terça-feira, 5 de maio de 2009

FASES DO PROCESSO CIVIL - PETIÇÃO INICIAL

14 VALORES

PETIÇÃO INICIAL

Desenvolvimento doutrinal e pedagógico da primeira fase dos articulados
2008/2009






Direito Processual Civil II
Coordenação: Prof. Rui Gonçalves Pinto
Professor Regente: Prof. Miguel Teixeira de Sousa



INTRODUÇÃO

No âmbito do segundo semestre da cadeira de Direito Processual Civil II, é matéria essencial a constituição e delimitação do objecto processual e o seu enquadramento na marcha do processo declarativo.
Em jeito de introdução, parece-me essencial um pequeno enquadramento, antes de se falar concretamente da petição inicial, que é o âmbito de nosso trabalho.
A propositura e desenvolvimento de uma acção em tribunal implicam uma sequência pré-ordenada de actos, que o Código de Processo Civil (doravante CPC) define em fases ou etapas. Quer os actos praticadas pelas partes, quer pelo juiz da causa estão regulados e tipificados. É graças ao princípio da tipicidade de formas de processo, que sabemos serem três, as formas de processo declarativo comum, forma ordinária, sumária e sumaríssima. Cada forma de processo tem fases próprias que oscilam da mais solene, na ordinária, à mais célere na sumaríssima.
Ficam de fora do nosso estudo os processos especiais, uma vez que têm tramitação especialmente regulada nos artigos 944º e ss. CPC; e também o processo executivo, que tem, teoricamente, uma forma única de processo.
O formalismo do processo declarativo ordinário é sentido nos artigos 467º a 675º CPC, e uma vez que é o processo-regra, começaremos por explanar as suas fases.
Numa segunda abordagem introdutória cabe falar do processo na forma sumária e sumaríssima, tendo em conta que a maior parte das disposições se lhes aplicam subsidiariamente.
Finalmente, entrando no âmago do nosso tema, falar-se-á da petição inicial, da sua estrutura externa, interna, formalismos e deficiências.


São cinco as fases do processo na forma ordinária, na primeira: os articulados, apresenta-se o conflito de interesses em juízo e o objecto do processo; traçam-se, portanto, os contornos da acção através das peças escritas das partes. É aqui que se integra a petição inicial.
Na segunda fase, saneamento e condensação, reduz-se o pleito à sua matéria essencial, “concentrando” o processo. Pode acontecer que o juiz conheça logo a da causa no despacho saneador, fazendo o julgamento antecipado da lide, em vez de o remeter para a sentença final.
Na terceira fase, da instrução, se o processo continuar, vai-se produzir a base instrutória destinada a permitir que o tribunal forme a sua convicção, quanto aos factos alegados, ainda controversos. Numa quarta fase de discussão e julgamento, discute-se a matéria de facto produzida e matéria de direito, concluindo-se pelo julgamento da primeira.
Finalmente, na sentença final, põe-se termo à causa e é proferida a decisão da 1ª Instância.
Entenda-se que estas fases não correspondem, em termos temporais, a momentos espartilhados da tramitação processual, mas a um todo unitário.
Graças à homogeneidade, na sequência de fases e actos, entre a forma ordinária e sumária, faremos apenas uma breve referências às três fases que o processo sob a forma sumaríssima apresenta. Dividem-se elas entre, fase dos articulados (significativamente reduzida à petição inicial e contestação¹), audiência final e sentença oral.

Sendo a fase dos articulados, a introdutória do pleito, inicia-se com a apresentação da petição inicial em juízo e prossegue com a citação do réu para contestar. O artigo 151º CPC apresenta uma definição legal destas peças apresentadas pelas partes.
O nomen “articulados” liga-se à obrigatoriedade de apresentar as matérias de facto por artigos, sob a forma de proposições gramaticais seguidas e numeradas, art.151º/2. Indissociável da clareza e sintetização, esta “arrumação” por forma articulada, é, segundo o PROF. TEIXEIRA DE SOUSA, um ónus que permite muitas vezes o desmembramento de um único facto por vários artigos. É divergente a nossa opinião, uma vez que, primeiro, não há qualquer artigo do CPC que dispense a forma articulada (ao contrário do que acontece com a forma sumaríssima, artigo 793º) concluindo-se pela sua obrigatoriedade; e segundo, porque a forma articulada constitui um benefício para as partes, para o litígio objectivo em si mesmo e para o juiz que vai decidir.
A obrigatoriedade de apresentar os articulados em português, em duplicado, com cópias dos documentos, etc, são requisitos externos que não serão aqui tratados ao pormenor, uma vez que, o que verdadeiramente nos interessa é falar sobre o primeiro dos articulados: a Petição Inicial.


PETIÇÃO INICIAL

Peça processual que o autor utiliza para propor a acção. Constitui o acto fundamental do processo, uma vez que é através dela que o autor solicita ao tribunal a concessão de um determinado meio de tutela do direito subjectivo ou interesse juridicamente relevante.
Sendo a iniciativa dos interessados imprescindível para accionar os instrumentos e mecanismos processuais, a petição inicial é, graças ao princípio do impulso processual (art.3º/1), a base de todo o processo.




¹ Uma vez que a fase dos articulados na forma ordinária é preenchida pela petição inicial, contestação, réplica, tréplica e articulados supervenientes.

A petição deve ser estruturada em quatro partes: Intróito ou Cabeçalho, Narração, Conclusão e Indicações Complementares.
No Intróito indica-se o tribunal ao qual é dirigida a pretensão de obter tutela jurisdicional, elemento que se mostra imprescindível para apreciar a competência material, estrutural ou territorial do tribunal. A sua omissão ou indicação de outro tribunal motivarão a recusa de recebimento ou de distribuição por parte da secretaria, nos termos dos artigos 213º e 474º/a). Para além disso, identificam-se ainda as partes (com nome, residência, profissão, estado civil, etc.) e indica-se a forma de processo, com vista a possibilitar a tarefa de distribuição e autuação.
Na narração o autor expõe os factos e razões de direito que servem de fundamento à acção, factos essenciais e instrumentais que narram articuladamente as ocorrências da vida real, e, sustentam a procedência do pedido. Aqui as razões de direito ocupam um lugar menos cimeiro, uma vez que o tribunal não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação de regras de direito alegadas pelas partes, a sua falta não está, por isso, ligada a nenhuma sanção.
Em terceiro lugar segue-se a conclusão, onde se formula o pedido, ponto referencial essencial da PI, e já que o juiz não pode condenar em pedido diferente do autor, ficam estabelecidos os limites da sentença. (art.272º). Escusado será dizer que, a falta de indicação de pedido ou a sua contradição com a causa de pedir (apresentada na narração), importam a ineptidão da petição, nos termos do artigo 193º/2 a) e b).
Finalmente, a petição termina com algumas indicações complementares, seja do valor da causa, dos documentos destinados a fazer prova, assinaturas ou procuração forense, etc.

Vista a estrutura externa da petição, parece-me importante uma referência mais detalhada ao pedido, uma vez que o artigo 467º/1 d) estabelece que deve o autor “formular o pedido”, para propor acção.
Segundo o PROF. TEIXEIRA DE SOUSA, o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação jurídica (na medida em que se refere a um quid material). Ora a petição inicial será inepta, quando não se puder descobrir que tipo de providência o autor se propõe obter. Assim é fácil afirmar que, genericamente, o pedido deve existir, ser apresentado de forma clara e inteligível, tem de ter conteúdo determinável, coerência relativamente à causa de pedir e viabilidade quanto ao corolário lógico de factos alegados. Só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é passível de sustentar um processo, permitindo que o tribunal possa pronunciar-se e proferir decisão soberana revestida da força emergente do caso julgado que possa ser imposta à outra parte.
A regra em processo civil é da formulação de um único pedido, mas estão previstas situações como cumulação de pedidos, pedidos alternativos, subsidiários, genéricos e de prestações vincendas. (468º a 472º)


No pedido cumulativo há uma pluralidade de pretensões em que o autor visa obter, ao mesmo tempo, todas as pretensões formuladas. Por exemplo: pedido de condenação de pagamento de dívida e entrega da coisa (situações jurídicas diferentes); pedido de restituição da quantia mutuada e juros (mesma situação jurídica, um acessório do outro). Ambos são pedidos cumulativos, já que o autor requer a procedência simultânea de todos os pedidos e a produção de todos os seus efeitos, art.470º.
Nos pedidos alternativos pede-se disjuntamente uma de duas pretensões, ou seja, a parte pretende obter apenas, segundo a escolha do réu, a produção dos efeitos de um dos objectos requeridos. Por exemplo: pedido de resolução do negócio ou exigência do cumprimento da parte que for possível. A escolha fica ao critério do réu, que terá apenas de realizar uma das prestações a que foi condenado. É importante ter aqui em atenção que esta situação não se confunde com uma formulação de vários pedidos, sabendo que um deles será improcedente de antemão, mas ”jogando pelo seguro”; neste caso a pretensão do autor satisfaz-se com o cumprimento de uma ou outra obrigação.
No caso de pedidos subsidiários é apresentado ao tribunal para tomar em consideração um pedido principal, e, subsidiariamente outro objecto, a ser apreciado na improcedência do primeiro. Por exemplo: autor intenta acção de reivindicação de imóvel e pode pedir, subsidiariamente, o reconhecimento do seu direito de usufruto sobre o mesmo imóvel. Todos os pedidos estão pendentes desde o começo da instância, evita-se, em parte, o risco de improcedência total. No caso de procedência do primeiro pedido, o tribunal não chega a conhecer do subsidiário. No caso do pedido principal improceder, conhece-se do segundo que o acompanha desde o inicio da instância.
Para os pedidos genéricos, o problema passa pela indeterminação do seu “quantum”. Sem se confundir com pedido indeterminável ou abstracto, que conduz à ineptidão da petição inicial, o pedido genérico consiste num pedido ilíquido ou indeterminado no seu quantitativo. É admissível quando o seu objecto for uma universalidade de facto ou de direito; quando respeitar a danos indemnizáveis mas ainda não apurados e quando a fixação do seu quantitativo estiver dependente de prestação de contas ou outro acto praticado pelo réu. Fora destas hipóteses, o pedido genérico não é admissível. 471º.
Embora ALBERTO DOS REIS defendesse que, nos casos de formulação ilegal de pedidos genéricos, devesse ser proferido despacho liminar de aperfeiçoamento da petição inicial, o que, embora o não referisse expressamente, afastaria a hipótese de se considerar inepta a petição inicial; para o PROF. TEIXEIRA DE SOUSA pode verificar-se uma de duas situações: se o pedido for, pela sua indeterminação, ininteligível, verifica-se a ineptidão da petição inicial (193º/2 a) e 234º/4 que fundamenta o indeferimento liminar da PI); se o pedido for inteligível, mas necessitar de concretização ou individualização, a petição inicial é deficiente e pode o tribunal convidar o autor a concretizar o pedido (508º/1 b) por analogia).
Finalmente no caso de pedido de prestações vincendas, a parte formula o pedido de condenação in futurum, ou seja, numa prestação cujo cumprimento ainda não é exigível. A sua admissibilidade está regulada no artigo 472º CPC.
Para que qualquer uma destas figuras se possa aplicar, é preciso que estejam cumpridos pressupostos processuais. São eles: a não exclusão da lei (artigos 1814º e 1869º são os únicos casos a que a lei exclui a cumulação de mais de um objecto); compatibilidade processual, nos termos da compatibilidade da forma de processo e competência absoluta; compatibilidade substantiva dos objectos e conexão objectiva. A falta destes requisitos nas relações de cumulação pode levar à absolvição do réu da instância, por excepção dilatória, ou mesmo à ineptidão da petição inicial, 193º/2 c).


FORMALIDADES POSTERIORES

A petição inicial deve ser entregue à secretaria judicial do tribunal competente, nos termos do artigo 150º. A remessa por correio consagrou-se prática habitual, mas hoje em dia, foi ultrapassada pelo envio electrónico, que apresenta muitas vantagens, nomeadamente, por não estar dependente do horário de funcionamento da secretaria. O recebimento marca a propositura da acção e é importante para aferir os prazos de caducidade da acção.
A secretaria pode recusar o recebimento da PI se esta apresentar alguma deficiência de forma (falta de endereço ou endereço a outro tribunal, omissão de identificação completa das partes, omissão do valor da causa, falta de assinatura ou redacção em língua estrangeira, art.474º). Da recusa cabe reclamação para o juiz, que, uma vez confirmada leva ao indeferimento liminar da petição inicial. O autor tem, todavia, o benefício de apresentar nova petição no prazo de 10 dias subsequentes à recusa, com efeitos que retroagem ao momento da entrega da primeira petição, art.476º.
Recebida a petição e registada no livro próprio (art.17º da Lei das Secretarias Judiciais) será classificada de acordo com as espécies constantes do artigo 222º e levada à distribuição no dia em que esta se realizar. É importante fazer uma breve nota à distribuição, uma vez que é a actividade pela qual, com o fim de repartir aleatoriamente e com igualdade o serviço do tribunal, se designa a secção e a vara ou juízo em que o processo vai correr (209º-A/1). Nenhum papel é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei, 213º/1 e 474º, daí a importância do que foi dito anteriormente.
À distribuição segue-se a autuação, operação de formação do caderno no qual vão ser juntas, em folhas numeradas e cosidas a fio, todas as peças processuais e documentos respeitantes ao processo. Apesar de, hoje em dia, havendo meios tecnológicos disponíveis, alguns processos serem apresentados digitalmente.
Feita a autuação, o processo não é, normalmente concluso ao juiz da causa, já que regra geral não há despacho liminar sobre a PI, de modo que o juiz só toma contacto, pela primeira vez com o processo, na fase do saneador. (salvo os casos do 234º-A em que a secretaria pode submeter a PI à apreciação do juiz). Seja como for. Compete à secretaria promover, oficiosamente, as diligências adequadas à citação do réu (arts.234º/1 e 479º).

É importante ter presente que a apresentação da petição inicial e respectivas formalidades subsequentes acarretam quer efeitos substantivos ou materiais, quer efeitos processuais.
Quanto aos primeiros, nos termos do art.481º/a) CPC, apresentar a petição inicial e respectiva citação faz cessar a boa fé do possuidor, ou seja, o réu fica a saber que está a lesar o direito do autor. Fica interrompida também a prescrição, da usucapião e, em certos casos, da caducidade, falando-se num prazo de 5 dias, em homenagem aos interesses do credor/autor (323º CC). O terceiro efeito substantivo é a constituição do réu em mora, no caso de estarmos perante uma obrigação pura/sem prazo (805º/1 CC e 662º/2 b) CPC).
Quanto aos efeitos processuais da apresentação da petição, passam pela litispendência e pela estabilidade dos elementos subjectivos e objectivos da instância. Nos termos do 481º/b) e 268º, o pedido, causa de pedir e partes da acção estão protegidos e definidos; claro que podem haver alterações pontuais ou mesmo modificações subjectivas, mas contribui-se, com certeza, para a segurança judicial dos elementos da acção aquando da sua apresentação à “vida judicial”. Relativamente à litispendência, previne-se, impedindo que o réu proponha contra o autor uma acção com o mesmo objecto, 481º/1 c); e constitui-se, se o réu já tiver sido citado para acção idêntica movida pelo autor, 497º a 499º.


CONCLUSÃO

Em jeito de conclusão, proponho-me ainda falar das deficiências da petição inicial, que acabam por comprometer irremediavelmente a sua finalidade e conduzir à nulidade de todo o processo. Nestes casos diz-se que a petição é inepta.
As causas de ineptidão da petição estão consagradas no artigo 193º/2 CPC:
A falta ou ininteligibilidade do pedido ou causa de pedir são um dos exemplos em a petição é inepta. A exacta formulação de um pedido e causa de pedir são determinantes, pois o tribunal só conhece daquilo que se lhe pede e na medida em que se lhe pede, 661º. Sem pedido, o juiz não tem condições de saber o que pretende o autor, além de que o réu também não pode defender-se.
A contradição insanável do pedido com a causa de pedir, bem como os pedidos cumulados incompatíveis entre si, são também fundamento para a nulidade profanada pelo artigo 193º. O pedido deve apresentar-se como corolário lógico do que se alega na causa de pedir; caso sejam incompatíveis, o antagonismo motiva a ineptidão.
Alegada até à contestação, 204º, a ineptidão da petição inicial gera a nulidade, inutiliza a peça básica da acção, provocando a destruição de todo o processo. Por isso é que a aptidão da petição inicial é considerada, por alguns autores, um verdadeiro pressuposto processual.

Mais do que ser o primeiro articulado, a petição inicial é o primeiro acto do processo. Nenhum acto processual é anterior à petição inicial e nenhum processo civil começa sem a petição inicial. (art.3º/1).


ÍNDICE

Introdução………………………………………………………………………………………………..página 2
Petição Inicial………………………………………………………………………………….….páginas 3 a 5
Formalidades Posteriores………………………………………………………………………….página 6
Conclusão………………………………………………………………………………………………….página 7
Índice………………………………………………………………………………………………………..página 8
Bibliografia………………………………………………………………………………………………..página 8

BIBLIOGRAFIA

GERALDES, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol.III, 1998
MACHADO, A. Montalvão e PIMENTA, Paulo, O Novo Processo Civil, 8ªEdição, 2007
REMÉDIO MARQUES, A acção declarativa à luz do Código Revisto, 2007
TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, 1995
TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 1997

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