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Hipótese 64
P. propõe uma acção contra R. pedindo a sua condenação no pagamento dos danos que causou no seu veiculo, na sequencia de acidente de viação da culpa de R., no montante de 2.500 €. R., na contestação, afirma que P. lhe deve a quantia de 3.000 €, que não lhe devolveu na data concordada no contrato de mútuo, pretendendo assim operar a compensação entre esses créditos.
b) Imagine agora que o crédito de P. é de 5.500 € e que o crédito de R. é de 5.000 €. Quid iuris?
c) Suponha que ambos os créditos são de 15.000 €. Quid iuris?
Contestação:
Peça escrita através da qual o réu responde à petição inicial, tomando posição perante essa petição manifestando oposição ao pedido formulado pelo autor. Em determinados casos, o réu pode, na contestação, deduzir pedidos contra o autor, ou seja, a reconvenção.
A falta de oposição pode, por vezes, traduzir-se na omissão de qualquer conduta reactiva do réu, ou seja, a revelia (art. 484.º e 485.º CPC). Esta falta de oposição pode expressar-se na confissão do pedido ou na confissão dos factos alegados pelo autor (arts. 352.º a 361.º CC e arts. 552 a 567.º CPC).
Contestação – defesa por impugnação:
O réu limita-se a impugnar os factos articulados pelo autor [dizendo, por exemplo, não é verdade ou é inexacto ou que não aceita o que o autor afirma nos arts. X, Y e Z da petição inicial; que o preço da venda acordado foi outro0, ou que foi outro o lugar onde a mercadoria deveria ser entregue, etc.]. Neste caso estamos perante uma oposição frontal ou directa (art. 487.º/2, 1ª parte CPC).
Pode, todavia, o réu, não impugnado tais factos sustentar que desses factos não resulta o efeito jurídico pretendido pelo autor [por exemplo, o autor alega que cedeu o gozo ao réu de um imóvel a titulo de comodato, a que agora pôs termo pedindo a restituição do imóvel, alegando o réu que existiu, de facto, essa cedência de gozo, mas que ela foi feita na decorrência de um contrato de doação, que teria celebrado com o autor; etc.].
Neste último caso, a sua oposição é indirecta, pelo que temos a outra modalidade de contestação – defesa por impugnação: Impugnação indirecta. Aqui, o réu aceita o facto alegado pelo autor, ou alguns deles, mas impugna a qualificação jurídica fornecida pelo autor e os factos a ela ligados.
NOTA: Mesmo que o réu não impugne indirectamente, o tribunal conhece oficiosamente a matéria de direito de modo que pode (e deve) controlar se os efeitos jurídicos pretendidos podem ser actuados a partir dos factos alegados.
Contestação – defesa por excepção dilatória:
O réu aceita os factos narrados na petição. Todavia, alega factos capazes de obstar à apreciação do mérito da causa e que conduzem (ou podem conduzir, se os que forem sanáveis não forem objecto de sanação) à absolvição da instância ou à remessa do processo para o tribunal competente. Nestes casos, o réu alega a falta de pressupostos processuais ou outros vícios ou irregularidades da instância.
São de conhecimento oficioso pelo tribunal (art. 495.º CPC) – ou seja, não podem entender-se que, a larga maioria, das excepções dilatórias são apenas aquelas cujo relevo depende da vontade do réu. Apenas a incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo art. 110.º CPC depende da alegação por parte do réu.
Contestação – defesa por excepção peremptória:
O réu invoca factos impeditivos, extintivos ou modificativos do efeito jurídico visado pelo autor. Se conseguir a consequência é a absolvição total ou parcial do pedido formulado pelo autor (arts. 487.º/2 e 493.º/3 CPC).
1. Excepções peremptórias extintivas:
Destroem os efeitos jurídicos resultantes do preenchimento de determinada previsão da lei.
Ex.: 298.º/2; 837.º e 840.º; 847.º; 863.º/1; 868.º; 846.º; 298.º/1 e 762.º/1 CC.
2. Excepções peremptórias impeditivas:
Impedem a produção da consequência jurídica desejada pelo autor, apesar de se verificarem todos os pressupostos factuais necessários para realizar a previsão da lei.
Ex.: 247.º; 253.º/1 e 254.º; 257.º; 240.º e 280.º CC.
3. Excepções peremptórias modificativas:
São aquelas cuja verificação implica a modificação da pretensão invocada pelo autor, alterando o objecto da acção.
Ex.: 428.º; 270.º; 437.º/2 CC.
Se forem julgadas procedentes, a pretensão originária do autor modifica-se e o tribunal deve condenar o réu a título condicional.
Ex.:
- Se o réu excepcionar a verificação de uma condição suspensiva da prestação exigida pelo autor o tribunal pode condenar imediatamente o réu a cumprir a referida prestação quando se verifique um facto futuro e incerto.
NOTA 1: Há uma estreita afinidade entre a defesa por impugnação indirecta e a defesa por excepção peremptória.
Assim, temos defesa por excepção peremptória quando o réu opõe ao efeito jurídico pretendido pelo autor um facto impeditivo, extintivo ou modificativo; e temos defesa por impugnação indirecta quando o réu nega simplesmente o efeito jurídico pretendido pelo autor e atribui uma diferente versão jurídica aos factos invocados pelo autor.
NOTA 2: O legislador não enumerou o leque de excepções peremptórias. Constituem, no entanto, exemplos típicos de excepções peremptórias:
O pagamento;
A compensação da obrigação;
O erro;
O dolo;
A coacção;
A simulação;
A incapacidade acidental;
A dação em cumprimento;
A resolução do contrato;
O perdão ou a instigação nas acções de divórcio litigioso;
O direito de retenção;
A condição suspensiva;
Em geral, qualquer vicio ou circunstância que conduza à ineficácia, à anulabilidade; à nulidade ou à inexistência de um negócio jurídico.
Quanto ao regime de conhecimento das excepções peremptórias, o art. 496.º CPC limita-se a pronunciar que o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não faça depender da vontade do interessado.
Isto significa que somente são de conhecimento provocado as circunstâncias impeditivas, extintivas ou modificativas do direito invocado pelo autor, quando elas respeitarem a uma relação jurídica em que a vontade das partes é plenamente eficaz para produzir os efeitos jurídicos pretendidos pela acção.
Contestação – reconvenção:
Na contestação a lei dá a oportunidade ao réu para, querendo, formular, ele próprio, pedidos contra o autor, os pedidos reconvencionais.
O réu pode deduzir reconvenção sem que tenha de apresentar uma adicional defesa por impugnação ou por excepção. Pode, simplesmente, limitar-se a juntar em pedido reconvencional.
Distinção entre reconvenção e defesa por excepção:
Embora partilhem o facto de ser deduzida pelo réu num processo já pendente contra ele e ser dotada de uma certa característica de prejudicialidade relativamente ao pedido de autor, o certo é que desta maneira o réu pode conseguir ver a sua pretensão autónoma contra o autor reconhecida na acção onde está a ser demandado, em vez de ser ele a deduzir uma acção contra o autor:
- No pedido reconvencional implica a alteração do valor da causa (308.º/2 1ª parte CPC), o que não sucede com a invocação de uma excepção peremptória. É claro que, sendo-se réu numa acção proposta por outrem, isso não limita a possibilidade de este réu demandar o inicial autor, com base na causa de pedir que poderá sustentar a reconvenção, num outro e distinto processo com tramitação autónoma e num tribunal diferente: uma vez que não existe um ónus de formular um pedido reconvencional na acção pendente, esse pedido pode ser apresentado autonomamente numa outra acção.
- Pelo contrário, a falta de dedução de uma excepção peremptória na contestação, quando o réu o podia fazer, impede que o réu o faça em momento posterior ou numa outra acção que seja demandado (489.º/1 CPC).
Resposta às hipótese 64 alíneas b) e c):
O pedido reconvencional pode ter como fundamento a compensação de créditos enquanto forma de extinção das obrigações (art. 847.º CC). O art. 274.º/2 alínea b) 1ª parte CPC, admite, “quando o réu se propõe obter compensação”.
Dúvida:
Saber se a invocação de compensação não passa de uma excepção peremptória extintiva, que nada tem haver com o alegado pelo autor, pois, tal contracrédito somente só pode ser invocado por via de reconvenção?
1. Vaz Serra; Lebre de Freitas:
Só haverá reconvenção quando o contracrédito invocado pelo réu exceder o valor do crédito reclamado pelo autor e o réu pretender a condenação do autor no montante da diferença que lhe seja favorável. Nos restantes casos haverá defesa por excepção
NOTA: posição seguida maioritariamente pela jurisprudência.
1.1 Versão mais mitigada desta posição: (Pires de Lima; Antunes Varela)
Sustenta que a compensação respeita a um crédito ilíquido (crédito não apurado; confuso) e o réu pretende que na acção sejam efectuadas as operações de liquidação, essa compensação deverá ser deduzidas por reconvenção. Caso contrário: defesa por excepção.
Ex.:
- Acórdão STJ, 24/5/06 = processo n.º 055369;
- Acórdão STJ, 8/11/01 = processo n.º 3327/01;
- Acórdão STJ, 20/03/02 = processo n.º 0153246.
2. Castro Mendes; Teixeira de Sousa:
A compensação quando pretenda ser invocada pelo réu, é sempre objecto de um pedido reconvencional. Representa uma pretensão autónoma, ainda quando não exceda o montante do crédito reclamado pelo autor.
Essa pretensão poderá ser feita judicialmente como extrajudicialmente, contrariamente ao sustentado pela anterior posição.
3. Alguma doutrina:
A compensação traduz uma figura híbrida, entre a reconvenção e excepção peremptória: a compensação, ao mesmo tem que extingue, total ou parcialmente, o direito de crédito do autor (pela invocação do contracrédito) realiza e dá execução a esse contracrédito do réu, que é distinto e autónomo daquele direito e pode, inclusivamente, não existir qualquer nexo com a pretensão deduzida pelo autor.
4. Acórdão da Relação do Porto, de 27/02/1992, processo n.º 9220227:
Admitiu a dedução da compensação por via reconvencional, ainda que o contracrédito seja de valor inferior, quando tal contracrédito emerge do mesmo facto jurídico invocado pelo autor.
5. Remédio Marques:
Art. 48.º/1 do Regime Jurídico dos Julgados de Paz: dispõe que é admitida a reconvenção quando o demandado se propõe obter a compensação. Não se distingue o montante do contracrédito eventualmente deduzido pelo réu.
Duas hipóteses:
1 – Se a compensação já tiver sido efectuada em momento anterior ao da propositura da acção, a invocação posterior desse facto, pelo réu, implica a invocação de uma excepção peremptória, já que o réu mais não afirma se não o facto de que o crédito invocado pelo autor já se encontra extinto por uma compensação efectuada (por ele réu) extrajudicialmente.
2 – Se a compensação for invocada, pela primeira vez, no processo pendente a solução é diferente, quanto à sua forma processual de dedução:
A resolução do problema há-de partir:
- Por um lado, da consideração de se poder estar perante uma pretensão autónoma e distinta da que é invocada pelo autor, uma pretensão que pode, inclusivamente, não ter qualquer relação de conexão com a pretensão deduzida pelo autor, seja porque não lhe é acessória, complementar ou dependente.
- Por outro lado, das indicações fornecidas pelo Principio do Dispositivo ou da disponibilidade das partes (art. 264.º/1 CPC). Daqui resulta alguma jurisprudência:
A) Acórdão da Relação do Porto, de 08/03/1993, proc. n.º 9220227: só pode falar-se em compensação se ela for expressamente invocada pelo réu titular de um contracrédito;
B) Acórdão da Relação do Porto, de 03/12/1996, proc. n.º 9521046: não pode ser atendida a compensação pretendida pelo réu que não deduzir reconvenção, embora na contestação sustente ter um crédito sobre o autor compensável com aquele cujo pagamento lhe é exigido na acção.
C) Acórdão da Relação do Porto, de 09/03/2000, proc. n.º 0021322: tendo a reconvenção carácter facultativo, cumpre ao réu optar por tal via ou defender-se antes pela via da excepção, reservando para mais tarde a exigência da parte restante do seu crédito;
D) Acórdão da Relação de Coimbra, de 20/02/2001, proc. n.º 3241 – 2000: não cumpre ao juiz suscitar e resolver a problemática da compensação de créditos, se a ré, pretendendo obter a compensação da autora no pagamento de uma quantia alegadamente em divida no pedido reconvencional, não declarar que pretende compensar o seu crédito.
Se:
O contracrédito invocado pelo réu for superior ao do crédito deduzido pelo autor e, apesar disso, o réu queira apenas paralisar ou extinguir o direito do autor, sem realizar o seu direito substancial, na parte excedente:
O contracrédito invocado pelo réu for inferior ao crédito deduzido pelo autor:
Haverá reconvenção: essa reconvenção surge de uma relação jurídica distinta e autónoma, deverá abranger a totalidade do contracrédito, que ele, réu, quer ver reconhecido e realizar.
NOTA: O desejo de o réu ver afirmada e reconhecida perante o autor uma relação jurídica distinta e autónoma implica o “consumo” da excepção peremptória dirigida apenas para paralisar ou extinguir o direito do autor, em favor da oponibilidade (cobrança e execução) da pretensão do distinto e autónomo contracrédito, mediante um pedido reconvencional.
Se o contracrédito for igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor:
(resposta às alíneas b) e c) do hipótese)
É legitimo que o réu não queira que se reconheça o seu direito de crédito com força de caso julgado, mas apenas que o seu contracrédito possa extinguir, nesta acção, total ou parcialmente, o crédito invocado pelo autor.
Neste caso, ele limitar-se-á a pedir a improcedência total ou parcial da pretensão do autor. Ele, embora invoque uma relação jurídica distinta e autónoma da alegada pelo autor, não pede a tutela judiciária para uma situação jurídica que queira ser resolvida definitiva e imutavelmente com o autor.
Assim, nesta hipótese, a estratégia processual mais adequada para o réu será a que privilegia a extinção (total ou parcial) do direito de crédito do autor obtida através da afirmação e realização do contracrédito do réu, para o que este deverá:
- Expor os factos constitutivos do seu contracrédito e, de seguida, formular o pedido respectivo, ou seja, que seja reconhecido o seu contracrédito;
- Para que se opere a compensação deste contracrédito com o crédito do autor;
- E para que a acção seja julgada total ou parcialmente improcedente na medida da equivalência de montantes.
NOTA: Caso o réu deseje, à luz do Principio do Dispositivo, ver afirmada e reconhecida essa relação jurídica distinta e autónoma tornando-a oponível ao autor, ele deve beneficiar da aplicação do regime dos pedidos reconvencionais.
Ex.: Se o autor desistir do pedido. A acção prossegue (296.º/2 CPC) para se apreciado o contracrédito do rei, por isso mesmo que o réu alega e pede o reconhecimento de uma relação jurídica distinta e autónoma que pode ser oponível ao autor.
Se o réu não alegar o contracrédito sobre o autor na acção pendente (podendo embora fazê-lo):
Não fica impedido de o fazer, independentemente do montante do crédito compensável. Ele poderá, no futuro, deduzir uma acção autónoma contra o (agora) autor ou invocar a compensação numa outra acção que este lhe vier a mover no futuro.
NOTA: a solução seria diferente se a compensação fosse qualificada como excepção peremptória, já que funcionaria a norma do art. 489.º/2 CPC: o réu ficava impossibilitado de invocar a compensação numa acção futura, que o autor lhe movesse, pelo menos até ao montante em que os créditos são compensáveis.
Bibliografia:
Teixeira de Sousa, Miguel – Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa 1997;
João Paulo Fernandes Remédio Marques – Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra 2007;
Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Coimbra;
Http://www.dgsi.pt.
REGIMES DE BENS DO CASAMENTO - reflexões II
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