigação mas apenas a redução desta. Ou seja, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, "... devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada." No entanto, diz-nos o 793/2 "...o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio."
Temos que considerar outro problema que se baseia no principio do enriquecimento sem causa e que é o "Commodum de Representação". Esta situação é muito discutida pela nossa jurisprudência. Ex: imaginemos que uma pessoa se comprometeu a entregar a um credor determinada colheita que tinha. Acontece que, por qualquer motivo - trovoada ou outro fenómeno - a colheita não se vem a verificar e perdem-se todos os frutos. Neste caso, temos a impossibilidade da própria prestação por causa não imputável ao devedor. Imaginemos que o devedor já tendo feito este negócio, tinha também a colheita no seguro, acabando por receber o seguro das colheitas. Nesta situação, o devedor acaba por obter um duplo benefício porque ao mesmo tempo que vê extinta a sua obrigação para com o credor dela se exonerando, recebe também por contrapartida um benefício especial, em virtude daquela obrigação que já tinha assumido com outra pessoa. Para evitar uma situação que representaria uma hipótese de enriquecimento injustificado o legislador previu o commodum de representação. (O Prof. Menezes Leitão acha que esta expressão não foi muito feliz, pois ou se traduzia tudo por "Benefício de representação" ou se deixava ficar tudo em latim ( ahh, como eu gostava de saber latim como o Menezes o sabe tão bem ) "commodum representationes" ). Portanto, o que nos diz o 794 é que quanto o facto que torna impossível a prestação simultaneamente permite ao devedor adquirir um direito "...sobre certa coisa, ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação, pode o credor exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro." Isto é uma forma de evitar o enriquecimento do devedor e atribuir ao credor a justa compensação uma vez que é ele quem sofre os risco da impossibilidade da prestação.

Distribuição do risco nos contratos bilaterais
Temos agora que verificar como se efectua a distribuição do risco nos contrato bilaterais. Aqui a prestação, quando se impossibilita, ocorre o risco de perecimento do crédito e portanto o credor sofre o seu prejuízo. Se estivermos perante um contrato bilateral existe um problema, pois, ao mesmo tempo que existe uma obrigação, existe simultaneamente uma contraprestação, que aparece colocada em nexo de correspectividade. Nesta altura, estas duas prestações nascem ligadas por um sinalagma, ou seja, - faço isto para que tu faças isto - o que significa que as prestações têm a sua causa uma na outro, ou seja, nascem entrelaçadas. Por esse motivo, através do sinalagma funcional, devem permanecer ligadas durante toda a vida do contrato. Uma das consequências do sinalagma funcional é que não seria permitida a extinção isolada de uma das obrigações. Assim sendo, a aplicação pura e simples do artº 790 teria este efeito - o devedor exonerava-se da sua prestação mas o credor tinha assumido a contraprestação como contrapartida desta obrigação, acabando por haver uma destruição do sinalagma, o que o principio do sinalagma funcional não permite. Tratando-se de um contrato oneroso, - hipótese de alguém que se obriga a pintar a casa, sendo esta destruída pelo terramoto - extinguindo-se a obrigação, se o credor se obrigou a pagar as pinturas, naturalmente que há uma consequência - esta obrigação, sendo contrapartida de outra que se extinguiu, também se vai extinguir - consequência do sinalagma funcional - artº 795/1.
A remissão que este artº nos faz para o enriquecimento sem causa, justifica-se porque ocorre um caso de caducidade do próprio contrato, em virtude deste facto que impossibilita uma das suas prestações. Em consequência, se já tiver sido realizada uma prestação, significa que a prestação que tinha a sua causa originariamente naquele contrato a perdeu a posteriori - ou seja, condição baseada no desaparecimento da causa a que faz referência o artº 473/1.
Há uma nuançe a estabelecer quando é o credor a impossibilitar a prestação do devedor. Imaginemos que o devedor não pode pintar a casa porque foi o credor que lhe pegou fogo, quer tenha sido voluntária ou negligentemente. Temos aqui um caso em que a impossibilidade de realizar a prestação ocorre por facto imputável ao credor. Aí seria um venire contra factum proprium permitir que o credor beneficiasse dessa situação. Situação prevista no artº 795/2.

Contratos bilaterais reais
O exemplo dado foi intencionalmente um contrato de prestação de serviços. Normalmente quando se fala em contratos bilaterais há tendência para pensar logo em compra e venda. A razão pela qual não referi esse exemplo, deve-se ao facto de a compra e venda, para além de ser um contrato bilateral, ser também um contrato real. Os contratos reais colocam problemas diferentes em termos de risco, além do simples risco da prestação e da contraprestação. Isto porque, se transmitem um direito real, o risco da perda da coisa que é um direito real vem suplantar a distribuição do risco em termos de prestações. Aqui, se a coisa perece, o regime estabelecido, desde o direito romano é res perit domino, ou seja, o perecimento da coisa deve prejudicar o seu proprietário. Assim sendo, não podemos equacionar os contratos reais apenas em termos da impossibilidade da prestação. Temos que ver quem é o proprietário da coisa e fazer recair o risco sobre ele. O regime dos contratos reais consta do artº 796º , estabelecendo uma regra diferente quanto à transmissão do risco contratual do que a que resulta do artº 795.
O artº 796º diz-nos que "Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.". Aqui, o adquirente logo que adquire a propriedade suporta o risco do perecimento da coisa. A partir do momento em que o proprietário adquire a coisa, passa a suportar o risco, ou seja, a propriedade vem associada ao risco. Esta distribuição do risco, implica que não se aplique o regime de impossibilidade de uma prestação que origina extinção da outra mas, pelo contrário, quem tem a propriedade da coisa suporta o risco do seu perecimento. Consequência - se for o vendedor que ainda for o proprietário e a coisa perece, o comprador deixa de ter que pagar o preço e portanto funciona o 795, pois a propriedade ainda não se transmitiu. Se, no entanto, a propriedade já se transmitiu para o comprador, deve ser ele a suportar o prejuízo, significando isso que continua a ter que pagar o preço.

ðRegra para aplicação do artº796º Questão como é que se sabe se a propriedade já se transmitiu ou não e quando é que se aplica o 796?
O regime da transmissão da propriedade consta do artº 408 que nos indica expressamente quando é que a propriedade se transmite - regra geral do 408 - "A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei." . A celebração do contrato torna o comprador proprietário da coisa. A partir do momento em que o contrato é celebrado, regra geral, é o comprador suporta o risco.
O nº 2 diz-nos, no entanto, que quando "...a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes...". Portanto, quando disser respeito a coisas futuras ou indeterminadas, o direito não se transmite por mero efeito do contrato, pois, para alguém ser titulado de um direito real, é necessário que esse direito incida sobre coisas corpóreas e determinadas. Será necessária a sua determinação para a propriedade se poder transmitir para o comprador. Da mesma forma, a lei refere o caso das obrigações genéricas. Neste caso, o comprador na venda genérica adquire o direito a tantas unidades do género, não sendo isto um direito real, pois este só incide sobre coisas corpóreas e determinadas. Para ocorrer a transmissão do direito real tem que se operar a concentração da obrigação genérica, o que acontece nos termos do artº 540 com as excepções do artº 541.
Quanto às obrigações genéricas, até ao momento da concentração, normalmente é o vendedor que suporta o risco.
Uma outra hipótese que nos aparece, são os frutos naturais ou partes componentes ou integrantes. Isto deriva de não subsistir um direito real sobre coisas ligadas a outras. Neste caso, a lei exige a separação, por forma a ser possível a transmissão da propriedade, que só se dará no momento da colheita ou separação. Ex: Se se vender os frutos de um pomar e o pomar arder antes da colheita, o risco decorre por conta do vendedor, podendo o comprador recusar-se a pagar o preço por não ser o proprietário da coisa, na altura do perecimento. No caso de já ter havido a colheita, ainda que não tenha havido entrega dos frutos, a propriedade já se transferiu, daí que, se houver perecimento após a colheita, passa a ser o comprador a suportar o risco.
O artº 796/2 diz-nos que "Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência do termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa, sem prejuízo do disposto no artº 807.". Trata-se de casos em que o vendedor ainda está a conservar a coisa, apesar de já a ter vendido, em virtude de um prazo instituído a seu favor, ou seja, em seu benefício. Existem duas hipóteses - Ex: o comprador adquire um automóvel, dizendo ao vendedor que ainda não o pode levar, por qualquer motivo, e que irá buscá-lo no prazo de um mês. Nesta situação, o termo foi constituído em favor do comprador, não tendo o vendedor nenhum benefício com ele, logo o risco transferiu-se com a celebração do contrato. Se o carro perecer o comprador suporta o prejuízo.
Pode acontecer outro tipo de situação - Ex: trata-se da venda de um carro antigo e o vendedor ainda quer utilizá-lo durante um mês para uma exposição. Neste caso, há a transferência de propriedade mas é estabelecido um prazo para o vendedor usufruir da coisa. Logo, seria incorrecto que não suportasse o risco do seu perecimento, pois este termo está constituído a favor do vendedor, pois é ele que está a tirar proveito desse uso. Se o vendedor entrar em mora, esta produz a inversão do risco.

No nº 3 a lei vem-nos dizer que "Quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva, o risco do perecimento durante a pendência da condição corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre por conta do alienante durante a pendência da condição." Na doutrina, há quem tenha aplicado este artº à reserva de propriedade, dizendo que, se a reserva de propriedade fosse uma condição suspensiva, não fazia sentido o risco correr por conta do alienante, e chegou-se a propor a aplicação do regime da condição resolutiva. No entanto, segundo o Prof. M. Leitão esta aplicação incorrecta pois crê que a reserva de propriedade não é uma condição mas consiste numa expectativa real de aquisição e portanto não está previsto o regime de distribuição do risco nestes casos. Segundo o Prof. M. Leitão, a situação mais plausível será a o comprador suportar o risco na venda com reserva de propriedade, uma vez que é ele que tira proveito do bem.

ð Promessa de envio
Outro problema que se coloca é a hipótese prevista no artº 797 quanto à promessa de envio. Esta norma explica o risco quanto a um caso especial, dizendo que "Quando se trate de coisa que, por força de convenção, o alienante deva enviar para local diferente do lugar do cumprimento, a transferência do risco opera-se com a entrega ao transportador ou expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do envio." Aqui, existe a transferência do risco com o envio. Este artº só se pode aplicar desde que o local do cumprimento não coincida com o local do envio, pois se existir coincidência entre os dois lugares o artº 797 não é aplicado. Ex: alguém compra de 20 garrafas de vinho em Lisboa e o vendedor, para o efeito contrata um transportador, para entrega em Lisboa. O local do cumprimento é em Lisboa e o de entrega também. Sendo os locais coincidentes este artº não é aplicável. Se o local do contrato for no Porto e se convenciona que o envio é para Lisboa. Neste caso quando o devedor colocou as garrafas de vinho do Porto fez o que se tinha comprometido. O que se vem a passar no envio já não é da sua responsabilidade, portanto aqui não há coincidência e aplica-se o 797. Logo que colocou as garrafas a enviar transferiu-se o risco e se houver um acidente com o comboio, e as garrafas se perderem, o risco corre por conta do credor. Existem cláusulas próprias nos contratos em que o risco do transporte não está coberto e outras em que está coberto por seguro.
Quanto ao artº 797 temos outro problemas em relação à compra e venda de coisa determinada. A telefonou a B e disse que compra o carro dele e o outro compromete-se a colocar o carro para transporte para Lisboa. Antes do transporte há um acidente e o carro fica destruído.
Coloca-se a seguinte questão: quando é que se transfere o risco? Como conjugamos o 797 com o 796?
Este 797 será restrito às obrigações genéricas, pois o próprio 541 remete para o 797. A única forma de conjugação será fazendo uma interpretação restritiva deste artº 797.



6/5/99


O Regime do Incumprimento e a Responsabilidade Civil a ele associada, o que é o incumprimento? A relação obrigacional é uma relação jurídica nos termos da qual o devedor tem de realizar uma actividade a favor do credor, no local, momento e modo como a prestação deve ser cumprida — cumprimento.
A noção de incumprimento retira-se da de cumprimento, todavia, com as devidas ressalvas. O incumprimento representa:
· A não realização pelo devedor da prestação devida, no momento do seu vencimento;
· A sua não realização por terceiro, que, sendo obrigado, é permitido por lei substituir o devedor;
· A não realização da prestação nos termos anteriores, sem que se hajam verificado outras causas extintivas da obrigação. O cumprimento, tal como a consignação em depósito, por exemplo, são formas de extinção da obrigação. No caso de incumprimento nenhuma das formas de incumprimento se verifica.
Assim, quando se fala em incumprimento, o devedor, no momento em que a prestação devia ser cumprida, não a realizou, nem terceiro a realizou, nem se verificou qualquer outra causa extintiva. O incumprimento significa a não realização da prestação devida ao credor.
Quando falamos da relação obrigacional, não encontramos só o dever da obrigação principal; o facto de o devedor estar adstrito a realizar a prestação devida ao credor — isto é a relação obrigacional simples, porque, na prática, as relações obrigacionais são complexas. Ao devedor de cumprimento da obrigação principal, sua prestação, acrescem outros deveres. Assim, pode falar-se em:
— Prestação principal;
— Prestações secundárias;
— Deveres acessórios.

Prestações secundárias
São obrigações que surgem do contexto da obrigação jurídica principal, sendo estipuladas pelas partes, ou pela lei, em relação à obrigação principal. Por exemplo, o dever de fiscalização de uma obra, garantindo-a para além da sua realização.
Deveres acessórios
Vejamos o seguinte exemplo, ao comprar-mos um televisor, o dono da loja de electrodomésticos entrega-nos o televisor em mão, tirando-o directamente da montra, sem mais, não nos dá a caixa, nem instruções de utilização. Ora, normalmente, quando se celebra um contrato de compra e venda, não se estipulam tais clausulas, no entanto, a doutrina, a partir da boa-fé (art 762ºnº2), tem identificado estas questões como deveres acessórios de boa conduta.

Pelo que foi dito, a noção de incumprimento abrange também, para além da prestação principal, as prestações secundárias e os deveres acessórios. Por exemplo, a prestação principal é a realização de determinada obra, a prestação secundária é a fiscalização dessa obra. Caso o devedor não cumpra, não permita que a obra seja fiscalizada por quem a encomendou, não está a cumprir, porque a noção de incumprimento diz respeito a todas as prestações e deveres que se encontram inseridos na relação obrigacional. Esta questão é fundamental porque a violação de qualquer um dos deveres, na medida em que gera incumprimento, determina o dever de indemnizar e, ainda, que o credor possa resolver o contrato (direito à resolução do contrato).
Assim, tem-se como consequências jurídicas do incumprimento (todas as prestações a que o devedor se encontra obrigado).
— direito à indemnização (devedor-credor)
— direito à resolução do contrato (credor-devedor)


Modalidades de incumprimento
O código civil refere-se a esta matéria nos arts 798ºss. A lei portuguesa no que diz respeito à delimitação do incumprimento, é confusa. Fala em falta de cumprimento, que será genericamente a noção de incumprimento já avançada (o devedor no momento em que a prestação deveria ser realizada, não a cumpriu, nem terceiro o fez, não se verificando qualquer outra causa extintiva que permitisse afastar a noção de incumprimento ou que impossibilitasse o cumprimento). Mas, no art 799ºnº1, contrapõe à falta de cumprimento o cumprimento defeituoso. Já nos arts 801º e 802º refere-se à impossibilidade da prestação por facto imputável ao devedor.
Teríamos três espécies de incumprimento:
— falta de cumprimento,
— cumprimento defeituoso,
— impossibilidade de prestação por facto imputável ao devedor (arts 801º e 802º)
nota: o prof Menezes Cordeiro afirma que é necessário distinguir o incumprimento (sentido técnico) de impossibilidade de prestação por facto imputável ao devedor. No primeiro verifica-se a ausência de realização da prestação devida. No caso de impossibilidade não se trataria de um acto de incumprimento, porque se é impossível não é devida, isto é, se o devedor física e legalmente não pode realizar a prestação devida, não houve incumprimento.
Embora diferentes, embora se trate de figuras distintas, a lei assemelha o tratamento do cumprimento defeituoso à falta de cumprimento. Contudo, embora assemelhe o seu tratamento, também as distingue. Em ambas as situações o devedor não cumpre a prestação a que está adstrito. A diferença entre falta de cumprimento defeituoso reside no facto de no caso do cumprimento defeituoso o devedor, aparentemente, oferece a prestação devida mas, em face dos precitos legais aplicáveis, constata-se que a prestação não está de acordo com o fim devido. Imaginemos que um agricultor deve entregar a um supermercado batatas, e fá-lo só que estas estão podres; ou um empreiteiro utiliza numa obra telhas de má qualidade e que fica a chover dentro de casa. Em qualquer dos casos o devedor aparentemente cumpre, mas não de acordo com o interesse do credor, porque a prestação não reveste as qualidades exigidas, face à lei e ao contrato.
Como no caso do cumprimento defeituoso não se assegura a satisfação do interesse do credor, a lei equipara-o à falta de cumprimento, porque não é apto a prosseguir a satisfação do credor — o devedor realiza um cumprimento que é aparentemente devido mas não permite a satisfação desejada. Como tal, juridicamente para efeitos de tratamento legal, o cumprimento defeituoso representa um incumprimento. A falta de cumprimento e ao cumprimento defeituoso a lei assemelha ainda a impossibilidade de prestação por facto imputável ao devedor. Todas as situações perante as quais, chegado o momento do vencimento da prestação, este não é possível, por exemplo, o devedor que deixa de entregar um carro a 31 de Março, porque a 25 de Março teve um acidente com o mesmo. Do ponto de vista técnico não há incumprimento, porque se extingue a possibilidade de cumprir, mas a lei assemelha esta situação ao incumprimento porque é o próprio devedor que gera a situação de incumprimento.

Classificações
Incumprimento total. Quando o devedor, pura e simplesmente, não realiza a prestação devida. Por exemplo, A deve pagar 500 contos de renda até ao dia 8 de cada mês, chegado ao dia não cumpre, não entrega dinheiro algum.
Incumprimento parcial. Distingue-se do cumprimento defeituoso, em que aparentemente se verifica o cumprimento total da obrigação, simplesmente porque a prestação não é idónea porque é viciada, para satisfação do interesse do credor a lei considera que deve ser assemelhada à hipótese do incumprimento total. Exemplo A só entrega 250 contos da renda que era de 500 contos.

Incumprimento definitivo e temporário. O acto de cumprimento tem um tempo e um local, também a prestação devida tem de ser realizada de um dado modo. Se não respeitar o que está estipulado (tempo, local e modo) há incumprimento. Chegado o momento da realização da prestação, se esta não se verificar mas ainda for possível, podem surgir duas situações:
— pode ser que o credor perca o interesse – incumprimento definitivo, art 808ºnº2, a perca de interesse é apreciada objectivamente, não fica ao critério do credor. Por exemplo, um bolo de noiva que é entregue no dia seguinte ao casamento.
— mas na maioria dos casos, a não realização atempada da prestação não conduz a uma perca de interesse do credor, apesar da mora o credor continua interessado na prestação — incumprimento temporário.
A lei associa o incumprimento definitivo ao regime jurídico do incumprimento temporário. Quanto aos efeitos, no caso do incumprimento definitivo serão os incumprimento; no caso do incumprimento temporário serão os da mora.

Consequências do incumprimento
A primeira e mais importante consequência é a responsabilidade civil obrigacional contratual, deriva da violação de uma obrigação. Trata-se de uma referência, em termos terminológicos, redutora, porque nem todas as obrigações emergem de um contrato, embora possam gerar responsabilidade.
O princípio geral, em matéria de responsabilidade civil obrigacional, é o constante do art 798º, confrontando este artigo com o art 483º, verificamos que o princípio jurídico é o mesmo — quem causa o dano é obrigado a repará-lo. Apesar do princípio ser o mesmo, verificamos que a técnica jurídica é distinta. A responsabilidade civil obrigacional resulta de um acto de incumprimento de uma obrigação (violação de direitos específicos, questões jurídicas particularizadas), contrariamente à responsabilidade extracontratual que resulta da violação de direitos estruturalmente genéricos.
No art 483º, a lei elenca os pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, dano, nexo causal), no art 798º enumera o incumprimento, a culpa, o prejuízo ou dano. A expressão culpa do art 798º e 799º não tem o mesmo significado que no art 483º. Nos arts 798º e 799 este conceito equivale à tradicional noção de “faute” francesa. Trata-se de uma noção que abrange simultaneamente a ilicitude e a culpa, abrange igualmente a noção aquiliana. Na responsabilidade contratual à uma violação de um dever específico.
No caso da responsabilidade civil obrigacional tem de haver um incumprimento, só determinando a responsabilidade civil se for ilícito, gerando danos e havendo um nexo causal, em termos similares ao da responsabilidade aquiliana (em que há um acto de violação de um dever absoluto). A noção de culpa do art 798º destina-se a abarcar não o sentido restrito do art 483º (dolo e negligência) mas sim o de ilicitude e culpa. Assim, os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional são os mesmos, mas o acto ilícito é aqui o incumprimento de um acordo.
O art 799ºnº1 estabelece a presunção de culpa (amplamente, uma presunção de que o incumprimento é ilícito e culposo). Este artigo constitui a primeira grande diferença entre o regime da responsabilidade civil extracontratual e o regime da responsabilidade civil contratual. No primeiro, quando há uma violação, é o lesado que tem a prova, os pressupostos da responsabilidade civil. Na responsabilidade contratual, ao credor basta demonstrar o incumprimento, todo o esforço probatório de que não houve ilicitude cabe ao devedor, existe uma presunção de culpa. Na responsabilidade civil obrigacional o dano é aferido nos termos da responsabilidade aquiliana;
— danos patrimoniais e não patrimoniais
— danos emergentes e lucros cessantes
todos eles devem ser indemnizados.
A segunda grande diferença entre a responsabilidade civil extracontratual e obrigacional é que na primeira, a lei permite que o tribunal fixe a indemnização em termos equitativos, art 494º. Na responsabilidade civil obrigacional não existe um preceito que determine tal situação, pelo que o devedor, com dolo, tem de reparar os danos emergentes.
A lei portuguesa assemelha a impossibilidade de cumprimento de prestação por facto imputável ao devedor à falta de cumprimento e ao cumprimento defeituoso. A impossibilidade de cumprimento por facto imputável ao devedor, para além do dever de indemnizar, gera outro efeito, o art 801º nº1 e nº2, e igualmente o art 798º, como consequência jurídica têm a mesma estatuição — o dever de indemnizar. O art 801º nº2, consagra ainda outro efeito jurídico, o segundo que advém da impossibilidade de cumprimento por facto imputável ao devedor, a lei diz que quando o devedor impossibilita culposamente a prestação pode extinguir o contrato com força retroactiva — resolução do contrato. O credor, em virtude de uma condição do devedor que impossibilitou o cumprimento, tem direito à indemnização e a rever a prestação por inteiro, danos negativos/interesse contratual negativo. Pode falar-se em indemnização:
— Danos positivos. Visa colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido.
— Danos negativos. Visa colocar o credor na situação em que se encontraria se não tivesse contratado com o devedor.
Logo, o que está no art 801ºnº2, são os danos negativos. No art 802º, existe um afloramento do regime das consequências jurídicas do incumprimento total e do incumprimento parcial. A impossibilidade parcial de cumprimento da prestação por facto imputável ao devedor, aquela em que o devedor só cumpre uma parte da prestação, importa para o credor dois direitos:
— exigir o restante em falta;
— se já não tem interesse – resolver o contrato.
Pelo art 798º o credor tem ainda o direito de ser ressarcido nos termos gerais.

11/5/99

13/5/99

18/5/99

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