14 VALORES
Caso prático n.º 63 alínea c)
Resolução da hipótese
Neste caso, estamos perante a apresentação de uma réplica na sequência da arguição, por parte do réu e na contestação, de uma excepção dilatória material (a excepção de não cumprimento do contrato- art. 428º CC). Com efeito, após ter sido formulado pelo autor na petição inicial um pedido em cumulação subsidiária própria de condenação do réu no cumprimento do contrato de prestação de serviços e no pagamento de uma indemnização de 10000 Euros e após ter o réu contestado e apresentado a excepção de não cumprimento do contrato, decidiu o autor replicar e proceder a uma modificação do pedido neste articulado.
Com efeito, a réplica, enquanto articulado eventual do processo, apenas é admissível no caso de o réu ter deduzido alguma excepção ou um pedido reconvencional, sendo ainda admissível, nas acções de simples apreciação negativa, para que ao autor seja permitido impugnar os factos constitutivos alegados pelo réu e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu, tal como se encontra previsto no art. 502º CPC.
A réplica, articulado no qual se baseia a hipótese agora em análise, apresenta particularidades que importa considerar, pelo que se torna necessário proceder à sua análise na forma ordinária e sumária (já que este articulado inexiste em processo sumaríssimo).
A Réplica no processo ordinário
A Réplica, enquanto articulado eventual do processo, assume em processo ordinário especial relevância, atendendo às funções que desempenha. Com efeito, podemos distinguir duas funções essenciais da réplica- uma função primária e uma função secundária.
Função primária: a réplica é admissível, tal como prevê o art. 502º CPC, sempre que o réu tenha deduzido, na contestação, alguma excepção ou apresentado um pedido reconvencional. Desta forma, a réplica permitirá ao autor responder às excepções deduzidas pelo réu, através da impugnação dos factos por este alegados ou deduzir contra- excepções face às excepções apresentadas pelo réu, pelo que o autor está sujeito, na réplica, ao ónus da impugnação (art. 490º e 505º), sob pena de estes factos se terem como provados por admissão, nos mesmos termos do art. 490º CPC. Todavia, não poderão admitir-se como provados os factos alegados pelo réu que, embora não tenham sido objecto de impugnação na réplica, estejam em oposição com o conjunto dos factos já alegados pelo autor na petição inicial.
Importa também ter em conta que, em caso de ter sido formulado pedido reconvencional se o autor não replicar ou não responder a este pedido, tal implicará a revelia do autor quanto a esse pedido (art. 484º n.º 1), que será inoperante nos casos do art. 485º mas se for operante determinará a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu pedido reconvencional. Para replicar o pedido reconvencioanl, poderá o autor defender-se tanto por impugnação como por excepção (art. 487º n.º 1).
Por outro lado, ao autor será permitido invocar os fundamentos jurídicos que pretende opor às excepções deduzidas pelo réu ou defender-se contra o pedido reconvencional, no caso deste pedido ter sido formulado pelo réu.
Deste modo, como evidencia o Professor Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto: “...a réplica desempenha o mesmo papel que a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial: é, por sua natureza, uma contestação da reconvenção”.
No caso de estarmos perante uma acção de simples apreciação negativa, a réplica permitirá, tal como prevê o art. 502º n.º 2, a impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu, bem como a dedução das excepções peremptórias, baseadas em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado ou em elementos impeditivos do facto jurídico cuja existência o réu afirmou.
Sublinhe-se que a réplica, não obstante constituir um articulado eventual do processo, justifica-se pela necessidade de assegurar dois importantes princípios- o Princípio da Igualdade das partes (art. 3º- A) e o Princípio do Contraditório (art. 3º).
Função secundária: a réplica desempenha ainda outra importante função- a de permitir ao autor modificar o pedido, a causa de pedir ou ambos, tal como se encontra previsto no art. 273º. Refira-se, todavia, que esta função é apenas admissível sempre que a réplica seja admissível nosso termos gerais, pelo que esta modificação não torna, por si só, admissível a réplica, não obstante o autor poder modificar o pedido, a causa de pedir ou ambos sem que responda à matéria da excepção ou do pedido reconvencional.
Assim sendo, pode o autor, nos termos previstos pelo art. 273º, proceder a uma alteração do objecto do processo neste articulado.
Não obstante, ao autor não é permitido responder à matéria da impugnação sem incidir no conjunto de factos materiais que integra a causa de pedir, tal como se depreende do art. 502º n.º1 CPC: “À contestação pode o autor responder(...)somente quanto à matéria desta”.
Prazo: para replicar o autor terá 15 dias a contar da data da notificação da contestação (art. 502º n.º 3) e, no caso de existirem vários réus a apresentar as contestações separadamente, o prazo para a réplica apenas se inicia com a última notificação (se a secretaria notificar as contestações separadamente).
Se tiver sido formulado pedido reconvencional, o prazo para a réplica será de 30 dias, tal como sucede sempre que estejamos no âmbito de uma acção de simples apreciação negativa (art. 502º n.º 3), sendo este prazo justificado pelo facto da réplica assumir, nestes casos, a função de contestação dos factos alegados pelo réu e do pedido reconvencional.
O prazo é ainda prorrogável nos termos do art. 504º.
Causas de rejeição da réplica: A réplica será rejeitada sempre que se verifique um dos vícios formais que justifica a recusa da petição inicial (art. 474º), ainda que o autor possa reclamar para o juiz (art. 475º n.º 1) e agravar do despacho que a confirme (art. 475º n.º 2). Se a recusa não for ultrapassada nestes termos, o autor poderá apresentar outra réplica no prazo de 10 dias (art. 476º).
E se o autor ultrapassar o âmbito do que lhe é permitido alegar na réplica?
Nesta eventualidade, a réplica não deixará de ser admitida e ficará, inclusive a constar do processo, mas apenas será tida em conta na parte em que esse âmbito não haja sido excedido.
A Réplica no processo Sumário
Ao invés do que sucede na forma ordinária, o processo sumário comporta a designada “resposta à contestação”, prevista pelo art. 785º CPC, sendo apenas admissível, como prevê o preceito, para responder apenas quanto à matéria da excepção.
Verifica-se, portanto, que também na forma sumária esta “resposta à contestação” constitui um articulado eventual, dispondo o autor de um prazo mais curto (10 dias).
Por outro lado, este articulado não comporta a função secundária, isto é, a possibilidade de modificação do pedido ou da causa de pedir.
Em caso de ter sido apresentado pedido reconvencional, prevê o art. 786º CPC a “resposta à reconvenção”, de modo que este articulado não se limita apenas a responder à matéria da excepção, antes se apresenta como uma verdadeira contestação do pedido reconvencioanl, daí que o prazo que o reconvindo dispõe para a sua defesa (20 dias) seja igual ao que a lei fixa para a contestação no processo sumário, uma decorrência do Princípio da Igualdade das partes, previsto no art. 3º CPC.
Já no âmbito da acção de simples apreciação negativa, também prevista no art. 786º, o prazo para a apresentação deste articulado será de 20 dias.
A inexistência de um terceiro articulado no processo sumário- ofensa ao Princípio do Contraditório? (art. 3º)
Uma vez que em processo sumário não está prevista nem réplica, nem a “resposta à contestação”, pode colocar-se a questão de como garantir que ao autor seja possível defender-se do conteúdo da contestação apresentada pelo réu. Neste caso, se o réu tiver deduzido alguma excepção ou apresentado pedido reconvencional, o autor terá direito a defender-se na audiência final (art. 796º CPC), afim de assegurar o Princípio do Contraditório.
Continuação da resolução da hipótese- Cumulação de pedidos
No que diz respeito à modificação do pedido empreendida na réplica (o autor pede o cumprimento do contrato e, no caso deste pedido ser procedente, a condenação no pagamento de uma indemnização pela mora, pelo que desiste do pedido de indemnização em 10000 Euros), refira-se que tal modificação é possível neste articulado, atendendo ao disposto no art. 273º n.º 2 CPC que permite, desta forma, no caso de falta de acordo das partes quanto à sua modificação, que o pedido seja alterado ou ampliado na réplica, conquanto que este articulado seja admissível nos termos gerais do art. 502º CPC.
Por outro lado, torna-se necessário atender a que se verificou uma alteração da própria modalidade de cumulação dos pedidos e não somente uma modificação das pretensões enunciadas pelo autor.
Efectivamente, o autor formulou a apresentação destes pedidos na modalidade de cumulação subsidiária imprópria, ao invés do que sucedera na petição inicial cujos pedidos foram apresentados em cumulação subsidiária própria.
Assim, o autor requer a procedência do objecto principal (o cumprimento do contrato) e, no caso deste pedido ser procedente, pretende ainda o pagamento da indemnização pela mora, de modo que a apreciação deste objecto subsidiário está dependente da procedência do objecto principal.
Sublinhe-se, contudo, que ambos os pedidos se encontram pendentes desde o início da instância, mesmo na hipótese de o objecto subsidiário nunca vir a ser apreciado, o que poderá ser relevante no âmbito da excepção de litispendência (arts 497º n.º 1 e 498º n.º 1) ou ao nível do prazo prescricional. Doutro modo, o termo da pendência do objecto subsidiário verificar-se-á com o trânsito em julgado da decisão sobre o objecto principal.
No que respeita à modalidade de cumulação subsidiária imprópria, torna-se necessário atender às suas particularidades e implicações a nível processual. De facto, esta modalidade de cumulação subsidiária não se encontra prevista na lei, ao contrário do que acontece com a cumulação subsidiária própria cujo regime se encontra previsto no art. 469º CPC , sendo possível encontrar esta cumulação implicitamente regulada no art. 306º n.º 2 2ª parte. A cumulação subsidiária imprópria destaca-se pela relação de prejudicialidade que se verifica entre os pedidos formulados, ou seja, a apreciação de um dos pedidos encontra-se dependente do julgamento do pedido principal.
Como tal, é possível afirmar que a cumulação subsidiária imprópria decorre da formulação simultânea de um objecto prejudicial e de um objecto dependente, já que a apreciação deste pressupõe necessariamente a procedência do objecto principal.
Como forma de exemplificar esta modalidade de cumulação refere o professor Teixeira de Sousa em As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa que estaremos perante uma subsidiariedade imprópria sempre que: “...o credor pede a condenação do devedor no cumprimento da prestação de facto infungível em dívida e requer, subsidiariamente, a sua condenação na sanção pecuniária compulsória imposta por cada dia de atraso naquele cumprimento (art. 829º- A, n.º 1 CC)”; daqui resultando a inerente relação de prejudicialidade enter os pedidos formulados: “este objecto subsidiário só pode ser apreciado se o objecto principal for procedente”.
Ora, no caso agora em análise, existe igualmente uma relação de prejudicialidade entre os pedidos formulados, ainda que não se verifique a existência de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que, a admitir a existência desta forma de cumular os pedidos na acção, teremos de configurar esta conjugação de pretensões como uma forma de subsidiariedade material e não processual, sendo relevante de destacar a inexistência de aceitação doutrinária por esta modalidade de cumulação, uma vez que encontramos isoladamente a opinião do Professor Teixeira de Sousa (aliás, admitindo esta modalidade de cumulação) acerca desta matéria.
Saliente-se, igualmente, que a nível jurisprudencial a questão tem merecido escassa reflexão, apenas sendo possível encontrar um acórdão do STJ do relator Francisco Lourenço de 27/06/2000 acerca deste assunto e cujo sumário aqui se transcreve: “em cumulação subsidiária imprópria, por dependência ou acessoriedade, a retirada do pedido anterior implica a improcedência, o desmoronar, dos que nele dependem”.
No que diz respeito aos requisitos da cumulação subsidiária em geral importa considerar:
A cumulação subsidiária não exige compatibilidade substantiva entre os objectos cumulados, isto é, não requer a concordância prática dos efeitos do objecto principal e do objecto subsidiário, pois que esses objectos podem ser contraditórios entre si (art. 469º n.º 2 1ª parte), embora nada obste a que o autor opte por deduzir pedidos compatíveis e até formulados de modo hierarquizado, afim de renunciar ao pedido deduzido em segundo lugar, na condição do primeiro pedido ser procedente;
Quanto à compatibilidade processual esta é exigida na cumulação subsidiária entre os objectos cumulados (art. 469º n.º 2 2ª parte), a qual se reporta à competência absoluta do tribunal e à compatibilidade entre as formas de processo adequadas para os objectos cumulados, o que resulta da remissão do art. 469º n.º 2 2ª parte para o art. 31º n.º 1 1ª parte;
Ainda que o art. 469º n.º 2 nada refira quanto a uma eventual necessidade de conexão objectiva entre o objecto principal e o subsidiário, esta deve considerar-se, na opinião do Professor Teixeira de Sousa verificada entre os pedidos, propondo assim a aplicação analógica do art. 31º n.º 4 CPC. Por isso, apenas irá obstar à cumulação subsidiária os impedimentos da coligação, nomeadamente, a incompetência internacional ou em razão da matéria, a existência de pedidos aos quais correspondem formas de processo especial diversas ou sempre que a um corresponde forma comum e ao outro forma especial, ainda que, nestes casos, o juiz possa autorizar a cumulação quando, apesar da inexistência de formas absolutamente compatíveis, a apreciação no mesmo processo seja indispensável ou conveniente para a justa composição do litígio, optando-se por uma das formas em conflito ou por outra resultante da adaptação de ambas (art. 31º nº 2 e 3);
Quanto à apreciação destes pressupostos torna-se necessário destacar que a sua análise é realizada separadamente para o objecto principal e para o subsidiário, ainda que a pendência deste último desde o início da instância resulte na apreciação dos pressupostos relativos deste objecto subsidiário nos momentos normais, ou seja, durante o despacho liminar e o despacho saneador, o que significa que existirá uma apreciação do objecto subsidiário ainda antes de conhecida a decisão acerca do objecto principal.
Ausência de pressupostos
Uma vez que a cumulação subsidiária é inadmissível se faltar a compatibilidade processual entre os pedidos (caso em que se estará perante a incompetência absoluta do tribunal ou a inadequação da forma de processo para os objectos cumulados), tal significa que ocorrerá o indeferimento da petição parcial da petição inicial em caso de incompetência absoluta, quanto ao objecto ou objectos- principais ou subsidiários- para os quais o tribunal não é absolutamente competente (art. 474º n.º 1 alínea b) e n.º 2) ou a absolvição do réu da instância quanto ao objecto ou objectos para os quais o tribunal não é absolutamente competente (art. 493º n.º 2 e art. 288º n.º 1 alínea a)).
No caso de existir inadequação da forma de processo a consequência será o indeferimento parcial da petição inicial quanto ao objecto ou objectos para os quais a forma processual indicada pelo autor (art. 467º n.º 1 alínea b)) é inadequada (art. 474º n.º 3 in fine) ou a absolvição do réu da instância (art. 493º n.º 2 e art. 288º n.º 1 alínea e)).
Efeitos da cumulação subsidiária
Quanto à pendência dos objectos cumulados- A excepção de litispendência
Ainda que, devido à decisão de procedência ou de improcedência do objecto principal, o objecto subsidiário não venha a ser apreciado, este estará pendente desde o início da instância, o que se torna relevante para o funcionamento da excepção de litispendência (art. 497º nº 1 e 498º nº 1), que se verifica sempre que durante a pendência da acção em que se alega o objecto subsidiário é instaurada uma acção com idêntico objecto e cujo termo se verificará com o trânsito em julgado da decisão sobre o objecto principal.
Quanto aos prazos de prescrição:
Relativamente ao prazo de prescrição a que se encontra sujeito o direito constante do objecto subsidiário, saliente-se a aplicação analógica defendida pelo Professor Teixeira de Sousa do art. 327º n.º 2 CC com a consequência de que a interrupção da prescrição ( que decorreu da citação do réu para a acção, art. 323º nº1 CC) irá manter-se e começa a correr um novo prazo prescricional a contar do acto interruptivo.
Quanto ao valor da causa:
Na cumulação subsidiária própria o valor da causa determina-se atendendo ao disposto no art. 306º n.º 3 2ª parte CPC, de forma que terá de atender-se apenas ao valor do pedido apresentado em primeiro lugar, ou seja, o valor do pedido principal.
Contudo, se estivermos perante uma cumulação subsidiária imprópria e atendendo ao que propõe o Professor Teixeira de Sousa, o valor da causa corresponderá à soma dos valores parcelares de cada um dos objectos cumulados, por aplicação analógica do art. 306º n.º 2 1ª parte, o que é justificado atendendo a que “... ao contrário do que sucede na cumulação própria, o tribunal pode considerar procedente o objecto principal e o objecto subsidiário”.
Andreia Cruz
Nº 16509
subturma 3
REGIMES DE BENS DO CASAMENTO - reflexões II
Há 15 anos
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