domingo, 31 de julho de 2011

APONTAMENTOS DIREITO DO AMBIENTE





Apontamentos de Direito do Ambiente



I – ENQUADRAMENTO
(noções fundamentais do Direito do Ambiente)



Abordagem Jurídica do ambiente

A abordagem jurídica do ambiente está contemplada na nossa Constituição da República Portuguesa art. 66º, nº1), para que todos possamos usufruir de um «ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» e na Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril).
Muitos autores caracterizam o Direito do Ambiente como direito «horizontal» ou «transversal», já que ele «corta» horizontalmente todos os ramos do saber jurídico tradicionais; o direito constitucional, o direito internacional, o direito comunitário, o administrativo, o penal, o civil.

As pré-compreensões do Direito do Ambiente

Antropocêntrica – em que a defesa do ambiente é feita com o objectivo principal – ou mesmo único – de defender a vida humana.
Ecocêntrica – em que o ambiente já é tutelado em si mesmo, procurando-se defender a promoção da natureza como um valor novo.

O conceito de ambiente

Poderemos dizer que se encontram disponíveis à partida duas grandes alternativas;
a) Conceito amplo de ambiente; inclui os «componentes ambientais naturais», mas também os «componentes ambientais humanos» (isto é o ambiente natural e o construído).
b) Conceito estrito do ambiente; em que se centra nos «componentes ambientais naturais».

A Lei de Bases do Ambiente consagra no art. 6º, os componentes ambientais naturais; o ar, a luz, a água, o solo vivo o subsolo, a flora, a fauna. No art. 17º, os componentes ambientais humanos são; a paisagem, o património natural e construído e a poluição.





O ambiente como novo bem jurídico

Resulta que determinados componentes ambientais nomeadamente o solo, a água e o ar outrora passíveis de serem utilizados por todos sem obediência a quaisquer regras ou limites, são agora bens juridicamente protegidos, são alvo de uma tutela jurídica que visa tornar a sua utilização e o seu aproveitamento mais racionais e equilibrados.

O direito fundamental ao ambiente

O ambiente é já reconhecido e protegido como direito fundamental individual para ser tutelado pela própria CRP, prevendo no seu art. 66º, o «direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» (sistematicamente colocado na sua Parte I, relativa aos Direitos e Deveres Fundamentais dos cidadãos) «a leitura conjugada das normas constitucionais e das normas legais aponta, desde logo, para a existência de um direito subjectivo ao ambiente, autónomo e distinto de outros direitos também constitucionalmente protegidos.

A responsabilidade subjectiva é a que se funda na culpa.

A responsabilidade objectiva é a obrigação de reparar o dano independentemente da culpa do agente.

Dano ambiental

Prejuízo trazido às pessoas, aos animais, às plantas e aos outros recursos naturais que consiste numa ofensa do direito do ambiente.

Direito do Ambiente: novo ramo do Direito?

Sim, defendemos a ideia segundo a qual se pode e deve falar em Direito do Ambiente não só como campo especial onde os instrumentos clássicos de outros ramos do Direito são aplicados, mas também como disciplina jurídica dotada de substantividade própria.

«Declaração de Limoges»

“O Direito Ambiental não é um simples apêndice de políticas ambientais, é o meio privilegiado para toda a política a favor do meio”.

Como quer que seja, à objecção sempre poderia responder-se com a existência da Lei de Bases do Ambiente. A existência desta lei, dá-nos argumentos no sentido de justificar, entre nós, de um Direito do Ambiente.



Princípios do Direito do Ambiente

Os sete mais importantes princípios de Direito do Ambiente, são o:
Princípio da prevenção, o princípio do poluidor – pagador, o princípio da correcção na fonte, o princípio da precaução, o princípio da integração, o princípio da participação e o princípio da cooperação internacional.



Princípio da prevenção

O princípio da prevenção é especialmente importante na protecção do ambiente pois é uma regra de mero bom senso aquela que determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, se tente evitar a ocorrência de danos, antes de eles terem acontecido.
Este princípio corresponde ao aforismo popular «mais vale prevenir do que remediar».

Princípio da correcção na fonte

Designado na doutrina como princípio-eliminador, ou princípio da proximidade. A correcção na fonte apela mais para uma ideia de prevenção dos danos actuando a priori e na origem, ideia esta muito mais consentânea com todo o espírito e prática do Direito do Ambiente, que permite responder às questões de quem, onde e quando deve desenvolver acções de protecção do ambiente.

Princípio da precaução

É aquele que leva a protecção do ambiente mais longe do que qualquer outro, este princípio tem a sua máxima aplicação em casos de dúvida.
Pode-se falar de uma espécie de princípio «in dúbio pró ambiente», ou seja, na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor.

Princípio do poluidor pagador

O PPP é mais um dos que estão consagrados no art. 3º, da Lei de Bases do Ambiente.
«(…) sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente»;

a) O PPP não é o mesmo que a responsabilidade civil por danos ambientais.

É uma ideia errada pensar que o PPP tem uma natureza curativa e não preventiva, uma vocação para intervir a posteriori e não a priori.

b) O PPP é o princípio que, com maior eficácia ecológica, com maior economia e equidade social, consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente.

Assim, os poluidores terão que fazer os seus cálculos e tomar todas as medidas necessárias a evitar a poluição, ou manter a produção no mesmo nível e condições e, consequentemente os custos que isso acarreta.


O PPP desempenha uma função que, em linguagem económica, se denomina internalização das externalidades ambientais negativas. (Actividades geradoras de externalidade negativas são aquelas que impõem custos a terceiros independentemente da vontade destes e da vontade de quem desenvolve essas actividades).



Princípio da integração

A norma introduzida no nº 2 do art. 130ºR do Tratado de Roma, passou a estabelecer que:
«As exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das demais políticas comunitárias».

Também o art. 3º, alínea d) da Lei de Bases do Ambiente obriga a

«(…) garantir a integração da problemática do ambiente, do ordenamento do território do planeamento económico, quer ao nível global, quer sectorial (…)».

É este o sentido do princípio da integração: uma política de protecção do ambiente eficaz e preventiva implica a ponderação prévia das consequências ambientais de qualquer actividade humana.

Uma das consequências da consagração deste dever de integração das considerações ambientais na definição e aplicação das demais políticas é tornar obrigatória a aplicação de todos os princípios fundamentais do Direito do Ambiente (princípio da prevenção, da correcção na fonte o princípio da precaução e o PPP) às restantes políticas.

Princípio da participação

Este princípio está fortemente ligado a um outro direito que vem sendo reconhecido em termos cada vez mais amplos aos cidadãos: o direito à informação, pois só quando os cidadãos estão devidamente informados é que podem ter oportunidade de exercer convenientemente o seu direito de participação.

Este princípio tem uma relação evidente com o Direito administrativo: quando se afirma, como faz a Lei de Bases do Ambiente no seu art. 3º, c) que;

«os diferentes grupos sociais devem intervir na formulação e execução da política do ambiente (…) através dos órgãos competentes da administração (…)».

Diga-se ainda que as associações de defesa do ambiente representam um destacado papel na efectivação do princípio de participação. A Lei de associações de Defesa do Ambiente (Lei nº 10/87, de 4 de Abril).
Tratando os direitos de «participação e intervenção» no seu art. 4º:
As associações de defesa do ambiente com representatividade genérica gozam do estatuto de parceiro social para todos os efeitos legais (…)


Exemplos:

Diversas associações de defesa do ambiente como a Quercus ou a Liga para a Protecção da Natureza, tem usado o seu direito de participação contribuindo para a preservação do ambiente através de acções que chegam ao nosso conhecimento e se tornam eficazes por via dos meios de comunicação social.


Princípio da cooperação

Põe em destaque o papel do Direito Administrativo e da administração Pública em matéria ambiental. A cooperação que aqui está em causa tem a ver com as relações estabelecidas entre a administração e a «sociedade civil» - seja dos particulares, seja das suas associações representativas – abrangendo o princípio da participação que acabou de ser abordado.

II – O ORDENAMENTO JURÍDICO AMBIENTAL
(Direito Constitucional do Ambiente e instrumentos do Direito Comunitário do Ambiente)

A «Constituição do Ambiente»

O ambiente foi consagrado na Constituição da República Portuguesa como uma das tarefas fundamentais do Estado, direito este que surge configurado como direito subjectivo fundamental, autónomo em relação a outros direitos, maxime o direito de propriedade.

Artigo 9º

(Tarefas fundamentais do Estado)

São tarefas fundamentais do Estado:

(…)
d) Promover o bem-estar e a qualidade vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e a modernização das estruturas económicas e sociais.

e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

Artigo 66º

(Ambiente e qualidade vida)

1 – Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e dever de o defender.
2 – Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:


a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

(…)

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;

e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, (…).

(…)

g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

(…)

A Constituição da República Portuguesa não se limitou a uma referência genérica à tutela do ambiente, concretizando essa tutela através de uma clara ligação entre este objectivo fundamental do estado e direito fundamental dos cidadãos e os meios para a sua tutela jurisdicional, ou seja, para a sua defesa em tribunal.

A protecção ambiente em tribunal

No que toca à protecção do jurisdicional do ambiente, o legislador constitucional foi mais longe, prevendo um meio específico de tutela deste bem jurídico e direito fundamental dos cidadãos. Falamos da norma contida na al. a) do nº 3 do artigo 52º da CRP, na qual se confere.

(…) a todos pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular (…) nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural».

O direito de acção popular é a circunstância de qualquer cidadão poder reclamar a actuação do tribunal, independentemente de ter um interesse directo ou pessoal na matéria, o que o torna num verdadeiro defensor do interesse público e da legalidade. Isto porque, na acção popular, não se tem sequer de invocar, e muito menos de provar, qualquer interesse pessoal na questão, o que conduz a que a legitimidade processual não tenha de ser averiguada de forma concreta a cada caso.

Por legitimidade processual entende-se a possibilidade de dirigir uma pretensão trazida a tribunal ou a defesa contra ela oponível. Se faltar legitimidade ao autor (pessoa que propõe a acção) o tribunal não conhecerá tal acção, não emitindo uma sentença sobre o fundo da questão.

Acções populares destinadas à protecção de interesses difusos: uma vez que o cidadão está legitimado a actuar em tribunal independentemente da conexão dos seus interesse pessoais (que pode nem ter) com a situação que é objecto do litígio, ele pode reclamar a protecção do ambiente mesmo nos casos em que não sofra qualquer ofensa pessoal com o acto lesivo do ambiente.


Direito Comunitário do Ambiente

A necessidade do direito Comunitário do Ambiente e as razões que levam a que o Direito do Ambiente constitua uma especial preocupação das Instituições da Comunidade Europeia.
a) O ambiente não conhece fronteiras
b) No território da União Europeia as mercadorias circulam livremente
c) No território da EU existe liberdade de estabelecimento de empresas e prestadores de serviços
d) Um dos objectivos da EU é assegurar a liberdade de concorrência entre empresas

A Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente celebrada em Estocolmo, em Junho de 1972, começou por alertar a opinião pública europeia para os problemas ecológicos decorrentes do desenvolvimento económico. A publicação, do relatório do «Clube de Roma» sobre os limites do crescimento, pôs em causa os valores apregoados pela sociedade de consumo.

A acção da Comunidade em matéria de Ambiente após o acto Único Europeu

Em 1987, o acto Único Europeu, aditou o Artigo 130ºR ao tratado de Roma, atribuindo, pela primeira vez, competências em matéria de protecção do ambiente à Comunidade (a poluição não respeita as fronteiras nacionais).

As competências atribuídas deveriam, nos termos do artigo 130ºR nº1 do Tratado, ser direccionadas para a realização de três objectivos bastante abrangentes.

«A acção da Comunidade em matéria de ambiente tem por objectivo:

- preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente;
- contribuir para a protecção da saúde das pessoas;
- assegurar uma utilização prudente e racional dos recursos naturais».

Também os princípios fundamentais, orientadores da acção pró-ambiental da Comunidade, estão presentes no artigo 130ºR, no seu nº 2:

«A acção da comunidade em matéria de ambiente fundamenta-se nos princípios da acção preventiva, da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente e no princípio do poluidor-pagador. As exigências em matéria do ambiente são uma componente das outras políticas da comunidade».

Encontramos aqui consagrados quatro dos princípios fundamentais do Direito Comunitário do Ambiente: o princípio da prevenção, o da reparação na fonte, o do poluidor pagador e o da integração.


A Política Comunitária do Ambiente após o Tratado da União Europeia

Os objectivos

A política de ambiente da EU continua actualmente prevista no art. 130º R. O Tratado da EU apenas introduziu algumas alterações na redacção anterior.




Os princípios

Artigo 130º R

«1 – A política da Comunidade no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objectivos:
- a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente;
- a protecção da saúde das pessoas;
- a utilização prudente e racional dos recursos naturais;
- a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas
Regionais e mundiais do ambiente.

2 – A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor – pagador. As exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das demais políticas comunitárias.
(…)

A primeira alteração, com uma importância essencialmente formal, consistiu em passar a denominar como «política» (em vez de simplesmente «acção») esta competência comunitária.

Outra alteração foi o aditamento, no art. 130º R, nº 2, antes dos princípios do Direito do ambiente, da seguinte afirmação:

«A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas regiões da Comunidade».

Numa quinta e última alteração, o princípio da reparação na fonte passou a designar-se princípio da correcção na fonte, designação que corresponde melhor à sua natureza preventiva e antecipatória dos danos.

O desenvolvimento sustentável

As alterações introduzidas pelo Tratado da EU não se limitaram ao art. 130º R.

Algumas modificações foram introduzidas no art. 2º, relativo aos objectivos da Comunidade:

«A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e de uma União Económica e Monetária e da aplicação das políticas ou acções comuns a que se referem os artigos 3º e 3º A promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas, um crescimento sustentável e não inflacionista que respeite o ambiente (…) o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados-membros».

Uma noção idêntica surge também como primeiro objectivo da União Europeia.



A U E atribui-se os seguintes objectivos:

A promoção de um progresso económico e social equilibrado e sustentável (…)»

O que deve entender-se por crescimento ou o progresso económico sustentável?

A expressão mais correcta, é a noção de desenvolvimento sustentável, que surgiu para contrapor à concepção clássica de crescimento económico, que contabiliza a riqueza nacional ignorando a existência e o estado de conservação dos recursos naturais.

- Noção de desenvolvimento sustentável é definida pela EU como

«Uma política e estratégia de desenvolvimento económico e social contínuo, sem prejuízo do ambiente e dos recursos naturais, de cuja qualidade depende a continuidade da actividade humana e do desenvolvimento».

- A Comissão Mundial do Ambiente e desenvolvimento das Nações Unidas define o desenvolvimento sustentável como

«Satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades».

Existem dois tipos de recursos naturais na Terra: os regeneráveis (como por ex. os seres vivos, vegetais ou animais, e os ecossistemas que têm capacidade de restabelecer o seu próprio equilíbrio ecológico, se lhes for dado o tempo e as condições para tal) e os não regeneráveis (é o caso da água e de certos minérios, como o ferro; há outros, como o petróleo ou os diamantes, que são regeneráveis num prazo de tal modo longo, que em termos de vida humana, devem ser tratados como não regeneráveis).

Alterações introduzidas pelo Tratado de Amesterdão no quadro «constitucional» da política comunitária do ambiente.
- Atribui aos artigos 130º R, 130º S e 130º T, respectivamente, os novos números 174º, 175º e 176º -

Importância nacional do Direito Comunitário do Ambiente

A importância nacional do Direito Comunitário do Ambiente decorre essencialmente de duas características do Direito Comunitário: a sua aplicabilidade directa e a sua primazia sobre o Direito Nacional.

A aplicabilidade directa significa que algumas normas de Direito Comunitário produzem efeitos automaticamente, a partir do momento em que entram em vigor, vinculando o Estado e os cidadãos.
A primazia significa que as normas de Direito Comunitário gozam de prevalência hierárquica sobre o Direito Nacional, obrigando a uma interpretação conforme com o Direito Comunitário e à desaplicação do direito Nacional que o contrarie.

Devido a estas características, o Direito Comunitário derivado do Ambiente tem tido um papel corrector do Direito Nacional. Particularmente no que respeita às directivas.

Uma directiva é um acto de Direito Comunitário que se caracteriza por estabelecer quais os fins a alcançar, deixando aos Estados-membros a definição das formas e dos meios mais adequados para prossecução dos fins (artigo 189º do Tratado de Roma).

Podendo ser directamente invocadas pelos particulares perante as autoridades nacionais.

As Leis Fundamentais de Protecção do Ambiente

Caracterização sumária da Lei de Bases do Ambiente, da Lei das Associações de Defesa do Ambiente, Avaliação do Impacte Ambiental, a Lei do Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular.

A Lei de Bases do Ambiente

A Lei de Bases do Ambiente é o diploma que pretende estabelecer a disciplina genérica fundamental em matéria de ambiente

Em 1987, o legislador decidiu-se pela publicação da Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), definindo «as bases da política do ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9º e 66º da Constituição da República» (artigo 1º).
- Trata-se de uma lei muito genérica que, em muitos casos, se limita a estabelecer preceitos gerais que necessitam de regulamentação.

A Lei de Bases do Ambiente contém, no nº 1 do seu artigo 2º, um princípio geral no qual o legislador estabeleceu (na senda do art. 66º da Constituição) que

«Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas
populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual quer colectiva».

Os direitos e deveres dos cidadãos são regulados pelo art. 40º, onde se prevê a possibilidade de pedirem a cessação das causas de violação do seu direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e a respectiva indemnização.

O artigo 48º prevê a obrigação de os infractores removerem as causas da infracção do ambiente e de reporem a situação ambiental existente antes de tal infracção ou, pelo menos, uma situação equivalente. Só quando tal reposição é que incidirá sobre os infractores a obrigação de pagar uma indemnização e de realizar as obras necessárias a minimizar as consequências pelos seus actos.

O artigo 3º da Lei de Bases, o legislador acolheu aí o que considera serem os «princípios específicos» da protecção jurídica do ambiente, aludindo aos princípios da prevenção, da participação, da cooperação e da responsabilização entre outros.

No Capítulo II da Lei de Bases, iniciado no art. 6ª, regula-se a matéria relativa aos «componentes naturais», ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora e fauna.
No art. 7º, a defesa destes componentes ambientais naturais legitima que o Ministério do Ambiente ou da tutela proíbam ou condicionem o exercício da actividade.

No Capítulo III (art. 17º e seguintes) regulam-se os «componentes ambientais humanos», a paisagem, o património natural e construído e a poluição.

No art. 27º, que estabelece os instrumentos de política de ambiente (e do ordenamento do território), entre os quais destacamos a estratégia nacional de conservação da natureza, a reserva agrícola nacional, a reserva ecológica nacional (…).

A Lei das Associações de Defesa do Ambiente

De grande importância a Lei nº 10/87, de 4 de Abril (Lei das Associações de Defesa do Ambiente), que veio estabelecer

«(…) direitos de participação e de intervenção das associações de defesa junto da administração central, regional e local com vista à promoção do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» (artigo 1º).

Lei sobre a avaliação do impacte ambiental

Os diplomas sobre avaliação do impacte ambiental são, quatro: dois decretos-lei e dois decretos regulamentares. Em comum têm o facto de constituírem transposição de uma directiva comunitária.

Noção de avaliação de impacte ambiental

A avaliação de impacte ambiental é um procedimento administrativo que garante que, antes da autorização de um projecto, os seus potenciais impactes significativos sobre o ambiente serão satisfatoriamente avaliados e tidos em consideração.
O procedimento de avaliação de impacte ambiental reúne num triângulo de interesses contrapostos, o dono da obra, as autoridades públicas e o público em geral.

Fins de avaliação de impacte ambiental

A AIA permite o aperfeiçoamento do processo de decisão dos poderes públicos com vista à prevenção da poluição e à protecção da fauna, da flora, do solo, da água, do ar. Do clima e da paisagem, dos bens naturais e do património cultural.

Desempenha uma pacificação social porque permita tornar os projectos mais conhecidos e transparentes.

Objectivo da avaliação de impacte ambiental

Quais as actividades sujeitas a AIA?
A avaliação de impacte ambiental aplica-se apenas a projectos (públicos ou privados), com o sentido de obras ou outras intervenções no meio natural ou paisagem.


O estudo de impacte ambiental «E.I.A» é a peça mais importante de todo o procedimento de avaliação de impacte ambiental. É elaborado por técnicos e analisa questões como o estado do local, onde o projecto poderá vir a ser construído, as características do próprio projecto, a previsão de impactes do projecto relativamente a cada componente ambiental.

A Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular

A Lei nº 83/95, garante o direito de acção popular para defesa de determinados interesses, entre os quais o ambiente.
Na Lei nº 83/95 atribuem-se os direitos de participação procedimental e de acção popular a todos os cidadãos, às associações e fundações defensoras dos interesses nela protegidos e ainda às autarquias locais.

Conforme o nome indica, há dois direitos diferentes conferidos nesta lei: o de participação procedimental e o de acção popular.

Em relação ao p.p. pode dizer-se que, de acordo com o art. 4º, todos os cidadãos, associações, fundações ou autarquias que o pretendam, tem o direito de serem ouvidos e de participarem nos procedimentos relativos à adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública.

Relativamente ao direito de (acção popular), deve salientar-se a possibilidade de todos aqueles que demonstrarem interesse poderem recorrer aos tribunais para impugnar quaisquer actos administrativos lesivos do ambiente ou para usar qualquer acção prevista no Código do Processo Civil (artigos 12º e seguintes).

III – O AMBIENTE E A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
(Mecanismos de controlo ou fiscalização)

Relações entre a tutela jurídica-ambiental e o Direito Administrativo

O Direito Administrativo ocupa, a posição de maior protagonismo na disciplina jurídica do ambiente. – e mesmo considerando que o Direito do Ambiente alcançou já o legítimo estatuto de nova disciplina jurídica - é através dos meios e instrumentos do Direito Administrativo clássico que se regulam juridicamente os comportamentos relativos ao ambiente.

O Direito administrativo é o Direito que regula a organização e a actuação da Administração Pública sempre que esta usa os seus poderes especiais de autoridade em face dos particulares. Na prossecução do interesse público, a Administração recorre a meios (autoritários) de Direito Administrativo

Definição do Direito Administrativo

«(…) o ramo do direito público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidos com outros sujeitos de direito no exercício da actividade administrativa de gestão pública».

ele só deve intervir onde e quando os mecanismos sancionatórios ao serviço de outros ramos de Direito não sejam suficientes para prevenir e reprimir a infracção.
O Direito do Ambiente e a Administração Pública

O ambiente determina a necessidade de uma actuação concertada dos diversos sectores da Administração Pública, de acordo com o princípio da cooperação.
Para atingir o objectivo cada vez mais central do desenvolvimento sustentável torna-se necessária uma distribuição horizontal de tarefas pelas instituições locais, regionais e nacionais

Alguns temas e ramos do direito administrativo – sua relação com a protecção do ambiente

Vamos evidenciar a relação que existe entre o ambiente e a principal forma de a administração actuar, do ponto de vista jurídico: o acto administrativo.

Será de referir alguns dos diversos «sectores» em que pode decompor-se o Direito Administrativo (designadamente o procedimental, o sancionatório e o processual-contencioso) evidenciando as suas relações com a protecção do ambiente.

O acto administrativo e o ambiente

O acto administrativo é o principal acto jurídico da Administração Pública em países (como Portugal) que se inserem no sistema de administração executiva, acto esse que reflecte os poderes de supremacia e autoridade da Administração. É portanto esta a figura principal do nosso Direito Administrativo.
Sempre que Administração exerça um poder administrativo (autoritário) para um caso concreto estaremos perante um acto administrativo.

Os actos administrativos na Lei de Bases do Ambiente

Identificam-se diversos tipos de actos administrativos.

• Actos de controlo (fiscalização) preventivo
• Declaração com efeitos jurídicos específicos
• Proibições
• Actos administrativos de «estímulo»
• Actos sancionatórios

O Direito do Ambiente e o procedimento administrativo

De acordo com o artigo 1º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, pode definir-se procedimento administrativo como a «sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da administração Pública ou à sua execução»

O Código do Procedimento Administrativo e a protecção do ambiente

Um rápido olhar através do Código do Procedimento administrativo ajuda a perceber a interligação entre procedimento administrativo e Direito do ambiente.

No articulado do Código deve mencionar-se a importância que nele assume o princípio de participação que, é simultaneamente um dos princípios fundamentais do Direito do Ambiente.

Noção de contencioso administrativo

Ao lado do Direito Administrativo substantivo, existe um amplo conjunto de normas destinadas a regular a função jurisdicional no âmbito administrativo.
Este sector do Direito administrativo, tradicionalmente designado por contencioso administrativo (ou, por justiça administrativa) é definido de diversas formas pela doutrina, havendo no entanto uma certa unanimidade quanto às suas notas funcional, material e orgânica.

A competência dos tribunais administrativos na tutela do ambiente

Também esta parte do Direito administrativo assume relevo para a disciplina jurídica do ambiente.
Uma das notas definidoras do contencioso administrativo é a nota orgânica que «exige» que seja um tribunal administrativo a resolver o litígio.

IV – A REACÇÃO ÀS CONDUTAS VIOLADORAS DO AMBIENTE
(Consequências desse mesmo controlo)

Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é um instituto cuja antiguidade remonta ao Direito Romano mas que tem vindo a evoluir aos longos dos tempos, adaptando-se às necessidades postas pelas sociedades modernas.

Origem da responsabilidade civil extracontratual

A responsabilidade civil extracontratual contrapõe-se à responsabilidade civil contratual que é a que resulta do incumprimento de um contracto pré-existente entre dois indivíduos.

A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana é um instituto antigo, com mais de vinte séculos de existência.

A Lex Aquilia de damno, uma lei romana, promulgada no ano 286 a. C. estabelecia um direito de indemnização a favor do dono de (…).

Evolução da responsabilidade civil

Ainda hoje, a figura da responsabilidade aquiliana está consagrada no artigo 483º do Código Civil Português.
«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar o direito de outrem (…) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação»

A obrigação de indemnização, está prevista no artigo 562º do mesmo Código.

«Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação»

Quanto ao modo de reparação do dano, estabelece o artigo 564º:

«A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível (…)

Pressupostos da responsabilidade civil

O surgimento das obrigações emergentes da responsabilidade civil depende da verificação de uma série de pressupostos.
Esses pressupostos ou elementos da responsabilidade civil são:

• A existência de um facto
• O facto tem que ser ilícito, isto é, deve ser resultado da violação de um direito alheio.
• A imputação do facto ao agente seja a título de dolo seja a título de negligência
• A existência de um dano. O facto tem que ter causado prejuízos.

A responsabilidade civil e a protecção do ambiente

A Lei de Bases do Ambiente

A Lei de Bases do Ambiente atribui grande importância à responsabilidade civil dedicando-lhe alguns artigos.

A alínea h) do artigo 3º estabelece o princípio da responsabilização.

«Da responsabilização: aponta para a assunção pelos agentes das consequências, para terceiros, da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais».

O nº 4 do artigo 40º consagra um direito subjectivo ao ambiente:

«Os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causa de violação e a respectiva indemnização».

O artigo 41º prescreve uma responsabilidade objectiva por danos ao ambiente:

«1 – Existe obrigação de indemnizar, independentemente da culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável.
2 – O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar».

Trata-se da responsabilidade objectiva na modalidade de responsabilidade pelo risco, ligada ao exercício de actividades perigosas.

O artigo 45º nº 2, estabelece o direito de exigir uma indemnização pelos danos pode ser exercido pelos lesados, nos tribunais comuns:

«Nos termos dos artigos 66º, nº 3, da Constituição e 40º da presente lei, os lesados têm legitimidade para demandar os infractores nos tribunais comuns para obtenção das correspondentes indemnizações».
No artigo 43º o legislador anteviu dificuldades do responsável em suportar as elevadas indemnizações devidas pelos danos ao ambiente.

«Aqueles que exerçam actividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente e como tal venham a ser classificados serão obrigados a segurar a sua responsabilidade civil».

Na prática, os seguros de responsabilidade civil tem desempenhado um importante papel na reparação dos danos causados ao ambiente.

No artigo 48º, uma clara preferência pela reconstituição da situação anterior.

«1 – Os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação anterior à mesma ou equivalente, salvo o disposto no nº 3.
2 – Se os infractores não cumprirem as obrigações acima referidas no prazo que lhes for indicado, as entidades competentes mandarão proceder às demolições, obras e trabalhos necessários à reposição da situação anterior à infracção a expensas dos infractores».

São dois os tipos de danos ecológicos, como distingue Gomes Canotilho;

Os danos sem lesados individuais ( «lesões intensas causadas ao sistema ecológico
natural sem que tenham sido violados direitos individuais»);


e «(…) (os) danos sem causador determinado», como por exemplo
os «danos acumulados ou produzidos por fontes longínquas».

Nestes casos, «não existiria qualquer esquema de lesante/lesado, mas tão-somente o interesse global de defesa do ambiente.

Conclusão:

A solução para os problemas ambientais não passa pela aplicação exclusiva da responsabilidade civil à protecção do ambiente, mas sim pelo recurso, sempre que possível, a novos instrumentos de protecção jurídica. Referimo-nos, a instrumentos de cariz preventivo, como a avaliação de impacte ambiental, a eco-rotulagem, as eco-auditorias a eco-gestão, etc.

A Tutela do Ambiente pelo Direito Penal

(Resumo)

Os atentados mais gravosos ao ambiente estão hoje qualificados como crimes no Código Penal. Os chamados crimes ecológicos ou ambientais são o crime de danos contra a natureza e o crime de poluição. Sucede porém que a qualificação das condutas aí descritas como criminosas suscita vários problemas, de cuja boa resolução vai depender a eficácia da intervenção do direito penal na tutela do ambiente.

O Código Penal, implica algumas neocriminalizações, nomeadamente a criação do crime de danos contra a natureza (artigo 278º do Código Penal) e do crime de poluição (artigo 279º do Código Penal), os quais constituem verdadeiros crimes ecológicos por protegerem o ambiente de forma directa.

Neocriminalização é a qualificação como crime de uma conduta até então vista como não criminosa.

Crime é uma conduta descrita num tipo legal de crime da Parte Especial do Código Penal por ser desvaliosa do ponto de vista do bem jurídico a proteger.

Esta tutela autónoma do ambiente ficou a dever-se à progressiva tomada de consciência pela comunidade da gravidade da degradação ambiental.

O facto decisivo de a tutela penal ser possibilitada pela existência de um «modelo constitucional de estado de Direito Ambiental»: tendo o legislador configurado o direito do ambiente como um direito fundamental autónomo e também como direito social e económico que reclama prestações positivas das autoridades do estaduais.

O bem jurídico ambiente relevante para o direito penal é concebido de forma restritiva por ter como objectivos de protecção os componentes ambientais naturais: a água, o solo, o ar, o som, a fauna, e a flora e as condições ambientais de desenvolvimento destas espécies.

A legitimidade da intervenção penal justifica-se por a Constituição da República Portuguesa ser a lei suprema de um ordenamento jurídico.

O direito penal é o conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas, sendo a mais relevante a pena. As penas principais são as penas de prisão e de multa.

A eficácia da intervenção penal traduz-se na aptidão dos meios de natureza penal para, em concreto, proteger o bem jurídico.

A Legislação extravagante é o conjunto de normas de natureza penal previstas noutros diplomas que não o Código Penal.

A impossibilidade de responsabilização criminal das pessoas colectivas.

Artigo 11º do Código Penal

(Carácter pessoal da responsabilidade)

Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis da responsabilidade criminal.

O direito penal ou extravagante é o contido em leis avulsas, não integradas no Código Penal, relacionando-se com a ordenação constitucional dos direitos sociais, económicos ou culturais.

É autor mediato aquele que utilizar outrem para o cometimento do crime, instrumentalizando-o. O artigo 26º do Código Penal diz que «… é autor mediato quem executa o crime por intermédio de outrem».

Raramente o prejuízo ambiental resulta da conduta isolada de um único agente poluidor: o mais comum será a contribuição de múltiplos agentes para a produção do resultado
desvalioso, o que coloca a questão de saber quem responsabilizar e relativamente a que factos.

É precisamente a existência deste dano ambiental acumulado, (em que é difícil determinar a responsabilidade relativa de cada um dos intervenientes, até porque a sua própria conduta poderia ser mais ou menos inócua se não fosse conjugada com a conduta desconhecida de outrem), que em primeira linha retira eficácia aos crimes de dano, de perigo concreto e de perigo abstracto-concreto na protecção do ambiente.

• Sendo o crime de dano, verifica-se a exigência indispensável de provar que a lesão ambiental foi causada por uma determinada conduta.
• Configurado o crime como de perigo concreto, há que provar que aquela conduta criou um perigo efectivo para o ambiente.
• Concebido o crime como de perigo abstracto-concreto, há que provar que uma dada conduta é em si mesma apta a produzir o perigo.

Interesse difuso: interesse que um indivíduo possui pelo facto de fazer parte de uma determinada comunidade; é um interesse simultaneamente pessoal e colectivo.

A possibilidade de qualquer cidadão e das associações de defesa do ambiente se constituírem assistentes no processo penal relativamente a crimes ecológicos.

Artigo 68º do Código de Processo Penal

1- Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) (…)

Artigo 69º do Código de Processo Penal

1- Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, sala as excepções da lei:
2- Compete em especial aos assistentes:
a) (…)

O exercício da acção popular, regulado pela Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, assume uma importante dimensão penal ao reconhecer expressamente aos titulares do direito de acção popular a possibilidade de se constituírem assistentes no processo penal.

Artigo 25º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto

Regime especial de intervenção no exercício da acção penal dos cidadãos e associados

Aos titulares do direito de acção popular é reconhecido o direito de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público por violação dos interesses previstos no artigo 1º que revistam natureza penal, bem como o de se constituírem assistentes no respectivo processo, nos termos previstos nos art. 68º, 69º e 70º do Código de Processo Penal.





O crime de danos contra a natureza

Artigo 278º do Código Penal

(Danos contra a natureza)

1 – Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, eliminar exemplares de fauna ou flora ou destruir habitat natural ou esgotar recursos do subsolo, de forma grave, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.

O crime de danos contra a natureza é um crime ecológico autónomo porque o bem jurídico protegido é o ambiente em si mesmo. Objectos de tutela da norma são a fauna, a flora, o habitat natural e os recursos do subsolo.

O crime de danos contra a natureza surge pois como um crime de desobediência qualificada pela ocorrência de um dano ambiental.

O crime de poluição

Artigo 279º do Código Penal
(poluição)

1 – Quem, em medida inadmissível:

a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;

b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações;

c) Provocar poluição sonora mediante de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza

É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 – (…)

Tal como o crime de danos contra a natureza, o crime de poluição é um crime ecológico puro porque tem como objectos autónomos de protecção a água, o solo, o ar ou o domínio do som.


Acessoriedade do direito penal face ao direito administrativo

Uma última consequência do facto de os crimes ecológicos constituírem crimes de desobediência traduz-se na dependência destas incriminações penais perante o direito administrativo.

A eficácia do direito penal na protecção do ambiente

Tendo em conta a função que ao direito penal cabe desempenhar, a sua intervenção só é legítima se for eficaz na protecção do bem jurídico.

– O Direito de Mera Ordenação Social como Direito Administrativo de Carácter Sancionatório

O direito de mera ordenação social não é nem pretende ser direito penal, antes se configurando como direito administrativo de carácter sancionatório.

De forma resumida e esquemática diremos então que o surgimento do direito das contra-ordenações é expressão de três objectivos fundamentais:

• Retirar dos quadros do direito penal aquelas infracções que não possuem relevância ética.
• Guardar o conteúdo ético que vive das sanções penais (…)
• Permitir o aparecimento de sanções diversas das sanções penais e atribuir aos agentes administrativos a faculdade de aplicar aquelas sanções.

Pode concluir-se que o pretendido com a criação do direito das contra-ordenações é uma total autonomização do ilícito de mera ordenação social face ao ilícito penal

O princípio da culpa é de decorrência da consagração constitucional da eminente dignidade da pessoa humana e significa, no direito penal, que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa (nº 2 do artigo 40º do Código Penal). Entende-se a culpa como um juízo autónomo de censura ético-jurídica por alguém ter expresso na prática de um ilícito típico a sua atitude interna contrária ou descuidada face ao direito e, portanto desvaliosa.

No direito das contra-ordenações, pelo contrário, a culpa deve ser objecto de uma diferente compreensão, sendo entendida como (mera imputação do facto à responsabilidade social do seu autor).
A coima constitui uma sanção patrimonial, a coima, enquanto sanção específica do ilícito de mera ordenação social, se afasta decisivamente da multa enquanto pena criminal, quer quanto às suas finalidades quer quanto ao seu regime.

As finalidades da multa são exclusivamente preventivas, visando-se por um lado a tutela dos bens jurídicos e, por outro lado, a ressocialização do agente.

Quanto à coima, entende-se como mera advertência ao cidadão faltoso.

As finalidades da multa e as finalidades da coima não são portanto coincidentes. É no entanto quanto ao regime jurídico de cada uma delas que as dissemelhanças se avolumam.

Se o agente condenado a uma pena de multa a não pagar, quer voluntária quer coercivamente, terá que cumprir uma pena de prisão, a menos que o não pagamento da multa lhe não seja imputável.

Pelo contrário, o não pagamento da coima nunca poderá implicar a prisão do faltoso.




A autonomia processual

Podemos afirmar a existência no processo contra-ordenacional de duas fases distintas e autónomas entre si:
• Uma fase administrativa em que a autoridade competente investiga o ilícito e, caso recolha indícios suficientes da sua verificação e de quem é o seu agente, o sanciona.
• Uma fase judicial, meramente eventual por a sua existência depender da vontade do particular que ficou descontente com a sua condenação da autoridade administrativa.

Apreciação das especificidades do processo contra-ordenacional

a) A fase administrativa do processo está configurada de forma bilateral: existe uma relação exclusiva entre a Administração sancionadora. Por um lado, e o agente poluidor, por outro. Assim sendo, a intervenção das associações de defesa do ambiente e de qualquer particular é muito limitada.
• Podem denunciar as actividades lesivas do ambiente;
• Podem colaborar na preservação de provas;
• Podem intervir no processo como testemunhas.

b) A intervenção do Ministério Público na fase administrativa do processo é também praticamente inexistente. Não lhe cabe qualquer função de impulso processual ou fiscalizadora.

A competência para instaurar o processo cabe exclusivamente à Administração e, como já referimos, só os condenados ou directamente prejudicados pela decisão sancionatória têm legitimidade para a impugnar.

c) Já na fase judicial do processo, a situação inverte-se, adquirindo agora o Ministério Público uma posição dominante.

É que poderá evitar o sancionamento do agente poluidor não apresentando os autos ao juiz, desde que com a concordância do condenado, basta-lhe ouvir a autoridade administrativa que aplicou a coima.

O ambiente uma das áreas destinatárias por excelência do direito de mera ordenação social.

Boa parte das infracções ao ambiente têm a ver com a violação de normas preventivas em que não estão em causa valores indispensáveis para a subsistência da vida na comunidade, mas antes a perturbação da ordem social que, na visão do Estado, proporciona um maior bem-estar às pessoas.

Daí a clara preferência para o tratamento dos atentados e das infracções ao ambiente através do direito de mera ordenação social, preferência esta plasmada no nº 1 do artigo 47º da Lei de Bases do Ambiente quando estabelece que a sanção regra para a punição das infracções à legislação ambiental é a coima.

A eficácia do direito de mera ordenação social na protecção do ambiente – a função preventiva para além do carácter repressivo

Parecem convergir no direito do ambiente dois vectores de sinal contrário

• Por um lado, existe a tutela penal, que corresponde a uma neocrimiminalização,
• Por outro lado, temos a tutela ambiental a cargo do direito de mera ordenação social, que assenta numa ideia de descrimininalização.








Bibliografia:
Universidade Aberta
Canotilho, José Joaquim Gomes
Amaral, Diogo Freitas do
APONTAMENTOS DE DIREITO DO AMBIENTE

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