quinta-feira, 14 de outubro de 2010

APONTAMENTOS DIREITO FISCAL

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DIREITO FISCAL PROF. DOUTOR CASALTA NABAIS (MANUAL DE DIREITO FISCAL) JR - FDUC
http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html DIREITO FINANCEIRO, DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO FISCAL
Dadas as múltiplas e diversificadas funções que os actuais ordenamentos colocam a seu cargo, o Estado e demais entes públicos carecem de vários bens materiais e recursos humanos, necessitando de grandes quantidades de dinheiro para adquirir os primeiros e remunerar os segundos, o que exige, um Estado não patrimonial, que todo dinheiro seja obtido, em larga medida, junto aos agentes económicos privados, daí que a actividade financeira do Estado (obtenção e gestão de receitas e realização de despesas) se reconduza à percepção, gestão e dispêndio dos meios pecuniários obtidos junto dos agentes privados. Estando a actividade financeira sujeita a normas jurídicas, será ao conjunto destas que denominamos por direito financeiro, direito financeiro público (public finance law). Ora, a actividade financeira não constitui uma actividade homogénea, apresentando – se o direito financeiro como conjunto bastante heterogéneo de normas jurídicas. Desta forma o direito financeiro estende-se por três sectores bem diversos: O direito das receitas O direito das despesas O direito da administração ou gestão financeira Cada um destes sectores ou não levanta o problema de uma especifica disciplina jurídica ou apresenta uma visível heterogeneidade. Na primeira situação teremos o grosso do direito das despesas publicas que se distribui pelos diversos sectores do direito de acção e intervenção Estadual, pelo que se reconduz ao direito administrativo sem que, quanto à intervenção económica e social, podemos referir o direito da economia quanto às despesas cuja realização tenha por objectivo essa intervenção. O mesmo se poderá dizer quanto ao direito da gestão financeira que rege a administração financeira e cujo domínio mais unificado é constituído pelo direito orçamental, ou orçamentário ou direito da contabilidade pública em sentido amplo, que não deixa de ser um sector do direito administrativo. Quanto à segunda situação (sectores do direito financeiro que apresentam uma heterogeneidade) encontramos o direito das receitas que se distribui por:
Direito patrimonial – relativo às receitas patrimoniais dos entes públicos, derivadas do
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património imobiliário dos domínios rurais e das explorações industriais e comerciantes de utilidade publica (Direito do credito público – disciplina o recurso ao credito por parte das entidades publicas e a gestão da divida publica (Direito tributário – direito que disciplina as receitas coactivas do Estado e demais entidades publicas, no qual se destaca o direito fiscal – relativo ao mais importante sector das receitas coactivas, os impostos. Deste modo, a doutrina procurou isolar um sector amplo do ramo do direito financeiro: - O direito tributário: esta é a solução adoptada sobretudo pela doutrina Italiana, Espanhola e Brasileira, apoiadas em disposições constitucionais que consagram um regime jurídico especifico para a generalidade dos tributos e não apenas para os impostos, nomeadamente no que se refere ao principio da legalidade. Direito fiscal: por esta opção têm-se pronunciado tradicionalmente as doutrinas portuguesa, francesa, alemã, para cuja posição invocam as especificidades previstas a nível constitucional, quanto à legalidade dos impostos, e os princípios deduzidos do conjunto das disposições constitucionais relativas aos impostos, ou seja, princípios da constituição fiscal. Porém, a diferença no estudo do universo das matérias versadas nos manuais de direito tributário e de direito fiscal não é assim tão grande, uma vez que exerce os primeiros desenvolvimentos o tratamento das taxas, enquanto nos segundos estas estarão totalmente ausentes. Desta forma, o direito fiscal é sobretudo, tal como o direito tributário, o direito dos impostos. Assim, para termos uma imagem mais precisa do direito fiscal, impõe-se precisar o seu objecto e delimitar o seu conteúdo. Conceito de imposto Podemos definir imposto com base em três elementos: (Elemento objectivo: a este nível, dizemos que se trata de uma prestação pecuniária unilateral, definitiva e coactiva; (Elemento subjectivo: por sua vez, além dos elementos objectivos, podemos dizer que os impostos são exigidos a detentores de capacidade contributiva, a favor de entidades que exercem tarefas públicas; (Elemento teleológico: o imposto é exigido a entidades que exerçam tarefas públicas para a realização dessas funções, conquanto que não tenham carácter sancionatório; Assim,
1. Prestação: desta forma, o imposto integra uma relação de natureza obrigacional e não de natureza real, contrariamente ao defendido por uma certa doutrina Italiana, para quem certos impostos (impostos fundiários e impostos aduaneiros teriam uma eficácia real) – isto não exclui que certos impostos possam ser qualificados como obrigação real ou propter rem.
2. Pecuniária: sem querermos dar uma noção intemporal, sem explicar a evolução passada, podemos dizer que o imposto é uma prestação de dare pecunia ou concretizada em dinheiro. Desta forma rejeitamos a concepção dos que contestam a
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natureza pecuniária dos impostos, vendo neles também as prestações em espécie (impostos sobre a produção de petróleos e outros minérios, que segundo Casalta Navais, não são impostos mas taxas) e as prestações de facto positivo ou negativo (serviço militar, requisição administrativa e expropriação por utilidade publica)
3. Prestação unilateral: desta forma, ao imposto não corresponde qualquer contraprestação genérica em favor do contribuinte. Desta forma, os impostos distinguem-se dos tributos bilaterais (taxas), os quais pressupõe uma relação jurídica do tipo do ut des. Desta forma, nesta distinção, assenta também a distinção entre imposto e taxa. Nestas, ao contrário daquilo que se verifica nos impostos, à prestação particular em favor do Estado ou outros entes públicos corresponde uma contraprestação específica (art. 4º/2 LGT):
- Prestação de um serviço publico: propinas, emolumentos notariais, taxa de justiça; - Utilização de um bem do domínio publico: portagens, taxas de aeroporto, etc; - Remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares: licenças de uso e porte de arma, de caça, etc. Quanto ás taxas de remoção de limites jurídicos (licenças) impõe-se duas notas: - O seu pressuposto de facto reconduz-se também à prestação de um serviço publico (daí que em Espanha e Itália não se faça menção à remoção do obstáculo juridico enquanto pressuposto de facto); - Tais tributos apenas se configurarão como taxas nos casos em que o obstáculo constitua um obstáculo real, configurando-se já como um imposto quando seja artificialmente exigido para, ao remove-lo, a administração cobrar uma receita (licenças fiscais): não há ai qualquer contraprestação real a favor do contribuinte, tratando-se de uma verdadeira actividade de lançamento e cobrança de um imposto: veja-se os casos de verdadeiras licenças fiscais previstas nos Acs. TC 558/98 e 63/99 quanto à publicidade mediante anúncios, sendo os tributos exigidos pelo município de Guimarães e de Lisboa – Inconstitucionais. Teixeira Ribeiro chega mesmo a considerar como impostos a licença de uso e porte de armas (que seriam licenças fiscais) entendimento que deve ser rejeitado, uma vez que estamos perante específicos interesses públicos reais e não perante um estratagema qualquer com vista à obtenção de receitas (terão, porém que passar pelo teste da proporcionalidade – prestação / contraprestação especifica). 4. Prestação definitiva: o imposto apresenta-se-nos como uma prestação que não dá lugar a qualquer reembolso, restituição ou indemnização. Deste modo, é não apenas uma prestação unilateral no presente mas como também no futuro. Assim se distingue o imposto do empréstimo forçado (apenas o oneroso, pois no empréstimo forçado gratuito estamos já perante um imposto no montante dos juros) que é uma prestação unilateral – definitiva. Por fim, objectivamente, o imposto é uma prestação coactiva, uma prestação ex lege: surge por encontro do pressuposto de facto do imposto (facto tributário) com a lei, independentemente da vontade do contribuinte nesse sentido (art. 36º/1 e 2 LGT). Deste modo, podemos dizer que os impostos são prestações duplamente coactivas: quanto ao nascimento e quanto ao cumprimento.
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De um ponto de vista subjectivo, os impostos são: Exigidos a detentores de capacidade contributiva: assim, procura-se por este critério importar para o próprio conceito de imposto o critério material da igualdade ou justiça fiscal, em suporte indiscutível dum estado fiscal de direito – a capacidade contributiva (4º/1 LGT); A favor de entidades que exerçam funções ou tarefas publicas: com esta nota pretende-se não limitar a titularidade activa dos impostos exclusivamente às pessoas colectivas publicas, permitindo que possam ser exigidos impostos por pessoas colectivas privadas às quais a lei atribua a qualidade de titulares activos de relações jurídicas fiscais. Acrescente-se que as funções ou tarefas publicas assumem aqui um carácter geral, ou seja, dizem respeito à totalidade dos contribuintes e não a partes destes excluindo – se do conceito de impostos aquilo que poderíamos designar por tributos associativos (quotas obrigatórias para as ordens profissionais) que têm por finalidade o financiamento de tarefas publicas especiais, próprias dos próprios membros. Porém, o facto de tais tributos se afastarem da observância do principio da legalidade, não faz com que eles deixem de ser impostos especiais, na medida em que, pela própria natureza (aprovados pelos respectivos associados ou seus representantes) concretizam a ideia de auto – tributação. Teleologicamente: o imposto é exigido pelas entidades que exerçam funções publicas para a realização das suas funções de carácter não sancionatório: isto significa que os impostos não podem ter finalidades sancionatórias. Desta forma, os impostos, no actual estado social, prosseguem os mais variados objectivos de natureza económico e social. Assim, muitas vezes, os impostos são utilizados como vista a evitar determinados comportamentos económicos e sociais dos seus destinatários: desta forma não estaremos perante impostos subsumíveis na constituição fiscal mas perante medidas de intervenção económica e social. Não são dominados por uma exigente reserva de lei e pelo princípio da igualdade aferido pela capacidade contributiva mas antes por uma flexibilização do principio da legalidade e por exigências do principio da proporcionalidade em sentido amplo: Assim cumpre distinguir: Impostos fiscais: têm como finalidade principal a obtenção de receitas; Impostos extra fiscais: visam obstar à manifestação do facto gerador do imposto; Por fim, das finalidades dos impostos estão excluídas as finalidades sancionatórias, aqui estaremos perante multas (sanções pecuniárias penais) – coimas: sanções contra – ordenacionais – confiscos (sanção penal que se traduz na apreensão em instrumentos utilizados na pratica de um ilícito) – indemnização (reparação do prejuízo causado a outrem com a pratica de facto ilícito), mas nunca perante um imposto. ALGUMAS FIGURAS AFINS DOS IMPOSTOS
Divisão dicotómica dos tributos
A figura dos tributos tem sido, entre nós, objecto de uma divisão binária entre tributos unilaterais e bilaterais (taxas), ou de uma repartição tripartida entre impostos, taxas e contribuições ou tributos especiais. Segundo a posição do curso devemos seguir uma posição dicotómica entre impostos e taxas.
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Desta forma não se importarão para o direito fiscal a diversidade de designações que se verifica em sede de direito financeiro, entendido aquele como um ramo de direito administrativo que tem suporte constitucional, onde se prevê uma regime jurídico, diverso do regime jurídico das taxas. Assim, os impostos obedecem a um exigente principio da legalidade, tendo por base o principio da capacidade contributiva, enquanto as taxas se bastam com a reserva parlamentar do seu regime geral e assentam no principio da proporcionalidade entre a taxa e a prestação estadual prestada ou entre a taxa e os custos causados à comunidade. Desta forma, para sabermos se estamos perante um imposto ou uma taxa, de um posto de vista jurídico – constitucional teremos que fazer o teste da sua medida ou do seu critério, estando perante um imposto se apenas puder ser aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte ou perante uma taxa se for susceptível de ser aferida com base na ideia de proporcionalidade. Desta forma, terão que passar por dois testes:
Bilateralidade;
Proporcionalidade;
Desta forma, um tributo terá que ter carácter bilateral mas também terá que existir proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica. Um sector onde a analise deste problema já foi mais longe é no das taxas por infra-estruturas urbanísticas – será necessário verificar o carácter bilateral das taxas de urbanização (se já se verificaram as infra – estruturas – Ac. TC 357/99 ou se a ordem jurídica prevê a possibilidade jurídica de exigir a realização das mesmas – Ac. TC 410/2000). Será, porém, também necessário averiguar qual será o critério em que assentam as taxas urbanísticas: será uma taxa se assenta num critério de proporcionalidade entre a prestação e a contra – prestação; será um tributo que se deverá guiar pelo regime próprio dos impostos caso tenhamos por base o critério da capacidade contributiva (vejam-se a propósito os acs. TC. 558/98 e 63/99 que consideram como licenças fiscais determinados tributos). Via de regra os emolumentos notariais são concebidos como taxas pois visam remunerar os funcionários do respectivo serviço público. Na anterior disciplina, tudo nos leva a concluir que estaríamos perante um imposto, uma vez que os emolumentos devidos para registo predial, comercial e de navios, quanto a inscrição estavam sujeitas a uma aliquota com quatro escalões: 1%, 0,5%, 0,4% e 0,3%. Desta forma os emolumentos eram, não em função dos custos do serviço de registo ou do serviço notarial prestado mas sim em função da capacidade contributiva. Desta forma não respeitavam o princípio constitucional da legalidade de modo que o referido diploma padecia de uma inconstitucionalidade orgânica (artº 165º/1/i CRP). Além disso tais emolumentos estavam ainda desconformes com o direito comunitário tal como foi julgado em sede de recurso pré – judicial para o TJCE.
Desta forma, os tributos reconduzir-se-ão às taxas ou aos impostos, apesar de na jurisprudência do TC e na CRP e na LGT aparecer a figura das demais contribuições a favor de entidades publicas. Desta forma poderemos referir as diversas manifestações do referido encargo de mais valia, vindo a doutrina a pronunciar-se no sentido de a equiparar a um imposto por duas ordens de razoes:
Não se vislumbram a uma prestação especifica a favor do contribuinte (unilateralidade);
Não deixam de ter por base manifestações da capacidade contributiva resultantes do exercício de uma actividade administrativa, e não de actividades dos particulares, ou melhor, dos contribuintes.
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Já por seu vez serão taxas as propinas universitárias (Ac. TC 148/94), as portagens pagas na ponte 25 de Abril (Ac. 640/95), as taxas quanto à realização de infra – estruturas urbanísticas e a taxa de recolha de lixo (Ac. TC. 1139/96), etc.
Desta forma parece que o tertium genus, o das demais contribuições financeiras não terá um regime próprio. AS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS, AS TARIFAS E AS RECEITAS PARAFISCAIS:
A opção pela divisão dicotómica em sede juridico – constitucional não significa que não possamos optar por uma outra divisão em sede no direito financeiro. Deste logo, é conhecida a divisão tripartida dos tributos, encontrando a figura dos tributos especiais entre os impostos e as taxas, o que nos impõe falar sobre esta figura. Nesta sede, é costume fazer uma distinção há muito consolidada na doutrina Italiana e Espanhola:
Contribuição de melhoria: verifica-se quando é devida uma prestação, em virtude de uma vantagem económica particular que resulta de uma actividade administrativa, por parte de todos aqueles a quem indirectamente a actividade beneficia.
Contribuição por maior despesa: ocorre naquelas situações em que é devida uma prestação em virtude de as coisas possuídas ou uma actividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa das autoridades publicas.
A partir disto podemos dizer que tais tributos não passam de impostos, embora tenham por base manifestações da capacidade contributiva de determinados grupos resultantes do exercício de uma actividade administrativa e não de uma actividade dos contribuintes, tal como acontece com os impostos. Desta forma, tais manifestações da capacidade contributiva operam de maneira diferente conforme se trate de contribuição de melhoria ou contribuição por maiores despesas: enquanto nas primeiras a actividade administrativa pública provoca manifestações positivas desta capacidade, aumentando-a, nas segundas, a actividade administrativa pública limita-se a obstar a que surjam manifestações negativas, ou limita-se a manter essa capacidade. Desta forma, há uma contrapartida pública que se traduz numa vantagem indeterminada relativamente a cada um dos contribuintes mas determinável em relação ao grupo beneficiado com aquela actuação administrativa. Um exemplo de contribuição por melhoria podemos encontrar no encargo de mais valia, uma contribuição especial tributável sobre o valor de prédios rústicos que, por virtude de obras de urbanização ou construção de infra-estruturas ficam aptos para a construção, encargo que deverá ser tributado aquando da respectiva licença de construção. Este tributo tem seis manifestações (três de primeira geração e três de segunda geração):
1. Encargo de mais valia na titularidade dos municípios e incidente à taxa de 50% sobre o (aumento) dos prédios rústicos, em virtude da simples aprovação dos planos de urbanização;
2. Encargo de mais valia incidente sobre prédios rústicos a uma taxa de 60% sobre o aumento do valor, como consequência da construção de ponte entre em Lisboa e Almada;
3. Encargo de mais valia incidente sobre o aumento do valor dos prédios rústicos valorizados em virtude da construção de estradas, cobrado a favor da JAE.
Contribuições especiais de segunda geração:
4. Contribuição especial incidente sobre o aumento de valor dos prédios rústicos,
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terrenos para construção e áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes, na área dos municípios beneficiados pela construção da nova ponte sobre o Tejo;
5. Contribuição especial incidente sobre o aumento do valor dos prédios rústicos, terrenos para construção e áreas resultantes da demolição de prédios urbanos devido à realização da Expo 98.
6. Contribuição especial incidente sobre o aumento do valor dos prédios rústicos resultante da demolição dos prédios urbanos dos concelhos beneficiados pelo investimento realizado na IREL, CRIL, CREP e CRIP.
Além do encargo de mais valia em sentido lato, alguns autores indicam como integrantes das contribuições especiais, como contribuições de maiores despesas, os impostos de circulação e camionagem e as taxas de esgotos e saneamento: segundo Casalta Navais, os impostos de circulação e camionagem são também impostos de um ponto de vista fiscal e as taxas de recolha de lixo, esgostos e saneamento são verdadeiras taxas.
Quanto às tarifas segundo Casalta Navais esta são um especial tipo de taxas (exprimem não apenas uma equivalência jurídica, mas também uma equivalência económica, como é característica dos preços): dai que seja preferível a designação de tarifas no que concerne às taxas equivalentes, estas tarifas – taxas distinguem – se, porém, das tarifas – preços públicos pois enquanto às primeiras se apresentam como obrigação ex lege que implicam a aplicação de um regime de direito público (uma série de prerrogativas atenienentes à garantia e execução), regime de que a tarifa – preço publico não beneficia.
Desta forma como tarifas poder-se-ão configurar as previstas no artigo 20º da LFL, as quais podem ser fixadas pela câmara municipal, não tendo que ser estabelecidas pela assembleia municipal, por outro lado, não deverão ser inferiores ao custo, directa e indirectamente suportadas com o fornecimento de bens e com a prestação do serviço. Por fim, quanto às contribuições, tributos ou receitas parafiscais são tributos (art. 3º LGT) colocados para a cobertura de despesas das pessoas colectivas não territoriais, ou seja, são tributos objecto de uma verdadeira consignação subjectiva de receitas (taxas para organismos de coordenação económica, contribuições para a segurança social—considerados como imposto . . .
Apesar da caracterização própria de que estas figuras são susceptíveis somos levados a reconduzir todos os tributos a duas figuras: taxas ou impostos.
OS MOMENTOS DA VIDA DO IMPOSTO:
Numa perspectiva dinâmica, ou seja, de acordo com os momentos da vida do imposto, poderemos dizer que encontramos dois momentos na sua vida:
O momento do seu estabelecimento, criação, instituição ou incidência;
O momento da sua aplicação, efectivação, administração ou gestão;
No primeiro momento trata-se de definir o se e o quando do imposto:
a) Facto, actividade ou situação que dá origem ao imposto (pressuposto de facto);
b) Sujeitos activos e passivos da obrigação do imposto;
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c) O montante do imposto, em regra definido pelo valor sobre o qual recai (definição em abstracto da matéria colectável) mediante a percentagem ou quantidade desse valor (taxa e eventualmente das deduções à colecta;
d) Se não há imposto ou há menos imposto, por força de benefícios fiscais;
Saber o que cabe e o que não cabe neste momento é importante na medida em que se trata de um momento normativo, visto que a sua disciplina está subordinada às exigências do princípio da legalidade fiscal.
No segundo momento procede-se à aplicação, efectivação e gestão do imposto, traduzível nas operações de lançamento, liquidação e cobrança do imposto. Assim,
- No lançamento identificam-se os contribuintes pelo lançamento subjectivo e determina-se a matéria colectável e a taxa ( se houver pluralidade de taxas), mediante o lançamento objectivo;
- Na liquidação, determina-se a colecta, aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que coincidirá com o imposto a pagar (excepto se houver deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarcará esta ultima operação);
- Na cobrança, o imposto vai entrar nos cofres do Estado, quer na cobrança voluntária, se há lugar ao pagamento espontâneo pelo contribuinte do montante liquidado, quer na cobrança coerciva, se for preciso recorrer à apreensão dos bens necessários à solvência do débito fiscal do devedor.
Aqui temos o procedimento fiscal: sequência funcional de actos conducentes à identificação do sujeito passivo e à determinação do imposto a pagar. Assim, nesta fase não se está a criar ou instituir um imposto mas apenas a administra-lo e a geri-lo. Esta administração ou gestão pertence cada vez menos a administração fiscal mas também aos particulares, nomeadamente as empresas, quer na qualidade de contribuintes, quer na qualidade de terceiros. Assim estamos aqui perante o momento administrativo dos impostos, não subordinado ao exigente principio da legalidade fiscal mas bastando-se pelo principio da legalidade da administração. Consoante o tipo de imposto, a liquidação pode ser mais ou menos complexa: assim bastante complexa será a liquidação do imposto de IRS que se desdobra nas seguintes operações:
1. Apuramento do rendimento bruto por categoria (vejamos a varias categorias nos arts. 1º a 12º do CIRS);
2. Dedução das despesas realizadas para obtenção das receitas, obtenção da categoria liquida;
3. Englobamento dos diversos rendimentos líquidos , obtendo-se o rendimento liquido global;
4. Abatimento das despesas com pensões a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença transitada em julgado ou acordo judicial homologado, assim se determinando a rendimento colectável;
5. No caso dos contribuintes casados, aplicação do quociente conjugal;
6. Determinação da taxa aplicável;
7. Aplicação desta ao rendimento colectável, determinando-se a colecta;
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8. Deduções à colecta (despesas de carácter pessoal das famílias adstritas à realização dos direitos sociais, à saúde, habituação, educação, segurança social, as quais nos darão o montante da pagar).
Ou seja, de um ponto de vista dinâmico será necessário observar de forma adequada o momento da instituição ou do estabelecimento dos impostos do momento da sua aplicação ou efectivação.
ALGUMAS CLASSIFIAÇOES DE IMPOSTOS:
Impostos directos e impostos indirectos: são diversos os critérios económicos e os critérios jurídicos que tem servido para esta clássica distinção dos impostos.
Assim, quanto aos critérios económicos enumeramos (além do critério económico – financeiro e do critério da repercussão económica) o critério económico stricto sensu ou da contabilidade nacional: este critério tem em conta a natureza económica dos impostos, a sua integração ou não nos custos de produção das empresas. Desta forma, os impostos directos são os que não constituem custos de produção das empresas e os impostos indirectos aqueles que constituem custos de produção das empresas.
Desta forma, uma vez que os impostos directos não integram os preços dos bens ou serviços, não são tidos no apuramento do produto ou rendimento nacionais, os impostos indirectos, uma vez que integram os respectivos preços, são deduzidos ao produto nacional (bruto ou liquido) para apurar o rendimento nacional (liquido). Isto porque o rendimento nacional é igual ao produto nacional menos os impostos indirectos ou impostos sobre o consumo. Isto significa que os impostos indirectos correspondem, neste sentido, aos impostos sobre o consumo. Quanto aos critérios jurídicos (além do critério do lançamento administrativo de Otto Magger ou o critério o nol nominativo) cumpre analisar o critério do tipo de relação jurídica base do imposto: de acordo com este critério, a distinção entre impostos directos e indirectos reside no tipo de relação jurídica fonte da obrigação do imposto, ou seja, na configuração instantânea ou duradoura do elemento temporal do facto tributário. Assim, se a fonte do imposto é um facto isolado ou factos ou actos sem continuidade entre si, numa relação de carácter instantâneo, que dá origem a uma obrigação de imposto isolada, estamos perante um imposto indirecto. Contrariamente se a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tiver na base situações estáveis (que se prolongam no tempo) o que dará origem a obrigações periódicas, pelo que estaremos perante impostos directos. Assim a distinção entre impostos directos e indirectos virá a coincidir com a distinção entre impostos periódicos e impostos instantâneos ou de obrigação única.
Será necessário averiguar qual ou quais os critérios adoptados pelo nosso ordenamento
- Directos / indirectos;
- Periódicos / obrigação única;
- Reais / pessoais;
- Quota fixa/ variável
- Estaduais/ não estaduais;
- Gerais/especiais;
- Principais/acessórios;
- Fiscais/extrafiscais;
- etc
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jurídico fiscal?
1. Classificação orçamental das receitas fiscais: quanto à arrumação orçamental das receitas fiscais, há consenso em que elas segue o critério da contabilidade nacional introduzida pelo DL 305/71, actualmente disciplinada, no que concerne ao orçamento e contabilidade publica do estado, no DL 26/2002 de 14fev o qual contem o classificador económico das receitas e despesas publicas e no respeitante ao orçamento e contabilidade das autarquias locais no DL 54-A/99.
2. No 736º/2 CC: quanto a este artigo, a doutrina e jurisprudência que tem como base o critério jurídico do tipo de relação jurídica base do imposto, segundo a qual os impostos directos se identificam com os impostos periódicos e os impostos indirectos com os de prestação única . Porem, o teor do preceito e os trabalhos preparatórios levam-nos a concluir que se quis limitar temporalmente o privilegio creditório imobiliário geral no caso dos impostos directos ou periódicos;
3. O artigo 261º/1 CRP: dada a ausência de qualquer indicação no sentido da expressão impostos directos, parece que se quis seguir o critério da contabilidade nacional;
4. Os artigos 92º e 93º do Tratado da CE: este terá querido harmonizar as legilações nacionais quanto à tributação da despesa, harmonização que tem uma particular importância no estabelecimento e realização do mercado interno. Desta forma, o artigo 92º TCE permite aos Estados, quanto a impostos que não sejam impostos indirectos, conceder exonerações e reembolsos à exportação e o lançamento de direitos de compensação à importação. Por outro lado, o artigo 93º TCE prevê a harmonização das legislações fiscais nacionais no que respeita à tributação indirecta, sendo este o preceito que tem servido às diversas directivas adoptadas em sede de IVA e nos impostos especiais sobre o consumo. Deste modo, de acordo com o objectivo de tais preceitos facilmente se conclui que está aqui subjacente o critério da contabilidade nacional.
5. De acordo com o artigo 6º/1 e 2, parece que houve a pretensão de se contrapor, a título de tributação directa, a tributação do rendimento e do património e, a título de tributação indirecta, a tributação do consumo.
Impostos periódicos e impostos de obrigação única: o critério que esta distinção, que coincide com o terceiro critério jurídico da distinção entre impostos directos e impostos indirectos assenta é o previsto no artigo 736º/1 CC. A este respeito, nada mais haverá para acrescentar, a não ser a nota histórica, dado que esta distinção tem já uma grande importância no passado, tendo uma parte significativa destes impostos por objecto rendimentos rendimentos antecipadamente conhecidos pela administração fiscal (nomeadamente rendimentos reais presumidos ou mesmo rendimentos normais) e fazendo-se de maneira diferente, nos impostos periódicos e nos impostos de obrigação única o trânsito da fase de lançamento e liquidação (da responsabilidade do Ministério das Finanças) para a fase da cobrança (a cargo da tesouraria da fazenda publica).
a)Nos impostos periódicos, tínhamos a cobrança virtual, fazendo-se a liquidação com base nos dados na posse da repartição das finanças (fornecidos pelo contribuinte ou obtidos por esta). Assim, o chefe de repartição extraía os conhecimentos da cobrança (com identificação do objecto, do sujeito passivo, da natureza do imposto e da importância da colecta) e enunciaria os
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respectivos dados ao tesoureiro da fazenda publica (enunciando os oficiosamente ou debitando-os). O tesoureiro da fazenda pública emitia os anúncios aos contribuintes para estes pagarem o imposto no prazo de pagamento à boca do cofre ou no prazo pagamento com juros de mora. Findo este prazo, o tesoureiro procedia ao relaxe daqueles títulos de cobrança, extraindo certidões dos (.) de cobrança não cobrados e enviando-os ao chefe de repartição de finanças para este iniciar o processo de execução fiscal com base no título executivo constante da referida certidão.
b) Nos impostos de obrigação única: neste teríamos a chamada cobrança eventual, a qual, uma vez realizada a liquidação, seria o próprio sujeito passivo que solicitava o título de cobrança (guias de pagamento) na repartição de finanças, indo depois pagar o imposto na tesouraria da fazenda pública. Se não fosse pago, a cobrança eventual concretizava-se em título virtual, a que se seguia o processo. Porém, o regime da cobrança virtual foi extinto pelo anterior artigo 40º do anterior regime da tesouraria do estado, tendo este instituído o chamado documento de cobrança para a cobrança da generalidade do imposto (―documento único de cobrança; apesar de não se tratar efectivamente de um documento único). Por outro lado, contínua a haver impostos cobrados com base em guias de pagamento, tal como acontece com o imposto de solo, etc. Dai que hoje os impostos tenham por base o título de cobrança fundamentalmente o documento de cobrança ou as guias de pagamento, os quais, não sendo pagos, iram levar à extracção da certidão de divida a qual servirá como título executivo em sede de execução fiscal.
Assim, compreende-se que a importância da distinção encontra sede, sobretudo na configuração do elemento temporal do facto tributário: assim, se os impostos instantâneos não levantam problemas de maior, pois têm na base critérios intemporilisticos, já os impostos duradouros uma vez que têm por base do facto tributário um elemento temporal que tende a manter-se, colocar-se-á o problema do fraccionamento jurídico desse facto, ou seja, o problema do período do imposto que tende a coincidir com o ano cível. Isto tem importância, mormente em sede da contagem dos prazos de caducidade da liquidação e prescrição da obrigação do imposto (arts. 45º/4 e 48º/1 LGT), assim, nos impostos periódicos conta-se após após o final do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos de prestação / obrigação instantânea, contam-se a partir do momento em que teve lugar o facto tributário (Excepto no IVA e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada mediante retenção na fonte a titulo definitivo, caso em que o prazo se conta após o final do ano civil em que se verificou a exigibilidade do imposto ou facto tributário. Por outro lado, nos impostos periódicos os prazos de cobrança são divulgados na comunicação social – artigo 79º CPPT. Refira-se ainda que, muitas vezes, se utiliza a expressão ―impostos de prestação única‖ em vez de impostos de obrigação única, o que não parece correcto pois os impostos de obrigação única podem ser pagos em prestações: o imposto do selo sobre transmissões gratuitas pode ser pago em prestações, embora beneficie de uma desconto no casos de se optar pelo pagamento a pronto – art. 45º CIS) e o IMI que é pago em duas prestações se ultrapassar determinado montante. Conforme previsto no artigo 42º LGT, podem, a requerimento dos interessados, ser pagos a prestações os impostos em relação aos quais a lei o preveja.
Impostos reais e impostos pessoais: quanto ao peso relativo da incidência real e da incidência pessoal, podemos falar em impostos reais e impostos pessoais. Nos primeiros atinge-se a matéria colectável objectivamente determinável com a abstracção da concreta situação económica e social do contribuinte (IMI, IMT,IVA,IRC,etc), nos segundos tem-se em conta a situação
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económica e social do contribuinte, ou seja, o valor da sua fortuna e rendimentos e o montante dos seus encargos tal como acontece no IRS. Como características dos impostos pessoais, estes:
Atendem ao rendimento global do contribuinte;
Excluem de tributação o mínimo de existência;
Toma em consideração os encargos familiares, abatendo-os à matéria colectável, ou tendo os em conta através das deduções à colecta.
Deste modo, em sede de IRS, estas características residem em:
(Tendencial) incidência sobre a globalidade dos rendimentos;
 Não tributação do mínimo de existência (embora previsto apenas para o rendimento provenientes do trabalho dependente.
Consideração dos encargos com a família dos contribuintes (despesas com educação, saúde, habitação e segurança social)
Divisão do rendimento colectável por dois (quociente conjugal ou spliting) no caso dos contribuintes casados ou unidos de facto.
Progressividade da taxa.
Os impostos pessoais podem ser mais ou menos pessoais conforme partilhem de mais ou menos características: um exemplo de pessoalizaçao parcial encontrava-se no imposto sobre sucessões e doações, com uma taxa progressiva (em função do valor da quota hereditária e do grau de parentesco) e uma isenção até determinado montante dos bens adquiridos.
Imposto sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo: embora esta seja das classificações mais correctas (?) actualmente (nomeadamente no seio do IMI e da OCDE, esta não é muito utilizada pelos juristas para os quais esta assenta apenas em critérios económicos. Porém, não pode deixar de ser referida pois constata-se a sua crescente importância em sede de direito Europeu e mesmo de direito, nomeadamente com a concretização no artigo 104ºCRP dos impostos sobre o rendimento pessoal (104/1), sobre o rendimento empresarial (104º/2), sobre o património (104º/5) e sobre o consumo (104º/4). Assim, nos impostos sobre o rendimento tributa-se o rendimento – produto (acréscimo em bens obtidos durante o correspondente período a titulo de contribuição para a actividade produtiva) ou o rendimento – acréscimo (o qual engloba também os bens obtidos a outro titulo, sem dano para o património inicial – deste modo integra também os incrementos patrimoniais, nomeadamente as mais valias).Já nos impostos sobre o património tributa-se a titularidade ou transmissão de valores pecuniários líquidos (que constituam capital produtivo, capital lucrativo ou bens de consumo duradouro). Nos impostos sobre o consumo tributa-se o rendimento ou património utilizado no consumo. Segundo o nosso sistema fiscal, temos seguido esta distinção como:
Impostos sobre o rendimento : o IRS (tributa o rendimento global das pessoas singulares, incluindo as empresas individuais) e o IRC (tributa o lucro das empresas colectivas ou o rendimento das demais pessoas colectivas: a estes poderíamos acrescentar a taxa social única (contribuição para a segurança social, que não deixam de constituir impostos sobre o rendimento do trabalho dependente);
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Impostos sobre o património: o IMI, o qual incide sobre o património mobiliário detido e cuja matéria colectável é constituída pelo valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, o IMT que tributa a transmissão onerosa de bens imóveis e o IS que incide sobre a transmissão gratuita de bens moveis ou imóveis por actos inter vivos ou mortis causa, a favor de pessoas singulares ( a estes poderíamos acrescentar o imposto rodoviário, o imposto de camionagem, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de selo sobre a aquisição de imóveis, etc);
Impostos sobre o consumo: O IVA e os IEC´S (imposto sobre produtos petrolíferos, imposto sobre o tabaco, imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas e o imposto automóvel. Além destes impostos, teremos ainda que falar de outros como o imposto de selo, propriamente dito, o imposto para o serviço nacional de bombeiros e o imposto de jogo.
Impostos fiscais e impostos extra-fiscais: esta é uma distinção que se refere ao elemento teleológico do imposto: será importante referir que os impostos extra fiscais não integram o direito fiscal mas o direito económico fiscal, uma vez que integram objectivos de natureza económica e social: daí que não se lhes aplique, pelo menos, todos os princípios da constituição fiscal (flexibilização do principio da legalidade etc. . . )
RELAÇÕES DO DIREITO FISCAL COM OUTROS RAMOS DE DIREITO
Direito fiscal e direito administrativo: a grande relação entre o direito fiscal e o direito administrativo manifesta-se, desde logo, no facto de aquele ser um sub – ramo deste, sendo que do direito administrativo decorre uma boa parte dos institutos do direito fiscal, quer se tivermos em conta a actividade administrativa fiscal, quer mesmo em sede de organização judiciária fiscal. Desta forma, quanto à organização administrativa fiscal, a administração fiscal constitui uma parcela da administração financeira do Estado a quem está confiada a recolha de meios financeiros indispensáveis à realização de fins do Estado: daí que sejam muitos os aspectos da administração fiscal regulados pelo direito administrativo (organização dos serviços, suas atribuições, competências, as relações de emprego publico dos seus funcionários e agentes, as funções administrativas que é necessário para por em funcionamento a maquina fiscal, etc. Isto é assim tanto em sede de direito substantivo como em sede de direito processual ou de direito judiciário.
Quanto à actividade fiscal será de igual forma clara a sua recondução à actividade administrativa e à sua disciplina pelo direito administrativo. Assim, o procedimento fiscal e o acto fiscal em que este desemboca não passam dum acto administrativo e de um procedimento administrativo especiais. Isto acaba por ter suporte no CPA art.2º/6 e 7, na LGT art.2º/c que manda aplicar também às sentenças dos tribunais tributários o regime da execução das sentenças dos tribunais administrativos art. 102º/1 LGT. Por fim, o CPPT considera que são seu direito substantivo o ETAF e o CPTA, assim como o CPA – art 2ºCPPT, mandando ainda aplicar o CPTA ao recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária que não comporte a apreciação do acto de liquidação da autoria da administração tributária e nos conflitos de competência – artigo 97º/2 e 3 CPTT.
Quanto à organização judiciária fiscal, os tribunais fiscais integram a mesma jurisdição (tribunais administrativos e fiscais) de acordo com o novo ETAF. Assim, com o CPTA e o novo ETAF, completou-se a agregação de todos os tribunais administrativos e fiscais. Por outro lado,
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note-se que nem sempre é o direito fiscal a convocar o direito administrativo, acontecendo também o direito administrativo a convocar o direito fiscal – arts 149º/3 e 155º CPA, que remetem para o processo de execução fiscal (148º ss. CPTT)a cobrança de obrigações pecuniárias dos particulares resultantes de actos administrativos.
Direito fiscal e direito privado: há muitos e estreitos pontos de contacto do direito fiscal com o direito privado – direito civil e direito comercial. Desde logo, o núcleo central da relação tributaria tem a estrutura de uma obrigação (de um lado está um poder de exigir do contribuinte do outro o dever de a realizar). Daí que, a obrigação de pagar imposto tende a uma estrutura idêntica e utiliza princípios e conceitos do direito das obrigações. O mais importante ponto de contacto surge na circunstancia de o direito fiscal ligar a obrigação de pagar imposto à pratica de actos, ao exercício de actividades ou ao gozo de situações disciplinadas enquanto tal pelo direito privado. Isto explica o recurso do direito fiscal a conceitos de direito privado, em relação aos quais se coloca a questão se estes conservam o mesmo sentido que lhes é dado em direito privado ou se são reelaborados.
Neste sentido, muitas são as vezes em que a lei adopta os conceitos de direito privado, como acontece com o conceito de transmissões de imóveis no IMT (art 2º/2 e 3 CIMT). O mesmo se verifica em sede de IRS e de IRC, tal como acontece nos arts. 10º/3/a CIRS e art. 43º/5 CIRC. Igualmente há preceitos específicos de direito fiscal a afastar o sentido dos conceitos e a aplicação das correspondentes normas de direito privado, como nos casos em que se chega a uma tal conclusão por interpretação e aplicação conjugada e harmonizada e harmonizada de vários preceitos legais. Exemplo disso é o que se verifica quanto aos juros de mora que integram o conceito de indemnização devida ao abrigo de contratos de seguro quer, em sede de direito civil e de direito comercial integram o conceito de indemnização. Isto já não acontece no direito fiscal onde se perfilha um conceito mais estreito de indemnização excluindo dele os juros moratórios devidos pelo atraso na liquidação da indemnização – artigo 5º/2/g CIRS. O mesmo se verifica quanto aos conceitos de notificação e citação definidos no artigo 35º CPPT, em termos diversos dos do código civil, no artigo 228º CPC.
O problema apenas surge quando o legislador fiscal se limita a utilizar os conceitos de direito privado. Isto levou a uma discussão na doutrina entre aqueles que defendem que, quando nada foi dito, os conceitos de direito privado seriam utilizados no sentido que lhes é dado no direito privado e aqueles que defendem a autonomia dos conceitos de direito fiscal. C.Nabais defende que neste caso, quem esteja encarregue de aplicar estes conceitos, os deverá aplicar no sentido que, de acordo com a hermenêutica jurídica, parecer mais defensável. Esta orientação metodológica passou a ter consagração legal no artigo 11º/2 LGT. Porém, tal ainda não é isenta de reparos, uma vez que, não se deverá defender uma interpretação literal das normas, daí que não apenas quando decorrer directamente da lei se deve interpretar a norma de acordo com o seu contexto, mas mesmo que outro sentido não decorra directamente da lei, pode o intérprete chegar à conclusão que estamos perante um sentido próprio ou especifico do direito fiscal. Uma outra questão relacionada com o valor na espera jurídica fiscal dos conceitos de direito privado prende-se com o relevo que têm para o direito fiscal os negócios jurídicos de direito privado que enfermem de um vício que afecte a sua validade ou eficácia. Este problema tem actualmente resposta no LGT (36º/4 e 38º/1). Quando haja simulação, aplica-se o previsto no artigo 390º LGT. Isto significa que é necessário que, para se proceder à tributação real, se declare obtenha a declaração de nulidade de negócio simulado. Quanto à simulação, não nos podemos esquecer do
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fraco ou ineficaz combate aos negócios jurídicos simulados pelo nosso direito fiscal. De um lado, apesar de o artigo 39LGT vá no sentido da prevalência do negocio dissimulado face ao negocio simulado, a verdade é que, de acordo com o nº2 e a enorme amplitude dos negócios jurídicos celebrados com o recurso a documento autentico, seja porque a ordem jurídica o impõe. Seja porque as partes por ele optam, o que na regra acaba por vingar é a prevalência do negócio simulado. Por outro lado, o combate penal à simulação não leva o melhor resultado: apesar de a simulação integrar o crime de fraude fiscal (art. 103º/1/c RGET), a verdade é que a pesada moldura penal é de aplicação diminuta ou mesmo nula. Quando se trate de uma simulação de preço, a administração fiscal, poderá, porém, obter a declaração de nulidade do negócio jurídico cujo preço foi objecto de anulação. Entre o direito fiscal e o direito privado há, porém, uma grande autonomia do primeiro, visto que na relação jurídica fiscal constitui-se pelo facto tributário previsto na lei, independentemente da vontade das partes: daí não existir nas obrigações fiscais a autonomia da vontade (36ºLGT). Da mesma forma, no artigo 38º/2 LGT são proib as clausulas de abuso. Desta forma, a administração tributária pode, verificados certos pressupostos, desconsiderar actos ou negócios jurídicos que hajam sido praticados com o objectivo de obstar à tributação ou obter vantagens fiscais.
Assim, podemos dizer que, quer o direito civil quer o direito comercial continuam a modelar o direito fiscal. Porém, as relações entre o direito fiscal e o direito privado não têm um carácter meramente unilateral, tendo em conta as exigências do princípio da sistematicidade ou da coerência lógica do sistema jurídico no seu todo, não surpreende que o direito fiscal influencie também o direito privado.
Esta influência revela-se mormente no proseisismo (!) do direito fiscal face ao direito privado, sobretudo no que se refere ao sector do direito fiscal das empresas ou dos negócios. Desta forma, ao título meramente exemplificativo, foi com o CCI que se impôs determinadas regras contabilísticas (1963), depois, o legislador comercial não mais se mais interessar por estas após 1888.
Assim, temos um ramo do direito comercial – o direito contabilístico – que tem uma grande importância para o direito fiscal, mais especificamente para o direito fiscal das empresas, uma vez que o direito fiscal está muito dependente do direito da contabilidade no que se refere ao lucro tributável.
Desta forma, a disciplina jurídica da contabilidade das empresas, em geral não conta apenas do POC, mas é também integrada pelas directrizes contabilísticas e pelas interpretações técnicas do POC e pelas directerizes contabilísticas elaboradas pela comissão de normalização contabilística (CNB). Por outro lado, quanto a contabilidade das instituições bancárias e seguradoras, têm alguma representação no Banco de Portugal e no instituto de seguros de Portugal, as instituições bancárias e as seguradoras. Quanto ao POC, o mesmo tem uma estrutura peculiar, sendo integrado por um articulado próprio de um diploma legal e pelo, propriamente dito, POC para o qual aquele articulado remete. Desta forma dificilmente poderá o direito fiscal desempenhar a sua função se não estiver articulado com o direito que integra diversos domínios do direito comercial.
Direito fiscal e direito internacional: o direito fiscal tem também relações com o direito internacional. Quando falamos aqui de direito internacional queremos falar aqui de direito internacional público: é cada vez mais visível nos ordenamentos fiscais nacionais a existência de
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segmentos de direito internacional fiscal (normas fiscais provenientes quase exclusivamente de convenções internacionais e visam situações internacionais ou plurilocalizadas.
Porém, hoje, procura-se mais tratar do direito fiscal internacional (normas que regulam situações fiscais internacionais) do que direito internacional fiscal (normas provenientes de convenções internacionais, cuja violação dá origem a problemas de direito internacional publico, ou seja, responsabilidade dos Estados. Daí que o frequente seja seleccionar o conjunto de normas de origem interna, comunitária ou internacional que contém a regulamentação directa (mediante normas materiais) ou indirectamente (mediante normas de conflitos) dos factos internacionalmente plurilocalizados, que têm contacto com mais do que uma ordem juridico – fiscal dotadas de poder de tributar.
No direito fiscal internacional encontramos dois grandes tipos de normas:
As normas substanciais que delimitam a competência legislativa dos Estados em presença, tendo ainda normas de conflito (de fonte interna ou internacional);
Normas meramente instrumentais que se limitam a definir a competência dos órgãos administrativos ou a jurisdição dos órgãos judiciais nacionais para actuarem quanto a questões ligadas a mais do que uma ordem jurídica ou, em que medida os actos administrativos ou judiciais de execução (?) podem produzir efeitos no território de outro estado.
Numa outra perspectiva, podemos distinguir, na perspectiva das fontes das normas que disciplinam as situações fiscais, três tipos de normas:
Normas de fonte interna, direito fiscal externo.
Normas de fonte internacional, simultaneamente direito internacional fiscal e direito fiscal internacional.
Normas de fonte comunitária que integram o direito comunitário internacional fiscal.
Estas situações têm uma importância fundamental crescente, havendo cada vez maior internacionalização das relações por forca da globalização dos mercados. Dai a actual luta contra a evasão fiscal e a dupla tributação, facilitadas por aquela internacionalização, este empenho tem sido levado a cabo pela generalidade dos países, seguindo estes as soluções propostas pela convenção modelo da OCDE. Por forca da primazia do direito internacional, sempre que se verifique um conflito entre convenção de direito internacional e norma de direito interno, prevalece a norma convencional (cfr. Arts 81º/2 CIRS e 85/2 CIRC), apesar de estes parecerem pretender mais do que lhes é permitido (é permitido apenas à constituição a definição das fontes e sua hierarquização).
Direito fiscal e direito comunitário: embora possamos conceber o direito comunitário com um domínio especial do direito internacional, será preferível trata-lo autonomamente na sua relação com o direito fiscal (embora o direito comunitário prevaleça sobre o direito interno). Ora, há relações importantes entre o direito fiscal e o direito comunitário, no sentido em que:
Existe um direito comunitário fiscal próprio: há impostos comunitários próprios;
Alguns aspectos do direito fiscal interno exigem uma harmonização ao nível comunitário (direito comunitário fiscal interestadual);
No que se refere aos impostos comunitários, nem sempre a disciplina comunitária é integral: tal
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ocorre quanto aos impostos aduaneiros, mediante a pauta aduaneira comum, com os impostos extrafiscais agrícolas de realização do PAC, com a tributação compensadora e com a tributação anti – dumping, instrumentos da política comercial comum. Apesar de a gestão e administração destes impostos seja da competência da comunidade, os estados não deixam de ter alguma competência normativa nesta sede, uma vez que o exercício desta gestão continua nas mãos da administração aduaneira dos estados membros. Quanto ao direito de harmonização fiscal este apresenta diversos graus de concretização que pode ser levada a cabo por diversas vias e se refere não apenas quanto à tributação do consumo mas também à tributação directa.
Importância tem a disciplina comunitária de harmonização dirigida a evitar a dupla tributação e a evasão fiscal que decorrem de situações fiscais localizadas em vários estados (conexão com vários estados membros). A dupla tributação levou à directiva 90/436 CEE com vista a elimiar esta. Assim, estas situações tendem a ser objecto de uma disciplina supranacional em vez da tradicional disciplina internacional.
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A Constituição: a Constituição é indiscutivelmente o primeiro dos modos de revelação das normas jurídico fiscais. Sem duvida que o direito dos impostos se encontra moldado pela constituição fiscal, ou seja, conjunto de princípios juridico constitucionais:
Materiais -
As partes que pode tributar;
Quanto pode;
Formais –
Quem pode tributar;
Como pode tributar;
Quando pode tributar;
Assim, o Estado fiscal não se apresenta como o contrapolo do estado de direito mas antes se trata de um dos mais genuínos e mais típicos suportes financeiros do estado de direito: assim, a ideia de estado fiscal concretiza-se no princípio da liberdade, no sentido de que os actuais impostos são o preço por termos a sociedade que temos, uma sociedade assente na ideia de liberdade. Daí que não possa ser um preço muito elevado porque senão não se vê como será preservada a liberdade que é suposto servir (um preço aceitável e limitado).
O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FISCAL
Tradicionalmente, a tutela dos contribuintes em face do poder tributário limitava-se ao princípio da legalidade fiscal, entendido como um qualificado princípio da legalidade da administração. Esta tutela, não deixou, no estado liberal, de traduzir numa tutela dos contribuintes próxima do que actualmente reclamamos apelando a critérios materiais. A lei passou a ser compreendida como expressão dos interesses que em cada momento tem reconhecimento no parlamento, de modo que a lei deixou de ser garantia da sua qualidade : daí que sejam precisos princípios materiais que lhe devolvam a qualidade perdida.
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O principio da legalidade fiscal tem na sua base a ideia de auto – tributação ou auto – imposição, brutada na magna charta libertatum e no principio da constituição Norte Americana ―No taxation without representation‖.
Quanto aos impostos Medievais, podemos apontar-lhes como características:
Os impostos tinham um carácter extraordinário, pois o suporte financeiro era, sobretudo dado pelos rendimentos proporcionados pelos bens e direitos.
A deliberação da cobrança de impostos tinha que ser aprovada pela corte.
Posteriormente, instituem-se dois institutos diferentes:
- A notação anual da cobrança dos impostos pela aprovação anual do orçamento pelo parlamento;
- A exigência de os impostos serem criados e disciplinados nos seus elementos essenciais através de lei do parlamento (principio da legalidade fiscal).
Este princípio desdobra-se em dois segmentos:
1. Principio da reserva de lei (formal), o que implica que hoje haja uma intervenção de lei parlamentar (material a fixar a própria disciplina dos impostos, ou formal, autorizando o governo, as assembleias legislativas regionais ou as assembleias das autarquias locais a estabelecer, dentro de determinadas coordenadas previstas na lei de autorização , essa disciplina (165º/i, 1ªparte; 227º/1/i e 238º CRP);
2. Principio de reserva de lei (material): também designada como principio da reserva material contendistica (?) este principio geralmente designasse por principio da tipicidade, exigindo que a lei contenha a disciplina tão completa quão possível da matéria reservada, o que, nos termos do arttigo 103º/2 CRP integra quanto a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, a reserva apenas é exigida se e na medida em que estas sejam objecto de restrição ou condicionamento e já não quando forem objecto de ampliamento (165º/1/b CRP). Aqui temos a intensidade da reserva de lei fiscal que implica que a lei contenha os elementos essenciais de cada imposto, ou seja, determina a incidência de cada imposto, e em termos determinados ou determináveis, ou seja, a lei deve abranger todas as normas relativas à incidência objectiva (material, temporal, quantitativa e espacial), à incidência subjectiva (sujeitos activos e passivos, incluindo contribuintes, responsáveis, substitutos,etc), as taxas e os benefícios fiscais. Deverá abranger estas matérias quer se trate da criação ou aumento dos impostos, quer se trate da sua diminuição ou extinção, tal como foi defendido pelo TC. Em contrapartida, a reserva que decorre do princípio da legalidade fiscal não abrange a liquidação e cobrança dos impostos, cuja disciplina apenas está sujeita ao princípio da legalidade da administração pública. Isto significa que não aderimos à posição doutrinaria que entende que o artigo 103ª/3 CRP no sentido de que a vida do imposto (momento de liquidação e cobrança) estão sujeitos à reserva de diploma legislativo: lei, decreto lei ou diploma legislativo regional. Isto não significa que a disciplina da liquidação e da cobrança não esteja sujeita a outras reservas de lei, quando se localize em matérias constitucionalmente reservadas.
Porém, de acordo com o art. 8º/2/a LGT, que estende o princípio da legalidade tributária à
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liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade, concluiremos que, face a esta exigência legal, a liquidação e cobrança dos impostos não pode constar de regulamento, excepto os regulamentos das autarquias locais que podem versar inclusivamente sobre matéria essencial dos impostos (tenha-se sempre em ressalva que o artigo 8º LGT é um principio legal e não um principio constitucional).Porém, o principio da legalidade fiscal, no seu aspecto vertical não se esgota no que até aqui referimos, sendo também essencial que a lei ou decreto lei autorizado, levem a disciplina dos impostos o mais longe possível. Tal como acontece noutros domínios objecto de uma legalidade qualificada, isto não impede em absoluto a possibilidade de, por razões de praticabilidade em que sobressai a luta contra a fraude e evasão fiscal, que se utilizem conceitos indeterminados ou socorrer-se mesmo da atribuição da discricionariedade à administração fiscal ou, por interferência de outros princípios constitucionais, delegar certos aspectos dos elementos essenciais dos impostos ao poder normativo das autarquias locais ou admita mesmo recurso à analogia. Começando pelo principio da praticabilidade, deste decorrerá a exclusão das exigências da determinabilidade que leve a soluções impossíveis de lavar à pratica, mormente porque propiciava uma grande evasão fiscal, quer aquelas soluções que são economicamente insuportáveis – isto está na base de:
Concessão de uma margem de livre decisão à administração fiscal (29º/4 CIRS; 26º/5, 27º/2 e 28º/3 CIRS);
Utilização de conceitos indeterminados pelo legislador fiscal (art. 2º/4 CIVA, art. 40º/1 CIRC,etc);
Conceitos mistos ou copulativos (que associam conceitos indeterminados com a atribuição de discricionariedade) art.11º CIVA e art.9.
Exigência de determinabilidade do principio da legalidade fiscal que apenas se deverá referir face a normas de tributação fictícia (como as que se limitam a actualizar os elementos essenciais dos impostos por força da inflação: assim, o legislador fiscal deverá proceder ou autorizar a administração a actualizar os impostos de acordo com a taxa de inflação, sob pena de haver um silent tax incompatível com o principio da legalidade fiscal – artigo 73º CIEC.
Quanto à interferência de outros princípios com o principio da legalidade fiscal diremos que:
Quanto ao princípio da autonomia local, hoje há um suporte constitucional no artigo 234º/4 CRP que prevê a atribuição de poderes tributários às autarquias locais, onde se inclui o poder tributário em sentido estrito (poder de as autarquias criar impostos ou disciplinar os seus elementos essenciais)).
Quanto ao princípio da igualdade fiscal, na nossa opinião ele vinha legitimar a admissão da colmatação de lacunas nos casos em que a lei o permitisse, porém, tendo em conta o artigo 11º/4 LGT, é proibido ao juiz e à administração aplicar normas fiscais analogicamente relativamente aos elementos essenciais do imposto. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURIDICA
O princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (2CRP) impõe-se ao legislador e limita-o em dois sentidos:
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Na edição de normas retroactivas desfavoráveis;
Na livre revogabilidade e alterabilidade das leis fiscais favoráveis;
Porém, um tal princípio aplica-se directamente também à administração fiscal quando estabeleça margem legal de livre decisão em que o parâmetro imediato seja a constituição.
Porém, podemos dizer que a primeira limitação decorrente do principio da segurança jurídica está desactivada em larga medida por força do principio de não retroactividade dos impostos (103º CRP). Desta forma, a proibição de normas fiscais rectroativas de incidência oneradora da situação jurídica dos contribuintes, dispõe agora de consagração constitucional expressa.
Porém, o princípio da segurança jurídica não foi absolvido pelo nosso preceito constitucional: quando haja uma aplicação retroactiva verdadeira ou própria não se aplicará este princípio. Mas o princípio já se aplicará como critério de ponderação em situações de rectroatividade imprópria ou quando não haja qualquer rectroactividade mas haja que tutelar a confiança depositada na actuação dos órgãos do Estado. Desde logo, será por este princípio que se resolverão os problemas que se colocam na delimitação entre rectroatividade própria e imprópria ou entre rectroprovocaçao dos efeitos e conexão a factos passados.
Assim acontecerá com as leis que contenham uma interpretação autêntica, havendo que observar se estamos perante leis interpretativas materiais ou meramente formais, procedendo, assim à ponderação entre o interesse público e a imperiosidade de obter receitas e o interesse na parte da confiança dos contribuintes. A mesma ponderação terá ainda que ser feita quando a administração ou o legislador pretender recuperar impostos em virtude da anterior interpretação ilegal da administração ou excluir da zona de incidência ou os atirar para os benefícios fiscais, impuser retroactividade a interpretação da lei fiscal.
O princípio da segurança jurídica impõe também uma gesetzkonstang, com expressão sobretudo na limitação ou exclusão da ―livre revogabilidade‖ das leis relativas a benefícios fiscais. Esta é uma exigência que alguma doutrina aceita com uma grande latitude, baseando-se em diversos argumentos como os que decorrem da retroactividade, da tutela dos direitos adquiridos ou da irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, nos que, segundo casalta Nabais, decorrem da ponderação entre o interesse público (que se efectiva na revogação da lei que beneficia) e os interesses dos particulares na manutenção da lei que prevê os benefícios fiscais.
Na sua expressão de princípio da tutela da confiança, o princípio da segurança jurídica opera ainda em sede de numerosos deveres ou obrigações fiscais de natureza acessória que impendem sobre os particulares, obstando a que estes sejam agravados retroactivamente (se tais deveres forem configuráveis como restrições a direitos, liberdades e garantias aplicar-se-á o a proibição da retroactividade do artigo 18º/3 CRP O PRINCÍPIO DA IGUALDADE FISCAL
O princípio da igualdade sempre se reconduziu a uma específica expressão do princípio geral da igualdade no seu sentido material (ou igualdade na lei).
Efectivamente, afirmado contra os privilégios próprios do Estado pré-liberal, o principio da igualdade fiscal teve sempre ínsita sobretudo a ideia de:
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Generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos; Uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical). O princípio da capacidade contributiva, enquanto termo de comparação da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional, tendo por fundamento o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva "CRP fiscal" e não qualquer outro (nomeadamente o princípio da socialidade). A capacidade contributiva não dispõe dum suporte adequado nem na teoria do benefício (ou da equivalência) – está vinculada a uma ideia contratualista do estado, além de ser impraticável e não estar em sintonia com o estado social, apenas se invocando quanto aos tributos bilaterais - nem na teoria do sacrifício - conduz-nos a três diferentes igualdades (consoante se perfilhe a teoria do sacrifício igual, a teoria do sacrifício proporcional ou a teoria do sacrifício marginal); não nos dando qualquer destas uma resposta unívoca no concernente a taxa dos impostos. Porém, numa perspectiva meramente doutrinal, os conceitos de benefício e de sacrifício não são de rejeitar em absoluto, sobretudo o conceito de sacrifício que permitir ancorar a ideia de que os impostos que cada um deve suportar hão-de basear-se seja no rendimento obtido ou utilizado, seja na riqueza possuída ou utilizada, e de indiciar, caso se opte pela teoria do sacrifício proporcional ou relativo, uma tributação proporcional. As objecções ao princípio da capacidade contributiva são fundamentalmente três:  Ter por objectivo o nivelamento social e aniquilamento da liberdade individual, objecção que tem como alvo o próprio estado fiscal social;  Ser um conceito indeterminável e equívoco que, para além de esquecer os múltiplos conceitos indeterminados com guarida nas actuais constituições que as jurisdições constitucionais tem de interpretar e aplicar, partilha da ideia do carácter meramente programático dum tal princípio;  A sua falta de previsão constitucional expressa mais não é do que uma expressão do tradicional e arreigado positivismo que tem assolado o direito dos impostos. Ora bem, a capacidade contributiva constitui:
- Pressuposto: exige não só que todos os tributos, em que naturalmente se incluem os impostos extrafiscais, mas também os próprios benefícios fiscais tenham por objecto "bens fiscais", excluindo da tributação, por conseguinte, tanto o mínimo
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existencial como o chamado máximo confiscatório; em contrapartida, trata-se de um suporte insuficiente da (in)admissibilidade, tanto das capitações como dos impostos retroactivos. - Critério da tributação: a capacidade contributiva rejeita que o conjunto dos impostos (o sistema fiscal) e cada um dos impostos de per si tenham por base qualquer outro critério, seja ao nível das respectivas normas, seja ao nível dos correspondentes resultados. De acordo com este critério, o âmbito da capacidade contributiva será apenas, em termos objectivos, apenas os impostos fiscais e no concernente a respectiva obrigação de imposto e diz respeito, em termos subjectivos, somente aos contribuintes (e não a outros sujeitos passivos fiscais), sejam cidadãos ou estrangeiros, pessoas singulares ou colectivas. Em relação ao quantum da tributação, a capacidade contributiva não constitui qualquer suporte da progressividade do sistema fiscal ou dos impostos, indiciando-nos antes a opção por impostos proporcionais. Sem os resolver, o princípio da capacidade contributiva tem importantes préstimos quanto aos problemas da tributação do capital ou património ou da dupla (ou múltipla) tributação. De um lado, constituindo a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, construa em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico, manifestação dessa capacidade. Daqui decorre:  A Inconstitucionalidade das presunções absolutas de tributação e das chamadas sanções impróprias;  A necessidade duma válvula de escape para obstar a situações de grave iniquidade no caso da tributação assente em ficções;  O questionar da específica configuração dos pagamentos antecipados de impostos e da proibição absoluta da aplicação analógica das normas jurídicas fiscais essenciais. Constitui, porém, uma base insuficiente para solucionar problemas como os do instituto do solve et repete, da tributação dos proventos derivados das actividades ilícitas ou da tributação dos rendimentos nominais.
Um tal princípio tem, porém, especial densidade no concernente aos impostos sobre o rendimento, ao exigir um conceito de rendimento mais amplo do que o do rendimento-produto, um conceito que, embora, em geral, identificado com o rendimento-acréscimo ou, numa versão mais recente, com o rendimento do mercado, não integra todo e qualquer aumento de valor aquisitivo como a generalidade dos rendimentos em espécie ou das aquisições a título gratuito e fica, em assinalável medida, na margem de liberdade do legislador. Exigência que, entre nós, tem ainda
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um suporte constitucional suplementar, ao imputar-se ao sistema fiscal o objectivo duma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art. 103, nº 1) e, ao imposto sobre o rendimento, a diminuição das desigualdades (art. 104º/ 1). De outro lado, implica quer o princípio do rendimento líquido, a impor que a cada categoria de rendimento sejam deduzidas as despesas específicas para a sua obtenção, quer o princípio do rendimento disponível, a exigir que a soma dos rendimentos líquidos sejam abatidas as despesas privadas, sejam as imprescindíveis à própria existência do contribuinte (mínimo de existência individual), sejam as necessárias a subsistência do casal e sua família (mínimo de existência conjugal ou familiar) – art. 6º/1 LGT. Aliás, a importância crescente do princípio da capacidade contributiva, como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, está bem patente em disposições legais, como o art. 4º/1 LGT. O RECORTE CONSTITUCIONAL DO SISTEMA FISCAL:
O actual apelo (de iure condendo) a específicos limites constitucionais aos impostos, sobretudo de natureza quantitativa, está longe de ter adesão significativa na doutrina e de conseguir um lugar nas constituições, pelo que o mais frequente é que esses limites respeitem à distribuição constitucional do poder tributário e/ou das receitas fiscais entre os diversos níveis da estrutura descentrada dos Estados e ao quadro constitucional traçado para o sistema fiscal. A nossa CRP recorta o desenho do nosso sistema fiscal em dois momentos: 1- Fixação das finalidades do sistema fiscal, conforme estabelece o 103º/1 CRP (finalidade financeira seguida de uma finalidade de carácter extrafiscal) 2- Recorte dos exactos contornos do nosso sistema fiscal no art. 104º, em que se prevê: a) Um imposto único e progressivo sobre o rendimento pessoal, b) A tributação real como regra da tributação do rendimento das empresas, c) Uma tributação do património que contribua para a igualdade dos cidadãos; d) Uma tributação do consumo adaptada ao desenvolvimento económico e a justiça social.
O imposto sobre o rendimento pessoal:
Quanto à tributação do rendimento pessoal, a CRP exige um imposto: 1) Único, 2) Progressivo
3) Tenha em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
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Todavia, estas exigências constitucionais continuam a não ser respeitadas pelo nosso sistema fiscal, muito embora as coisas tenham melhorado com a LRF de 2000. Estas exigências de unicidade e progressividade, são postas em causa pela tributação de amplos rendimentos, objecto duma tributação separada e proporcional, mediante taxas liberatórias, definitivas e relativamente baixas, conforme previsto no art. 71º CIRS, o que se exige pela convocação de outros preceitos constitucionais, como o princípio da praticabilidade das soluções, nomeadamente pela exigência do bom funcionamento do mercado financeiro (art. 71º/3/a) CIRS). Igualmente a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar está longe de se verificar, já que as despesas da família realizadas com a satisfação dos direitos sociais a saúde, educação, habitação e segurança social, até aqueles patamares mínimos que o nosso Estado social está em condições de satisfazer a todos os cidadãos, não são tidas em conta em sede de abatimentos ao rendimento líquido total (art. 56º ss. CIRS), mas em sede das deduções à colecta (art. 78º CIRS) e, especialmente em relação as despesas com a educação, em termos manifestamente muito limitados, uma vez que se não tem devidamente em consideração nem o número nem a situação específica dos dependentes que integram o agregado familiar. Também o ritmo da progressividade do IRS levanta algumas dúvidas quanto a sua constitucionalidade, já que, atentos a diversidade e o universo de montantes de rendimentos e, por conseguinte, de contribuintes abrangidos pelo actual 4º escalão, que sujeita a taxa de 34% os rendimentos que vão de mais de € 17.043 até € 39.197, torna o imposto proporcional relativamente a grupos de contribuintes com assinaláveis diferenças de rendimento. Enfim, também os níveis de rendimento a que se aplicam as diversas taxas marginais, em especial as que incidem sobre os rendimentos dos escalões superiores, atendendo a realidade das economias das famílias portuguesas, nos parecem demasiado baixos.
A tributação das empresas
Embora a tributação das empresas seja referida apenas no 104º/2, o facto de ela estar actualmente distribuída pelo IRS, em que são tributadas as empresas singulares, e pelo IRC, em que são tributadas as empresas colectivas, impõe-nos algumas considerações, nomeadamente a de saber se essa solução, adoptada na reforma fiscal, constitui uma exigência constitucional como defendeu a Comissão que preparou a reforma. Por outro lado, há que dizer alguma coisa sobre a regra da tributação das empresas pelo rendimento real. A cada um destes aspectos vamos dedicar as linhas que se seguem.
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a) AA ttrriibbuuttaaççããoo ddaass eemmpprreessaass ssiinngguullaarreess eemm IIRRSS: ao contrário do que defendeu a comissão, a exigência constitucional de unicidade de tributação do rendimento pessoal (art. 104º/1 CRP) não implica a tributação em sede do IRS das empresas individuais: O art. 104º/1 CRP, ao falar em imposto sobre o rendimento pessoal e ao exigir que este seja único, progressivo e tenha em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, nada refere quanto à tributação das empresas, apenas referindo o nº 2 que, a haver tributação do rendimento das empresas, ela assentará sobre o seu rendimento real. Ora, não devemos entender que no nº 1 a CRP se queira referir às pessoas singulares, caso contrário ter-se-ia referido no nº 2 às pessoas colectivas, tal como o faz nos arts. 12º/2, 82º/3, e 87. Se o mencionado preceito implicasse a integração da tributação do rendimento dos empresários individuais no IRS, isso significada que a CRP, embora por via indirecta, impunha uma determinada forma jurídica para o exercício da actividade económica por parte dos indivíduos e suas organizações empresariais, as quais, para integrarem o domínio da incidência do IRC, teriam de adoptar a forma de pessoa colectiva. Ora, segundo quanto nos é dado saber, a CRP em lado algum impõe isso, regendo, excepto quanto às pessoas físicas, o princípio da liberdade de configuração jurídica. Desta forma, a constituição deixa ao legislador a liberdade de exigir ou não a forma jurídica em que se consubstancie a personalidade colectiva. Haveria sempre que questionar qual a personalidade aqui relevante, se a do direito em geral, se a do direito fiscal, uma vez que estas não coincidem, sendo a distribuição da tributação das empresas entre o IRS e o IRC é, a seu modo, bastante artificial. Uma afirmação que tem diversas manifestações, tais como: 1) o apuramento do lucro tributável das empresas individuais é determinado através da aplicação do CIRC (art. 32º do CIRS);
2) O fenómeno da transparência fiscal que conduz a que, em vez da tributação em IRC de certas entidades dotadas de personalidade jurídica, haja lugar a tributação em IRS dos seus membros (arts. 6º e 12º do CIRC); 3) A consideração como sujeitos passivos de IRC e, por conseguinte, a inserção na tributação deste imposto de diversas entidades desprovidas de personalidade jurídica (art. 2º do CIRC); 4) A separação entre o património empresarial e o património pessoal relativamente ao titular do EIRL para efeitos da responsabilidade tributária (art. 25º da LGT); 5) A separação entre o património empresarial e o património pessoal dos titulares de rendimentos empresariais e profissionais para efeitos de imputação de proveitos e custos (art. 29º do CIRS);
Por quanto vimos de dizer, a CRP não exige a tributação em IRS do rendimento das empresas singulares, podendo tal revelar-se mesmo inconstitucional:
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 Pode conduzir a um tratamento discriminatório do rendimento empresarial dos empresários individuais (sujeitos a uma taxa marginal máxima de 42%) face ao rendimento dos empresários colectivos ou societários (dada a baixa da taxa geral de IRC (25%) e a aplicação de uma taxa reduzida de 20% as micro-empresas colectivas abrangidas pelo regime simplificado).  O entendimento em questão pode afectar a manifestação da liberdade de iniciativa e actividade económicas traduzida na liberdade de configuração jurídica da actividade empresarial. Em suma, o art. 104º da CRP prescreve que o imposto sobre o rendimento pessoal seja único, progressivo e não discriminatório negativamente da família. Não exige, por conseguinte, qualquer imposto com tais características sobre o rendimento empresarial. Pois a contraposição do nº 1 com o nº 2 desse preceito é entre "o imposto sobre o rendimento pessoal" e "a tributação das empresas" e não entre "o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares" e "o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas".
b) OO pprriinnccííppiioo ddoo rreennddiimmeennttoo rreeaall. Outro aspecto do recorte constitucional da tributação das empresas, prende-se com o sentido da exigência da tributação das empresas pelo seu rendimento real – efectivo ou presumido – constante do art. 104º/2 CRP, preceito que não é mais que uma concretização e explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal. Isto não pode excluir qualquer possibilidade de recurso a tributação dos rendimentos empresariais baseada em rendimentos normais, ou seja, no rendimento de um ano ou no rendimento médio de uma série de anos, que uma empresa poderia obter operando em condições normais. O legislador, porém, há-de poder estabelecer a tributação com base em rendimentos normais designadamente em relação aos pequenos contribuintes e as empresas com elevado potencial de evasão fiscal: 1) O mito do rendimento real. O rendimento real não deixa de ser, em alguma medida, um rendimento normal, na medida em que o integram componentes apuradas mais em termos de normalidade do que em termos de exacta e rigorosa realidade. Pois a própria, contabilidade em que assenta, tem por base múltiplos pressupostos mais construídos, ficcionados, do que verificados. Um entendimento do princípio da tributação pelo rendimento real, a ser levado demasiado a sério, conduziria mesmo a conc1usão de que o próprio rendimento apurado com base na contabilidade, porque ainda assim afastado da realidade, não satisfaria as exigências constitucionais da tributação pelo rendimento real. 2) O cariz dirigente do preceito. Mas o apuramento do sentido do preceito constitucional exige que se atente também no seu cariz dirigente, aparecendo o art. 104º CRP como um verdadeiro programa constitucional de reforma fiscal. O que supõe esse programa não ter de se concretizar de uma só vez, podendo o mesmo ser posto em prática gradual e progressivamente.
3) O contexto histórico e as exigências do preceito. Mas, no mesmo sentido, vai o
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momento histórico em que esse preceito foi adoptado e o específico ambiente em que a CRP foi elaborada e aprovada. Por esta forma pretendeu-se excluir a regra da sua tributação pelo rendimento normal, um modelo com grande tradição no direito fiscal português. Daí que a medida da tributação do rendimento das empresas, tenha passado a ser, por exigência constitucional, o seu rendimento real, o que obsta a que haja retrocesso neste domínio. Mas não impede que haja empresas que não sejam tributadas pelo seu rendimento real, mas sim pelo seu rendimento normal. Pois o que esse preceito impede é que as empresas que tenham todas as condições para revelarem o seu rendimento real, nomeadamente porque optaram pela contabilidade organizada, venham a ser tributadas a partir de outros elementos. Fora do domínio onde tal seja possível ( PME's e micro-empresas), o legislador está assim proibido de subtrair ao modelo de tributação pelo rendimento real empresas relativamente as quais, consideradas na sua realidade empresarial e económica, nenhum motivo ou fundamento se vislumbra que possa suportar uma excepção.
c) LLiibbeerrddaaddee ddee ggeessttããoo ffiissccaall. Nesta sede, impõe-se o princípio da liberdade de gestão fiscal das empresas (arts. 61º, 80º/e), e 86º CRP) e a exigência para o Estado de neutralidade fiscal. Assim, guiando-se pelo planeamento fiscal (tax planning), as empresas têm liberdade, nomeadamente, para escolher: 1) A forma e organização da empresa; 2) O financiamento – autofinanciamento, heterofinanciamento, recurso a suprimentos; 3) O local da sede da empresa, afiliadas e estabelecimentos estáveis; 4) A política de gestão de défices; 5) A política de reintegrações e amortizações. Mas a liberdade de gestão fiscal das empresas, vista pelo lado do Estado, concretiza-se no princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no art. 81º/e) CRP, em que se estabelece, como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas. A tributação do património:
Quanto à tributação do património, a CRP apenas exige que ela constitua um instrumento de igualdade entre os cidadãos. A diminuição das desigualdades é assim o objectivo constitucional da tributação do património, um objectivo que abre a porta ao legislador para proceder, nomeadamente, a discriminação de
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patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adoptando taxas progressivas. Este objectivo não foi tido em conta na reforma da tributação do património de 2003/2004, já que o IMI, IMT e IS sobre as transmissões gratuitas, o que não quer dizer que essa reforma, consubstanciada fundamentalmente na fixação do valor dos prédios, não tenha sido muito positiva, uma vez que veio por termo a situação de manifesta injustiça decorrente da total desactualização do valor dos prédios que, na prática, levava apenas os prédios novos fossem tributados e que o valor dos prédios fosse fixado em termos arbitrários.
A tributação do consumo
Quanto à tributação do consumo, a CRP exige, por um lado, que ela vise a adaptação da estrutura do consumo a evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social e, por outro, a oneração dos consumos de luxo – esta já deveria ser eliminada pela crescente incompatibilidade com as obrigações decorrentes da integração de Portugal na União Europeia (proibição das taxas agravadas de IVA). O DIREITO COMUNITÁRIO: O direito da actual União Europeia constitui uma fonte cada vez mais importante do direito fiscal, podendo mesmo falar de direito comunitário fiscal, no qual se descortinam dois segmentos: Direito comunitário fiscal próprio: este é o que disciplina os impostos comunitários próprios, em que temos, 1) A tributação que suporta a união aduaneira concretizada na pauta aduaneira comum; 2) Os impostos niveladores agrícolas, a tributação anti-dumping e a tributação compensadora; 3) Os impostos sobre os funcionários europeus. Apenas quanto a estes releva exclusivamente o direito comunitário, enquanto a disciplina jurídica dos outros dois, uma vez que são geridos pelos estados, ainda que estejam na titularidade da União, cabe, em alguma medida, aos estados. Direito comunitário fiscal interestadual: este segmento respeita à harmonização e à cooperação fiscal entre os Estados membros. Neste, temos:
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1) A disciplina dos impostos indirectos – do IVA e dos impostos especiais sobre o consumo respeitantes ao tabaco, bebidas alcoólicas e produtos petrolíferos (arts. 92º e 93º TCE); 2) A disciplina de alguns aspectos avulsos da tributação directa das empresas (art. 94º TCE), concretizada no regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permuta de acções entre sociedades de diferentes Estados membros, no regime fiscal comum aplicável às sociedades mãe e sociedades afiliadas de diferentes Estados membros e na eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros de empresas associadas De mencionar, nesta sede, são também o Código de Conduta relativo à fiscalidade das empresas, a directiva relativa ao comércio electrónico e as directivas respeitantes à tributação da poupança, isto é, à tributação dos juros pagos a pessoas singulares e à tributação dos juros e royalties pagos por sociedades associadas. A respeito do direito de harmonização fiscal é de fazer aqui menção aos níveis de harmonização, assim como às vias ou formas de harmonização. a) Desde logo, quanto aos níveis de harmonização, embora o Tratado de Roma e a legislação comunitária não façam qualquer distinção, a doutrina distingue: (Mera) coordenação: segundo alguns autores, operaria apenas ao nível das políticas dos Estados membros, tendo por objecto não actos normativos nacionais, mas o exercício do poder político ou governamental num dado sector.  Aproximação de legislações (ou coordenação de legislações ou mera coordenação de legislações) que se localiza ao nível da cooperação internacional dos Estados, em que se procura através de convenções e directivas formar uma base comum de princípios e regras, de maneira a que não só as soluções, mas também os próprios direitos nacionais se tornem similares.  Harmonização stricto sensu ou a harmonização tout court de legislações, em que se procede à erradicação das disparidades existentes entre as legislações nacionais de modo a chegar a soluções idênticas, sem limitar, contudo, o exercício da competência legislativa nacional;  Unificação ou uniformização, que envolve a eliminação total das disparidades e o consequente abrir mão de parcelas significativas da soberania fiscal e que tem por instrumento exclusivamente os regulamentos comunitários. Do exposto, podemos concluir que a harmonização fiscal representa uma solução racional de compromisso entre a necessidade de eliminar as disparidades fiscais existentes entre os Estados membros e a salvaguarda da autonomia destes em sede da sua competência legislativa ou jurisdicional. Por seu turno, quanto às vias ou meios de harmonização fiscal, podemos dizer que a harmonização pode ser:
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1) Jurídica, quando levada a cabo por instrumentos jurídicos: a harmonização positiva ou legislativa, que é realizada através de regulamentos, directivas, recomendações, decisões ou convenções ou a harmonização negativa ou jurisprudencial, que é levada a cabo através das decisões do TJCE; 2) Política, quando é concretizada através de instrumentos políticos como são os códigos de conduta, de que é exemplo o Código de Conduta sobre a fiscalidade das empresas. A harmonização fiscal não se limita à tributação do consumo, embora tenha sido neste sector que atingiu um grau de concretização e desenvolvimento sem paralelo (IVA, e impostos especiais sobre o consumo) pois, quanto a estes, a harmonização fiscal não é um fim em si mesmo, mas tão-só um meio para eliminar os obstáculos fiscais ao livre movimento de mercadorias, pessoas, serviços e capitais dentro da Comunidade. Mas a ausência de preceitos no TCE, quanto à tributação directa, não tem impedido a harmonização da tributação directa, conseguida pela harmonização positiva ou legislativa, mas sobretudo através da harmonização negativa ou jurisprudencial, nomeadamente por força do princípio da não discriminação (art. 12º TCE). Apesar da harmonização, teremos que chamar à atenção para o fraco avanço do direito fiscal comunitário em geral: quanto aos impostos comunitários, é fraco o seu peso no financiamento do orçamento comunitário e, quanto à harmonização fiscal, tem havido muitas propostas, mas poucas e fracas realizações, quer por força da tradicional regra da unanimidade em matéria fiscal, quer pela perda por parte dos Estados da política monetária e cambial associada à forte limitação da política fiscal. Com efeito, compreende-se que os Estados, que abriram mão da sua política monetária e cambial, se refugiem na soberania fiscal que lhes resta, mantendo a regra da unanimidade na adopção de medidas fiscais, e sendo muito cautelosos, na aceitação de novas áreas de harmonização fiscal ou de aprofundamento das áreas já existentes. Assim, quanto à harmonização fiscal da tributação das empresas, a falta de consenso na adopção de normas comunitárias, levou a União Europeia a virar-se para um ―direito soft‖, pela aprovação de um Código de Conduta no domínio da fiscalidade das empresas, o qual exprime apenas um compromisso político assumido pelos Estados membros no sentido de adoptarem medidas fiscais concordantes com os objectivos que a União pretende ver concretizados em sede da harmonização fiscal da tributação das empresas. Porém, por ser um instrumento político, há o risco de o seu cumprimento ficar dependente, ao fim e ao cabo, do peso político dos Estados.
AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS:
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Ao falarmos de convenções internacionais como fonte de direito fiscal, temos em mente os tratados e acordos em matéria fiscal para evitar a dupla tributação ou lutar contra a evasão e fraude fiscais, embora se faça alusão a que pode haver tratados internacionais com repercussões fiscais (Concordata de Portugal com a Santa Sé, por exemplo). Quanto às convenções de dupla tributação, em consequência da internacionalização da economia, a nossa tributação, tal como a de todas as economias abertas, passou a ter que se adaptar, o que levou a que a mesma se tenha convertido, a seu modo, num assunto internacional, o que está bem patente no número de CDT‘s celebradas por Portugal. A este respeito, quatro notas importantes:  As convenções de dupla tributação não têm que assumir a forma de tratado, podendo, nos termos do art. 161º/i) CRP assumir também a forma de acordos, sendo certo que, quando assumam esta forma, os mesmos têm de ser aprovados pela AR.  Portugal, por imposição da abertura da sua economia ao exterior, acelerou, nos últimos anos, a celebração de convenções de dupla tributação sobre o rendimento com os seus mais importantes parceiros comerciais.  As convenções celebradas com países membros da União Europeia tendem a perder bastante da sua importância, à medida que o direito comunitário fiscal progride e a luta contra a dupla tributação através de instrumentos de harmonização fiscal supranacional.  A dupla tributação internacional também é afastada através de regimes internos unilaterais (art. 85º CIRC e 81º CIRS) como o crédito de imposto igual a menor da importância, apenas aplicável na falta de convenção, por força do art. 8º CRP. AS LEIS: Queremos aqui tomar a lei como o diploma legislativo: as leis (da AR), os decretos-lei (do Governo) e os decretos legislativos regionais (das assembleias regionais). Quanto aos elementos essenciais dos impostos tem, porém, de haver necessariamente uma intervenção prévia de lei parlamentar simples (assumindo apenas quanto à lei das finanças das regiões autónomas a forma de lei orgânica – arts. 164º/t) e 166º/2 CRP) – lei de autorização comum ou constante da LOE Já relativamente aos outros aspectos dos impostos o decreto-lei e o decreto legislativo regional podem intervir sem necessidade de uma prévia intervenção legislativa da AR. Assim acontece, designadamente, em sede de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos.
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OS REGULAMENTOS: Os regulamentos do Governo, das regiões autónomas ou das autarquias locais, não podem, em virtude do princípio da legalidade fiscal, disciplinar os elementos essenciais dos impostos nem, por força do princípio da legalidade da administração (art. 8º/2/a) LGT), versar sobre a liquidação (lato sensu) ou a cobrança dos impostos. Quanto às demais matérias tributárias os regulamentos poderão intervir se e na medida em que o princípio geral da legalidade da administração o permita e não haja disposição legal a impedi-lo, dispondo portanto em contrário. Relativamente aos regulamentos das autarquias locais, é de referir que, quando esteja em causa o exercício de alguma parcela do poder tributário, um tal poder só pode ser exercido pelo órgão deliberativo — a assembleia municipal – como se deve concluir, até por paralelismo com o que acontece com o poder tributário do Estado e das regiões autónomas, o que se pode também ver concretizado no art. 112º/4-8 CIMI e no art. 14º/4 LAL, no respeitante à derrama, etc. Quanto aos regulamentos de certas entidades públicas (avisos do banco de Portugal e normas regulamentares do Instituto de Seguros de Portugal), estes têm expressão importante também no domínio do direito fiscal, pois, nos termos do art. 33º/1/d) CIRC, para efeitos da determinação do lucro tributável, em IRC, podem ser deduzidas as provisões que, de harmonia com a disciplina definida pelo Banco de Portugal ou pelo Instituto de Seguros de Portugal, e por força de uma imposição de carácter genérico e abstracto, tiverem sido obrigatoriamente constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão. Um problema que aqui se coloca é o de saber qual o relevo das chamadas orientações administrativas, regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos, não sendo vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. Segundo o art. 68º/4/b) LGT, a administração tributária está vinculada às orientações administrativas, muito embora, como bem se compreende, essa vinculação cesse quando a administração actue em cumprimento de decisão judicial (nº 7) Não sendo vinculativos nem para particulares nem para os tribunais, tais regulamentos não integram normas aplicáveis à resolução dos casos concretos, devendo a validade dos actos tributários ser aferida pelo confronto com a norma legal e não com o regulamento interno. Apesar disso, estas orientações não deixam de ser jurídicas, sendo do maior interesse prático dos contribuintes o respectivo conhecimento e sua publicação.
Movido certamente por essa preocupação, o legislador do CPPT, veio estabelecer alguma disciplina neste domínio, estabelecendo que cabe exclusivamente ao dirigente máximo do serviço ou ao funcionário em quem ele tiver
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delegado a competência para emitir orientações genéricas visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços (art. 55°). De outro lado, veio impor que a administração tributária organize uma base de dados, permanentemente actualizada, contendo as orientações genéricas e faculte aos contribuintes o acesso directo a essa base de dados (art. 56°). Muito embora se trate de normas regulamentares que integram o direito da contabilidade e não o direito fiscal são de referir também as normas elaboradas e aprovadas pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC), um organismo tecnicamente independente, embora funcionando administrativa e financeiramente no âmbito do Ministério das Finanças. A CNC elabora dois tipos de regulamentos de normalização contabilística em desenvolvimento e interpretação do POC: 1) Directrizes contabilísticas, de efeito obrigatório, elaboradas pela CNC, embora sujeitas a homologação do Ministro das Finanças; 2) as interpretações técnicas do POC e das directrizes contabilísticas. Dada a actual internacionalização fiscal, as empresas tendem crescentemente a aplicar as chamadas normas contabilísticas internacionais (NIC‘s), bem como os United States GAAP‘s. OS CONTRATOS: Os contratos fiscais encontram-se previstos no art. 37º LGT. Por isso, impõe-se saber se estes assumem ou não a qualidade de fontes do direito dos impostos. Ora bem, a este propósito, distinguem-se dois tipos de contratos:  Contratos fiscais stricto sensu: têm por objecto, em alguma medida, o se e/ou o quanto da incidência do imposto, em que intervêm, de um lado, o titular do poder tributário ou, por delegação, a administração fiscal e, de outro lado, o contribuinte e se concretizam sobretudo na atribuição de benefícios fiscais, mormente de benefícios fiscais dinâmicos, isto é, incentivos ou estímulos fiscais, como acontece no art. 39° EBF.  Contratos fiscais, lato sensu, que integram os contratos, stricto sensu e os que têm por objecto o lançamento, a liquidação ou a cobrança do imposto, em que intervêm, como sujeito activo, a administração fiscal e o próprio sujeito passivo da correspondente relação jurídica fiscal, ou terceiros. Temos aqui dois tipos: Contratos fiscais em que a administração tributária contrata com o próprio contribuinte ou sujeito passivo aspectos da liquidação ou cobrança do respectivo imposto (contrato de avença no imposto do jogo, por exemplo); Contratos fiscais em que a administração tributária contrata com certas entidades a prestação de serviços relativamente à liquidação e
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cobrança de impostos alheios (por exemplo, o contrato de prestação de serviços, previsto no art. 51º/1 CPPT)
Assim, os contratos fiscais em sentido amplo, nas diversas modalidades que assumem, dizem respeito a situações concretas e individuais, logo não são fontes de direito fiscal. A CODIFICAÇÃO DO DIREITO FISCAL: A codificação da parte geral do direito fiscal consta agora aparentemente da LGT. Na verdade estamos perante uma ―codificação‖ que não configura nem uma lei geral nem uma lei tributária, pois integra apenas uma parte da disciplina geral e mesmo esta diz respeito apenas aos impostos. Quanto ao conteúdo, apenas integra alguns princípios relativos à ordem jurídica tributária (arts. 1º a 14º), o sector mais importante do direito substantivo tributário geral, polarizado na relação jurídica tributária (arts. 15º a 53º) e alguns aspectos gerais do direito procedimental tributário (arts. 54º a 94º) e um ou outro princípio relativo ao processo tributário (arts. 95° a 105º). Assim, foi excluído o grosso do direito procedimental tributário, constante do CPPT, seja em sede da disciplina específica de cada um dos procedimentos tributários, que consta ou do CPPT ou de legislação avulsa. De outro lado, a LGT acaba por se aplicar apenas aos impostos, uma vez que, refere que regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades publicas consta de lei especial (art. 3º/3) Em sede de codificação geral do direito fiscal, podemos referir o CPPT, o RGJT, o EBF, etc. Quanto ao CPPT regula, como o próprio nome indica: de um lado, o procedimento tributário e, de outro, os processos tributários de impugnação judicial e de execução fiscal. O direito processual quanto às infracções fiscais consta do RGIT. Ao lado das codificações gerais, temos codificações especiais: códigos relativos aos impostos integrantes do nosso sistema fiscal: CIVA, o CIRS e o CIRC (da década de 80); mais recentemente, o CIS de 1999, o CIEC, o CIMI e o CIMT.
Note-se que a legislação fiscal se mantém ainda diversificada e numeros— LGT, CPPT, EBF, sendo paradigmático a divisão da disciplina anteriormente contemplada no CPT pela LGT e pelo CPPT e, de outro, a proliferação de legislação avulsa sobretudo no domínio dos benefícios fiscais, em que os variados lobbies conseguem extorquir benefícios fiscais. Desta forma, devemos apontar a verdadeira desordem que reina neste sector jurídico, levando à falta de articulação entre a
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disciplina geral e a disciplina especial e à proliferação de numerosa legislação avulsa, não só no domínio dos benefícios fiscais. Daí que Casalta Nabais entenda que deve ser um direito dos contribuintes a existência de uma legislação estruturada, tarefa que deveria ser levada a cargo pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade. INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO E EFICÁCIA DO DIREITO FISCAL: A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICO-FISCAIS: A respeito da interpretação das normas jurídicas fiscais, é de afirmar a rejeição das teorias específicas que neste domínio têm sido propostas, como as da interpretação literal, a da interpretação económica ou a da interpretação funcional. Por isso, é de seguir a orientação no sentido de que as normas jurídicas fiscais se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas (art. 11º/1 LGT). Uma orientação que não obsta a que a substância económica dos factos tributários seja tida em conta, naturalmente apenas na exacta medida em que a teoria da interpretação a convoque. Porém, pelo art. 11º/3 LGT, o legislador parece ter cedido à tentação de consagrar a teoria económica, devendo este ter-se por não escrito ou então como contradizendo o nº 1. Quanto à interpretação das convenções de dupla tributação há que aludir à complexidade de que se reveste a tarefa interpretativa das CDT‘s, por se terem que articular normas provenientes de diversas fontes, e de fontes de diversos níveis normativos, nomeadamente as normas das convenções de dupla tributação com o direito comunitário, de modo que não sejam incompatíveis com este. Depois, é de sublinhar a importância do recurso ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE e seus comentários, na interpretação das CDT‘s, embora devam ser interpretadas de acordo com a doutrina geral da interpretação das convenções internacionais (arts. 31º e 32° CVDT). Particular alusão merece o art. 3º/2, do Modelo de Convenção da OCDE que estabelece que qualquer expressão que numa CDT não se encontre definida terá o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado contratante relativa ao correspondente imposto, a menos que o contexto imponha interpretação diferente. A INTEGRAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICO-FISCAIS:
Desde logo, é de referir a tradicional proibição de recurso à analogia ou qualquer outra forma de integração das lacunas no domínio dos elementos essenciais dos impostos, de acordo com o princípio constitucional da legalidade fiscal.
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Assim, prevê o art. 11º/4 LGT, o qual deve ser interpretado no sentido de afastar a colmatação de lacunas no domínio coberto pela reserva de lei fiscal, independentemente portanto do meio através do qual a mesma se faça. Embora seja consensual a argumentação a favor da exclusão da integração das lacunas no domínio da reserva de lei fiscal, alguma doutrina actual, entre a qual se destaca Casalta Nabais, contesta uma rejeição absoluta da integração do direito fiscal essencial, propondo uma ponderação entre o princípio da legalidade fiscal, a exigir segurança jurídica, e o princípio da igualdade fiscal, a reclamar justiça fiscal. Assim, admite-se a integração das lacunas em sede do direito fiscal essencial sempre que a lei especificamente a preveja dentro da referida ponderação de bens jurídico-constitucionais. Embora o legislador não esteja impedido de admitir, dentro de certos limites, a integração de lacunas no domínio das normas integrantes da reserva de lei fiscal, já os aplicadores de tais normas, estão em absoluto proibidos de integrar tais lacunas, por aquele preceito da LGT. A EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICO-FISCAIS: A eficácia temporal: Quanto à eficácia temporal das normas jurídico-fiscais, apenas assume especificidade o problema da sucessão das normas fiscais no tempo. Pois bem, o direito dos impostos rege-se pelo princípio constitucional e legal da não retroactividade, tal como decorre a nível constitucional (art. 103º/3 CRP, o qual proíbe, a título autónomo, a criação ou aumento retroactivo dos impostos) e a nível legal (art. 12º LGT). Isto significa que, em direito fiscal, o princípio da aplicação imediata da lei nova aos procedimentos e processos em curso, comporta duas importantes excepções: não se aplica se afectar garantias, direitos ou interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes nem tratando-se de normas que, embora respeitantes ao procedimento de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento de normas de incidência tributária. Relativamente às normas sobre prazos, o art. 5º do DL que aprovou a LGT, em que foram encurtados os prazos da prescrição, de dez para oito anos, e da caducidade, de cinco para quatro anos, estabeleceu a aplicação do art. 297º do CC. No entanto, este preceito aplica-se apenas à prescrição e com duas importantes excepções, uma respeitante aos impostos já abolidos à data da entrada em vigor da LGT, aos quais se aplicam os novos prazos de prescrição independentemente das suspensões e interrupções do prazo (art. 5º/2); outra, respeitante ao prazo máximo da contagem dos juros de mora relativos aos regimes excepcionais de pagamento em prestações em vigor (art. 5º/3).
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Já quanto à caducidade do direito de liquidação dos tributos e da revisão dos actos tributários, o novo prazo aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998 (art. 5º/5). A eficácia espacial: A eficácia espacial das normas rege-se tradicionalmente pelo chamado princípio da territorialidade. Segundo o seu entendimento clássico, as leis tributárias apenas se aplicam aos factos ocorridos no território da ordem jurídica a que pertencem, independentemente portanto de outras características que eventualmente possam ocorrer na situação em causa, como a nacionalidade, o domicílio ou a residência do sujeito passivo. A territorialidade tem assim um vector negativo (as leis estrangeiras não se aplicam no território do país em causa) e um vector positivo (as leis tributárias internas aplicam-se no território nacional, de modo generalizado, inclusivamente aos estrangeiros). Tradicionalmente o princípio da territorialidade referia-se à conexão com o território de elementos de carácter real ou objectivo dos factos tributários, rejeitando-se a conexão com o território de elementos de carácter pessoal ou subjectivo, diversos da nacionalidade. Com a progressiva internacionalização da economia, há uma tendência para a personalização da tributação, de modo que as legislações internas ou as convenções internacionais passaram a eleger como elementos relevantes de conexão com o território já não aspectos objectivos ou reais, mas elementos subjectivos diversos da nacionalidade, como a sede, o domicilio ou a residência do contribuinte. Isto mesmo está, a seu modo, consagrado no art. 13º LGT, consagrando este no nº 1 o princípio da territorialidade objectiva ou real, e no n° 2 o princípio da territorialidade pessoal ou subjectiva, sem prejuízo do previsto em convenções internacionais celebradas por Portugal e de disposições legais em contrário como o art. 15º ss. CIRS, 4º CIRC e 2º, 6º, e 13º a 15º CIVA. Quanto aos elementos de conexão dos diversos tipos de impostos:  Impostos sobre o rendimento, os elementos de conexão legítimos são a residência do beneficiário do rendimento (o qual conduz à tributação do rendimento global, independentemente da sua origem, segundo o princípio da universidade ou do rendimento mundial - world wide income principle) e o local da produção do rendimento (o que leva a uma tributação limitada dos rendimentos produzidos no território, pela aplicação do princípio da territorialidade - source principle).
 Tributação do património (ou do capital): temos como elementos de conexão legítimos dois elementos: a residência do proprietário ou titular dos bens patrimoniais e o lugar da situação dos mesmos. Todavia, como facilmente se compreenderá, no domínio dos impostos sobre o património, sejam impostos sobre o
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património detido, sejam impostos sobre as transmissões do património, tem aplicação importante o princípio da lex rei sitae, de aplicação praticamente inevitável em sede da tributação do património imobiliário. Esta é a regra do nosso direito interno, em sede de tributação em IS (art. 4º/3 e 4 do CIS) e de IRC das transmissões gratuitas (art. 4/3/e) /1), CIRC), sendo que, não havendo Portugal celebrado qualquer CDT, adoptaram como elemento de conexão o locus rei situe, apenas atingindo os bens situados no território nacional, seja qual for a nacionalidade ou o domicílio do de cujus, do doador, do herdeiro, do legatário ou do donatário. Porém, o Modelo de Convenção da OCDE de dupla tributação relativo às sucessões e doações, adoptou como regra geral, no concernente à transmissão de bens móveis, o princípio do domicílio do de cujus ou do doador.  Impostos sobre o consumo: nestes, os elementos de conexão são a origem ou o destino dos bens transaccionados, sendo a regra a de que os impostos sobre o consumo devem ser lançados no país do consumo, revertendo assim em benefício dos Estados em que são consumidos os bens sobre que incidem ou em que é executada materialmente a prestação de serviços. Daí que, no país de origem, se proceda em geral à isenção com restituição (IVA) ou isenção do imposto no momento da exportação (impostos monofásicos, como os IEC‘s. É também pelo princípio do destino que se continuam a reger as transacções intracomunitárias, ainda que tenham sido planeada a substituição pelo princípio da origem, o que teve a oposição dos Estados-membros economicamente mais fracos, fortemente dependentes da importação de bens e serviços provenientes de outros estados membros. Quanto às conexões relevantes iure gentium, ressalva-se o: * Abuso de conexão (excess of jurisdiction), que se verificará quando um Estado pretenda tributar situações que com ele não têm qualquer conexão ou têm conexões de todo desrazoáveis; * Abuso de convenções (treaty shopping), que ocorrerá quando alguém que não é residente em qualquer dos Estados contratantes de uma CDT desloca a sua residência para um daqueles Estados com o único propósito de beneficiar do regime mais favorável da convenção, prática que começa a ser prevenida nas próprias CDT‘s. Mas sendo legítimo, do ponto de vista do direito internacional público, convocar diferentes elementos de conexão relativamente ao mesmo tipo de imposto, então estamos confrontados com o problema da dupla tributação, configurada como uma situação de concurso de normas. Como requisito da identidade do facto tributário, costuma exigir-se a regra das quatro identidades (a identidade do objecto, a identidade do sujeito, a identidade do período da tributação e a identidade do imposto)
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A este propósito importa referir que há quem entenda que a identidade do sujeito não é exigida, bastando-se assim a dupla tributação com as restantes três identidades. Todavia, a posição que colhe maior adesão é a que distingue entre a dupla tributação jurídica, em que essa identidade está presente, da dupla tributação económica (ou sobreposição de impostos), em que essa identidade está ausente (como na tributação dos dividendos que são tributados em IRC enquanto rendimento da sociedade e em IRS (ou IRC) enquanto rendimento distribuído aos sócios). Note-se que a identidade do período de tributação apenas releva em sede dos impostos periódicos, relevando apenas a identidade do objecto, quanto aos impostos sobre a transmissão de bens ou sobre o consumo. Por sua vez, quer quanto à identidade do sujeito, quer quanto à identidade do imposto, não nos devemos guiar por rígidos critérios formais, considerando que as mesmas se verificam sempre que haja uma identidade substancial. Cumpre ainda fazer a destrinça entre dupla tributação internacional (um facto tributário está em conexão com dois ou mais ordenamentos tributários distintos pertencentes a Estados soberanos) e dupla tributação interterritorial (um facto tributário está em conexão com dois ou mais ordenamentos tributários distintos pertencentes a espaços fiscais diferentes dentro do mesmo território soberano). De referir é, a este respeito, a solução específica da dupla tributação interterritorial, em que o poder central pode (por força de normas constitucionais, da legislação ordinária ou mesmo de decisões do poder judiciário) adoptar regras tendentes a eliminar a dupla tributação. Para eliminar ou atenuar a dupla tributação do rendimento, de acordo com o ius gentium, incumbe ao Estado da residência, porque tem legitimidade para tributar a globalidade dos rendimentos dos seus residentes, o ónus de eliminar ou atenuar a dupla tributação daí decorrente, o que pode ser feito mediante vários métodos: * Método da isenção – conhece duas modalidades: a) Isenção integral – O rendimento de fonte externa não é tido em consideração em sede da tributação dos rendimentos de fonte interna; b) Isenção com progressividade – O rendimento de fonte externa é tomado em consideração, juntamente com os de fonte interna, para efeitos de determinação da taxa progressiva aplicável ao rendimento global (de fonte interna). * Método da imputação ou do crédito de imposto (Tax credit), como constam, de resto dos arts. 23º-A e 23º-B do Modelo de Convenção da OCDE: a) Imputação integral – se o Estado da residência deduz o imposto efectivamente pago no país da origem do rendimento;
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b) Imputação ordinária – se o Estado da residência limita a dedução à fracção do seu próprio imposto correspondente aos rendimentos provenientes do país da fonte. Este último o método adoptado pelo nosso direito interno nos arts. 81° CIRS e 85º CIRC e nas CDT‘s subscritas por Portugal. O método da imputação conhece ainda duas outras modalidades, designadamente as que procuram evitar que as medidas de desoneração fiscal, praticadas por países em desenvolvimento, como forma de atrair investimento estrangeiro, redundem em proveito do tesouro dos países dos investidores: c) Crédito de imposto fictício (tax sparing credit) – o Estado da residência não deduz o imposto efectivamente pago no país da origem dos rendimentos, mas o imposto que teria sido pago não fosse a circunstância de aí tais rendimentos serem objecto de isenção (o que faz deste método esquema de concorrência desleal por parte de investidores de alguns países). d) Crédito de imposto presumido (matching credit) – o Estado da residência deduz um montante superior ao do imposto correspondente à taxa normal de retenção na fonte em vigor no país da origem dos rendimentos. Havendo um duplo benefício fiscal, o do Estado da fonte dos rendimentos e o do Estado da residência. Estes dois constam de CDT‘s com Portugal, sem que este consagre a reciprocidade, solução que se justificava dado o relativo atraso económico de Portugal, que hoje já se não verifica. Em contrapartida, justifica-se a adopção destes Portugal em CDT‘s com países com um nível de desenvolvimento económico consideravelmente inferior, o que se verificou nas CDT‘s com Moçambique e com Cabo Verde, inscritos num quadro de cooperação muito estreito e de auxílio ao desenvolvimento desses países (havendo mesmo isenção em ambos os países contratantes das remunerações a investigadores). A RELAÇÃO JURÍDICA FISCAL:
A complexidade da relação jurídica fiscal: Como primeira nota à relação jurídica-fiscal, podemos apontar a sua complexidade: + Quanto aos titulares activos, podemos indicar os titulares do poder tributário stricto senso, os titulares da capacidade tributária activa e os titulares da competência tributária, a que podemos ainda acrescentar, a seu modo, os titulares da correspondente receita fiscal.
+ Quanto aos sujeitos passivos, encontramos o contribuinte, os substitutos, os retentores, os responsáveis fiscais, os sucessores, os suportadores económicos do imposto (em caso de repercussão) e os sujeitos passivos das múltiplas e diversificadas obrigações ou deveres acessórios, que podem ser particulares,
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empresas, mas também oficiais públicos como os notários, conservadores e oficiais de justiça (art. 123º CIRS) e profissionais liberais, intermediários entre os contribuintes com a administração tributária (despachantes oficiais, os revisores oficiais de contas e os técnicos oficiais de contas). Quanto ao conteúdo, temos, ao lado da obrigação de imposto a satisfazer pelo contribuinte, substituto, responsável, sucessor, etc., as mais diversificadas obrigações ou deveres acessórios: prestações de natureza pecuniária (como as relativas a juros compensatórios, a juros moratórios, ao agravamento da colecta em caso de reclamação ou pedido de revisão da matéria colectável infundados, etc.), prestações de carácter formal ou prestações de facere a satisfazer seja pelo contribuinte, seja por terceiros. Quanto à relação fiscal em sentido amplo, esta desdobra-se na relação fiscal em sentido estrito e em diversas relações jurídicas acessórias, sendo certo que estas nem sempre se concretizam, como na concepção clássica, em relações entre os particulares e a administração tributária, mas são relações entre particulares (dever de reter o imposto alheio, de repercutir o imposto, no direito de o sub-rogado nos direitos na Fazenda Pública satisfazer o seu crédito nos mesmos termos desta, no direito de regresso dos responsáveis tributários, etc) + Mesmo quanto à relação fiscal em sentido estrito, esta é complexa, desde logo visível no duplo papel que a estrutura orgânica constituída pela administração fiscal em sentido amplo assume no domínio dos impostos. Na primeira dessas relações temos a Administração Fiscal numa relação de supremacia/subordinação com o contribuinte ou sujeito passivo do imposto, apresentando-se munida do correspondente poder administrativo – poder de liquidação (um poder funcional ou poder/dever) – para aplicar as leis fiscais, praticando os correspondentes actos de autoridade ou actos administrativos, isto é, os actos tributários (lato sensu) – competência tributária. Na segunda dessas relações, temos a Fazenda Pública (ou o Fisco) enquanto credora da prestação constituída pelo imposto numa relação de natureza paritária com o devedor do imposto, embora seja titular de um direito de crédito – capacidade tributária – rodeado de particulares garantias. Graficamente podemos apresentar as duas relacões: Refira-se que, apesar de a legislação falar sempre de obrigações acessórias, utilizamos esta como sinónimo de deveres acessórios.
Por outro lado, em concretização do princípio da cooperação da administração e do contribuinte (art. 48° CPPT) fala-se em deveres de cooperação do contribuinte para com a administração tributária, embora, não sendo esta uma relação que de
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natureza paritária, será mais adequada a designação de deveres de colaboração, terminologia usada no direito administrativo geral (art. 7º CPA) e na LGT (art. 59º). Por fim, nas obrigações ou deveres acessórios, podem distinguir -se 1) Obrigações ou deveres secundários, que integram os deveres acessórios da prestação principal destinados a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação e os deveres relativos a prestações substitutivas ou complementares da prestação principal; 2) Deveres de conduta, que visam o regular desenvolvimento da relação de imposto e se baseiam no princípio da boa fé. A obrigação fiscal: A relação jurídica fiscal desdobra-se, de um lado, na relação de imposto e, de outro, em diversas relações jurídicas acessórias. Porém, o núcleo central da relação jurídica fiscal é constituído pela obrigação de imposto que, apesar de ser estruturalmente um direito de crédito como qualquer outro, tem uma série de características peculiares: 1) Legal: trata duma obrigação ex lege, que nasce do encontro com o facto gerador com a hipótese legal (art. 36º/1 LGT); 2) Pública: A sua disciplina jurídica integra o direito público, o que se traduz nomeadamente na presunção de legalidade do acto de liquidação ou acto tributário que suporta a sua exigibilidade. 3) Exequível e executiva: Por um lado, o acto tributário não é autoexequível, carecendo, portanto, de execução e, por outro lado, a sua execução não está dependente de qualquer outra pronúncia para além da constituída pelo próprio acto tributário. 4) Semi-executória: A sua execução corre, em parte, na administração tributária (a instauração da execução, a citação dos executados, a reversão da execução contra terceiros, a penhora dos bens, a venda dos bens penhorados, a anulação da dívida, a extinção da execução, e todos os demais que não sejam praticados nos tribunais tributários) e, em parte, nos tribunais tributários (embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal – art. 151º CPPT).
5) Indisponível e irrenunciável: Ao credor não cabem, em princípio, quaisquer poderes para conceder moratórias, admitir o pagamento em prestações ou conceder o perdão da dívida (art. 36º/3 LGT e 85º/3 CPPT). Exceptuam-se os casos em que o contribuinte está legalmente autorizado a requerer o pagamento em prestações – requerido antes da instauração do processo de execução fiscal ou após esse processo,
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ou ainda no quadro do processo conducente à celebração de acordo de recuperação de créditos do Estado (arts. 42º LGT, 86º/3, e 196º do CPPT, arts. 29º a 37º do RCR, quanto às dívidas de IRS e IRC). 6) Autotitulada: A administração fiscal — o Fisco — cria os seus próprios títulos executivos, constituídos pelas certidões de dívida extraídas pelos serviços competentes das notas de cobrança ou de outros elementos que tiverem ao seu dispor, sendo estas certidões que servirão de base à instauração do correspondente processo de execução fiscal — art. 88º CPPT. 7) Especialmente garantida: As garantias especiais que rodeiam o crédito tributário colocam o credor tributário numa posição vantajosa face aos credores comuns O sujeito activo da relação jurídica fiscal: A titularidade activa da relação jurídico-fiscal, em sentido amplo, comporta diversas situações. Poder tributário, stricto sensu: Este consubstancia-se no poder conferido constitucionalmente ao legislador para estabelecer os impostos (Steuererfindungsrecht) e a sua disciplina essencial. Quanto a este, deve-se podemos dizer que o mesmo foi objecto de um desenvolvimento de sentido totalmente oposto entre os Estados federais (concentração) e os Estados unitários (descentração). Por outro lado, é a propósito do poder tributário que ainda faz sentido falar de soberania fiscal, expressa na função legislativa como manifestação normativa do ―poder jurídico supremo‖ do Estado, um nível separado dos outros níveis, que cabem a outras estruturas da descentração estadual contemporânea. Por fim, caracterizando o poder tributário, este é um poder constitucional, indisponível (a título definitivo ou a título temporário), abstracto, permanente e limitado (em que se inclui o seu carácter territorial), pelo que nem todo o poder tributário pode ser tido como um poder soberano, imprescindível, originário e legal, notas estas que apenas cabem ao poder tributário estadual. Competência tributária diz respeito à administração ou gestão dos impostos, traduzida no lançamento, liquidação e cobrança dos impostos, uma competência que tradicionalmente cabia à administração fiscal, mas que, hoje em dia, se divide entre a administração fiscal e os particulares (os contribuintes e terceiros), cada vez mais legalmente incumbidos de liquidar e entregar nos cofres do Estado os mais diversos impostos.
Capacidade tributária activa traduz a qualidade de sujeito activo da relação de crédito em que a relação fiscal se consubstancia, consistindo na titularidade do crédito de imposto e demais direitos tributários, uma qualidade que é inerente à
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personalidade tributária activa ou susceptibilidade de ser sujeito activo da relação jurídica tributária (art. 15° LGT). Titularidade da receita dos impostos, uma situação que se verifica naqueles casos em que, por imposição constitucional ou legal, as receitas proporcionadas por certos impostos estejam subjectivamente consignadas a determinados entes públicos que não tenham todas ou algumas das outras titularidades fiscais activas. Quanto ao sujeito activo da relação jurídica fiscal dos impostos de receita regional ou municipal, administrados pela administração fiscal do Estado, cumpre referir que, quer a afirmação da qualidade de sujeito activo da respectiva região autónoma relativamente aos impostos nela cobrados, nos Estatutos político-administrativos dos Açores e da Madeira e no art. 51º LFRA, quer a qualificação da administração fiscal do Estado sedeada nas regiões autónomas como representante legal da respectiva administração regional relativamente a esses mesmos impostos (art. 51º/2/c) LFRA e 18º/1 e 2 LGT), não nos força à conclusão de que as regiões autónomas são os sujeitos activos, os credores, das correspondentes relações jurídico-fiscais, a menos que haja lugar à regionalização das direcções de finanças sedeadas nas regiões autónomas, como ocorreu na Região Autónoma da Madeira. Esta ideia é ainda mais visível quanto aos impostos de receita municipal, não havendo legislação a considerar a administração fiscal do Estado como representante legal dos municípios. O sujeito passivo da relação jurídica fiscal: Contribuinte, devedor do imposto e sujeito passivo: Quanto ao sujeito ou titular passivo, lato sensu, a doutrina costuma distinguir:
+ Contribuinte, ou seja, a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, isto é, o titular da manifestação de capacidade contributiva que a lei tem em vista atingir, devendo, desta forma, suportar o desfalque patrimonial que o imposto acarreta. Assim, o contribuinte apresenta-se como um devedor qualificado, tratando-se de um devedor a título directo (e não indirecto, como o substituto tributário), originário (e não derivado, como o sucessor legal) e principal (e não acessório, como o responsável fiscal). Por outro lado, é de sublinhar que tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual se verifica o referido desfalque patrimonial, seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, que suporta o desfalque patrimonial pelo fenómeno económico da repercussão do imposto. Alguns autores, a este respeito, distinguem o contribuinte de direito (aquele em relação ao qual se verifica o facto gerador) do contribuinte de facto (aquele que, pela repercussão, suporta economicamente o imposto), distinção que deve ser recusada uma vez que, quando legalmente prevista, a repercussão também convoca o suportador do imposto em termos jurídicos (há uma obrigação jurídica de repercussão a que acresce uma obrigação natural de repercussão
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material. Daí que não admire que o art. 18º/4/a) LGT reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. + Devedor do imposto, ou seja, o sujeito passivo (stricto sensu) que deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação de imposto. Em sentido estrito, o devedor do imposto limitar-se-ia ao chamado devedor principal ou originário, a quem o Fisco exige, em primeira linha, a satisfação do crédito de imposto. Num sentido mais amplo, o devedor do imposto abrange também os chamados devedores indirectos, derivados ou acessórios, aos quais o Fisco exige, em segunda linha, o crédito de imposto. + Sujeito passivo (lato sensu) da relação fiscal é toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a que a lei imponha o dever de efectuar uma prestação tributária (prestação de imposto ou prestações que constituam obrigações acessórias, logo, sendo o devedor do imposto um qualificado sujeito passivo, não admira que, por vezes, não coincidam (como nas sociedades transparentes, dos arts. 6º e 12º CIRC e 92º CIRS, sujeitos passivos de IRC, mas que não são devedoras desse imposto, uma vez que nessa hipótese é devido IRS de que são devedores os sócios). Quanto a estas titularidades, o sujeito passivo da relação jurídica tributária é definido no art. 18º/3 e 4 LGT; em sede do IVA, os sujeitos passivos são enumerados no art. 2º/1 CIVA e no art. 2º/2/a) RIVATI. Quanto ao art. 18º/3 e 4 LGT, este é criticável, utilizando uma noção de sujeito passivo com um sentido demasiado estrito, identificando-o com o de devedor do imposto lato sensu, quando há outros sujeitos passivos além destes, acrescendo ainda a falta de harmonização com o art. 9º/1 CPPT, o qual engloba no conceito os substitutos e os representantes legais, que aquele preceito exclui.
Por seu lado, em sede de IVA, são sujeitos passivos os previstos no art. 2º/1 CIVA1. Finalmente, segundo o art. 2º/2/a) RIVATI, são considerados sujeitos passivos do IVA nas aquisições intracomunitárias, não apenas as pessoas singulares ou colectivas sujeitos no IVA, nos termos do CIVA, mas também ―os particulares que efectuem aquisições intracomunitárias de meios de transporte novos‖, o que configura, contra a lógica do sistema, uma situação em que adquirentes dos bens ou serviços, que suportam economicamente imposto, são qualificados como sujeitos passivos do IVA (reverse charge).
1 a) as pessoas singulares ou colectivas que de modo independente e com carácter de habitualidade exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços; b) as pessoas singulares ou colectivas que de modo independente pratiquem urna só operação que esteja sujeita a IRS ou IRC; c) as pessoas singulares ou colectivas que, segundo a legislação aduaneira, realizem importação de bens e as pessoas singulares ou colectivas que efectuem operações intracomunitárias; d) as pessoas singulares colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA; e) o Estado e as demais entidades de direito público relativamente a actividades que não respeitem ao exercício de poderes de autoridade.
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Tanto no CIVA como no RIVATI, o conceito de sujeito passivo subjacente é muito amplo o que torna claro não haver qualquer coincidência com os correspondentes conceitos da LGT. Em conclusão, podemos reconduzir as titularidades passivas, previstas nas leis tributárias, com excepção do CIVA e do RIVATI, ao conceito de sujeito passivo lato sensu, em que temos: 1) sujeitos passivos stricto sensu ou devedores do imposto lato sensu e 2) os demais obrigados tributários. Por seu lado, nos devedores de imposto em sentido amplo, temos ainda: a) os devedores do imposto em sentido estrito ou contribuintes, e b) os demais devedores de imposto (substitutos, responsáveis, e outros). A personalidade e a capacidade tributárias: De acordo com os arts. 15º e 16º/2 LGT, a personalidade tributária traduz-se na susceptibilidade de ser sujeito (activo ou passivo) de relações tributárias, sendo inerente a esta a capacidade tributária (de gozo), ou seja, a qualidade de ser titular dos direitos e deveres tributários correspondentes. É ainda de mencionar também a capacidade tributária de exercício (ou de agir) como a medida dos direitos e deveres que cada sujeito pode exercer e cumprir por si. Assim, são sujeitos passivos das relações jurídicas tributárias os detentores de personalidade jurídica, a não ser que a lei fiscal diga o contrário, como quando considera sujeitos tributários entidades desprovidas de personalidade jurídica (art. 2º CIRC) ou, ao invés, não considera sujeitos tributários entidades detentoras de personalidade jurídica (sociedades sujeitas a transparência fiscal - arts. 6º e 12º CIRC), em que, em vez de serem tributadas as sociedades em IRC, o tributados os sócios em IRS.
Quanto à personalidade tributária, note-se que a família, ou melhor, o agregado familiar (art. 104º CRP e 13º CIRS), não constitui sujeito passivo de IRS, mas tão-só uma unidade fiscal para efeitos da tributação conjunta da família em sede deste imposto, o que não obsta a que qualquer dos cônjuges possa praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses do outro cônjuge, desde que verificados os requisitos do art. 16º/5 e 6 LGT. Depois nada obsta a que as pessoas colectivas públicas sejam sujeitos passivos da obrigação de imposto, mesmo quando sejam simultaneamente também sujeitos activos dos mesmos impostos, ideia confirmada pela isenção prevista, em sede de IRC (art. 2º/1/a), e 9º do CIRC), assim como pelo art. 2º/2, 3 e 4,
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CIVA, em que são considerados sujeitos passivos de IVA o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público quando realizem operações que não se integrem no exercício dos seus poderes de autoridade. Quanto à capacidade tributária de exercício, que nem todos os sujeitos tributários têm (menores, interditos e inabilitados) há que ter em conta o art. 16º/1, 3 e 4 LGT que, no essencial, remete para a teoria da representação em direito civil. A representação legal, o mandato tributário e a gestão de negócios: Relativamente à representação legal ou através de mandato, devemos ter em conta o disposto no art. 16º/1 LGT e o art. 5º/1 CPPT. Assim, no caso de incapacidade de exercício ou de agir (menores, interditos e inabilitados) essa incapacidade é suprida pelos representantes legais — os pais, tutores ou curadores. Os não residentes, de acordo com o previsto no art. 19º/4 LGT, têm que dispor de representante legal, bem como, nos termos dos arts. 130º CIRS e 118º CIRC, os que obtenham rendimentos em Portugal e não disponham de estabelecimento estável em território português, que tanto pode ser uma pessoa singular como uma pessoa colectiva, com residência, sede ou direcção efectiva em território português. A lei fiscal prevê também a representação voluntária concretizada através do mandato fiscal, tal como prevista no art 5º/1 CPPT. De chamar é aqui a atenção para o que dispõe, em termos inovadores, o art. 5º/2 CPPT que, na medida em que pretenda impor a constituição de advogado ou de solicitador na impugnação administrativa de actos tributários, levanta a questão se não estamos aqui perante uma expressão da excessiva intermediação burocrático-corporativa no exercício das liberdades e direitos dos contribuintes. Quanto à gestão de negócios, rege o art. 17º LGT, sendo importante aqui mencionar o art. 27º LGT (responsabilidade dos gestores de bens ou direitos de não residentes). Assim, ―os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos dos não residentes relativos ao exercício a seu cargo‖. Do gestor de negócios dos não residentes distingue-se o mero representante legal, cuja função é a garantia do cumprimento das obrigações acessórias previstas nos arts. 112º ss. CIRS e 109º ss. CIRC. O que também não obsta a que a mesma pessoa desempenhe ambos os papéis. Note-se, que a lei civil para a qual remete o art. 17º/1 LGT são os arts. 464º a 472º CC, sendo a presunção prevista no nº 3 desse artigo uma presunção elidível. O domicílio fiscal:
Nos termos dos arts. 19º/1 LGT, 16º/CIRS e 2º/3 CIRC, o domicílio do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) para as pessoas singulares, o local da
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residência habitual; b) para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal. A mudança de domicílio deve ser comunicada à administração tributária (art. 19º/2 LGT), podendo este ser oficiosamente rectificado pela Administração Fiscal (art. 19º/6 LGT). Prevê ainda no art. 19º/4 e 5 LGT que os sujeitos passivos residentes no estrangeiro ou em território nacional, que se ausentem por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional, sendo que, além das sanções que desencadeia, dessa designação depende o exercício dos direitos dos sujeitos passivos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação. Apesar de tudo, há situações em que os contribuintes acabam por dispor legalmente de duplo domicílio fiscal, o que ocorre sobretudo com a dupla residência das sociedades. O estabelecimento estável: Quanto ao estabelecimento estável (por vezes designado menos correctamente por estabelecimento permanente), este é definido no art. 5º/1 CIRC, contendo dois elementos de verificação cumulativa: * Elemento estático, constituído pela organização através da qual é exercida uma certa actividade (―qualquer instalação fixa‖, definida em termos amplos no art. 5º/2 CIRC). Isto revela-nos um conceito de estabelecimento estável que se aproxima do constante no Modelo de Convenção OCDE, que Portugal vem adoptado na CDT‘s. Esta aproximação está, porém, longe de ser completa pela inclusão no conceito do previsto no art. 5º/3 ss. CIRS. * Elemento dinâmico, constituído pela actividade exercida considerada em si mesma (definida no art. 4º/3 CIRC). O número de identificação fiscal: O número de identificação fiscal, foi instituído entre nós, tanto para as pessoas singulares como para as pessoas colectivas, pelo DL nº 463/79, de 30 de Novembro, entretanto alterado por diversos DL‘s posteriores. Estão obrigadas a solicitar à DGCI o número fiscal de contribuinte todas as pessoas singulares sujeitas a imposto, ainda que dele isentas, incluindo portanto as não residentes mesmo que obtenham no território português apenas rendimentos sujeitos a tributação por retenção na fonte a título definitivo. Por seu lado, o número fiscal das pessoas colectivas e entidades equiparadas corresponde ao que lhes for atribuído pelo registo Nacional de Pessoas Colectivas.
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O número de identificação fiscal acompanha o contribuinte em todas as suas relações tributárias, devendo ser mencionado pelo contribuinte nos requerimentos ou petições dirigidas à administração tributária ou aos tribunais tributários. A substituição tributária: Noção e espécies: A substituição tributária verifica-se, nos termos do art. 20º LGT, quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte‖ (nº 1), sendo a mesma ―efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido‖ (nº 2), entendimento consonante com os conceitos de retenção na fonte e de pagamento por conta dos arts. 34º e 33º, abrangendo não apenas a verdadeira retenção na fonte, mas também os pagamentos por conta de imposto efectuados por terceiro. Por outro lado, integra nos pagamentos por conta não só as entregas pecuniárias antecipadas efectuadas pelo próprio contribuinte, mas também as entregas efectuadas por terceiro. Assim e de um lado, reconduz a substituição tributária à que se concretiza na técnica da retenção na fonte, reduzindo o substituto a um retentor do imposto, quando é possível haver substituição tributária sem retenção, como se verifica em relação à Contribuição para o Audiovisual, em que a lei qualifica de substituição tributária uma situação em que não há retenção na fonte nem pagamento por conta de terceiro. De outro lado, pode haver retenção na fonte sem haver substituição tributária, pelo menos em sentido próprio. Quanto à distinção entre a substituição tributária e a repercussão fiscal, sobretudo quando esta é legalmente exigida, apesar da afinidade traduzida em ser a capacidade contributiva do suportador do imposto e do substituído a visada, sendo ambos contribuintes, só o substituído se apresenta como sujeito passivo da relação fiscal. O que não é posto em causa pelos direitos de impugnação ou outros reconhecidos ao suportador do imposto. Neste domínio, costuma distinguir-se entre substituição total (quando a substituição abrange tanto a obrigação de imposto como a generalidade das obrigações fiscais acessórias – art. 71º CIRS, havendo retenção na fonte com carácter definitivo, mediante taxas liberatórias e art. 88º/3 CIRC) e substituição parcial (o substituído tem de cumprir a generalidade ou algumas das obrigações fiscais acessórias).
O problema coloca-se quanto à existência de substituição parcial a ―substituição‖ é também parcial quanto à obrigação de imposto (se a retenção na fonte pelo substituto tem o carácter de ―pagamentos por conta‖ do imposto do contribuinte devido a final), como se verifica, por exemplo, no IRS relativamente aos
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rendimentos do trabalho dependente e na generalidade das retenções na fonte em IRC. Apesar do art. 28º/2 LGT a considere uma substituição parece-nos que efectivamente não se deve falar aqui de verdadeira substituição tributária, mas antes de um pagamento por conta realizado por terceiro, pois aqui a prestação tributária não é exigida a pessoa diferente do contribuinte, mas é exigido apenas que pessoa diferente do contribuinte efectue pagamentos por conta da futura prestação tributária deste. Assim, caso o retentor não tenha procedido à retenção, será o contribuinte o responsável originário pelo pagamento do imposto. Por isso, trata-se de uma substituição em sentido impróprio. Regime jurídico: A substituição tributária concretiza-se numa relação de tipo triangular entre o substituto, a administração fiscal e o contribuinte ou substituído, tendo, quanto à relação entre o credor (Fisco) e o devedor, um devedor primário, em primeira linha ou originário, que é o substituto, e um devedor secundário, de segunda linha ou responsável subsidiário, que é o substituído ou contribuinte. Quanto à relação entre o substituto e o substituído, temos um direito de retenção ou de regresso do substituto face ao substituído ou contribuinte. Nos termos do art. 28º LGT, há na substituição tributária três situações de responsabilidade tributária a saber: 1) O imposto ter sido retido e não entregue nos cofres do Estado, sendo o substituto o único responsável, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento; 2) A retenção ser efectuada a título de pagamento por conta do imposto do substituído ou contribuinte devido a final, cabe a este a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando ainda este sujeito aos juros compensatórios desde o termo do prazo da entrega (dia 20 do mês seguinte ao da ocorrência da retenção) até ao termo do prazo para a apresentação da declaração pelo contribuinte ou até à data da entrega do imposto retido se anterior; 3) Restantes casos de retenção na fonte (a retenção não é a título de pagamento por conta do imposto do contribuinte devido a final), em que o substituto não procede à retenção, o substituto é o responsável originário e o substituído o responsável subsidiário pelo pagamento das importâncias que deviam ter sido retidas e não o foram. Ideia sobre a sua natureza:
Várias têm sido as teorias adiantadas para explicar a natureza jurídica da substituição tributária, todas reconduzindo-a a institutos de natureza substantiva
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ou processual, conhecidos do direito público ou do direito privado. Daí que haja quem veja no substituto um órgão de cobrança da administração tributária e na substituição uma forma de execução fiscal, uma delegação legal, um agir em nome próprio com eficácia sobre a esfera jurídica alheia, uma cessão de crédito, uma representação ex lege de direito público, uma subrogação na relação de débito, etc. Para Casalta Nabais, tal recondução não deve ser feita, sendo esta uma figura própria, típica do direito fiscal. A responsabilidade tributária: O direito fiscal labora com um conceito restrito de responsabilidade, sendo imperioso distinguir entre solidariedade tributária e responsabilidade tributária fiscal. A solidariedade tributária: Esta verifica-se quando o credor do imposto pode exigir o cumprimento integral da dívida tributária (incluindo os juros e demais encargos legais - art. 22º/1 LGT) tanto ao devedor como ao responsável ou responsáveis. Isto apenas acontece quando expressamente previsto na lei como: 1) Quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa – art. 21º/1 LGT; 2) Quando se preencham os pressupostos do art. 21º/2 LGT; 3) Na hipótese do art. 27º LGT; 4) Na hipótese do art. 213º do Código Aduaneiro Comunitário, que prescreve: ―quando existam vários devedores por uma mesma dívida aduaneira, estes ficam obrigados ao pagamento dessa dívida a título solidário‖; 5) No caso do art. 107º do CIRC; 6) Nas hipóteses do art. 42º do Código do IS; 7) Nos casos previstos no art. 72º e 72º-A CIVA; A responsabilidade tributária: A responsabilidade tributária é, nos termos dos arts. 22º/3 e 23º LGT e 159º e 160º CPPT, por via de regra, de natureza subsidiária face ao devedor originário, podendo ser subsidiária ou solidária na relação entre os diversos responsáveis no caso de pluralidade de responsáveis tributários.
Daí que a distinção, dentro desta responsabilidade subsidiária face ao dever originário, entre responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária seja
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relevante apenas quando haja pluralidade de responsáveis, pois verificada a insuficiência de bens penhoráveis do devedor e sucessores, a execução reverte contra todos os responsáveis tributários se forem responsáveis subsidiários a fim de apurar as quantias por que responde cada um deles, ou pode reverter apenas contra um deles, tratando-se de responsabilidade solidária. Alguns casos de responsabilidade tributária: Como situações mais significativas de responsabilidade tributária, podemos indicar as previstas nos arts. 24º, 25º e 28º LGT. Quanto à responsabilidade dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas (art. 24º LGT), estes são subsidiariamente responsáveis em relação às sociedades ou demais pessoas colectivas em que exerçam, ainda que só de facto, funções e solidariamente entre si, nas situações previstas no nº 1. Assim, em relação à anterior legislação, verificou-se modificação do seu âmbito como uma distribuição mais equilibrada do ónus da prova, mais favorável aos administradores ou gerentes, na medida em que compete à administração tributária a prova de culpa dos administradores e gerentes. Porém é ainda criticável a distribuição do ónus de prova previsto na al. b), enquanto prova da ausência de culpa, revelando-se uma verdadeira diabolica probatio e, por isso mesmo demasiado onerosa. Daí que, segundo Casalta Nabais, a exigência da prova de ausência de culpa não é inteiramente conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade por inadequada ponderação entre os bens jurídicos constituídos (o interesse público na percepção dos impostos e os interesses dos particulares). Isto coloca-nos de perante uma situação de injustiça que impressiona sobretudo pelo facto de, por essa via e sem que o Fisco retire daí qualquer proveito visível, a administração ou gestão das sociedades se converter numa actividade de alto risco que ou afugenta os administradores sérios ou fomenta expedientes lícitos para obstar à aplicação de tão severos efeitos. A responsabilidade civil pelas multas e coimas fiscais: Quanto a estas prescreve o art. 8º/1 RGIT, prevendo-se duas hipóteses:  Os administradores ou gerentes não colaboraram dolosamente na prática da infracção fiscal: o art. 8º/1 RGIT prevê a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas quando tenha sido por culpa sua que o património se tornou insuficiente (art. 8º/1/a) RGIT) ou quando a decisão condenatória tenha sido notificada no período do exercício do cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento (art. 8º/1/b) RGIT). Ao contrário do que acontecia na lei anterior, não existe em qualquer dos casos qualquer presunção de culpa.
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 Os administradores ou gerentes não colaboraram dolosamente na prática da infracção fiscal: o art. 8º/6 RGIT, prevê a responsabilidade solidária, tanto face ao agente principal da infracção como entre os colaboradores, solução que mais não é que uma emanação da responsabilidade pelo dano em caso de pluralidade dos responsáveis, previsto no art. 497º CC. A transmissão da obrigação fiscal: O art. 29º/ 1 e 3 LGT, prevê o princípio da intransmissibilidade dos créditos e das dívidas tributárias, solução que está de acordo com o carácter seu indisponível e irrenunciável. Ressalvam-se os casos expressamente previstos na lei: sucessão legal – art. 29º/2 LGT – e sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública – art. 41º/2 LGT; de excepção não se deve falar a cessão de créditos para titularização – L 103/2003, de 5 de Dezembro. A sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública: Pela sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública (art. 41º/1 LGT), qualquer pessoa pode pagar as dívidas fiscais de outrem, muito embora as relações deste terceiro com o sujeito passivo ou devedor do imposto sejam, por via de regra, regidas pelo direito privado. Os arts. 41º LGT e 91º e 92º CPPT prevêem e disciplinam a figura da sub-rogação. Assim, impõe-se que: 1) Tenha decorrido o prazo do pagamento voluntário do imposto; 2) Tenha o terceiro requerido a subrogação; 3) Tenha obtido autorização do devedor do imposto ou provado interesse legítimo. Verificados estes requisitos, o sub-rogado fica com as mesmas garantias, pessoais e reais, que tinha o crédito da Fazenda Pública e dispõe do processo de execução fiscal que cabia à Fazenda Pública (art. 92º CPPT). Questiona-se, de jure condendo, se será aplicável o instituto da sub-rogação ao direito de regresso (contra o devedor originário ou contra os demais responsáveis solidários) dos responsáveis fiscais que tenham satisfeito o crédito fiscal do devedor originário, não havendo qualquer objecção a tal extensão da sub-rogação. Recusa-se assim, o argumento de que o legislador, ao instituir o regime de sub-rogação, visou incentivar o pagamento dos impostos por terceiros, pois há um relevante interesse público que está na base da cobrança dos impostos. Tanto mais que o imposto pago pelos responsáveis fiscais não deixa de ser um pagamento de imposto por terceiros.
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Quanto ao argumento de que assim se estariam a colocar os titulares do direito de regresso numa posição privilegiada face aos demais credores do sujeito passivo, veja-se a profunda diferença entre os créditos fiscais e os créditos comuns. A sucessão legal: A sucessão legal (art. 29º/2 LGT) configura uma manifestação da obrigação tributária pelo lado passivo. As obrigações fiscais do de cujus transmitem-se aos respectivos sucessores, porém, apenas até às forças da herança ou do legado. Quanto à efectivação da responsabilidade dos sucessores (art. 155º CPPT), há que distinguir a situação em que já houve partilha, em que será mandado citar cada um dos herdeiros para pagar o que proporcionalmente lhe competir na dívida exequenda, da situação em que ainda não houve partilha, em que será citado, consoante esteja ou não a correr inventário, o cabeça-de-casal ou qualquer dos herdeiros sob pena de cominação de penhora em quaisquer bens da herança. Nos termos do art. 2071º CC, há também que distinguir consoante a herança tenha sido aceita pura e simplesmente ou a benefício de inventário, uma vez que a distribuição do ónus da prova quanto à insuficiência dos bens é diversa. A cessão de créditos para titularização: Com a L 103/2003 foi introduzida entre nós um regime próprio de cessação de créditos fiscais do Estado e da segurança social, para efeitos da sua titularização, com o objectivo de obter receitas extraordinárias a fim de combater o défice das nossas contas públicas. Assim, nos termos do art. 1º dessa Lei, a cessão abrange os créditos emergentes de relações jurídico-tributárias, ainda que se encontrem vencidos, sujeitos a condição ou litigiosos. Depois, trata-se de uma cessão efectiva, completa e irrevogável, em bloco e a título oneroso, podendo o preço inicial da cessão ser inferior ao seu valor nominal. A cessão de créditos pode ser realizada por negociação, com ou sem prévia publicação de anúncio, ou por ajuste directo, mantendo os créditos a sua natureza e o processo de cobrança, conservando as garantias e privilégios. Assim, não estamos perante uma verdadeira transmissão da obrigação fiscal pelo lado activo, pois o cessionário dos créditos não entra nas correspondentes relações fiscais, que se mantêm exclusivamente entre os contribuintes ou devedores dos impostos e a administração tributária. As relações de carácter contratual que suportam a cessão de créditos desenrolam-se apenas entre os cessionários e a administração fiscal, constituindo relações de crédito, mas não relações fiscais. A extinção da obrigação fiscal
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O cumprimento A forma normal de extinção da obrigação fiscal é o seu cumprimento, que pode ser voluntário, ou coercivo (arts. 40º LGT e 84º ss. CPPT). O cumprimento ou pagamento voluntário das dívidas tributárias é o que é efectuado dentro do prazo estabelecido nas leis tributárias, mediante as diversas formas previstas no art. 40º/1 LGT a que se junta o pagamento electrónico nas máquinas ATM. Lembre-se aqui o princípio da indisponibilidade da obrigação fiscal, admitindo-se, porém, a possibilidade de o contribuinte requerer o pagamento em prestações, quando não possa cumprir integralmente e de uma vez só a dívida tributária (art. 42º LGT). Após o prazo para o pagamento voluntário, começam a contar juros de mora, os quais se distinguem dos juros compensatórios. Os juros de mora são devidos quando o sujeito passivo não pague o imposto no prazo legal, sendo a sua taxa a definida para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (art. 44º/1 e 3 LGT), actualmente 1% ao mês. Os juros compensatórios são devidos ―quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária‖ (arts. 35º/1 e 10º LGT), sendo a sua taxa equivalente à taxa dos juros legais fixados no art. 559º/1 CC, actualmente 4% ao ano. Quanto aos juros de mora, cumpre ainda lembrar que a taxa em causa é, reduzida a 0,5% estando as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária. Por outro lado, existe um limite legal ao montante de juros de mora a favor do credor fiscal, prevendo o art. 44°/2 LGT, que a liquidação dos juros de mora não poderá ultrapassar os últimos três anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem, não contando para este efeito os períodos durante os quais a liquidação de juros tenha estado legalmente suspensa. Terminado o prazo de pagamento voluntário (arts. 42° LGT e 86° CPPT), o contribuinte pode: 1) Requerer o pagamento em prestações se e na medida em que as leis tributárias assim o contemplem, como acontece com o IRS e o IRC. 2) Efectuar pagamentos por conta de dívidas por tributos constantes das notas de cobrança, verificadas as condições do art. 86°/4 CPPT. Caso não se verifique o cumprimento voluntário, então tem lugar a extracção da certidão de dívida por parte dos serviços competentes com base nos elementos que disponham (art. 88º CPPT) – o designado relaxe da legislação anterior.
Outros modos de extinção da obrigação fiscal:
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Há outros modos de extinção da obrigação fiscal, como a prescrição, a dação em cumprimento e a compensação. As dívidas tributárias (arts. 48° e 49º LGT) prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (art. 48º/1). O prazo da prescrição interrompe-se pela citação, rec1amação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação do imposto, e suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas ou de reclamação, impugnação ou recurso (art. 49º/1 e 3 LGT). Da prescrição distingue-se a caducidade do poder de que a administração tributária dispõe para liquidar os impostos (arts. 45° a 47° LGT), que deve ser exercido no prazo de quatro anos, contados nos mesmos termos que acabamos de ver para a prescrição, prazo que não será aplicável quando a lei outro dispuser (por exemplo, o art. 35º/1 CIMT). Relativamente à dação em cumprimento e à compensação, apenas serão admitidas quando previsto na lei (40º/2 LGT). Quanto à dação em cumprimento ou em pagamento, esta é admitida quer antes da instauração da execução fiscal, no âmbito de processo conducente à celebração de acordo de recuperação de créditos de Estado (art. 87° CPPT), quer no próprio processo de execução fiscal (arts. 201° ss. CPPT). Quanto à compensação, o CPPT configura-a actualmente como um modo geral de extinção da obrigação fiscal, conhecendo duas modalidades: 1) A compensação por iniciativa da administração fiscal (art. 89°/1 CPPT); 2) A compensação por iniciativa do contribuinte (art. 90° CPPT), quanto às dívidas de impostos cujo prazo de pagamento voluntário ainda não tenha terminado. Assim, tanto os arts. 85º/3 e 102º CIRS, como o art. 10º do DL 411/91, de 17 de Outubro, no respeitante às contribuições para a segurança social, devem ser vistos como concretizações do referido regime geral da compensação. Alguns autores de extinção defendem a extinção da obrigação fiscal por confusão, como acontecia com o extinto imposto sobre sucessões e doações quando o Estado fosse chamado à sucessão do contribuinte. Outro exemplo é o que se verifica quando o contribuinte sucede ao terceiro sub-rogado nos direitos da Fazenda Pública.
Dado que as heranças jacentes têm a natureza de património autónomo (art. 872° CC) e que são consideradas sujeitos passivos de IRC, de IMI e de IS (art. 2°/2 CIRC, art. 8°/5 CIMI, e art. 2°/2/a) CIS), não haveria no primeiro caso apontado lugar para a figura da confusão. Com a substituição pelo IS, este abrange apenas as
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transmissões a favor das pessoas singulares, sendo as realizadas a favor das pessoas colectivas tributadas em IRC, imposto em relação ao qual o Estado se encontra isento (art. 2°/2 CIS, e arts. 21°/2, e 9º do CIRC). Já quando o contribuinte suceder ao terceiro sub-rogado nos direitos da Fazenda Pública, tudo se conjuga no sentido de ocorrer a extinção da obrigação tributária por confusão. As garantias de cumprimento da obrigação fiscal: A garantia geral: Nos termos do art. 50°/1 LGT o Estado ou outro credor tributário tem no património do devedor a garantia do seu crédito, tal como decorre já dos arts. 601° e 817° CC. Ainda em sede de garantias gerais dos credores tributários, é de fazer referência à importante garantia de natureza processual constante do art. 80º CPPT, segundo o qual impende sobre o juiz de qualquer execução comum a obrigação de citar a administração tributária para esta reclamar os créditos da Fazenda Pública. As garantias especiais: Além desta garantia geral, os credores tributários dispõe também de garantias especiais, quer de natureza pessoal (responsabilidade tributária), quer de natureza real. Quanto às garantias especiais reais dos créditos tributários, contam-se : a) Privilégios Creditórios (art. 50°/2/a) LGT): - O privilégio mobiliário geral sobre os bens existentes no património do devedor no momento da penhora ou outro acto equivalente para pagamento do IRS e IRC relativos aos três últimos anos (arts. 736° CC, 111º CIRS e 108° CIRC); - O privilégio mobiliário especial sobre os bens móveis transmitidos relativamente aos créditos fiscais resultantes do IS sobre as transmissões gratuitas (art. 738°/2 CC); - O privilégio imobiliário geral sobre os bens existentes no património do devedor no momento da penhora ou outro acto equivalente para pagamento do IRS e IRC relativamente aos três últimos anos (arts. 111º CIRS e 108º CIRC);
- O privilégio imobiliário especial sobre os bens sujeitos a IMI para pagamento desse imposto relativo aos três últimos anos (arts. 744º/1 CC e 122°
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CIMI) e sobre os bens cuja transmissão está sujeita ao IMT ou ao IS (art. 744º/2 CC). Note-se que a reclamação de créditos garantidos por tais privilégios, em que se incluem naturalmente os créditos fiscais e os créditos da Segurança Social, pode não ter lugar ou apresentar-se limitada relativamente aos quantitativos dos créditos reclamados — cfr. arts. 865º/4 e 873º CPC. b) O Penhor e a hipoteca: Segundo os arts. 50º/2/b) e 50º/3 LGT podem constituir-se, nos termos em que a lei os preveja, penhor ou hipoteca legal quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens. Quando o risco financeiro o torne recomendável (art. 195º CPPT) o órgão da execução fiscal, para garantia dos créditos tributários, poderá fundamentadamente constituir penhor ou hipoteca legal, que deverá ser registada na conservatória do registo predial competente, a favor da Fazenda Pública. O art. 199°/2 CPPT impõe ainda a prestação de garantia idónea (penhor ou hipoteca voluntária), mormente para que a impugnação judicial tenha efeito suspensivo (art. 103º/3 CPPT), devendo o seu registo ser feito a favor da Fazenda Pública. c) O direito de retenção. O art. 50°/2/c) LGT prevê o direito de retenção de quaisquer mercadorias sujeitas à acção fiscal de que o sujeito passivo seja proprietário, uma garantia que típica do direito aduaneiro. d) A prestação de caução. A garantia dos créditos tributários é ainda assegurada pela prestação de garantia idónea, quando o contribuinte, ao exercer determinados direitos, como os de impugnação administrativa, de impugnação judicial e de recurso judicial, pretenda obter a suspensão do procedimento ou processo de execução fiscal – arts. 169º, 170º, 183º e 183º-A do CPPT. Quanto aos privilégios creditórios e às hipotecas legais, refira-se a sua extinção quando ocorra a declaração de insolvência (art. 97º CIRE).
CAPÍTULO III
A ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA FISCAL
30- Os órgãos da administração fiscal 30.1. Generalidades
A respeito dos órgãos da administração fiscal, devemos começar por dar sumária nota das profundas alterações que se verificaram na administração ou
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gestão dos impostos com a passagem do sistema fiscal resultante da reforma fiscal dos anos sessenta para a o sistema fiscal actual resultante da reforma fiscal dos anos oitenta do século passado. O sistema anterior assentava numa administração pública dos impostos, cujas marcas mais visíveis eram, de um lado, a de a liquidação e cobrança da generalidade dos impostos ser da responsabilidade de órgãos locais e, de outro, haver uma separação total entre os órgãos competentes para a liquidação, a cargo dos órgãos locais da DGCI (as repartições de finanças), e os órgãos competentes para a sua cobrança, a cargo dos órgãos locais da Direcção Geral do Tesouro (as tesouraria da fazenda pública, ao tempo designada fazenda nacional). Já o sistema actual é fundamentalmente um sistema de administração privada dos impostos, a cargo fundamentalmente das empresas, em que, mesmo quando a liquidação e cobrança é da responsabilidade da administração fiscal, deixou de se verificar aquela separação entre a liquidação e a cobrança. Ora bem, corno será fácil de compreender, a administração fiscal integra-se organicamente num departamento ministerial, mais especificamente no Ministério das Finanças e da Administração Pública (MFAP). Pois segundo a sua lei orgânica (constante do DL nº 47/2005, de 24 de Fevereiro), este Ministério é bastante complexo, já que é constituído por múltiplos e diversificados serviços. Entre tais serviços, temos: 1) diversos serviços de administração directa de que são de destacar a Direcção-Geral dos impostos (DGCI), a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), a Direcção-Geral de Informática e de Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA) e a Inspecção-Geral de Finanças (IGF); 2) três fundos autónomos não personalizados; 3) diversos serviços de administração indirecta sob superintendência ou tutela e superintendência do Ministro das Finanças. 4) Um órgão consultivo: o Conselho Superior de Finanças. Como acabamos de ver, no que aos impostos mais directamente diz respeito, segundo LOMFAP, ternos duas direcções gerais operacionais: a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo; e uma direcção geral de apoio àquelas — a Direcção-Geral de Informática e de Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros. A coroar estas três direcções gerais, foi constituído pela LOMFAP o Conselho de Administração das Contribuições e Impostos (CACI), ao qual incumbe o exercício das competências dos directores-gerais das DGCI, DGAIEC e DGITA.
Mas, para além destes serviços directamente ligados à gestão dos impostos, merece referência também a Inspecção-Geral das Finanças, que é um serviço de fiscalização do MFAP, reestruturado pelo DL 249/98, de 1 de Agosto. Trata-se dum serviço altamente especializado que, de acordo com o nº 3 do art. 2° deste diploma, tem a seu cargo a fiscalização das entidades do sector público administrativo e empresarial, bem como dos sectores privado e cooperativo quando sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado ou com a União Europeia, ou
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quando se mostre indispensável ao controlo indirecto de quaisquer entidades abrangidas pela sua acção. Ao contrário da legislação anterior que falava apenas de relações financeiras, o DL nº 249/98 fala também de relações tributárias. Daí que a IGF disponha agora de poderes de fiscalização que não se limitam aos serviços da administração central, regional e local e às empresas e particulares enquanto sujeitos de relações financeiras, abrangendo também os contribuintes, particulares ou empresas, muito embora quanto a estes a sua intervenção deva ser considerada excepcional e supletiva face à fiscalização da administração tributária comum. Como facilmente se compreenderá, tendo em conta que a DGITA tem por função apoiar a DGCI e a DGAIEC no domínio dos sistemas e tecnologias da informação, interessam aqui sobretudo a DGCI e a DGAIEC. Uma ideia muito rápida sobre essas duas direcções gerais. 30.2. As DGCI e DGAIEC: A este respeito, é de começar por dizer que estas direcções gerais têm uma estrutura bastante complexa, traduzida designadamente em serem integradas por serviços centrais e serviços periféricos. Vejamos cada uma delas de per si, distinguindo justamente entre serviços centrais e serviços periféricos. A DGCI tem por função administrar os impostos sobre o rendimento, os impostos sobre o património e os impostos gerais sobre o consumo, em conformidade com as políticas definidas pelo Governo no domínio tributário. Corno facilmente se compreende, trata-se da mais complexa das direcções gerais da administração fiscal, sendo composta por numerosos serviços. Por isso, integram-na, a nível central, diversos serviços distribuídos por serviços de apoio e serviços operacionais que, ao todo, perfazem mais de urna vintena de direcções de serviços.
Interessam-nos naturalmente aqui as direcções de serviços operacionais, nos quais, tendo em conta a anterior lei orgânica da DGCI, são de destacar: três direcções de serviços relativas aos impostos sobre o rendimento — a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e a Direcção de Serviços de Cobrança dos Impostos sobre o Rendimento; três direcções de serviços relativas ao IVA — a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado e a Direcção de Serviços de Reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado; uma direcção de serviços relativa ao IMI — a Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Bens Imóveis; uma direcção de serviços relativa aos impostos de selo e das transmissões do património — Direcção de Serviços dos Impostos de Seio e das Transmissões do Património; uma direcção de serviços relativa às avaliações de bens — a Direcção de Serviços de Avaliações; e duas direcções de serviços relativas à fiscalização: a Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária e a
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Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária. Por seu lado são serviços periféricos da DGCI, por um lado, os chamados serviços periféricos regionais, correspondentes às anteriores direcções distritais de finanças, denominados direcções de finanças, cuja direcção cabe a um director de finanças e, a nível local ou municipal, os serviços periféricos locais, correspondentes às anteriores repartições de finanças ou aos bairros fiscais (de Lisboa e Porto), denominados serviços de finanças, cuja direcção cabe ao respectivo chefe de finanças. É de assinalar, nesta sede, que a Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira foi objecto de regionalização pelo já mencionado Decreto-Lei 18/2005, de 18 de Janeiro. Através deste diploma legal foram transferidas para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, a qual foi consequentemente extinta, tendo as suas competências sido assumidas pela Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, cuja orgânica consta do Decreto Regulamentar Regional 29-A12005, de 31 de Agosto. Quanto à sua estrutura, as direcções de finanças dispõem de serviços operativos e serviços de apoio que serão adequados à sua área, número de contribuintes e especificidade e volume de serviço. Por seu turno, os serviços de finanças podem ser constituídos por secções, estabelecidas em função do número dos contribuintes e do volume de serviço. Uma consideração mais acerca da DGCI, para aludir à tradicional separação entre a gestão ou administração dos impostos, traduzida no lançamento e liquidação, da competência da DGCI, por via de regra, a cargo das então repartições de finanças, e a cobrança da competência da Direcção-Geral do Tesouro, a cargo dos seus serviços locais, as tesourarias da Fazenda Pública, que vêm sendo objecto de integração na DGCI. Uma situação que, como vimos, já não se verifica. Por um lado, são cada vez mais raros, hoje em dia, os impostos liquidados e cobrados pelos serviços periféricos locais da administração tributária, pois a generalidade deles são liquidados e cobrados pelos próprios particulares, contribuintes ou terceiros, ou pelos serviços centrais da administração tributária, De outro lado, mesmo quando a liquidação e cobrança pertencem à administração tributária, nem sempre aquela separação entre liquidação, a cargo da DGCI, e cobrança a cargo da DGT, se mantém, como é o caso do IVA cuja cobrança, nos casos de autoliquidação, pertence à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, a qual, corno vimos integra a DGCI. Assim como pertence à DGCI, através dos serviços de finanças, a cobrança coerciva dos tributos (art. 149º do CPPT).
Por seu lado, a DGAJEC tem por função, em conformidade com as normas comunitárias e as políticas definidas pelo Governo: a) exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional para fins fiscais,
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económicos e de protecção da sociedade, e b) administrar os impostos especiais sobre o consumo. Quanto aos serviços centrais da DGAIEC são de referir o director-geral e o Conselho Técnico-Aduaneiro. Destaque merece o Conselho Técnico-Aduaneiro, ao qual compete decidir, na dependência do director-geral, sobre as contestações de carácter técnico-aduaneiro relacionadas com a classificação pautal, origem ou valor das mercadorias suscitadas no acto de verificação das mercadorias ou posteriormente ao seu desalfandegamento. Relativamente aos serviços periféricos, a DGAIEC é integrada por unidades orgânicas de carácter regional, as alfândegas que são dirigidas por directores de alfândega (que, verificadas certas condições, podem assumir natureza especializada), e por unidades orgânicas de carácter local, as delegações aduaneiras e os postos aduaneiros que são dirigidas, respectivamente, por chefes de delegação (directamente dependentes dos directores de alfândega) e por coordenadores (directamente dependentes dos directores de alfândega ou dos chefes de delegação). Acrescente-se que, inserindo-se a DGCI e a DGAIEC na administração directa do Estado, não admira que os órgãos e serviços em que se desdobram, se apresentem organizados segundo uma estrita hierarquia administrativa. Hierarquia em que, como resulta do que acabamos de dizer, temos três níveis hierárquicos de órgãos e serviços, cada um deles correspondente, de resto, a sua área territorial. Assim e quanto à DGCI temos: o conjunto dos seus órgãos e serviços, centrais e periféricos, dirigidos pelo director-geral dos impostos, as direcções de finanças cada uma delas dirigida pelo respectivo director de finanças, e os serviços de finanças cada um deles dirigido pelo respectivo chefe de finanças, sendo que este é subalterno do director de finanças e este, por sua vez, subalterno do director-geral dos impostos. Por seu turno, no respeitante à DGAIEC, temos: o conjunto dos seus órgãos e serviços, centrais e periféricos, dirigidos pelo director-geral das alfândegas e dos impostos especiais sobre o consumo, as alfândegas cada uma delas dirigida pelo respectivo director de alfândega, e as delegações aduaneiras e os postos aduaneiros cada um deles dirigido pelo respectivo chefe de delegação aduaneira ou pelo respectivo coordenador de posto aduaneiro. 30.3. Os órgãos de revisão e os órgãos e comissões de avaliação: Comum a estes órgãos e comissões é o facto de se tratar de órgãos de composição mista, pois, numa importante manifestação de colaboração dos particulares com a administração tributária, são compostos por peritos designados pela administração tributária e pelo sujeito passivo ou seu representante.
a) Os órgãos de revisão da matéria tributável. Nos termos dos revogados arts, 85°, 86° e 87° do CPT, das decisões de fixação da matéria tributável com
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fundamento na errónea quantificação por métodos indiciários havia reclamação necessária para as chamadas comissões distritais de revisão, a funcionar junto das direcções distritais de finanças. Tratava-se de comissões constituídas por um presidente, delegado da Fazenda Pública, e dois vogais, um dos quais era igualmente delegado da Fazenda Pública e o outro nomeado pelo contribuinte. Tais comissões podiam socorrer-se do apoio de peritos independentes nos termos dos arts. 85°-A e 85°-B do CPT sempre que a situação a apreciar envolvesse especial complexidade e a matéria tributável reclamada fosse superior ao produto do salário mínimo nacional mais elevado por 250.
Porém, com a entrada em vigor da LGT, a referida reclamação necessária foi convertida num pedido de revisão necessária da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, que deve ser dirigido, nos termos dos arts. 91º e 92º da LGT, a órgãos que na sua estrutura e modus decidendi se assemelham aos órgãos de natureza arbitral. E, pois, este órgão de natureza paritária que fixa a matéria colectável em sede do procedimento de revisão da matéria colectável com base em métodos indirectos. Ainda nesta sede de revisão da matéria colectável com base em métodos indirectos, é importante referir a Comissão Nacional de Revisão. Trata-se dum órgão criado e regulado pelo art. 94º da LGT, cuja competência é a elaboração das listas trienais de peritos independentes a funcionar junto das direcções de finanças. Acrescente-se que a regulamentação do funcionamento, estatuto e remuneração da Comissão consta da Portaria nº 640/99 de 12 de Agosto. b) Os órgãos de coordenação e as comissões de avaliação dos prédios. Segundo o CIMI, na avaliação dos prédios para efeitos dos IMI, IMT, IS, IRS e IRC, intervêm, de um lado, os órgãos de coordenação da avaliação e, de outro lado, as comissões de avaliação. Nos órgãos de coordenação da avaliação temos, para os prédios rústicos, a CNAPR e as JAM‘s e, para os prédios urbanos, a CNAPU. Trata-se de órgãos que não procedem à avaliação dos prédios, antes coordenam e supervisionam a avaliação destes, estabelecendo ou desenvolvendo os parâmetros legais dentro dos quais os peritos avaliadores permanentes ou os peritos locais, consoante se trate de prédios rústicos ou de prédios urbanos (arts. 58º e 59º e 62° e 63º do CIMI), levarão a cabo a tarefa de proceder à avaliação. Já as comissões de avaliação, que são compostas por dois peritos regionais designados pelo director e finanças, um dos quais preside, e pelo sujeito passivo ou seu representante (arts. 74°/1, e 76º/2, do IMI), realizam a avaliação dos prédios rústicos e urbanos. Realizam, mais concretamente, a segunda avaliação, a qual, nos termos do art. 77° CIMI, tem a natureza de uma avaliação necessária para efeitos da sua impugnação judicial.
c) As comissões de avaliação previstas nos regulamentos das contribuições especiais relativas às obras de construção da nova ponte do Tejo, da realização da Expo/98 e da construção da CREL, CRIL, CREP e CRIP, cuja função é a avaliação
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dos prédios rústicos, terrenos para construção e áreas resultantes da demolição de prédios urbanos devido à realização dessas obras. Estas são constituídas pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela DGCI entre os incluídos em listas das direcções de finanças. d) As comissões de avaliação dos veículos automóveis usados provenientes da União Europeia, avaliação a que haverá que proceder quando o contribuinte opte pelo método alternativo de cálculo do imposto Automóvel, a qual será levada a cabo por comissões constituídas por um representante da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que presidirá e coordenará os trabalhos, por um representante da Direcção-Geral de Viação e pelo proprietário do veículo. O procedimento tributário: Ideia de procedimento tributário: O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários (arts. 54° LGT e 44º CPPT). Nos art. 54º LGT é apresentada uma lista bastante extensa das diversas fases que o procedimento tributário compreende, que embora não seja taxativa, dá uma lista bastante extensa dos procedimentos, cuja diversidade é patente. No entanto, podemos dizer que temos aqui três tipos de procedimentos tributários: * Procedimento tributário, ou seja, o dirigido à edição de um acto tributário, concretizado numa liquidação normal ou numa liquidação algo especial (como são a liquidação consequente e a liquidação adicional). * Procedimentos dirigidos à edição de outros actos que não o acto tributário: a) Procedimentos prévios de actos tributários ou liquidações (como os procedimentos de informação vinculativa e de avaliação prévia); b) Procedimentos inseridos basicamente na fiscalização e inspecção tributárias (como os de aplicação de normas anti-abuso, de elisão de presunções de incidência tributária, de levantamento administrativo do dever de sigilo bancário e de inspecção tributária); c) Procedimentos que desembocam em actos de não tributação ou de tributação menor como o de atribuição de benefícios fiscais. * Procedimentos de natureza contenciosa: Têm por base uma contenda e estão orientados para a solução da mesma pela administração tributária (revisão dos actos tributámos, a reclamação, o recurso hierárquico, a contestação pautal, etc.)
O conceito de procedimento tributário não deixa de se integrar no conceito de procedimento administrativo (art. 1º/1 CPA) como ―a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração
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Pública ou à sua execução‖. Será necessário ter cuidado, porém, na utilização do conceito de processo tributário com o sentido previsto no art. 1º/2 CPA, já que tanto para a LGT (arts. 95º ss. LGT) como para a generalidade das demais leis tributárias a expressão processo tributário é reservada para designar o processo (judicial) tributário, sendo que, nos termos do art. 111º CPPT, enquanto conjunto de documentos, o procedimento é conhecido por ―processo administrativo‖. Apesar dos diversos procedimentos tributários que referimos, o procedimento de liquidação dos impostos é o procedimento tributário por excelência. O procedimento de liquidação: A dinâmica do procedimento: Em termos abstractos, ou seja, nos termos dos arts, 69° a 80° LGT, o procedimento tributário integra: * Fase da iniciativa, desencadeada pelos interessados, pela administração ou por denúncia de terceiro (arts. 69° e 70° LGT), com base nas declarações do contribuinte ou, na falta ou vício destas, em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente (art. 59º/1 CPPT), e que, segundo os art. 57° LGT tem de ser concluído no prazo de seis meses; * Fase da instrução, (que, juntamente com a fase da iniciativa, integrava tradicionalmente a fase preparatória) a cargo em princípio do órgão que vai decidir o procedimento e com base em elementos fornecidos pelo sujeito passivo ou por terceiro ou obtidos pela administração fiscal (arts. 7l° a 76° LGT), em que, nos termos do art. 50º CPPT, são admitidos todos os meios de prova; * Fase da decisão (arts. 77° a 80° LGT), em que se produz um acto administrativo definitivo, no dizer do art. 60° CPPT; * Fase executiva ou da cobrança. Quanto à instrução, coloca-se o problema da distribuição do ónus da prova entre a administração tributária e o contribuinte ou o sujeito passivo em sede do procedimento tributário, cuja disciplina consta dos arts. 74° a 76° LGT, sendo também importante em sede de processo tributário. Porém, em concreto, a realidade do procedimento tributário alterou-se radicalmente nas últimas décadas, sobretudo com as alterações introduzidas no sistema fiscal pela profunda reforma fiscal dos anos oitenta, através de duas manifestações:
Por um lado, diluiu-se o lançamento administrativo concretizado na maior intervenção no procedimento dos sujeitos passivos (contribuinte ou terceiros), o que se traduz na importância fundamental da declaração (de rendimentos) do sujeito
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passivo para a determinação da matéria colectável (que conduz a uma liquidação administrativa de carácter automático, realizada, aliás, com o recurso a meios informáticos), quer na liquidação não administrativa feita pelo próprio contribuinte (autoliquidação) ou por terceiro (liquidação em substituição). Em sede de liquidação dos impostos, cada vez mais a intervenção da administração tributária se limita a uma eventual intervenção a posteriori com o objectivo de verificar e controlar as actuações dos particulares. Por outro lado, quanto à cobrança de impostos, assistiu-se à sua crescente entrega a empresas sem qualquer tipo de relação com o respectivo contribuinte, (como acontece com os CTT, Instituições Bancárias e da Sociedade Interbancária de Serviços - SIBS) para a cobrança do IRS, do IRC e da CA, um fenómeno reforçado com a afirmação do princípio da contratação (art. 51º CPPT). Nos termos dos arts. 45° a 47° LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (que suspende nos termos do art. 46º LGT) contados de acordo com o art. 45º/4 LGT. A tipologia da liquidação tributária: De acordo com o órgão ou sujeito competente para a realizar, temos: * Liquidação administrativa levada a cabo pela administração tributária, * Autoliquidação: a liquidação levada a cabo pelo próprio particular; * Liquidação em substituição, ou por terceiros particulares; A liquidação administrativa, quanto à iniciativa procedimental, pode ser: * Liquidação com base na declaração do contribuinte; * Liquidação por iniciativa de terceiro; * Liquidação por iniciativa oficiosa. A liquidação administrativa, quanto ao objecto, pode ser: * Liquidação primária ou de 1º grau; * Liquidação secundária ou de 2° grau (ou liquidação adicional, a qual ocorre frequentemente de acções de inspecção. As operações da liquidação: A liquidação, lato sensu, ou seja, o conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) Lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal;
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2) Lançamento objectivo pelo qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas; 3) Liquidação, stricto sensu, traduzida na determinação da colecta pela aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável; 4) Deduções à colecta. De entre todas essas operações, destaca-se a determinação da matéria colectável (art. 81º/1 LGT): * Mero cálculo: caso a matéria colectável seja determinada com base em elementos exclusivamente objectivos (como a contabilidade e respectiva documentação), pela verificação desses elementos ou operações matemáticas com bases nestes; * Avaliação: caso a matéria colectável for determinada através de métodos que, mesmo com utilização de critérios objectivos (art. 84º/1 LGT), não podem deixar de envolver uma margem de subjectividade, (avaliação de bens – CIMI – e avaliação por métodos indirectos). Nesta sede, distingue-se: a) Avaliação directa (art. 81º LGT): visa determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação; b) Avaliação indirecta: visa determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha. A avaliação por métodos indirectos: Desde logo, cumpre dizer que a avaliação indirecta tem carácter excepcional, admitida apenas nos casos e nas condições expressamente previstas na lei (art. 87° LGT), sendo que em tais casos não pode a administração tributária deixar de lançar mão dela. Por outro lado, é subsidiária da avaliação directa, pelo que se lhe aplicam, quando a lei nada prescrever em contrário, as regras da avaliação directa (arts. 81°/1 e 85° LGT). Quanto aos casos em que é admitida, a avaliação indirecta só pode efectuar-se nos casos previstos no art. 87° LGT, podendo distinguir quatro tipos de situações: 1) Tributação normal (por opção), no caso dos regimes simplificados; 2) Determinação da matéria colectável por métodos indirectos, no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa; 3) Tributação normal imposta, no caso de desvio significativo do lucro apurado para menos e no caso de sistemáticos resultados negativos ou nulos;
4) Presunção de não declaração de rendimentos, no caso de afastamento do rendimento declarado em face às manifestações de fortuna e ao acréscimo de património ou de consumo evidenciados.
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Rigorosamente, apenas no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa, estamos perante uma verdadeira situação de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, pretendendo-se, nos restantes casos, logo à partida, apurar um rendimento normal, diverso do rendimento real revelado pela contabilidade, que assim é afastada, ou há lugar à inversão do ónus da prova, presumindo-se rendimentos não declarados se o contribuinte não justificar esses outros rendimentos. Por outro lado, quanto aos critérios em que a avaliação indirecta se deve basear, são de distinguir dois grandes grupos de situações: * A matéria tributável é determinada com base em elementos exclusivamente objectivos (casos de regime simplificado de tributação, de afastamento dos padrões de rendimento evidenciados pelas manifestações de fortuna ou pelo acréscimo de património ou de consumo, bem como no caso de indicadores de actividade inferiores aos normais); * A matéria colectável é determinada com base numa combinação de elementos objectivos e subjectivos (impossibilidade de comprovação e quantificação directa ou sistemática apresentação de resultados tributáveis nulos ou de prejuízos); Em relação aos regimes simplificados de tributação (arts. 28° e 31° CIRS e 53° CIRC), trata-se de regimes aplicáveis a pequenos contribuintes ou a pequenas empresas, cujo volume de vendas não seja superior a € 149.639,37 ou cujo valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B não seja superior a € 99.759,58 no IRS, e a empresas cujo volume total anual de proveitos não seja superior a € 149.639,37 no IRC. Estes regimes traduzem-se em a tributação não assentar no rendimento real, mas no rendimento normal a apurar com base em ―indicadores objectivos de base técnico-científica‖. Enquanto tais indicadores não forem aprovados, aplicam-se os coeficientes do art. 31º CIRS, quanto ao IRS, e os coeficientes previstos no art. 53º CIRC, quanto ao IRC. Esse rendimento colectável tem por montante mínimo € 3.125 no IRS e € 6.250 no IRC. O que configura a aplicação de colectas mínimas indirectas já que determinadas através de matérias tributáveis mínimas. Assim, quanto ao IRS e ao IRC, temos aqui são três regimes simplificados ou três graus de simplificação da tributação: 1) Regime ordinário, que tem por suporte indicadores objectivos de base técnico-científica definidos para cada um dos diferentes sectores da actividade económica, a implementar no futuro (regime dos indicadores); 2) Regime transitório, que tem por base coeficientes definidos na própria lei (regime dos coeficientes);
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3) Imposto mínimo (minimum tax), fixado através do estabelecimento de um rendimento tributável mínimo (minimum taxable income) igual a € 3.125 em IRS e a € 6,250 em IRC quando o rendimento colectável decorrente da aplicação daqueles coeficientes for inferior a tais montantes (regime do imposto mínimo). Quanto à situação de afastamento dos padrões de rendimento evidenciados pelas manifestações de fortuna ou pelo acréscimo de património ou de consumo, considera-se como rendimento tributável em IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão correspondente a essas manifestações constantes do art. 89º-A LGT. Enfim, relativamente à situação de afastamento significativo para menos dos indicadores objectivos de actividade, a matéria colectável é determinada segundo esses indicadores (art. 90º/2 LGT). Nos casos de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria colectável e de sistemática apresentação de resultados tributáveis negativos ou nulos, a determinação da matéria colectável deve basear-se nos critérios constantes do art. 90°/1 LGT, não sendo tal lista taxativa, não só pelo teor contextual, mas também porque uma enumeração exaustiva é incompatível com o carácter subsidiário da avaliação por métodos indirectos. Assim, quando os contribuintes que não disponham de contabilidade organizada ou a mesma não mereça qualquer confiança, são tributados com base nos referidos elementos objectivos e subjectivos do art. 90º/1 LGT, os contribuintes que disponham de contabilidade organizada e irrepreensível, mas que apresentem desvios significativos, podem vir a ser tributados com base em elementos exclusivamente objectivos do art. 90º/2 LGT. Isto constitui uma solução de todo inaceitável, pois leva a uma discriminação negativa dos contribuintes que possuem uma contabilidade organizada em face daqueles que a não possuem, na medida em que será mais próximo do real o rendimento destes (porque apurado com base em critérios objectivos e subjectivos). Ora, a haver lugar a alguma discriminação neste domínio, justificar-se-ia que fosse justamente a inversa. Quanto à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, a sua impugnação depende do prévio procedimento de revisão da matéria colectável previsto e regulado no art. 91º LGT, constituindo, neste procedimento, o acordo entre o perito do contribuinte e o perito da administração tributária na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, caso resolvido, insusceptível de revisão e de impugnação administrativa ou judicial (art. 92º/5 LGT).
Não havendo acordo, a fixação da matéria tributável pela administração tributária é susceptível de revisão e de impugnação administrativa ou judicial, nos termos em que o são os actos em matéria tributária embora, porque estamos face a um acto em matéria tributária de 2º grau, não haja aqui lugar a qualquer impugnação administrativa necessária.
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Não tendo havido acordo, se a administração tributária resolver em sentido diferente do parecer coincidente do perito do contribuinte e do perito independente, a reclamação graciosa ou a impugnação judicial que se seguir têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiverem de acordo. Caracterização da liquidação: A liquidação constitui um acto administrativo exequível, executivo, semi-executório e que, dado o seu carácter, por um lado, estritamente vinculado e, por outro, largamente massificado, se presta a ser praticado com o recurso a meios informáticos. A natureza da liquidação: Nesta sede, colocam-se essencialmente 2 questões: 1) A liquidação (administrativa) tem natureza constitutiva ou declarativa? O art. 36º LGT dispõe que a relação tributária se constitui com a verificação do facto tributário: daí aí a natureza declarativa do acto de liquidação. Parece-nos tratar-se de verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário (retrodatação de efeitos). 2) Constituirá a liquidação feita pelo particular — autoliquidação ou liquidação por terceiro — um verdadeiro acto administrativo de liquidação? É de crer que se trata de um acto tributário definitivo (caso do IRS e IRC em que os rendimentos não são englobáveis ou englobados) ou provisório (caso do IRS e IRC em que os rendimentos vêm a ser englobados) relativamente ao qual se verifica uma homologação implícita pela administração tributária decorrente da aceitação do pagamento do imposto, construção que parece mesmo ser suportada pelas disposições normativas que estabelecem o pagamento de juros de mora no caso de não pagamento do imposto auto liquidado (art. 101º do CIRC) ou prevêem a impugnação judicial das autoliquidações nalguns casos mesmo sem dependência de prévia reclamação administrativa necessária (art. 131° do CPPT). A fundamentação do acto tributário: A exigência de fundamentação é um dos requisitos importantes do acto tributário, cuja disciplina consta do art. 77° LGT. Destaque merece a fundamentação da avaliação da matéria colectável, a qual, nos termos do art. 84°/3 LGT, ―contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do resultado‖.
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Particulares cuidados exige a fundamentação da avaliação da matéria colectável por métodos indirectos (art. 77º/4 e 5 LGT) caso em que a fundamentação deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação exacta da matéria tributável ou descrever o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos de base técnico-científica e, bem assim, indicar os critérios utilizados na sua determinação. No caso de afastamento da matéria tributável dos indicadores objectivos de base técnico-científica, dever a fundamentação incluir também as razões da não-aceitação das justificações apresentadas pelo contribuinte. Coloca-se o problema da consequência de a notificação do acto tributário não ser acompanhada da notificação da sua fundamentação, sendo esta garantia constitucional (art. 268º/3 CRP). Segundo a jurisprudência do STA e alguma doutrina, a falta de notificação da fundamentação não afectaria a legalidade do acto, tendo por consequência o previsto no art. 37º CPPT. Contra esse entendimento se vem pronunciando parte significativa da doutrina, que considera este artigo inconstitucional, na medida em que viola a garantia constitucional, pois o art. 37º CPPT, numa interpretação conforme à CRP, consagra uma faculdade para o sujeito passivo e não um ónus cujo incumprimento redunde na sanação da falta de notificação da fundamentação. A invalidade do acto tributário: Nada dispondo a legislação fiscal quanto à invalidade dos actos tributários, parece ser de aplicar o previsto nos arts. 133° a 136° CPA, podendo os actos tributários ser nulos (ou mesmo inexistentes) e anuláveis. Assim, em regra, os actos tributários são anuláveis e apenas excepcionalmente nulos, nomeadamente nos casos previstos no art. 133° CPA. Quanto à nulidade e anulabilidade dos actos tributários, será de recusar a orientação do STA, que tem vindo a considerar como meramente anuláveis os actos tributários consequentes de actos nulos, argumentando que não será de aplicar o art. l33º/2/t) CPA, por haver no direito fiscal solução específica. Desde logo, não descortinamos qualquer disposição no direito fiscal que afaste a orientação prevista no CPA. Por outro lado, caso houvesse uma tal disposição especial no direito dos impostos, tal redundaria numa discriminação inconstitucional dos contribuintes face aos administrados, tanto mais que, a haver qualquer discriminação, em face da posição constitucional mais garantida dos contribuintes, justificar-se-ia a situação inversa. Apesar disto, é de crer que se deverão fixar limites temporais à invocação de nulidade, e modo a impedir que os actos tributários sejam invocados ad aeternum.
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A revisão do acto tributário: Nos termos do art. 78º LGT, são de mencionar aqui quatro situações: 1) Revisão por iniciativa do sujeito passivo, que pode ser efectuada no prazo da reclamação administrativa (120 dias, nos termos do art. 70º/1 CPPT), com fundamento em qualquer ilegalidade; 2) Revisão por iniciativa da administração tributária, que pode ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços; este não se confunde com o prazo de caducidade do poder de liquidação pois, enquanto este se conta a partir da ocorrência do facto tributário, aquele conta-se a partir da liquidação ou acto tributário (que deve ser aqui entendido em termos hábeis, de modo a abranger actos materialmente idênticos, como é o caso da determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, um acto relevante, designadamente, para o apuramento de prejuízos reportáveis nos exercícios posteriores) 3) Revisão do acto tributário por motivo de duplicação da colecta, que pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos; 4) Revisão excepcional da matéria tributável quando autorizada pelo dirigente máximo do serviço, nos três anos posteriores ao do acto tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória. De saudar é a aproximação do prazo previsto nos números 4 e 6 ao prazo de que dispõe a administração tributária para proceder à sua revisão oficiosa, o que leva a um maior equilíbrio entre os direitos dos contribuintes e os poderes da administração tributária. A revogação, ratificação, reforma, conversão e recticação do acto tributário: O art. 79° LGT regula a revogação, ratificação, reforma, conversão e rectificação dos actos tributários em sentido amplo. Nos termos do art. 79º/1 LGT, os actos tributários podem revogar, total ou parcialmente, reformar, ratificar ou converter acto anterior, nos prazos da sua revisão. Por seu lado, segundo o nº 2 do mesmo artigo, a administração tributária pode rectificar as declarações dos contribuintes em caso de erros de cálculo ou escrita.
Quanto à revogação, na falta de específicos preceitos de direito fiscal, aplicam-se os correspondentes do CPA: assim, embora os actos tributários se apresentem como livremente revogáveis (arts. 79º LGT e 140º CPA) essa revogabilidade tem importantes limites, não podendo ser revogados os actos tributários constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, excepto na
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parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários ou quando todos os interessados (administração tributária, o contribuinte e os responsáveis subsidiários) concordem na revogação e não se trate de direitos ou interesses indisponíveis (art. 140 CPA). Quanto à ratificação, reforma e conversão dos actos tributários, estes institutos apenas são possíveis quanto a actos existentes e a actos anuláveis (art. 137º/1 CPA), porque pressupõe o aproveitamento de elementos válidos de actos ilegais. Note-se que são aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos actos tributários anuláveis as normas da revogação (art. 147º CPPT). Quanto à rectificação, ela pode ter por objecto puras declarações ou o próprio acto tributário, envolvendo esta tanto os erros de cálculo, os visados nas chamadas correcções meramente aritméticas das declarações, como os erros de escrita. A cobrança do imposto: Liquidado o imposto segue-se a sua cobrança, que corresponde ao pagamento. Três notas preliminares: Desde logo, embora a tradicional distinção entre cobrança virtual e cobrança eventual, tenha perdido quase todo o seu interesse com a extinção do regime de cobrança virtual, o certo é que o regime da cobrança virtual ainda é aplicável aos tributos relativamente aos quais a lei continue a utilizar essa terminologia. Por outro lado, a cobrança do IRS, do IRC e do IMI pode ser feita pelos CTT, instituições bancárias e sistema electrónico constituído pela rede de máquinas ATM e pela própria Internet. Por fim, por força do princípio da unidade de caixa ou princípio da não consignação, apesar da diversidade tanto das entidades cobradoras como das modalidades e processos de cobrança dos impostos, a caixa mantém-se a mesma. As fases da cobrança: Ao invés do tradicional sistema que conhecia três modalidades de cobrança, o sistema actual conhece apenas duas modalidades: 1) Pagamento voluntário; 2) Cobrança coerciva. Consequentemente, a execução fiscal pode ser instaurada antes de decorrido o prazo para a impugnação do correspondente acto de liquidação. Porém, não podemos esquecer a possibilidade de que o contribuinte dispõe para requerer o pagamento em prestações (arts. 42º da LGT. 86º do CPPT).
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Nos termos dos arts. 42° LGT e 86° CPPT, terminado o prazo de pagamento voluntário, o contribuinte pode requerer o pagamento em prestações ou efectuar pagamentos por conta de dívidas por tributos constantes das notas de cobrança (verificadas as condições do art. 86°/4 CPPT): assim, deve-se concluir que, afinal de contas, subsistem as três referidas fases (aquelas duas e a cobrança com juros de mora). A execução fiscal: A cobrança coerciva é a que é realizada pelo processo de execução fiscal (arts. 103º LGT e 148º ss. CPPT), que corre, em parte nos órgãos periféricos locais da administração fiscal e, em parte, nos tribunais tributários. Âmbito e competência: Quanto ao âmbito da execução fiscal, prescreve o art. 148º CPPT. No respeitante à competência da execução fiscal, é de salientar a distinção entre os actos da competência da administração fiscal e os actos da competência dos tribunais tributários. Assim, a competência dos tribunais tributários está prevista no art. 151º/1. Os demais actos, designadamente a instauração da execução, a citação dos executados, a reversão da execução contra terceiros, a penhora dos bens, a venda dos bens penhorados, a anulação da dívida, a extinção da execução, etc., deverão ser praticados pela administração tributária, mais precisamente o serviço periférico local da administração tributária (art. 149 CPPT). Isto vale também em sede da execução das dívidas à segurança social, nomeadamente as relativas às contribuições sociais, às taxas e prestações pecuniárias acessórias, competindo às secções de processo das delegações do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a instauração e instrução do processo de execução das dívidas à segurança social, competindo aos tribunais tributários da área sede da execução os correspondentes actos judiciais. Quanto às autarquias locais, as competências atribuídas pelo CPPT ao dirigente máximo do serviço ou a órgãos executivos da administração tributária serão exercidas, nos termos do art. 7º/2 do DL que aprovou o CPPT, pelo presidente da autarquia. Assim, embora o art. 103° LGT disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, este apenas é um processo judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados actos de natureza judicial. Tramitação da execução fiscal:
Quanto à tramitação da execução (arts. 188° ss. CPPT), esta começa com a instauração da execução mediante despacho nos títulos executivos ou em relação
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destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efectuado o correspondente registo. Proferido este despacho, o órgão da execução fiscal (o serviço periférico local da administração tributária do domicilio ou sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação – art. 149º e 150º CPPT) ordenará a citação do executado (arts. 191° a 193°), em que se comunicarão ao devedor os prazos para a oposição à execução e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento. Segue-se a oposição à execução fiscal se o executado a deduzir. Julgada a oposição à execução ou decorrido o prazo para esta ser deduzida, tem lugar a apreensão dos bens através da penhora pelo competente serviço de finanças, cabendo ao exequente o direito de nomear bens à penhora. Feita a penhora, tem lugar a convocação dos credores, a verificação e a graduação dos créditos, cabendo aquela à administração tributária e estas aos tribunais tributários. Finalmente, a administração tributária procede à venda dos bens penhorados feita, em princípio, por meio de propostas em carta fechada. Refira-se que, no caso de citação por via postal, segundo o art. 193°/4, a venda dos bens não poderá ter lugar antes de decorridos 30 dias sobre o termo do prazo da oposição à execução. Além disso, nos termos do art. 252°/1 e 9 CPPT, é obrigatória a divulgação das vendas no processo de execução fiscal através da Internet. É ainda de aludir à providência cautelar contemplada no art. 214° CPPT, podendo o representante da Fazenda Pública requerer junto do competente tribunal tributário arresto em bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido. Quanto à oposição à execução (arts. 203° ss. CPPT), estamos perante uma mini-acção declarativa enxertada no processo de execução fiscal, intentada pelo executado e cujo objecto é justamente a discussão da existência do crédito de imposto exigido pelo Fisco com base em algum dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do art. 204°/1 CPPT. Porque se integra no processo tributário judicial (art. 97°/1/o) CPPT), se compreende que o prazo para a sua dedução, previsto no art. 203º CPPT, seja considerado um prazo judicial, contado nos termos do CPC, de acordo com a remissão prevista do art. 20º/2 CPPT. No processo de oposição à execução, excepto no caso previsto no art. 204º/1/h) CPPT, não é admitida a discussão da ilegalidade do acto tributário. Assim, estamos perante mais uma forma processual de impugnação do acto tributário, não admirando que o art. 204°/2 CPPT mande aplicar a um tal processo de oposição as disposições relativas ao processo de impugnação.
Entre as ilegalidades que podem ser apreciadas e decididas nos termos do art. 204º/1/h) CPPT temos as ilegalidades em abstracto, traduzidas na violação por parte das próprias normas, em que o acto tributário se baseia, de normas de valor hierárquico superior, e as ilegalidades concretas, concretizadas nos actos de aplicação da lei, no caso de estas terem por base vícios que conduzam à sua nulidade ou, mesmo conduzindo à sua anulabilidade, quando ao interessado não tenha sido
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dada antes qualquer oportunidade de impugnação, situação que é susceptível de acontecer no caso de reversão da execução, pois apenas após o despacho de reversão o revertido tem possibilidade de se defender do correspondente acto tributário. Mediante os embargos de terceiro, deduzidos junto do órgão de execução fiscal, o lesado pode fazer valer os seus direitos em face de acto ofensivo da posse ou direito no prazo de 30 dias contados desde o dia em que tal acto ofensivo foi praticado, embora nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos (art. 237º CPPC). Quanto à reversão da execução contra terceiros, é de assinalar, antes de mais, que a LGT prescreve, no seu art. 23°/4, o direito de audiência prévia da pessoa contra quem é dirigida a reversão relativamente à decisão de reversão. Consta dos arts. 157°, 158°, 159° e 160° CPPT, respectivamente, a disciplina da reversão contra terceiros adquirentes de bens, possuidores, substitutos tributários e responsáveis subsidiários. Quanto à extinção do processo da execução fiscal, pode-se dar pelo pagamento pelo executado ou outra pessoa da dívida exequenda e acrescido (arts. 264º ss. CPPT) ou através de pagamento coercivo (arts. 259º ss. CPPT). Quanto à declaração em falhas (arts. 272º ss. CPPT), da competência do órgão da execução fiscal, esta verifica-se nos casos previstos no art. 272º CPPT. De acordo com o art. 274° CPPT, há lugar ao prosseguimento da execução, a todo o tempo e sem necessidade de nova citação, logo que tenham cessado aqueles condicionalismos, daí não possa ser considerado como um modo de extinção do processo de execução fiscal. O procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário: Nos termos dos arts. 63°-A e 63°-B LGT, a administração tributária pode, em certos casos, derrogar o dever de sigilo bancário, através de acto da administração tributária, que pode ocorre em dois tipos de situações: * Informações relativas a operações financeiras (art. 63°-A) em que as instituições de crédito e sociedades financeiras têm a obrigação de fornecer o valor dos pagamentos com cartões de crédito e de débito, efectuados por seu intermédio, a sujeitos passivos que aufiram rendimentos da categoria B de IRS e de IRC, sem por qualquer forma identificar os titulares dos referidos cartões. * Informações e documentos bancários (art. 63°-B) que na versão da LOE/2005, se tornou um preceito visivelmente complexo, distribuindo-se por dez extensos números. Aí temos três tipos de situações: 1) O acesso a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando existam:
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a) Indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado; 2) O acesso directo aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando: a) Se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada; b) O contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e apenas para esse efeito; 3) O acesso a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta, quando: a) Se verifique a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável (nos termos do art. 88º CPPT) e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta; b) Se verifique a situação prevista no artigo 87°/f) CPPT ou os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 89º-A; c) Seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios públicos de qualquer natureza. Para compreendermos o regime do levantamento administrativo do sigilo bancário, assinale-se que, nos termos do art. 63º-B/7 CPPT, estão sujeitas a estes três tipos de levantamento administrativo do sigilo bancário não só o contribuinte, mas também as entidades que com ele encontrem numa relação de domínio. Por outro lado, nos termos do nº 4, em todos os casos de levantamento do dever de sigilo bancário, se exige que as respectivas decisões sejam fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, sendo para tal competente apenas o director-geral dos impostos ou ao director-geral da alfândegas e dos impostos especiais sobre o consumo ou aos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
De acordo com o nº 5, o levantamento do dever de sigilo bancário, nas situações identificadas sob os números 2 e 3, dependem da audição prévia do
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contribuinte e são susceptíveis de recurso judicial respectivamente com efeito meramente devolutivo e com efeito suspensivo. Por fim, nos termos do n° 8 desse artigo, o acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado. Isto revela-nos uma derrogação administrativa do sigilo bancário bastante mais aberta do que a contemplada na lei anterior, ficando a dúvida se tão significativo alargamento da derrogação do sigilo bancário, em nome do combate à evasão e fraude fiscais, se mostra necessário e adequado a tal objectivo e respeitador da proporcionalidade na afectação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos contribuintes. A garantia dos contribuintes:
Desde logo cumpre referir que, entre nós não existe uma lei que reúna e codifique o conjunto das garantias dos contribuintes, o que não significa que estas estejam, de modo algum, menos garantidas. Os meios impugnatórios administrativos e judiciais: Por meios impugnatórios entendemos aqui tanto os meios administrativos como os meios judiciais ou jurisdicionais: nos primeiros temos as reclamações e os recursos hierárquicos, em que a resolução destas questões é pedida à própria administração fiscal; nos segundos temos a impugnação judicial de actos ou normas nos tribunais fiscais. Alusão à organização judiciária fiscal: No que se refere às questões tributárias, estas são apreciadas por tribunais especializados — os tribunais fiscais — que integram, como subordem, a ordem dos tribunais administrativos e fiscais, cuja disciplina orgânica consta do ETAF. Apenas excepcionalmente os tribunais judiciais lidam com a matéria do direito fiscal, como acontece no julgamento das infracções fiscais que constituam crimes e nas aparentemente inexistentes hipóteses de execução fiscal nos tribunais judiciais. Os tribunais fiscais têm três níveis, constituindo o 2° e o 3° níveis um tronco comum com os tribunais administrativos. De acordo com os arts. 26º e 27º, 38º e 49º do ETAF, temos:
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 Os tribunais tributários, que funcionam agregados aos tribunais administrativos de círculo, como tribunais administrativos e fiscais, dispõem da competência regra no domínio da justiça fiscal;  A 2ª secção dos TCA‘s que julgam, em 2ª instância, os recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários cujo fundamento não seja exclusivamente de direito e, em 1ª instância, a impugnação das normas regulamentares fiscais cuja competência não seja dos tribunais tributários e a impugnação dos actos administrativos dos membros do Governo respeitantes a questões fiscais;  A 2ª Secção do STA, que julga, em 2º instância, os recursos contra decisões dos tribunais tributários quando o seu fundamento seja exclusivamente de direito (recurso per saltum), os recursos interpostos de decisões dos TCA‘s e, em 1ª instância, a impugnação dos actos administrativos do Conselho de Ministros respeitantes a questões fiscais. Os actos impugnáveis: Na actual legislação fiscal geral — LGT e CPPT — além de actos tributários, fala-se também de ―actos em matéria tributária‖, ―actos administrativos em matéria tributária‖ e ―actos administrativos relativos a questões tributárias‖. No art. 9º/2 LGT fala-se de actos em matéria tributária, estabelecendo que ―todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei‖ e no art. 17º/1, ao prescrever que ―os actos em matéria tributária que não sejam puramente pessoais podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil‖. A LGT parece utilizar nestes preceitos a expressão actos em matéria tributária num sentido muito amplo, abarcando todos e quaisquer actos que possam ser praticados no domínio das relações tributárias, isto é, os actos em matéria tributária stricto sensu e os actos administrativos respeitantes a questões fiscais ou tributárias. Por seu lado, o CPPT utiliza essa expressão no art. 12º/2, parecendo estar a referir-se aos actos administrativos em matéria tributária.
Quanto às expressões actos administrativos em matéria tributária e actos administrativos relativos a questões fiscais (ou tributárias), parece-nos que elas são utilizadas como sinónimas. Assim o sugere a LGT nas als. e) do nº 1 do art. 54º (que inclui tais actos na lista exemplificativa de actos em que desembocam os procedimentos tributários), c) do nº 1 do art. 60º (em que se garante o direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria tributária) e h) do nº 2 do art. 95º (que integra ―outros actos administrativos em matéria tributária‖ na lista exemplificativa de actos considerados lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados para efeitos da sua impugnação ou recurso judicial).
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Também o CPPT parece ir no mesmo sentido, nos arts. 10º/1/d) e 97º/1/d) e 2, que se referem a ―actos administrativos em matéria tributária‖, e no art. 97º/1/p) que alude a ―actos administrativos relativos a questões tributárias‖. Atento o exposto, é de concluir que podemos falar de actos tributários em sentido amplo, em que temos, de um lado, os actos tributários em sentido estrito ou actos de liquidação de tributos e, de outro lado, os actos em matéria tributária em sentido amplo, isto é, os demais actos praticados em sede das relações jurídicas fiscais. Nestes últimos temos, por sua vez: 1) os actos em matéria tributária em sentido estrito, isto é, os actos preparatórios de actos tributários, e 2) os actos administrativos em matéria tributária ou actos administrativos relativos a questões tributárias. Vejamos isto através de um esquema: E, fixada assim a terminologia dos actos impugnáveis, vejamos então as diversas hipóteses de impugnação administrativa e judicial dos actos em matéria tributária (stricto sensu), dos actos tributários e dos actos administrativos em matéria tributária (ou respeitantes a questões tributárias). Ao que se seguirá a consideração de outros meios impugnatórios e da impugnação seja de actos cujas especificidades reclamam um tratamento autónomo, seja das normas editadas pela administração tributária. 37.4. A impugnação de actos tributários: Quanto aos actos tributários, é de começar por dizer que se trata de actos de liquidação administrativa do imposto, os quais em sentido amplo englobam o conjunto de operações destinadas, por um lado, à identificação do contribuinte ou do devedor do imposto (caso não coincidam, como é cada vez mais frequente) e, por outro, à determinação do imposto, uma actividade que, por seu turno, ainda se desdobra na determinação da matéria tributável, na liquidação em sentido estrito, concretizada na aplicação da taxa ou alíquota à matéria tributável (ou colectável) assim se obtendo a colecta, e nas deduções à colecta (caso as haja, como acontece abundantemente no IRS e em menor medida no IRC).
Pois bem, quando aqui falamos de actos tributários ou de liquidações temos, como facilmente se compreenderá, em mente a fase constitutiva do procedimento tributário em que se apura quem é o devedor do imposto e se determina qual é o seu montante. A este respeito, é de assinalar que os actos de liquidação dos impostos, ou mais em geral dos tributos, sempre foram considerados verdadeiros actos administrativos, susceptíveis portanto de impugnação contenciosa directa para os
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tribunais tributários, tendo por conseguinte a sua impugnação administrativa, através de reclamação ou de reclamação seguida de recurso hierárquico, em princípio, natureza facultativa. Com efeito, em excepção à regra tradicional, vigente no nosso direito administrativo geral, da impugnação administrativa necessária dos actos dos órgãos administrativos subalternos, os actos tributários, por via de regra praticados pelos órgãos subalternos da administração fiscal, os (então) chefes das repartições de finanças, sempre foram tidos corno actos administrativos definitivos. Um entendimento que consta agora do art. 60º do CPPT, em que se prescreve: ―os actos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei‖. 37.6. Reclamação e recurso hierárquico contra actos da administração tributária: Estes meios impugnatórios vêm regulados, respectivamente, nos arts. 68º a 77º e 66º a 67º do CPPT. E, antes de urna palavra sobre cada um deles, devemos observar, no respeitante à reclamação. que vem a mesma designada na lei por reclamação graciosa, urna designação que, embora sendo tradicional, há que evitar, uma vez que a reclamação representa, em si mesma, urna contenda, embora a decidir pela própria administração tributária. Pois bem, a reclamação visa anular, total ou parcialmente, os actos tributários por iniciativa do contribuinte, substitutos e responsáveis. Segue um procedimento simples em que se dispensam formalidades essenciais e não tem efeito suspensivo, salvo quando o contribuinte, depois de prestada garantia adequada nos termos do CPPT, apresentar uma petição, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito, ao competente serviço de finanças, a requerer essa suspensão. Nos termos do nº 1 do art. 70° do CPPT, a reclamação deve ser deduzida no prazo de 120 dias a contar dos factos que relevam para a impugnação judicial e com base nos fundamentos desta. Ou seja, com base nos fundamentos previstos no art. 99° do CPPT . Em princípio, segundo o art. 73º do CPPT, é competente para decidir a reclamação o dirigente do órgão periférico regional da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação. Caso o valor do processo não exceda o quíntuplo da alçada do tribunal tributário e a questão a resolver seja simples decidirá o órgão periférico local. Assinale-se que cabe sempre a este órgão a instrução do processo que remeterá, quando não seja ele a decidir, ao órgão periférico regional. Quando não haja órgão periférico regional, é competente o dirigente máximo do serviço. que, segundo o art, 54º do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, é o director-geral.
Da decisão de indeferimento da reclamação cabe quer recurso hierárquico facultativo a interpor no prazo de 30 dias e com efeito devolutivo (arts. 76º, nº 1, 66º, nº 2, e 67º, nº 1, do CPPT), quer impugnação judicial a deduzir no prazo de 15 dias
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após a notificação (art. 102º/2, do CPPT). Não diz o CPPT para quem se interpõe este recurso hierárquico, embora tudo leve a crer que ele deve ser interposto para quem seja competente para conhecer do recurso hierárquico primário, ou seja, do recurso hierárquico em que se impugna o acto tributário e não da decisão proferida em reclamação contra esse acto. Segundo o nº 2 do art. 76º, da decisão que recaia sobre o recurso hierárquico é possível recurso contencioso, salvo se contra tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto. Como, por um lado, nem no referido art. 76º, nem no art. 102º, que estabelece expressamente o prazo para esse recurso contencioso, e, por outro lado, dada a similitude com a impugnação da decisão (primária) sobre a reclamação, seria razoável aplicar a esse recurso o prazo previsto no nº 2 do art. 102º para a impugnação da decisão sobre a reclamação, isto é, o prazo de 15 dias após a notificação da decisão do recurso hierárquico. Todavia, atento o disposto na al. e) do nº 1 do art. 102º, deve aplicar-se o prazo de 90 dias previsto neste preceito. Quanto ao recurso hierárquico, dispõe o art. 66º do CPPT que, sem prejuízo do princípio do duplo grau de decisão (de cujo entendimento já tratámos), as decisões dos órgãos da administração tributária são susceptíveis de recurso hierárquico (nº 1), devendo este ser dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto e interposto perante o autor deste no prazo de 30 dias a contar da sua notificação (nº 2). Todavia, não obstante este preceito dispor que o recurso hierárquico seja dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto (doutrina coincidente com a do art. 80º LGT e 169º/2 CPA), que no domínio da administração tributária do Estado é o Ministro da Finanças, prescreve o nº 3 do art. 47º do mesmo CPPT que o pedido de reapreciação da decisão (em que o recurso hierárquico se traduz) deve, salvo lei especial, ser dirigido ao dirigente máximo do serviço ou a quem ele tiver delegado essa competência, que é na administração tributária do Estado e consoante a área de competência, o Director-Geral dos Impostos ou o Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. Os recursos hierárquicos devem subir no prazo de 15 dias, acompanhados do processo a que respeite o acto ou, quando tiver efeitos meramente devolutivos, com um seu extracto. Durante este prazo pode o autor do acto recorrido revogá-lo total ou parcialmente (art. 66º/3) Por via de regra, o recurso hierárquico tem natureza facultativa e efeito devolutivo. Quando excepcionalmente tenha efeito suspensivo, como acontece no caso do art. 75º CIVA (quando tenha por objecto decisões da DGCI relativas à passagem do regime de isenção para o regime de tributação em IVA), o recurso limita-se à parte da decisão contestada.
Refira-se ainda que o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo máximo de 60 dias. O que significa que, decorrido este prazo sem que haja sido tomada uma
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decisão, se considera o recurso tacitarnente indeferido, podendo o interessado interpor recurso contencioso se se tratar de recurso hierárquico necessário ou de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa nos termos do art. 76º, nº 2, do CPPT. 37.8. A impugnação dos actos de autoliquidação, substituição tributária e pagamentos por conta: Como se deduz dos arts. 131º ss. CPPT, comum a estas três situações é o facto de em todas elas haver lugar a uma impugnação administrativa necessária, ou seja, a uma ―administrativização‖ desses actos dos particulares. Constitui, assim, pressuposto da impugnação judicial das liquidações feitas pelo próprio contribuinte, das retenções na fonte feitas pelos substitutos fiscais e dos pagamentos realizados pelo contribuinte por conta do imposto a pagar aquando do acerto de contas no final do ano fiscal, a reclamação prévia para o órgão periférico regional, nas duas primeiras situações, e para o órgão periférico local da administração tributária, na terceira. Assim, no respeitante à autoliquidação, que é a regra do IRC e do IVA, o contribuinte dispõe de dois anos, a contar do pagamento ou da entrega da declaração-liquidação, para reclamar para o competente órgão periférico regional da administração tributária. No caso de indeferimento expresso ou silente da reclamação, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação efectuada, e não indeferimento, no prazo de 30 dias contados, respectivamente, da notificação do indeferimento ou da formação do acto silente art. 131º). Algo idêntico vale no concernente às retenções na fonte no ao de substituição tributária, o que ocorre sobretudo no IRS relativo aos rendimentos do trabalho dependente, às pensões, aos rendimentos auferidos por não residentes e aos rendimentos de capitais e, bem assim, nas contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social. Nestas situações podem impugnar as retenções na fonte tanto o substituto como o substituído. O substituto, em caso de excesso de entrega de imposto face ao imposto retido, que não possa ser descontado nas entregas seguintes do ano do pagamento devido, pode impugnar esse excesso, reclamando primeiramente para o órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da referida entrega. Também o substituído pode, no prazo de dois anos, impugnar a retenção na fonte a mais que lhe tenha sido efectuada, se se tratar de retenção definitiva e não tiver portanto natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, reclamando para o referido órgão periférico regional. Em caso de indeferimento expresso ou silente da reclamação pode, então, quer o substituto quer o substituído, consoante os casos, impugnar judicialmente, no prazo de 30 dias, a entrega ou retenção de imposto em excesso, nos mesmos termos em que pode ser impugnado o acto de liquidação (art. 132º).
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Refira-se que, tanto em relação aos actos de autoliquidação como aos actos de substituição tributária, se dispensa a reclamação prévia para o órgão periférico regional quando o fundamento da sua impugnação for exclusivamente matéria de direito e as autoliquidações ou as retenções na fonte tenham sido efectuadas de acordo com as orientações genéricas emitidas pela administração tributária. Neste caso a impugnação judicial deve ser deduzida no prazo de 90 dias a contar dos factos referidos nos termos do nº 1 do art. 102º (ex vi do nº 3 do art. 131º e do nº 6 do art. 132°). Finalmente, também os pagamentos por conta, os pagamentos que o próprio contribuinte faz a título de pagamento do imposto devido a final, como acontece no IRS devido pelos rendimentos empresariais e profissionais e no IRC não podem ser impugnados judicialmente sem prévia reclamação graciosa. Na verdade, os pagamentos por conta podem ser impugnados, com fundamento em erro nos pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo quando determinado pela administração tributária, através de reclamação para o órgão periférico local da administração tributária competente, a interpor no prazo de 30 dias após o pagamento indevido. Igualmente, em caso de indeferimento expresso ou silente dessa reclamação, o contribuinte pode impugnar judicialmente os pagamentos nos mesmos termos do acto de liquidação (art. 133º). 39. O processo de impugnação judicial: Referência mais desenvolvida merece o processo de impugnação judicial, desde logo por ser o processo tributário paradigma. Por isso, compreende-se que lhe dediquemos aqui mais algumas linhas: de um lado, para darmos conta da sua tramitação; de outro, para aludirmos aos efeitos das sentenças que anulem os actos impugnados. 39.1. A tramitação do processo de impugnação judicial: Antes de mais, é de assinalar que este processo, regulado nos arts. 99º ss. CPPT, apenas se aplica à impugnação de actos tributários, isto é, de actos de liquidação de tributos e, bem assim, de actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação de tributos. Com efeito, o recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação de tributos, está regulado no CPTA. E justamente isto que se prescreve nos nº 1 e 2 do art. 97º do CPPT.
Ora bem, a impugnação judicial começa com uma petição inicial articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que o impugnante identifique o acto impugnado e a entidade que o praticou, exponha os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido, indique o valor do processo ou a forma como pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária (art. 108º).
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De acordo com o art. 102º, a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes: 1) termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; 2) notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação; 3) citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal; 4) formação da presunção de indeferimento tácito; 5) notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma; 6) conhecimento de outros actos lesivos de interesses legalmente protegidos. Se o fundamento da impugnação for a nulidade, naturalmente que a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo. Assim o prescreve, sem que disso houvesse necessidade, o nº 3 do referido art. 102º. A impugnação judicial tem por base qualquer ilegalidade, pois a lista constante do art. 99º meramente indicativa. O que se compreende, pois, à face da garantia duma tutela jurisdicional efectiva, constante do art. 268º/4 CRP, a qual passa, designadamente, pela garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos ilegais, não poderia ser de outro modo. Na verdade, qualquer pretensão de subordinar a impugnação judicial ao princípio da tipicidade dos vícios ou aberturas alegáveis, esbarraria na inconstitucionalidade. A petição deve ser apresentada no tribunal administrativo e fiscal competente ou serviço periférico local da administração tributária onde haja sido ou deva legalmente considerar-se praticado o acto, considerando-se os actos tributários praticados na área do domicflio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação (art. 103º, n.s 1 e 2). A impugnação tem efeito suspensivo mediante a prestação, no prazo de 10 dias após a notificação pelo tribunal, de garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução, penhor ou hipoteca voluntária caso haja a concordância da administração tributária, ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do credor (arts. 103º/4, e 199º). No caso de a petição ser apresentada no serviço periférico local, este procederá ao seu envio ao tribunal tributário competente no prazo de 5 dias após o pagamento da taxa de justiça inicial (art. 103º/3). Recebida a impugnação, o juiz ordena a notificação do representante da Fazenda Pública para, no prazo de 90 dias, contestar e solicitar a produção de prova adicional. O representante da Fazenda Pública deve solicitar no prazo de três dias, o processo administrativo ao órgão periférico local da situação dos bens ou da liquidação, processo que este serviço deve organizar e remeter ao referido representante no prazo de 30 dias a contar do pedido. Com a contestação deve o representante da Fazenda Pública remeter ao tribunal o processo administrativo, sendo certo que o juiz pode, a todo o tempo, ordenar ao serviço periférico local essa remessa mesmo na falta de contestação (arts. 1l0º e 111º).
Saliente-se que, nos termos dos nums 3 e 5 do 111º, serão apensos à impugnação judicial a reclamação e o recurso hierárquico apresentados antes da
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recepção da petição de impugnação ou apresentados posteriormente à petição caso tenham fundamento diverso do da impugnação. De acordo com o art. 112º, se a questão a resolver for de manifesta simplicidade e se dispuser de elementos para o efeito necessários pode o dirigente do órgão periférico local, se o valor do processo não exceder o quíntuplo da alçada do tribunal tributário, ou o dirigente do órgão periférico regional, se o valor do processo exceder esse montante, revogar total ou parcialmente o acto impugnado, no prazo de trinta dias em que devem organizar e remeter o processo administrativo ao representante da Fazenda Pública. A revogação total do acto impugnado é notificada ao representante da Fazenda Pública nos três dias subsequentes a fim de promover a extinção do processo. A revogação parcial do acto impugnado é notificada nos três dias subsequentes ao impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, seguindo-se, à recepção desta pronúncia, a notificação ao representante da Fazenda Pública para contestar no prazo de 30 dias. Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, pode haver lugar ao conhecimento imediato do pedido, nos termos do art. 113º. Segundo este preceito, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários. Se, porém, o representante da Fazenda Pública suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, então, antes do conhecimento imediato do pedido, será ouvido o impugnante. Caso não possa conhecer-se logo do pedido, terá então lugar a fase da instrução ou da produção da prova (arts. 114º a 119º). Fase que terá lugar no competente tribunal tributário, já que, em virtude da revogação do nº 4 do art. 108º CPPT pela L 15/2001, de 8 de Junho, deixou de se poder produzir a prova no órgão periférico local da administração tributária. Quanto aos meios de prova, é de referir que são aqui admitidos todos os meios gerais de prova, ou seja, a prova documental, a prova pericial ou por arbitramento, a prova por inspecção, a prova testemunhal e a prova por presunções. Quanto à prova por confissão do contribuinte, sendo os actos tributários de natureza indisponível, parece não ser de admitir como prova plena, embora a eventual aceitação dos factos tributários pelo contribuinte constitua elemento de livre apreciação pelo juiz. Por seu lado, quanto à prova por presunções, são de mencionar disposições da LGT que estabelecem a presunção de boa fé da actuação dos contribuintes e da administração tributária (art. 59º/2), a presunção de veracidade das declarações do contribuinte (art. 75º) e o carácter de presunção relativa das presunções constantes de normas de incidência, já que admitem sempre prova em contrário (art. 73º).
A respeito da instrução é de fazer menção à repartição do ónus ia prova, à presunção de verdade das declarações e outros elementos dos contribuintes e ao valor probatório das informações prestadas pela inspecção tributária.
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No que concerne à repartição do ónus da prova entre a administração tributária e o contribuinte ou o sujeito passivo, consta eia agora do art. 74º da LGT, em que se dispõe: ―1 — O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque; 2 — Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária; 3 — Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação‖. Um regime de distribuição do ónus da prova em relação ao qual sejam-nos permitidas três notas. A primeira, para esclarecer que, muito embora este regime seja dirigido à distribuição do ónus da prova no procedimento tributário, as suas regras devem valer igualmente para o processo tributário que se lhe seguir. A segunda, para assinalar que se trata de um regime que é de louvar na medida em que veio reequilibrar em termos mais aceitáveis a distribuição do ónus da prova em sede do procedimento e do processo tributário entre o contribuinte e a administração tributária, pondo assim termo à situação vigente no domínio do CPT, em que o ónus da prova recaía essencialmente sobre a administração tributária. Uma solução que se expunha a críticas, sobretudo dado a total ausência duma qualquer compensação em sede de atribuição de prerrogativas de informação à administração tributária. Enfim, uma terceira nota para assinalar que constitui uma aplicação prática no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no transcrito nº 1 do art, 74º da LGT, o disposto no nº 1 do art. 100º do CPPT, que prescreve: ―sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado‖. O que traduz uma concretização da eliminação, no domínio da justiça tributária, da presunção de legalidade dos actos da administração tributária, substituindo-a por uma presunção de veracidade dos actos dos contribuintes e demais sujeitos passivos. Por seu lado, no respeitante à presunção de verdade das declarações e outros elementos dos contribuintes, prescreve o art. 75º/1 e 2 LGT que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal. Presunção que não abrange a indispensabilidade dos custos ou perdas para a formação do rendimento sujeito a IRC, cujo ónus da prova cabe ao contribuinte, como resulta do art. 33º/1 CIRC.
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Uma presunção que também se não verifica, havendo, por conseguinte, uma inversão do ónus da prova, recaindo sobre o contribuinte, quando: 1) as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo; 2) o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, a menos que se verifique legítima recusa da prestação de informações; 3) a matéria tributável se afastar significativamente para menos, sem razão justificativa, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na lei; 4) os rendimentos declarados em IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento correspondentes às manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do art. 89º-A da LGT. Enfim, quanto ao valor probatório das informações prestadas pela inspecção tributária, diz o art. 76°/1 LGT que as mesmas fazem fé em juízo, quando fundamentadas e baseadas em critérios objectivos, nos termos da lei. De modo idêntico, prescreve o art. 1 15º do CPPT que as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas de acordo com critérios objectivos, devendo o teor das mesmas ser notificado ao impugnante logo que juntas ao processo para que este, nos 10 dias seguintes à sua apresentação, possa impugnar a sua genuinidade. Finda a produção da prova, inicia-se a fase das alegações, ordenando o juiz a notificação dos interessados (impugnante e representante da Fazenda Pública) para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias. Contudo a falta de alegações quer do impugnante, quer da Fazenda Pública, é desprovida de sanção. Apresentadas as alegações ou decorrido o respectivo prazo, vão os autos com vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais (art. 121º). Como resulta do que fica transcrito, o MP apenas pode pronunciar-se sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade. Se o MP suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, então serão ouvidos sobre ela o impugnante e o representante da Fazenda Pública.
Se não tiver sido suscitada qualquer questão desta índole, ou, tendo-o sido, a seguir à audição das entidades referidas, são os autos conclusos ao juiz ou ao relator para proferir a decisão — a sentença ou o acórdão. Nesta o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Dentro dos vícios do primeiro grupo. dará prioridade aos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, urna mais estável ou eficaz tutela dos interesses do ofendido. Por sua vez, dentro dos vícios do segundo grupo, seguirá a ordem dos
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vícios indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade. 39.2. Referência aos efeitos das sentenças anulatórias de actos tributários: Como os efeitos destas sentenças anulatórias não diferem dos efeitos das sentenças anulatórias dos actos administrativos proferidas pela jurisdição administrativa, não temos nesta sede que proceder a quaisquer desenvolvimentos. Daí que nos limitemos a assinalar um aspecto que, por ser relativamente frequente no direito fiscal, tem neste sector do ordenamento jurídico um relevo que não tem no direito administrativo geral. Estamos a referir-nos à anulação parcial do acto tributário por parte dos tribunais tributários. Uma situação que ocorre com bastante frequência e que se traduz em os tribunais, de um lado, anularem uma parte do acto tributário e, de outro lado, manterem a outra parte do acto tributário. A seguirem-se aqui os cânones clássicos da separação de poderes, da separação entre a administração e a jurisdição, que impunha a esta um estrito contencioso administrativo de mera anulação, o tribunal limitar-se-ia a anular o acto tributário mesmo que apenas parcialmente ilegal, competindo à administração tributária a renovação do acto na parte não ilegal. Todavia, o certo é que os nossos tribunais fiscais sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários nesta situação, uma solução que parece impor-se com base em dois argumentos: 1) a divisibilidade do acto tributário; 2) a natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto. A divisibilidade do acto tributário é o argumento utilizado pelos tribunais fiscais, designadamente pelo STA. Nesta visão das coisas, porque o objecto de anulação não seria o acto tributário na sua totalidade, mas apenas parte dele, o tribunal, ao anular essa parte, nada diz relativamente à parte do acto que se mantém. A natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, por seu turno, pode ter por suporte duas ordens de razões. De um lado, podem invocar-se razões que se prendem com os princípios processuais, como o princípio da economia processual ou o princípio da oficialidade, para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo urna definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária.
De outro lado, e pela nossa parte, entendemos que devem ser invocadas sobretudo razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação, num sistema de administração executiva corno o nosso. Um sistema de administração executiva em que os limites à plena jurisdição de um tal contencioso só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa. Domínios esses que se reconduzem: i) a intangibilidade do caso julgado
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administrativo, e ii) o respeito pelos tribunais das áreas deixadas à livre apreciação e decisão administrativa. Pelo que o tribunal, no tipo de situações em análise, tem poder não só para anular a parte ilegal, mas também para fixar a parte não ilegal do acto tributário, conquanto que esta fixação não se traduza na interferência do tribunal naquele núcleo essencial da função administrativa. O que ocorrerá caso essa fixação envolva uma margem de livre apreciação ou de livre decisão para a administração tributária, uma hipótese que, atenta a natureza vinculada do acto tributário, não será frequente. 39.3. Alusão à execução das sentenças anulatórias de actos tributários: Uma alusão, naturalmente muito sumária, lembrando de resto algo já referido num quadro mais amplo, se impõe no respeitante à execução das sentenças anulatórias de actos tributários. Mais especificamente, devemos salientar aqui duas ideias. A primeira tem a ver com o regime da execução das sentenças anulatórias de actos tributários. Efectivamente, a execução das sentenças anulatórias de actos tributários não dispõe de um regime próprio, isto é, de um regime específico no direito fiscal, remetendo a lei fiscal, mais especificamente o nº 1 do art. 102º LGT, para o regime da execução das sentenças dos tribunais administrativos, para o regime da execução das sentenças anulatórias dos actos administrativos. Pelo que a execução das sentenças anulatórias de actos tributários rege-se actualmente pelos arts. 157º a 179º do CPTA. A segunda ideia, por seu lado, prende-se com a exclusão legal, por via de regra, da possibilidade de invocação de causa legítima de inexecução das sentenças anulatórias de actos tributários. Na verdade, concretizando-se a execução de tais sentenças no pagamento, ou melhor na restituição, de urna quantia pecuniária, correspondente à liquidação ou à parte da liquidação do imposto anulada pelo tribunal, não é invocável causa legítima de inexecução. Neste preciso sentido dispõe agora o art. 175º/3, do CPTA, em que se prescreve: ―sem prejuízo do disposto no artigo 177º, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deve ser realizado no prazo de 30 dias‖.
Uma disposição que no direito fiscal não levantará problemas dado estarmos perante sentenças cuja execução passa pela não cobrança ou restituição de impostos cuja liquidação foi anulada. Mas que, em geral, pelo seu carácter peremptório, poderá originar dificuldades, uma vez que parece assentar na ingénua abstracção de que o Estado vive do ar e, por conseguinte, jamais se deparará com quaisquer limites em sede da satisfação de somas pecuniárias, por mais elevadas que se apresentem. E que, a insustentabilidade financeira do Estado, que em tal sistema pode acarretar, leva-nos a perguntar se não haverá casos em que tenha de se
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considerar existir causa legítima de inexecução por se tratar de montantes que ponham em causa a gestão financeira do Estado. 50. A reforma fiscal dos anos sessenta (1958-1966): Vejamos, então, como se configurava a tributação do rendimento, do património e do consumo no sistema fiscal resultante da reforma fiscal levada a cabo entre os anos de 1958 e 1966 e que vigorou até à adopção do sistema fiscal actual. 50.1. A tributação do rendimento: No respeitante à tributação do rendimento, verificava-se uma tributação dualista constituída por: um conjunto de impostos parcelares ou cedulares, integrado por um imposto por cada parcela ou cédula de rendimento; e um imposto de sobreposição, o chamado Imposto Complementar que tributava, de novo, com critérios de personalização aquelas parcelas de rendimento. Os impostos parcelares, cujos rendimentos estavam também sujeitos ao Imposto Complementar, eram: 1) o Imposto Profissional relativo ao rendimento do trabalho dependente e do trabalho independente dos profissionais liberais ou independentes constante da tabela anexa ao código desse imposto, 2) a Contribuição Industrial relativa ao rendimento proveniente da actividade industrial e comercial, 3) o Imposto de Capitais relativo ao rendimento da aplicação de capitais, 4) o Imposto sobre a Indústria Agrícola relativo ao rendimento proveniente da actividade agrícola, silvícola e pecuária (um imposto que praticamente não chegou a ser aplicado, uma vez que, tendo sido várias vezes suspenso e reposto em vigor, foi objecto de restituição nos anos em que chegou a ser cobrado), e 5) a Contribuição Predial relativa ao rendimento da propriedade rústica e urbana. Sobre os rendimentos tributados nestes impostos cedulares incidia, como já referimos, num segundo momento, o Imposto Complementar, Secção A , o qual, dotado de uma taxa progressiva e de outras características típicas dos impostos pessoais, tinha por objectivo personalizar a tributação do rendimento das pessoas singulares. Para além destes impostos, havia ainda: 1) o imposto de mais-valias (que tributava o rendimento proveniente de algumas mais-valias realizadas — as provenientes da transmissão onerosa de terrenos para construção, da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens mantidos como reserva, do trespasse de locais afectos ao exercício de profissões liberais, e da incorporação de reservas no capital social das sociedades por acções) cujos rendimentos não eram, porém, objecto de tributação no Imposto Complementar; e 2) o Imposto Complementar, Secção B, que se traduzia num agravamento, realizado através de um típico adicionamento, da Contribuição Industrial incidente sobre as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial e demais pessoas colectivas.
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Refira-se, a título complementar, que o sistema de tributação do rendimento instituído pela reforma fiscal dos anos sessenta, em vez de se desenvolver no sentido traçado e subjacente aos diplomas legais que a concretizaram, isto é, no sentido do progressivo aumento do peso do imposto complementar na tributação das pessoas e da tributação pelo rendimento real na tributação das empresas, foi vítima de uma verdadeira contra-reforma fiscal. Traduziu-se ela, de um lado, na não implementação pela administração tributária das medidas que as leis exigiam e, de outro lado, no retrocesso legislativo que não tardou a surgir. 50.2. A tributação do património: No referente aos impostos sobre o património, o sistema fiscal de então conhecia apenas dois impostos incidentes ambos sobre o património aquando da sua transmissão: por um lado, o imposto de sisa, incidente sobre a transmissão onerosa dos bens imóveis (ou do património imobiliário); por outro, o imposto sobre as sucessões e doações, incidente sobre a transmissão gratuita, por acto inter vivos ou inortis causa, dos bens imóveis e móveis (ou do património imobiliário e mobiliário). Impostos que praticamente se mantiveram até à recente reforma da tributação do património em 2003/04, já que a única alteração visível levada a cabo foi a que, em 1988, transformou a Contribuição Predial, um imposto sobre o rendimento predial, em Contribuição Autárquica, um imposto sobre o património, tendo esta substituído, no respeitante aos prédios não arrendados a anterior tributação do rendimento em Contribuição Predial e em Imposto Complementar. 50.3, A tributação do consumo: Finalmente, no respeitante à tributação do consumo, assistiu-se pela primeira vez, entre nós, à introdução, em 1966, de um imposto geral sobre o consumo – o chamado Imposto de Transacções. Pois, até então, existiam os mais diversos e variados impostos especiais sobre o consumo, como é, de resto, típico dum país pouco desenvolvido. No respeitante ao imposto de transacções, refira-se que se tratava de um imposto monofásico, incidente sobre as transacções no grossista ou no importador. Um imposto, cuja existência não obstou, no entanto, a que, a seu lado, subsistissem diversos impostos especiais sobre o consumo, como, por exemplo, o imposto de turismo e o imposto sobre especialidades farmacêuticas, para nos referirmos apenas a dois dos abolidos aquando da introdução do IVA. 51, O quadro constitucional (art, 104.° da Constituição): 51.1. A tributação do rendimento:
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A Constituição contém dois preceitos relativos à tributação do rendimento: um, relativo à tributação do rendimento pessoal; outro, respeitante à tributação das empresas. 51.1.1. A tributação do rendimento pessoal Nos termos do n.° 1 do art. 104° CRP, a tributação do rendimento pessoal, há-de fazer-se através de um imposto que seja: 1) único, 2) progressivo e 3) tenha em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. Ora bem, a este respeito, devemos começar por dizer que a crítica que fazíamos na 1ª edição no sentido de tais exigências constitucionais, mormente as da unicidade e da progressividade do imposto, não estarem satisfeitas no respeitante à tributação dos rendimentos proporcionados pelas aplicações financeiras (rendimentos do capital e mais valias), deixou em larga medida de ter razão com o regime instituído pela Lei n.° 30-G/2000. Um tratamento em relação ao qual era de perguntar se não foi dominado em excesso por preocupações de justiça ou equidade, deixando sem a devida consideração os valores da eficiência e da simplicidade, valores que integram a tríade que há que ter em conta de forma equilibrada em qualquer medida de reforma fiscal. Pois a diversidade de regimes, aliada às múltiplas e diversificadas taxas a aplicar e à barragem de obrigações acessórias em que o sistema se apoiava, tornavam clara a impossibilidade prática da sua aplicação. Não admira, por isso, que, atentas essas razões de ordem técnica, às quais se somaram razões de ordem política assentes na forte contestação política que originou, todo esse regime das mais-valias tenha sido anulado posteriormente. O que veio a ocorrer, de um lado, através da LOE/2002 e, de outro lado, através da L 16-A/2002, de 31 de Maio. 51.1.2. A tributação das empresas: Em princípio, as empresas são tributadas pelo seu rendimento real, prescreve a Constituição. A regra constitucional da tributação das empresas é, assim, a da tributação pelo rendimento real — efectivo ou presumido. Deste modo, a Constituição permite, excepcionalmente, que a tributação das empresas se possa fazer pelo rendimento normal, seja este o rendimento médio de uma série de anos, que uma empresa poderia obter operando em condições normais (isto é, nas condições mais frequentes nessa época e lugar e com a diligência, técnica e preços geralmente praticados), seja o rendimento de determinado ano, que uma empresa poderia obter operando em condições normais.
A respeito da tributação das empresas remetemos aqui para o que escrevemos relativamente à tributação do rendimento das empresas singulares. Pois somos de opinião que a Constituição não impõe, ao contrário do que defenderam alguns autores e acabou por ser consagrado nos CIRS e CIRC, que as empresas singulares
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tenham de ser tributadas em IRS. A nosso ver, a Constituição ainda seria respeitada caso o rendimento das empresas singulares fosse separado do rendimento pessoal do seu titular e tributado em IRC, em vez de ser tributado em IRS. 51.2. A tributação do património: A tributação do património há-de constituir um instrumento de igualdade entre os cidadãos. A diminuição das desigualdades constitui assim o objectivo constitucional da tributação do património, um objectivo que abre a porta para o legislador proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adoptando taxas progressivas. Objectivo esse que, recorde-se, na versão anterior do n.° 3 do então art. 107.° da CRP, era imputado ao imposto sobre as sucessões e doações. Por isso, ficou assim constitucionalmente aberto o caminho para a tributação geral do património, uma tributação que foi, aliás proposta pela Comissão de Reforma da Tributação do Património, mas que, todavia, não veio a verificar-se, corno vamos ver. 51.3. A tributação do consumo: A este respeito dispõe a Constituição, por um lado, que a tributação do consumo visa a adaptação da estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social e, por outro, a oneração dos consumos de luxo. A manutenção, na Revisão Constitucional de 1997, da imposição constitucional de oneração fiscal dos consumos de luxo levanta, porém, a questão da sua crescente incompatibilidade com as obrigações decorrentes da nossa integração na União Europeia. E que esta proíbe a existência de taxas agravadas de IVA, tendo sido, de resto, abolida em 1995 a que existiu entre nós, em consequência das exigências constantes do art. 12º/3 da Sexta Directiva do IVA, na redacção resultante das Directivas 92/77CEE e 92/111/CEE. Por conseguinte, teria sido, a nosso ver, mais avisado, ter eliminado da Constituição essa referência à oneração dos consumos de luxo, evitando assim colocar o legislador na situação de incumprimento da referida imposição constitucional, urna vez que o cumprimento desta não pode passar pela utilização do IVA. O que, a nosso ver, não obsta totalmente à actuação do legislador nesse sentido, pois este pode utilizar outros impostos com esse desiderato, como o Imposto Automóvel, o qual, a seu modo, não deixa de traduzir uma tributação agravada de consumos de luxo. 52. O sistema fiscal decorrente das reformas de 1985/869 1988/89 e 2003/04:
Como já por mais de uma vez demos conta, o actual sistema fiscal é o resultado da concretização, levada a cabo por etapas, do programa de reforma fiscal constante do actual art. 104º CRP. Pois bem, essas etapas foram: a reforma da
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tributação do consumo com a introdução do IVA em 1985/86, a reforma da tributação do rendimento com a criação do IRS e do IRC em 1988/89 e a reforma da tributação do património com adopção dos IMI, IMT e IS (sobre as transmissões gratuitas) em 2003/04. Seguindo esta ordem cronológica das reformas, vejamos então o resultado a que se chegou em sede da tributação do consumo, da tributação do rendimento e da tributação do património. A que vamos acrescentar uma referência à Taxa Social Única, nome sob o qual, a partir de 1986, se apresentam as tradicionais contribuições para a Segurança Social, bem como a outros impostos. 52.1. A tributação do consumo: Como referimos, na vigência da actual Constituição, o consumo foi o primeiro sector do nosso sistema fiscal a ser objecto de reforma, em 1985/85, através da introdução de um imposto geral sobre o consumo — o IVA. A que se seguiu, anos mais tarde, a reforma dos diversos impostos especiais sobre o consumo — os IEC‘s. Reforma que, como também já sabemos, tanto num caso como no outro foi impulsionada pelo direito comunitário. O IVA é um imposto geral sobre o consumo em que se tributam as transmissões de bens, a prestação de serviços, as importações e a aquisição intracomunitária de bens. Todavia, o IVA comporta, para além dum regime geral, diversos regimes especiais, regimes cuja distinção reside basicamente no método utilizado na determinação do montante do imposto. Quando obedece ao regime geral, temos um IVA em que o montante da dívida de cada sujeito passivo é apurado através do chamado método de dedução imposto do imposto, método do crédito do imposto ou método indirecto subtractivo, nos termos do qual esse montante nos é dado pela diferença entre o montante que resulta da aplicação da taxa ao valor das vendas ou prestações de serviços prestados, durante determinado período, e o montante do imposto suportado nas aquisições efectuadas durante o mesmo período. Por sua vez, no respeitante aos regimes especiais, temos: o regime especial de isenção (em que se isentam de IVA os contribuintes que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos de IRS ou de IRC, o seu volume de negócios não ultrapasse um certo montante), e o regime especial dos pequenos retalhistas (a que estão sujeitas as pessoas singulares que, não possuindo nem sendo obrigadas a possuir contabilidade organizada e com um volume de negócios que, embora superior ao do regime de isenção, não ultrapasse certo montante) que pagam sem qualquer direito a dedução, o IVA correspondente a 25% do imposto suportado nas aquisições de bens.
Regimes especiais em que, a seu modo, podemos integrar também, as transmissões de bens em 2ª mão ou de objectos de arte e, bem assim, as agências de
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viagens e os organizadores de circuitos turísticos, casos em que o montante de IVA é determinado segundo o método de dedução base da base, aplicando a taxa do imposto à diferença entre o valor das aquisições ou compras e o valor das vendas. Quanto aos IEC‘s, são de referenciar: por um lado, o imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), o Imposto sobre o Tabaco (IT) e o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) que, por serem impostos objecto de harmonização comunitária, a sua disciplina foi unificada no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC); e, por outro lado, o Imposto Automóvel (IA). 52.2. A tributação do rendimento: Com vista a dar cumprimento ao programa constitucional de reforma da tributação do rendimento, em 1988/89, foram criados, em substituição dos anteriores impostos parcelares e imposto complementar, dois impostos: o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (nestas incluídas as empresas individuais) e o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (em que naturalmente sobressaem as empresas colectivas, ou seja, as sociedades comerciais). Não obstante não se terem mantido os propósitos iniciais, mais consentâneos com as exigências constitucionais, expressos na ‗Exposição de Motivos‖ apresentada à AR pelo Governo no início da reforma fiscal da tributação do rendimento, ainda assim o IRS e o IRC, resultantes da reforma levada a cabo em 1988, constituem obra de real valia‖. Obra traduzida, de um lado, num imposto pessoal sobre o rendimento das pessoas singulares e, de outro lado, num imposto real sobre o rendimento das pessoas colectivas.
No sentido de o IRS constituir um imposto pessoal, podemos apontar as seguintes notas: 1) incide tendencialmente sobre o rendimento global, em que temos: a categoria A, relativa aos rendimentos do trabalho dependente; a categoria B relativa aos rendimentos empresarias e profissionais; a categoria E, relativa aos rendimentos de capitais; a categoria F, relativa aos rendimentos prediais; a categoria G, relativa aos incrementos patrimoniais, entre os quais se contam as mais-valias; e a categoria H, relativa às pensões (arts. 1º a 11º); 2) estabelece a intangibilidade do mínimo de existência, embora previsto apenas para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente (art. 70.°) e, a seu modo, para os titulares dos rendimentos resultantes das actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias (art. 3º/4); 3) toma em consideração a situação pessoal do contribuinte prevendo o abatimento à matéria colectável de certas pensões pagas pelo sujeito passivo (art, 56°) e a dedução à colecta de parte das despesas com a saúde, educação, habitação e segurança social realizadas com os membros do agregado familiar (arts. 78°, 82°, 83°, 84° e 86°), de importâncias fixas por cada um dos membros do mesmo agregado (ali. 79.°) e do imposto pago no estrangeiro por rendimentos aí auferidos (art. 81º); 4) sujeita os respectivos rendimentos a uma taxa progressiva (art. 68,°); e 5) neutraliza a tributação conjunta dos rendimentos dos sujeitos casados ou unidos de facto através do quociente conjugal ou splitting (art. 69.°).
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Carácter global este que foi reforçado pela L 30-G12000. Para o que contribuiu a redefinição da categoria G de rendimentos, constituída agora pelos incrementos patrimoniais, bem mais abrangente do que as anteriores categorias G (mais-valias) e 1 (outros rendimentos) 21 Por seu turno, quanto ao carácter real do IRC, podemos referir que se trata de um imposto de taxa proporcional, pois tributa pela taxa de 25% (ou de 20%, no caso de sujeitos passivos que não constituam empresas ou estejam abrangidos pelo regime simplificado) o lucro ou o rendimento global dos respectivos contribuintes. Tributa o lucro, que é igual à diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período da tributação, quando se tratar de empresas, ou seja, entidades que exerçam a título principal urna actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, considerando-se que é esse sempre o caso das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas. E tributa o rendimento global, que nos é dado pela soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos do IRS, quando se tratar de pessoas colectivas que não exercem a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. 52.3. A tributação do património: Esta foi a última parcela do sistema fiscal a ser objecto de reforma, efectivada através duma tributação estática através do IMI, e duma tributação dinâmica através do IMT e do IS (sobre as transmissões gratuitas). Uma reforma que diga-se de passagem, foi mais na forma do que na substância, uma vez que o IMI não passa, a seu modo, de um novo nome para a anterior Contribuição Autárquica (que vigorou entre 1989 e 1993), o IMT mais não é, em rigor, do que uma nova designação para a velhinha sisa (baptizada de imposto municipal de sisa em 1991), e o IS (sobre as transmissões gratuitas) se apresenta como uma versão limitada e proporcional do anterior imposto sobre as sucessões e doações (pois não integra, em virtude de exclusão, as transmissões gratuitas a favor das pessoas colectivas, nem, em virtude de isenção, as transmissões gratuitas a favor dos herdeiros legitimários, e está sujeito a uma taxa proporcional de 10%). Pelo que a reforma em causa se traduziu sobretudo numa profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana, o qual passou a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, sem espaço para a subjectividade e discricionaridade do avaliador. Pois bem, o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados em território nacional, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam. Por sua vez, o IMT, tributa a transmissão, a título oneroso, dos bens imóveis, sendo seu sujeito passivo o comprador ou adquirente desses bens, constituindo também receita dos municípios.
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Finalmente, o IS (sobre as transmissões gratuitas) incide sobre a transmissão, a título gratuito por acto mortis causa ou por acto inter vivos, dos bens móveis e imóveis a favor de pessoas singulares. Pois as transmissões patrimoniais gratuitas a favor de pessoas colectivas passaram a ser tributadas em sede do IRC, integrando as variações patrimoniais positivas do lucro das empresas societárias ou colectivas e o rendimento global das pessoas colectivas que não sejam empresas, a título de incrementos patrimoniais. 52,4. A Taxa Social Única e outros impostos: Para além dos impostos referidos, são de mencionar ainda a Taxa Social Única e outros impostos. A Taxa Social Única, uma designação resultante da reforma de 1986, a qual procedeu à integração das então chamadas quotizações para o Fundo de Desemprego nas contribuições obrigatórias para a Segurança Social, unificou a taxa contributiva para a segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e respectivas entidades patronais. Por seu turno, quanto aos outros impostos, temos: 1) O Imposto Municipal sobre Veículos, que incide sobre o uso e fruição de automóveis ligeiros, de passageiros e mistos, de aeronaves e de barcos de recreio particulares; 2) O Imposto de Selo (propriamente dito). que incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na correspondente Tabela Geral; 3) O Imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros, um imposto de receita consignada a este Serviço que é cobrado pelas companhias de seguros juntamente com os respectivos prémios, sendo a sua taxa de 13% ou 6%; 4) Os impostos Rodoviáriós, em que ternos: o Imposto de Circulação, que incide sobre o uso e fruição dos veículos afectos ao transporte de mercadorias por conta própria ou à actividade de aluguer de veículos sem condutor, quando os mesmos se destinem ao transporte particular; e o Imposto de Camionagem, que incide sobre o uso e fruição dos veículos afectos ao transporte público rodoviário de mercadorias ou à actividade de aluguer de veículos sem condutor quando os mesmos se destinem exclusivamente ao transporte público; 5) O Imposto de Jogo, um imposto especial sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro dos imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, designadamente a tributação em IRC;
6) A Contribuição para o Audiovisual (CAV), um imposto sobra o consumo de energia eléctrica, com a receita consignada
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ao financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão, criado pela Lei n.° 30/2003, de 22 de Agosto. 53. A actual estrutura do sistema fiscal português Mas atentemos, mediante uma visão panorâmica, na estrutura redictícia dos impostos que integram o nosso sistema fiscal. Comecemos pelo montante de receitas proporcionados por cada um. Vejamos, depois, qual tem sido a evolução recente das receitas de cada um dos principais impostos. Finalmente, comparemos as receitas dos nossos impostos com as dos impostos dos países da União Europeia. 53.1. A receita dos principais impostos: Olhemos agora para as receitas proporcionadas pelos impostos mais importantes do nosso sistema fiscal, servindo-nos para o efeito das receitas orçamentadas no OE/2006. Aí temos a seguinte estrutura de receitas, apresentando as suas importâncias em euros: primeiro, as dos impostos directos; depois, as dos impostos indirectos, finalmente, as das contribuições para a Segurança Social. (ver gráficos) VISÃO GERAL DOS IMPOSTOS PORTUGUESES 56. O IRS: 56.1. Incidência: 56.1.1. A incidência pessoal: De acordo com os arts. 13.° e segs, do CIRS, são sujeitos passivos do IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro, as pessoas singulares não residentes. São assim sujeitos passivos do IRS: — As pessoas singulares (incluindo as empresas individuais, o EIRL e os membros das pessoas colectivas sujeitas ao regime de transparência fiscal, nos termos do art. 6° do CIRC) residentes (que tenham domicilio) em território nacional, que são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional, ou seja, segundo o princípio da universalidade ou do rendimento mundial (world wide income principle);
— As pessoas singulares não residentes (que não tenham domicilio) em território nacional, que são tributadas apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal, ou seja segundo o princípio da territorialidade (em sentido estrito ou da fonte, isto é,
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segundo o source principie) ou da obrigação tributária limitada (beschränkte Steuerpflicht). Tratando-se de residentes e existindo agregado familiar o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado, o qual é constituído, no caso de agregados familiares biparentais, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e pelos seus dependentes, sendo estes os filhos, os adoptados e os enteados menores e, bem assim, os maiores em certas circunstâncias e, no caso de agregados monoparentais, por cada um dos cônjuges, ex-cônjuges, pai ou mãe solteiros ou adoptante solteiro e seus dependentes. De referir, a respeito da tributação do agregado familiar, é o art. 14° CIRS, em que se prescreve: ―as pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens‖ que significa que os unidos de facto, ao contrário do que acontece com os casados que estão obrigados à tributação conjunta, podem optar pela tributação conjunta ou manterem-se na tributação separada, uma solução que, na medida em que discrimina os casados face aos unidos de facto, briga com a Constituição cujo art. 36.° por certo não permite esta espécie de discriminação inversa. Por seu lado, no respeitante aos rendimentos dos não residentes, é de referir que o princípio da tributação limitada aos rendimentos da fonte, comporta uma importante excepção. Pois, nos termos do art. 18º, se os rendimentos dos não residentes, em que naturalmente sobressaem os rendimentos empresariais ou profissionais, forem rendimentos imputáveis a um estabelecimento estável, então a tributação em IRS incidirá sobre a totalidade dos rendimentos imputáveis ao estabelecimento estável. 56.1.2. A incidência real: Segundo os arts. 1º a 11º do CIRS, o IRS incide sobre o valor anual dos seguintes rendimentos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos. Categoria A — ―rendimentos do trabalho dependente‖. Nesta categoria insere-se um conjunto muito numeroso e diversificado de situações, em que claramente se distinguem: de um lado, as remunerações decorrentes de trabalho por conta de outrem, um conjunto relativamente homogéneo que forma o núcleo central da categoria; de outro lado, toda uma série heterogénea de remunerações equiparadas às do trabalho por conta de outrem, que foram sendo introduzidas no âmbito dessa categoria e se situam na sua periferia.
Nas mencionadas situações nucleares da categoria, temos rendimentos provenientes das remunerações pagas ou postas à disposição do respectivo titular no âmbito de uma relação jurídica de trabalho subordinado, ou seja, os rendimentos resultantes: 1) do contrato de trabalho; 2) do contrato legalmente equiparado ao contrato de trabalho; 3) do contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica
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natureza em que o trabalho seja prestado sob a autoridade e direcção do adquirente dos serviços; 4) do exercício de função, serviço ou cargo público; 5) da atribuição a título de pré-reforma, pré-aposentação, reserva, com ou sem prestação de trabalho; 6) de prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social para a passagem à situação de reforma e, bem assim, as prestações que continuem a ser devidas até que se verifiquem os requisitos necessários à passagem à situação de reforma. Por seu lado, nas situações periféricas da categoria, encontramos toda uma série de situações que a lei considera ainda rendimentos do trabalho dependente, entre as quais podemos mencionar: 1) as remunerações dos órgãos estatutários das pessoas colectivas (excepto dos que nelas participem como revisores oficiais de contas); 2) as chamadas remunerações acessórias; 3) os abonos para falhas devidos a quem, no seu trabalho tenha que movimentar numerário na parte em que excedam 5% da remuneração mensal fixa; 4) as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas não excedam os limites legais: 5) quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos de trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais; 6) a quota-parte, acrescida dos descontos para a segurança social, que constituam encargo do beneficiário, devida a título de participação nas campanhas de pesca aos pescadores que limitem a sua actuação à prestação de trabalho fixa; 7) as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação de trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal: etc. Embora se impusesse um tratamento minimamente desenvolvido relativamente a cada uma destas espécies de rendimento, por razões que bem se compreendem, vamos limitar-nos aqui a algumas palavras no concernente às remunerações acessórias e às indemnizações. E relativamente às remunerações acessórias (fringe benefits), vamos referir-nos, de um lado, ao seu conceito e, de outro, às situações que as integram.
Nos termos da alínea b) do nº 3 do art, 2º CIRS, as remunerações acessórias são definidas como os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação, ou cru conexão com esta e constituam para o seu beneficiário uma vantagem económica. O que caracteriza estas remunerações é o facto de terem normalmente um carácter complementar face à remuneração devida pela prestação de trabalho, ainda que constituam um encargo directo ou indirecto da entidade patronal e façam parte dos benefícios que o trabalhador recebe em virtude dessa prestação, considerando-se, por isso, como uma manifestação da sua capacidade contributiva. Podem consistir quer em prestações de natureza pecuniária como subsídios, abonos ou pagamento de determinadas despesas, quer em prestações sem natureza pecuniária como a atribuição de casa ou automóvel de função, o fornecimento de refeições no local de trabalho, etc. A atribuição desses benefícios enquadra-se, cada vez mais, em sofisticados sistemas de
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planeamento fiscal, através dos quais a entidade patronal procura minorar a carga fiscal que incide sobre os trabalhadores, diminuindo consequentemente os custos empresariais do factor trabalho. Relativamente às situações que integram essas remunerações, segundo o preceito do CIRS em referência elas distribuem por dez números, a saber: 1) os abonos de famfiia e respectivas prestações complementares, na parte em que não excedam os limites legais; 2) o subsídio de refeição, na parte em que exceder 50% o limite legal, ou em 70% sempre que o respectivo subsídio seja atribuído através de vaies de refeição; 3) as importâncias dispendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo ―vida‖, fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários; 4) os subsídios de residência ou equivalentes ou a utilização da casa de habitação fornecida pela entidade patronal 5) os resultantes de empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa, concedidos ou suportados pela entidade patronal, com excepção dos destinados a aquisição de habitação própria de valor não superior a € 134.675,43 e cuja taxa não seja inferior a 65% da prevista no DL 138/98, de 16 de Maio; 6) as importâncias dispendidas pela entidade patronal com viagens e estadas, de turismo e similares, não conexas com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da mesma entidade; 7) os ganhos derivados de pianos de opções, de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente sobre valores mobiliários ou direitos equiparados, ainda que de natureza ideal (stock options); 8) os rendimentos, em dinheiro ou em espécie, pagos ou colocados à disposição a título de direito a rendimento inerente a valores mobiliários ou direitos equiparados, ainda que estes revistam a natureza ideal, e, bem assim, a título de valorização patrimonial daqueles valores ou direitos, independentemente do índice utilizado para a respectiva determinação, derivados de pianos de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente, criados em benefício dos trabalhadores ou membros de órgãos sociais; 9) os resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal (quando exista acordo entre o trabalhador ou membro de órgão social e a entidade patronal sobre a imputação àquele da viatura) 10) a aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos parva entidade patronal.
Uma palavra agora no respeitante à situação periférica constituída por quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos desta categoria. Pois bem, segundo o disposto nas al. e) do n.° 3 do art. 2°, as indemnizações em causa integram a categoria A, mas sem prejuízo do disposto no n.° 4 desse art. 2.°. Porém, este prescreve que a tributação incide apenas na parte correspondente a urna vez e meia
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o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora. Pelo que a importância sujeita a IRS é calculada de acordo com a seguinte fórmula: Sendo: R — rendimento tributável; I — indemnização; n — n.° de anos ou fracção de antiguidade ao serviço na entidade pagadora da indemnização; Rm — total das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto nos últimos 12 meses. Categoria B — ―rendimentos empresariais e profissionais‖. Esta integra os rendimentos: 1) decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; 2) auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços ainda que conexas com qualquer actividade mencionada no número anterior; 3) os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou das prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou cientifico, quando auferidos pelo seu titular originário. Consideram-se ainda rendimentos desta categoria: 1) os rendimentos prediais e de capitais imputáveis a actividades empresariais e profissionais, 2) as mais-valias apuradas no âmbito das actividades empresariais e profissionais, definidas nos termos do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa, 3) as importâncias auferidas, a título de indemnização, conexas com a actividade exercida, nomeadamente a sua redução, suspensão e cessação, assim como pela mudança do local do respectivo exercício, 4) as importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento, 5) os subsídios ou subvenções obtidos no âmbito de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola, pecuária ou de prestação de serviços, 6) os provenientes da práticas de actos isolados referentes à actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola, pecuária ou de prestação de serviços.
São consideradas actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes: compra e venda; fabricação; pesca; explorações mineiras e outras indústrias extractivas; transportes; construção civil; urbanísticas e exploração de loteamentos; actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como venda ou exploração do direito real de habitação periódica; agências de viagens e turismo; artesanato: actividades agrícolas e pecuárias não conexas com a exploração
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da terra ou em que esta tenha carácter manifestamente acessório; actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias integradas noutras de natureza comercial ou industrial Por seu lado, são consideradas actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias, designadamente, as seguintes: as comerciais ou industriais, meramente acessórias ou complementares daquelas, que utilizem, de forma exclusiva, os produtos das próprias explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias; a caça e a exploração de pastos naturais, água e outros produtos espontâneos, explorados directamente ou por terceiro; a exploração de marinhas de sal; a investigação e obtenção de novas variedades animais e vegetais, dependentes daquelas actividades. A respeito desta categoria devemos sublinhar que, não obstante a intenção de integração do conjunto dos rendimentos empresariais e profissionais da L 30-G/2000, é manifesto que a mesma não foi conseguida. Efectivamente, não se operou uma verdadeira integração desses rendimentos, pois, como resulta dos complexos arts. 3° e 4° do CIRS, continua a haver um tratamento diferenciado dos rendimentos profissionais face aos rendimentos das actividades comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias, e dentro destes últimos, entre os rendimentos das actividades comerciais e industriais e os rendimentos das actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias. Categoria E — ―rendimentos de capitais‖. Trata-se dos rendimentos resultantes da aplicação de capitais, em que se compreendem, nomeadamente, os juros provenientes de contratos de mútuo e de abertura de crédito, os juros derivados de depósitos à ordem ou a prazo em instituições financeiras, os juros e outros rendimentos de títulos, incluindo os títulos de dívida pública, os lucros das entidades sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares e os rendimentos provenientes de contratos que tenham por objecto a cessão ou utilização temporária de direitos da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando não auferidos pelo respectivo autor ou titular originário, bem como os derivados de assistência técnica e, ainda, os decorrentes do uso ou concessão do uso de equipamento agrícola e industrial, comercial ou científico, quando não constituam rendimentos prediais. A respeito dos rendimentos de capitais é de chamar a atenção para as diversas presunções relativas seja à existência de mútuos, seja ao carácter remunerado dos mesmos, constantes do art. 6º CIRS. Presunções que, como resulta deste artigo e dos arts. 73° LGT e 64° CPPT são elidíveis através de prova em contrário produzida com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela DGCI.
Categoria F — ―rendimentos prediais‖. Estes integram as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares e
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decorrentes da locação de tais prédios ou de cessões de exploração de estabelecimentos comerciais ou industriais, incluindo as dos bens móveis que aí se encontrem, e bem assim a diferença de rendas obtidas pelo sublocador. Como claramente decorre da norma de incidência relativa a esta categoria, não integram o rendimento tributável em IRS, a título de rendimentos prediais, o rendimento imputado à casa de habitação. Muito embora, corno já referimos, esse rendimento possa ser tributado a outro título, como acontece no domínio da categoria A com o rendimento imputado à utilização pelo trabalhador de casa de habitação fornecida pela entidade patronal, no que constitui uma excepção (difícil de explicar) à regra da não tributação do rendimento imputado à casa de habitação. Categoria G — ―incrementos patrimoniais‖. Ampliada pela L 30-G/2000, esta categoria abrange agora não apenas as mais-valias, como acontecia antes, mas também outros incrementos patrimoniais. Por isso, integram esta categoria, a título de mais-valias, os ganhos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais, de partes sociais e da propriedade intelectual ou industrial (quando, relativamente a esta o transmitente não seja o seu titular originário), da cessação de posições contratuais ou outros direitos relativos a imóveis, operações relativas a instrumentos financeiros derivados e operações relativas a warrants autónomos. Por seu lado, a título de outros incrementos patrimoniais, temos as indemnizações que visem a reparação de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas os destinados a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão, as importâncias auferidas em virtude de obrigações de não concorrência e os acréscimos patrimoniais não justificados determinados nos termos dos arts. 87º, 88.° e 89.°-A LGT. Categoria H — ―pensões‖. Consideram-se como tais: as prestações que, não sendo havidas como rendimentos de trabalho subordinado, sejam devidas a título de pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez, ou de sobrevivência e outras de idêntica natureza e ainda as pensões de alimentos: as prestações a cargo das seguradoras, fundos de pensões, ou quaisquer outras entidades, devidas no âmbito de regime complementar de segurança social em razão de contribuição da entidade patronal, e que não sejam consideradas rendimentos do trabalho dependente; as rendas temporárias ou vitalícias; quaisquer outras pensões ou subvenções.
Como é fácil de ver, estamos perante rendimentos muito semelhantes aos rendimentos do trabalho dependente, pois trata-se, fundamentalmente, de rendimentos do trabalho dependente de ontem. Daí que não vejamos obstáculo a que fossem integrados na categoria A. Todavia, ao que julgamos, por razões que se prendem sobretudo com a vantajosa dedução específica com que foram
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contemplados, a qual não tem qualquer explicação, foram objecto de uma categoria própria, intenção já começada a concretizar na LOE/2006, que reduziu a mencionada dedução específica. 56.5. A determinação da matéria colectável 56.5.1. As diversas etapas de determinação da matéria colectável A determinação da matéria colectável comporta os seguintes momentos: a) Apuramento do rendimento líquido de cada categoria através da subtracção ao rendimento ilíquido (ou bruto) de cada categoria das deduções especificas (que, basicamente, são constituídas pelas despesas necessárias à obtenção do respectivo rendimento) dessa mesma categoria. Relativamente ao trabalho dependente essa dedução corresponde a 72% de doze vezes o salário mínimo nacional mais elevado, sendo certo que, se o montante das contribuições obrigatórias para os regimes de protecção social e para subsistemas de saúde for superior aquele montante, a dedução será igual ao montante total dessas contribuições (art. 25°). Por seu lado, no respeitante aos rendimentos empresariais profissionais, a dedução específica concretiza-se de maneira diferente consoante os sujeitos passivos se insiram no regime simplificado ou no regime normal de determinação dos rendimentos, uma vez que, quando se verifique esta última situação, se seguem as regras estabelecidas no CIRC (arts. 28° a 39°). Nas categorias E e G não há lugar a qualquer dedução específica (a não ser, em relação à categoria G, as respeitantes às menos valias e à dupla tributação económica) — arts. 40° e 40°-A e 42° a 52º. Na categoria F a dedução específica está limitada às despesas de manutenção e de conservação suportadas pelo sujeito passivo e devidamente documentadas, e ao IMI que incida sobre o valor dos prédios cujo rendimento tenha sido englobado (art. 41°). Finalmente, duma dedução específica particularmente vantajosa, sem qualquer explicação que a suporte, beneficia a categoria H, a qual, mesmo depois da sua redução pela LOE/2006 para € 7.500, ainda é mais do dobro da dedução específica dos trabalhadores no activo (art. 53°).
b) Apuramento do chamado rendimento global líquido ou rendimento líquido total através do englobamento dos rendimentos das diversas categorias, o que se obtém somando os rendimentos líquidos apurados nos termos referidos (art. 22°). Um problema importante que, nesta sede, se coloca, é o de saber se vigora entre nós o princípio da intercomunicabilidade dos custos das diversas categorias de rendimento, um princípio que parece decorrer do princípio da capacidade
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contributiva, mais especificamente do seu vector qualificado conhecido por princípio do rendimento líquido. Pois bem, à primeira vista, o n.° 1 do art. 55°, ao dispor que ―sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos‖, parece consagrar um tal princípio. Todavia, lendo o disposto nos números seguintes desse artigo, logo nos damos conta de que um tal princípio é totalmente infirmado, uma vez que neles é negada inclusive a intercomunicabilidade de custos dentro da própria categoria B. Por isso, bem podemos dizer que, na prática, vigora o princípio oposto, ou seja o princípio da não intercomunicabilidade dos custos. c) A dedução ao rendimento líquido total dos chamados abatimentos, que agora se limitam às importâncias respeitantes aos encargos com pensões a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou acordo judicialmente homologado u Feitos os referidos abatimentos, apura-se o chamado rendimento colectável (art. 56°). d) Apuramento do quociente conjugal, no caso de cônjuges casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e dos unidos de facto que tenham optado pela tributação conjunta, que se concretiza através da divisão por dois do rendimento colectável, de modo a encontrar a taxa aplicável a todo o rendimento colectável (art. 69°). 56.6. A taxa 56.6.1. As taxas gerais: As taxas gerais do IRS são, nos termos do art. 68.°, as seguintes:
O montante do rendimento colectável, quando superior a € 4.451, será dividido em duas partes: uma, igual ao limite maior dos escalões que nele couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão; outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao escalão imediatamente superior.
É de acrescentar que, segundo o art. 70° CIRS, da aplicação das taxas nos termos que acabamos de ver não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente, a disponibilidade de um
Rendimento colectável (em euros)
Taxa (%)
Normal (A)
Média (B)
até 4451 de + de 4451 até 6732 de + de 6732 até 16692 de + de 16 692 até 38 391 de + de 38 391 até 55 639 de + de 55 639 até 60 000 superior a 60 000
10,5 13 23,5 34 36,5 40 42
10,5000 11,3471 18,5986 27,3037 30,1545 30,8701 -----
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rendimento líquido de imposto inferior ao valor anual da retribuição mínima mensal acrescida de 20%, nem resultar qualquer imposto para os mesmos rendimentos, cuja matéria colectável, após a aplicação do quociente conjugal, seja igual ou inferior a € 1.775. 56.6.2. Taxas especiais: Mas, ao lado destas taxas de carácter geral, temos as taxas especiais de carácter proporcional, que em muitos casos constituem taxas liberatórias, pois concretizam o pagamento integral do IRS através do mecanismo da retenção na fonte (art. 71°), noutros casos são taxas de tributação autónoma (art. 72°). A aplicação de taxas especiais, e designadarnente com carácter liberatório, constitui, por óbvias razões de praticabilidade, urna situação normal relativamente aos rendimentos dos não residentes; em contrapartida, por razões que se prendem com os princípios constitucionais da unicidade e da progressividade, não podem deixar de constituir uma situação excepcional no respeitante aos rendimentos dos residentes. Quanto aos não residentes temos, como taxas liberatórias, as seguintes: a) De 25% para os rendimentos atribuídos aos associados e provenientes de partilha no caso de liquidação de sociedade ou outra entidade, para os rendimentos do trabalho dependente e do exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, para os lucros colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares devidos por entidades sujeitas a IRC, e das pensões (art. 71º/2,/a), c), d) e e)); b) De 20% para os rendimentos de capitais não expressamente tributados a taxa diferente (art. 71º/3/d)), e os rendimentos decorrentes das actividades previstas na lista anexa ao CIRS (art. 71°/1, e l01º/1/b)); c) De 15% para os rendimentos provenientes de contratos que tenham por objecto a cessão ou utilização temporária de direitos da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando não auferidos pelo respectivo autor ou titular originário, os rendimentos resultantes das comissões de intermediação na celebração de quaisquer contratos e os rendimentos provenientes da propriedade intelectual auferidos por titulares não originários (art. 71º/4). Como taxas de tributação autónoma dos rendimentos de não residentes, ternos, por seu lado, as seguintes: a) De 30% sobre os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável situado em território português (art, 72°/2);
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b) De 25% sobre as mais-valias realizadas e os rendimentos prediais auferidos em território português e não imputáveis a estabelecimento estável, ou de 15% quando se trate de rendimentos prediais (art. 72º/1). Por sua vez, relativamente aos residentes temos as seguintes taxas liberatórias:
a) , para os De 35% para os rendimentos constituídos por prémios de rifas, totoloto e jogo do loto, bem corno de sorteios ou concursos (art. 71º/1);
b) De 25% para os rendimentos constituídos por prémios de lotarias, de apostas mútuas desportivas e do bingo (art. 71º/2/f));
c) De 20% para os juros de depósito à ordem e a prazo, incluindo os certificados de depósito, para os rendimentos de títulos de dívida, nominativos ou ao portador, bem como os rendimentos de operações de reporte, cessões de crédito, contas de títulos com garantia de preços ou de outras operações similares ou afins, para os rendimentos de operações de swaps e decorrentes de capitais referidos no n.° 3 do art. 5º (art. 71º/3/a), b) e c)).
Como taxa de tributação autónoma de residentes, ternos a de 10% sobre as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da - prestação de trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal nem por entidade que com esta mantenha relações de grupo, domínio ou simples participação (art. 72º/3) 56.7. A liquidação e cobrança: Nos termos do art. 75°, a liquidação do IRS compete aos serviços centrais da DGCI. Por seu lado, segundo o art. 77°, a liquidação deve ser levada a cabo: 1) até 30 de Abril, quando tenha por base a declaração cujo prazo de entrega é de 1 de Fevereiro a 15 de Março, isto é, diga respeito a sujeitos passivos que hajam recebido apenas rendimentos das categorias A e H; 2) até 30 de Maio, quando tenha por base a declaração cujo prazo de entrega é de 16 de Março a 30 de Abril, isto é, diga respeito a sujeitos passivos que hajam recebido rendimentos de outras categorias; 3) até 31 de Julho, quando, não tendo sido apresentada a declaração de rendimentos, se verifique a situação contemplada na al, b) do n.° 1 do art. 76.°.
Do ponto de vista das operações da liquidação, apurado o rendimento colectável, nos termos sumários que vimos, há que proceder à liquidação stricto sensu, ou seja, à aplicação da taxa ao rendimento colectável para apurar a colecta. Mas, como há multiplicidade de taxas, pois estamos perante uma taxa progressiva, temos de seleccionar qual a taxa ou taxas aplicáveis e, quando se tratar de contribuintes casados ou unidos de facto (no caso de terem optado pela tributação conjunta), proceder ao apuramento do quociente conjugal, dividindo o rendimento colectável por 2 a fim de seleccionarmos a taxa aplicável a este quociente, muito
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embora esta taxa se aplique a todo o rendimento colectável e não apenas a este quociente, ou, o que é o mesmo, ao produto deste quociente por 2. Realizada esta operação, temos apurada a colecta do IRS, à qual há que proceder a numerosas deduções — as deduções constantes dos arts. 78° a 88° CIRS. Entre estas salientam-se, por constituírem deduções à colecta por natureza, os Pagamentos por conta efectuados relativamente aos rendimentos da categoria B. E que tratando-se, como se trata, de antecipações do cumprimento da obrigação do imposto, é óbvio que tais pagamentos hão-de ser deduzidos à colecta do IRS. Aliás, justamente porque têm uma tal natureza, compreende-se que, quando superiores ao imposto devido, confiram o direito ao reembolso da diferença. Assim o prescrevem, como não podia deixar de ser, os nums. 2 e 3 do art. 78°. Quanto às demais deduções à colecta, constantes dos arts. 78.° a 88.°, temos, entre outras, as seguintes: 1) Os montantes relativos aos sujeitos passivos correspondentes às seguintes percentagens do valor mensal do salário mínimo nacional mais elevado: 60% por cada sujeito passivo não casado, 50% por cada sujeito passivo casado, 80% por sujeito passivo nas famílias monoparentais, 40% por cada dependente que não seja sujeito passivo do impostos, e 55% por ascendente que viva efectivamente em comunhão de habitação com o sujeito passivo e não aufira rendimentos superiores à pensão mínima do regime geral (art. 79°); 2) O crédito de imposto (igual ao imposto pago no estrangeiro ou à fracção da colecta do IRS correspondente aos rendimentos auferidos no estrangeiro se aquele for superior) por dupla tributação internacional dos titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro (art. 81º). É de referir que neste artigo se prescreve que, caso exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos na convenção. De outro lado, é de mencionar que o crédito de imposto por prejuízos importados, introduzido pela L0E/99, foi eliminado pela Lei do Orçamento Rectificativo para 2005, ao revogar o n.° 3 do referido art. 81º, em que se previa que, no caso de o crédito de imposto não poder ser totalmente utilizado por insuficiência de colecta no exercício em que os rendimentos obtidos fossem incluídos na base tributável, o remanescente podia ser deduzido até ao fim dos cinco exercícios seguintes; 3) 30% das despesas com a saúde (art. 82°); 4) 30% das despesas com a educação até ao limite de 160% do valor mensal do salário mínimo nacional mais elevado, limite este elevado em montante correspondente a 30% do referido valor por cada dependente nos agregados com três ou mais dependentes (art. 83°);
5) 25% das despesas com lares e outras instituições de apoio à terceira idade relativas aos sujeitos passivos, seus descendentes e colaterais até ao 3° grau que não possuam rendimentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, com o
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limite de € 323 (art. 84.°); 6) 30% dos encargos com imóveis, situados em território — as português, relativos a: a) juros e amortizações de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para a habitação própria e permanente ou arrendamento para habitação permanente do arrendatário, até ao limite de € 562; b) prestações devidas em resultado de contratos celebrados com cooperativas de habitação ou no âmbito de compras em grupo, para a aquisição de imóveis destinados à habitação própria e permanente ou arrendamento para habitação permanente do arrendatário, na parte que respeitem a juros e amortizações das correspondentes dívidas, até ao limite de € 562; c) importâncias, líquidas de subsídios ou comparticipações oficiais, suportadas a título de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou da sua fracção autónoma para fins de habitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados a coberto do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-A190, de 15 de Outubro, até ao limite de € 562 (art. 85°); 7) 25% dos prémios de seguros até ao limite de € 59 ou € 118, consoante se trate de sujeitos passivos não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens ou de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (art. 86°); 8) benefícios fiscais nos termos e dentro dos limites estabelecidos no EBF ou na legislação aplicável (art. 88°). Subtraídas à colecta as deduções, a que aludimos, obtém-se o montante do imposto a pagar. Enfim, liquidado o imposto, segue-se a sua cobrança ou pagamento. Quanto a este, é de assinalar que o IRS é pago, em larga medida, antecipadamente, seja através da retenção na fonte, seja através dos pagamentos por conta. Assim é objecto de retenção na fonte o IRS devido pelos rendimentos do trabalho dependente (com excepção de alguns deles) e das pensões (com excepção das de alimentos) e, bem assim, pelos rendimentos das outras categorias nos termos dos arts. 99° a 101º. Segundo os n.° 3 e 4 do art. 98°, o imposto retido deve ser pago mensalmente, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que as retenções tiverem sido efectuadas. Por seu lado, no respeitante aos pagamentos por conta, é de referir que esta forma antecipada de pagamento se aplica apenas aos rendimentos da categoria B, os quais vêm regulados no art. 102°. Assim, nos termos deste preceito, os sujeitos passivos dos rendimentos da categoria B efectuarão obrigatoriamente três pagamentos por conta do imposto devido a final, até ao dia 20 de cada um dos meses de Julho, Setembro e Dezembro.
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A totalidade dos pagamentos por conta é igual a 85% do montante calculado com base na seguinte fórmula: Sendo: C = colecta do penúltimo ano, líquida das deduções a que se refere o n° 1 do art. 78°, com excepção da relativa à dupla tributação internacional; R = total das retenções efectuadas no penúltimo ano nos rendimentos da categoria B; RLB = rendimento líquido positivo do penúltimo ano da categoria B; RLT = rendimento liquido total do penúltimo ano. Para terminarmos o tratamento dedicado ao IRS, há que fazer alusão aos locais e ao prazo do pagamento normal do imposto liquidado. Pois bem, corno decorre do que dissemos em sede geral, nos termos dos arts. 98°/2 e 105° CIRS e, bem assim, das disposições pertinentes do RCR, o IRS pode ser pago em qualquer serviço de finanças, na respectiva caixa 105 nas estações dos CTT, em qualquer dos balcões das instituições de crédito autorizadas e nos postos servidos por máquinas ATM (postos ―multibanco‖). Por seu lado, quanto ao prazo do pagamento normal do IRS liquidado, dispõe o art. 97° (em articulação com os arts. 60°, 76° e 77°) que esse prazo é até 31 de Maio do ano da liquidação no caso dos rendimentos serem apenas rendimentos das categorias A e H. e até 30 de Julho no caso de haver rendimentos de outras categorias. 56.8. Esquema de determinação do IRS: Vejamos, num quadro. a sequência das operações de determinação do IRS:
Determinação do rendimento bruto por categoria
- Deduções específicas p/cada categoria (arts. 25° e segs) =
Rendimento líquido por cada categoria
Soma dos rendimentos líquidos por cada categoria ou englobamento (art. 22°)
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=
Rendimento englobado
- Algumas perdas (art. 55°) =
Rendimento global líquido
- Abatimentos (art. 56°) =
Rendimento colectável (art. 56°)
Sendo contribuintes casados ou em união de facto: spliting ou divisão por 2 (art. 69º/1) x taxa (arts. 68° e 70° — 73°) Sendo contribuintes casados ou em união de facto: x 2 (art, 69°/2) x 2 colecta - Deduções à colecta: por sujeitos passivos e dependentes — art. 79º Por despesas sociais — arts. 82° — 84° e 87°, Por impostos já suportados — arts. 80° e Por crédito de imposto por dupla tributação internacional — art. 81º, Por benefícios fiscais — arts. 85°, 86° e 88° = imposto a pagar 57. O IRC: 57.1. Incidência: 57.1.1. A incidência pessoal:
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Segundo o art. 2° CIRC, constituem sujeitos passivos do IRC: — As pessoas colectivas (sociedades comerciais, sociedades civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público ou privado) com sede ou direcção efectiva em território português (consideradas residentes); — As entidades desprovidas de personalidade jurídica com sede ou direcção efectiva em território português (consideradas residentes), cujos rendimentos não sejam tributáveis em IRS ou em IRC directamente na titularidade das pessoas singulares ou colectivas, em que se incluem, designadamente as heranças jacentes, as sociedades e associações sem personalidade jurídica, as pessoas colectivas em relação às quais tenha sido declarada a invalidade e as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial anteriormente ao registo; — as entidades com ou sem personalidade jurídica que não tenham a sede nem a direcção efectiva em território português (considerada.s não residentes) e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS. 57.1.1. A incidência real: Do ponto da incidência real, o IRC incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos no período da tributação, havendo que proceder, quanto à base do imposto, à distinção entre as entidades residentes e as entidades não residentes nos termos do art. 3º CIRC. Pois bem, segundo este preceito, a base do imposto, relativamente às entidades residentes, é a seguinte: — se exercerem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (considerando-se que é sempre esse o caso das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, das cooperativas e das empresa públicas), a base do imposto é o lucro, definido como a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas na lei; — se não exercerem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, então a base do imposto é o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das várias categorias consideradas para efeitos do IRS, categorias essas que, por razões que se prendem com a sua natureza de pessoas colectivas, não poderão ir além das B (acessória), E. F e G. Por seu turno, a base do imposto, relativamente às entidades não residentes é a seguinte: — Se dispuserem em território português de estabelecimento estável, a base do imposto é o lucro imputável ao estabelecimento estável;
— se não tiverem estabelecimento estável em território português, ou, tendo-o, esses rendimentos não sejam imputáveis ao mesmo, a base do imposto é constituída por cada um dos rendimentos das deferentes categorias consideradas para efeitos do
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IRS, ou seja, atenta a sua natureza de pessoas colectivas, por cada um dos rendimentos das categorias B, E, F e G. 57.1.3. A extensão da obrigação de imposto: À semelhança do que acontece no IRS, a obrigação de imposto em IRC nos termos do art. 4º CIRC, um âmbito muito dïferente consoante se trate de entidades residentes ou de entidades não residentes. Assim, enquanto as entidades residentes estão sujeitas a urna obrigação pessoal, pelo que pagam IRC pela totalidade dos seus rendimentos, quer sejam obtidos no território português, quer sejam obtidos no estrangeiro, obedecendo ao princípio do rendimento mundial (world wide income principle), as entidades não residentes estão sujeitas a uma obrigação real, pelo que pagam IRC apenas relativamente aos rendimentos obtidos em território português, guiando-se pelo princípio da fonte (source principle). Consideram-se obtidos em território português, para efeitos de tributação das entidades não residentes, além dos rendimentos imputáveis a estabelecimento estável situado nesse território: a) os rendimentos relativos a imóveis situados em território português, incluindo os derivados da sua transmissão onerosa; b) os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direcção efectiva em território português ou de outros valores mobiliários emitidos por entidades que aí tenham sede ou direcção efectiva, ou ainda de partes de capital ou outros valores mobiliários quando, não se verificando essas condições, o pagamento dos respectivos rendimentos seja imputável a estabelecimento estável no mesmo território; c) rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculo ou desportistas; d) rendimentos diversos cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado. Entre estes últimos contam-se: os provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida num sector industrial, comercial ou científico; os derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico; os derivados de assistência técnica; outros rendimentos de aplicação de capitais; remunerações auferidas na qualidade de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas e outras entidades, ganhos de jogo, lotarias e apostas mútuas.
Por seu lado, quanto ao estabelecimento estável, como já referimos, este é definido no art. 5° corno ―qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola‖. O que implica a existência cumulativa de dois elementos: um elemento estático, constituído pela organização através da qual é exercida uma determinada actividade, e um elemento dinâmico, constituído pela actividade exercida considerada em si mesma.
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Lembramos que, em relação à actividade exercida, a lei fiscal a define em termos muito amplos, pois, segundo o 11.0 4 do art. 3,0 do CIRC. ―são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços‖. De outro lado, no respeitante ao tipo de organização, é de assinalar que a lei ao mencionar ―qualquer instalação fixa‖ concebe os estabelecimentos estáveis como estabelecimentos reais. O que é concretizado no n.° 2 do referido art. 5º, que dispõe: ―incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: a) um local de direcção: b) uma sucursal; c) um escritório; d) uma fábrica: e) uma oficina; f) uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extracção de recursos naturais situado em território português‖. 57.1.4. O regime de transparência fiscal: Para efeitos de IRC, as sociedades de pessoas têm, entre nós e ao contrário do que acontece em geral lá fora, um tratamento idêntico às sociedades de capitais. É todavia, aplicado um regime de transparência fiscal, previsto no art. 6º CIRC, a certas sociedades residentes. Trata-se dum regime que, segundo o preâmbulo do CIRC, tem três objectivos: 1) garantir a neutralidade fiscal entre a tributação das pessoas singulares e a tributação das pessoas colectivas; 2. eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos; e 3) combater a evasão fiscal através da criação artificial de sociedades. Temos neste regime duas situações: uma, relativa a sociedades simples (nums. 1, 3 e 4 do art. 6°); outra, relativa a agrupamentos de sociedades (nums. 2 e 3 do art. 6°). Quanto à primeira situação, o regime de transparência fiscal aplica-se a: 1) sociedades civis não constituídas sob forma comercial, 2) sociedades de profissionais e 3) sociedades de administração de bens cujo capital social pertença maioritariamente a um grupo familiar ou a um pequeno número de sócios em determinadas condições. O que significa que estas sociedades, corno consta do art. 12.°, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas (art. 109°/7), sendo antes tributados os sócios em IRS. Esclareça-se que esta situação de transparência fiscal não abrange apenas as sociedades civis simples, já que, no que concerne às sociedades de profissionais e às sociedades de administração de bens cujo capital social pertença maioritariamente a um grupo familiar ou a um pequeno número de sócios, podemos estar perante sociedades civis simples, sociedades civis na forma comercial ou mesmo sociedades comerciais, conquanto que não esteja legalmente imposta a forma de sociedade civil simples, como é, por exemplo, o caso das sociedades de advogados. O que vale igualmente para as sociedades unipessoais.
Por seu turno, quanto à segunda situação, temos os agrupamentos complementares de empresas (ACE) e os agrupamentos europeus de interesse
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económico (AEIE). Também a estes agrupamentos é aplicado o regime de transparência fiscal. Assim o estabelece o n.° 2 do art. 6.°, ao dispor que ―os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável‖. O regime de transparência traduz-se em o lucro tributável ser apurado em relação à sociedade ou entidade transparente, nos termos do CIRC, muito embora, o mesmo seja, depois, imputado aos sócios na proporção da respectiva quota (que se presume igual se nada estiver estabelecido em contrário no pacto social ou no acto constitutivo da entidade), integrando-se assim na categoria B de rendimento do IRS no respeitante aos sócios singulares (art. 20° do CIRS) ou no IRC da sociedade agrupada. Em termos de obrigações acessórias, mormente de obrigações declarativas, é de ter presente o que dispõe o n° 7 do art. 109°, segundo o qual a não tributação em IRC das entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal nos termos do art. 6° não dispensa estas da apresentação da declaração de inscrição, de alterações ou de cancelamento no registo de sujeitos passivos de IRC, da declaração periódica de rendimentos e da declaração anual de informação contabilística e fiscal. Há, assim, lugar a uma dupla obrigação de declaração de rendimentos — a obrigação de declaração da sociedade em sede do IRC, relativamente ao lucro apurado, e a obrigação de declaração de cada um dos sócios no quadro da declaração de rendimentos que tem que fazer em sede do IRS ou do IRC, no respeitante ao correspondente rendimento imputado. Acrescentemos mais duas notas. Uma para dizer que, como decorre dos nums. 1 e 7 do art. 47º, em caso de prejuízo, pode ser este reportado em sede do IRC da sociedade ou entidade transparente no lucro dos seis anos seguintes, mas nunca repercutido nos demais rendimentos dos sócios em sede do IRS ou do IRC desse ano ou de anos posteriores. Outra para referir que, segundo o art. 92°, sempre que, relativamente às entidades transparentes, haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados ao sócios ou membros, a DGCI promove as correspondentes modificações na liquidação a estes efectuada, cobrando ou anulando em consequência as diferenças apuradas. 578. Esquema de determinação do IRC: Vejamos, num quadro, a sequência das operações de determinação do IRC: Proveitos e ganhos (art. 20°) -
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Custos e perdas (art. 23°) = Resultado líquido + Variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado (art. 21°) - Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado (art. 24°) +/- correcções fiscais (arts. 58°-62°) - Deduções para eliminação da dupla tributação económica (art. 46°) = Lucro tributável – Prejuízos fiscais (art. 47°) - Benefícios fiscais, se forem deduções ao lucro tributável (art. 15°/1/b), 2)) = Matéria colectável (art.15º/1) x taxa (art. 80°) = Colecta - Deduções à colecta (crédito de imposto por dupla tributação internacional., benefícios fiscais, pagamento especial por conta, retenções na fonte — arts. 83° e segs.) = IRC a pagar 59. O IVA: 59.1. Introdução:
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Como já referimos, o IVA é um imposto geral sobre o consumo, em que se tributam as transmissões de bens, a prestação de serviços, as importações e a aquisição intracomunitária de bens. Trata-se duro imposto que comporta um regime geral e diversos regimes especiais, qualquer deles objecto dum razoável grau de harmonização comunitária. Quando segue o seu regime geral, o IVA apresenta-se como um imposto sobre o consumo em que o montante da dívida de cada sujeito passivo é apurado através do chamado método de dedução imposto do imposto, do crédito do imposto ou método indirecto subtractivo, nos termos do qual esse montante nos é dado pela diferença entre o montante que resulta da aplicação da taxa ao valor das vendas ou prestações de serviços, durante determinado período, e o montante do imposto suportado nas aquisições efectuadas durante o mesmo período. Por sua vez, no respeitante aos regimes especiais, temos: — O regime especial de isenção (em que se isentam de IVA os sujeitos passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos de IRS ou de IRC, o seu volume de negócios não ultrapasse o montante de € 9.975,96 ou, no caso dos pequenos retalhistas. o montante de € 12.469,95) — arts. 53° ss. CIVA; — O regime especial dos pequenos retalhistas (a que estão sujeitos as pessoas singulares que, não possuindo nem sendo obrigadas a possuir contabilidade organizada, têm um volume de negócios que, embora superior ao do regime de isenção, não ultrapasse o montante de € 49.879,79), os quais pagam, sem qualquer direito a dedução, o IVA correspondente a 25% do imposto suportado nas aquisições de bens — arts. 60° ss. do CIVA; — Regimes especiais têm também, por um lado, as transmissões de bens em segunda mão ou de objectos de arte e, por outro, as agências de viagens e os organizadores de circuitos turísticos, casos em que o montante de IVA é determinado segundo o método de dedução base da base, aplicando a taxa do imposto à diferença entre o valor das aquisições ou compras e o valor das vendas. É de advertir que não constituem quaisquer regimes especiais de IVA algumas situações conhecidas por designações que parecem ir nesse sentido, como são os impropriamente designados ―IVA social‖ e ―IVA turístico‖. No primeiro, trata-se de uma consignação de receitas do IVA à Segurança Social, introduzida pela LOE/95, com efeitos a partir de 1995, quando se decidiu diminuir a contribuição patronal para a Segurança Social de 24% para 23,5% e compensar essa diminuição com a afectação da receita adicional proporcionada pelo aumento da taxa normal de IVA de 16% para 17%. Por isso. o IVA social mais não é do que a consignação de 1% do ―IVA normal‖ à Segurança Social.
No segundo, nem uma consignação desse tipo se verifica, já que actualmente o ―IVA turístico‖, que a partir do Orçamento do Estado para 1998 vem sendo referido como transferência a título de IVA‖, constitui uma verba inscrita no
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Orçamento do Estado sem qualquer ligação ao IVA (ou a qualquer outro imposto) destinada aos organismos encarregados da promoção turística, os municípios ou regiões de turismo. Uma designação que ficou a dever-se apenas a razões históricas ligadas à origem dessa verba, pois que a mesma nasceu da integração do anterior imposto de turismo no IVA, quando este foi criado em 1986, e do facto de, nesse ano e nos que se seguiram, a perda da receita daquele imposto ter sido compensada por um montante proveniente das receitas do IVA. Trata-se, assim, duma compensação pela perda das receitas do anterior imposto de turismo integrado no IVA. 61. O imposto municipal sobre imóveis: 61.1. Incidência 61.1.1. A incidência real Nos termos do art. 1º do respectivo Código, o IMI é um imposto de receita municipal que incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita do município onde os mesmos se localizam. Pelo que temos um IMI rústico e um IMI urbano. Segundo o art. 2º CIMI, entende-se por prédio: 1) toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico; 2) as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontram implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial. Nos termos dos arts. 3°. 4.° e 5º do CIMI os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos. São qualificados de prédios rústicos, entre outros: a) os que estejam afectos ou simplesmente tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas: b) os que, ainda que afectos a fins diversos, se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório sem autonomia económica e de reduzido valor. Por sua vez, são considerados prédios urbanos todos aqueles que não devam qualificar-se como prédios rústicos, entre os quais temos: a) Os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços — os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins;
b) Os terrenos para construção — os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em
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zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. Finalmente, devem qualificar-se como prédios mistos todos aqueles que tenham urna parte rústica e uma parte urbana, sem que nenhuma delas possa qualificar-se como principal. 61.1.2. Incidência pessoal: São sujeitos passivos do IMI, nos termos do art. 8º/1 CIMI, as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita. Considera-se proprietário, usufrutuário ou superficiário quem corno tal figure na matriz naquela data ou, na falta de inscrição, quem tiver a posse do prédio. No caso de prédio que faça parte de herança indivisa, o imposto é devido pela herança indivisa, representada pelo cabeça de casal. 62. O imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis: 62.1. Incidência: O IMT veio substituir em 2004 um dos mais antigos impostos portugueses: a sisa, que desde 1991, se designava imposto municipal de sisa. Na verdade, tratava-se do único sobrevivente dos impostos mais típicos e importantes do ancien régime — as sisas, acises, excises (que incidiam sobre a transmissão onerosa de quaisquer bens, móveis ou imóveis) —, que foram extintas entre nós, no respeitante aos bens móveis (por constituírem um entrave inadmissível ao comércio), pelo Decreto de 19 de Abril de 1832, um dos célebres decretos da reforma de Mouzinho da Silveira que instauraram em Portugal a disciplina jurídica própria dum Estado moderno. Em sede da incidência objectiva e territorial, segundo o art. 2º CIMT, este imposto de receita municipal incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional. O conceito fiscal de transmissão (bem como os de onerosidade e de imóvel), para efeitos deste imposto, coincide, em princípio, com o do direito privado, só assim não sendo nos casos em que a lei fiscal, nomeadamente com o objectivo de prevenir a fuga ao imposto, dispuser em sentido contrário. O que acontece em muitas situações que, não integrando o conceito civilístico de transmissão, configuram transmissões para efeitos do IMT. Entre essas, há umas tradicionais, que já estavam previstas no Imposto Municipal de Sisa, e outras novas, que surgiram apenas com a aprovação do CIMT.
Nas primeiras, temos: 1) as promessas de compra e venda ou de troca de bens imóveis, logo que verificada a tradição destes, ou quando o promitente comprador ou os promitentes mutuantes já estejam usufruindo os bens, excepto se se tratar de promessa de compra de habitação para residência própria e permanente do
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adquirente ou do seu agregado familiar; 2) os arrendamentos com cláusula de os bens arrendados se tornarem propriedade do arrendatário uma vez satisfeitas todas a rendas; 3) os arrendamentos e subarrendamentos a longo prazo, considerando-se como tais os que devam durar mais de trinta anos, seja este prazo inicialmente contratado, ou resulte de prorrogação do contrato inicial; e 4) as aquisições de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita ou por quotas, quando algum dos sócios fique a dispor de pelo menos 75% do capital social. Por seu lado, entre as segundas podemos referir: 1) a celebração de contrato-promessa de aquisição e alienação de bens imóveis com cláusula de cessão da posição contratual a terceiro; 2) a cessão da posição contratual decorrente de contrato-promessa de aquisição e alienação de bens imóveis; 3) a outorga de procuração com a renúncia ao direito de revogação, etc. A este respeito, como resulta do que vimos de dizer, é de sublinhar que se consideram as transmissões efectivas, sem cuidar da validade dos actos pelos quais se operaram, ou tentaram operar, essas transmissões. Daí que o reembolso do IMT, pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se, apenas seja admitido se e na medida em haja lugar à anulação oficiosa ou por via judicial do correspondente acto de liquidação (arts. 44° a 46° do CIMT). Pelo que respeita à sua incidência subjectiva, o IMT tem por sujeito passivo o transmissário, isto é, aquele que recebe os bens transmitidos, o qual, no caso de venda, corresponde ao comprador. 63. O imposto de selo 63.1. Introdução: os dois impostos de selo: Antes de tratarmos do imposto de selo sobre as transmissões gratuitas, aquele que aqui mais nos interessa, devemos dizer alguma coisa sobre esse imposto em geral. E uma primeira consideração prende-se com o facto de a disciplina deste imposto, um pouco à semelhança do que ocorre no domínio do direito alfandegário com as conhecidas pautas aduaneiras, se distribuir pelo Código do imposto de Selo e pela Tabela Geral do Imposto de Selo, contendo aquele a disciplina geral do imposto e esta a lista dos factos tributários com as correspondentes taxas ad valorem ou taxas específicas.
Depois, é de assinalar que, com a reforma da tributação do património de 2003/04 e a consequente abolição do anterior imposto sobre sucessões e doações, o tradicional imposto de selo passou efectivamente a ter uma dupla natureza, desdobrando-se em dois impostos de selo, a saber: 1) o imposto de selo propriamente dito, que é o imposto de selo tradicional, e 2) o imposto de selo sobre as transmissões gratuitas, que é um imposto sobre o património transmitido gratuitamente a favor de pessoas singulares. Já que, como vimos, as transmissões patrimoniais gratuitas a favor de pessoas colectivas, passaram a integrar as variações patrimoniais positivas
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do lucro das empresas colectivas ou o rendimento global das pessoas colectivas que não sejam empresas, a título de incrementos patrimoniais. Daí que o CIS contenha efectivamente a disciplina jurídica de dois impostos diferentes, não admirando, por isso, que a mesma situação tributária possa integrar o âmbito de incidência de ambos os impostos, havendo lugar a cumulação destes sem que possa falar-se de uma dupla tributação, como acontece na transmissão gratuita de bens sujeitos ao IS sobre transmissão gratuita à taxa de 10% e ao IS propriamente dito à taxa de 0,8%, nos termos das verbas 1.1. e 1.2. da Tabela Geral. Compreende-se, assim, que no tratamento do imposto de selo que se segue, que mais não é do que uma descrição sumária da sua dinâmica, não possamos deixar de ter presente esse dualismo nos termos em que ele se verifica.

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