sexta-feira, 25 de maio de 2012

GREVE E DIREITO À GREVE

Pareceres
PGR

Parecer do Conselho Consultivo
da PGR

Convencional:
PGRP00001131
Parecer:
P000011999
Nº do
Documento:
PPA00000000000100
Descritores:
GREVE DIREITO À GREVE GREVE SELF SERVICE GREVE
SIMBÓLICA GREVE DEMONSTRATIVA GREVE INTERMITENTE GREVE DE RENDIMENTO
GREVE ROTATIVA GREVE SECTORIAL GREVE DE ZELO GREVE
ADMINISTRATIVA GREVE DE NÃO COLABORAÇÃO GREVE ÀS AVESSAS GREVE DAS
HORAS SUPLEMENTARES GREVE COM OCUPAÇÃO ASSOCIAÇÃO SINDICAL PRÉ AVISO
DE GREVE GREVISTA ADESÃO NECESSIDADE SOCIAL IMPRETERÍVEL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÍNIMOS DEFINIÇÃO COMPETÊNCIA GOVERNO
REQUISIÇÃO CIVIL RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Informação
Administrativa
Informação
Administrativa
Livro:
00
Numero
Oficio:
1
Data
Oficio:
04-01-1999
Pedido:
04-01-1999
Data de
Distribuição:
04-01-1999
Relator:
HENRIQUES GASPAR
Sessões:
01
Data da
Votação:
18-01-1999
Tipo de
Votação:
MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do
Departamento 1:
MSAUD
Entidades do
Departamento 1:
MIN DA SAÚDE
Posição
1:
HOMOLOGADO
Data da Posição
1:
27-01-1999
Privacidade:
[01]
Data do Jornal Oficial:
03-03-99
Nº do Jornal
Oficial:
52
Nº da Página do
Jornal Oficial:
3171
Indicação
2:
ASSESSOR:
Informação
Jurídica
Informação
Jurídica
Área
Temática:
DIR CONST * DIR
FUND / DIR TRAB * DIR SIND / FUNÇÃO PUBL * DISC FUNC / DIR OBG * RESP CIV / DIR
CRIM.
Ref.
Pareceres:
P000521998
Legislação:
CONST76 ART57 N1
N2 ART199 F G ART266 N2 ART267 N5.; L 65/77 DE 1977/08/26 ART1 ART2 ART3 N1 ART4
ART5 N1 N2 ART7 N1 ART8 N1 N3 N4 ART11 ART12.; CCIV66 ART334.; DL 637/74 DE
1974/11/20 ART1 N1 N2 ART3.
Direito
Comunitário:
Direito Internacional:
Direito
Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos
Internacionais:
Ref.
Complementar:
Conclusões
Conclusões
Conclusões:
1ª - O direito de greve,
reconhecido como direito fundamental pelo artigo 57º da Constituição, é
garantido aos trabalhadores da função pública;2ª - Não havendo ainda sido
editada a legislação relativa ao exercício do direito de greve na função
pública, prevista no nº 2 do artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 Agosto,
aplicam-se as normas gerais deste diploma com as necessárias
adaptações;3ª - O pré-aviso, previsto no artigo 5º, da Lei nº 65/77, de 26 de
Agosto, constitui uma formalidade essencial do processo
de greve, que se destina a dar conhecimento à entidade empregadora e, nos casos
de serviços essenciais, ao público em geral, da delimitação do âmbito da greve,
os sectores a abranger e, pelo menos, a data e hora do início da
greve.4ª -
Não é lícita, fazendo incorrer os trabalhadores nas consequências previstas no
artigo 11º, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, uma greve que seja executada e
desenvolvida em condições diversas e com um plano de greve diferente do que
consta do pré-aviso;5ª - A noção de greve normativamente relevante, nos termos do artigo
57º da Constituição e do artigo 1º da Lei nº 65/77, supõe, como elementos
essenciais, uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução
de objectivos comuns;6ª - A greve declarada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM),
avaliada nos termos constantes do pré-aviso de 10 de Setembro de 1998,
(paralisação total, com ausência dos locais de trabalho), respeita os requisitos
referidos na conclusão anterior;7ª - Porém, o modo como é descrito
o desenvolvimento da greve (interrupção e retoma do trabalho pelos médicos,
sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria directamente os termos
do pré-aviso e sujeita os médicos às consequências determinadas no artigo 11º,
ex vi do
artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto;8º - De todo o modo, uma actuação
levada a cabo nas condições referidas na conclusão anterior (interrupção do
trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria
a noção de greve constante da conclusão 5ª, e levando a consequências
imprevisíveis na organização dos serviços e podendo provocar danos
desproporcionados para os utentes, é ilegal;9ª - O direito de greve, enquanto
direito fundamental, sofre os limites resultantes da necessária conciliação com
outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no artigo 57º, nº
3, da Constituição e nos nºs. 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77: as associações
sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços
mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais
impreteríveis;10ª - A definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos
indispensáveis, relevando de interesses fundamentais da colectividade, está
condicionada por critérios de adequação e proporcionalidade e compete ao
Governo;11ª - O conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de
ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial
do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e
adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de
irremediável prejuízo;12ª - Os serviços afectados pela greve não se podem substituir às
associações sindicais quando estas não cumprirem a obrigação de designar os
trabalhadores que devem ficar, em cada caso, adstritos à prestação de serviços
mínimos;13ª - A condição de admissibilidade da requisição civil prevista no
artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77, pressupõe que a falta de prestação de serviços
mínimos se verifique no âmbito de uma greve com os efeitos previstos no artigo
7º, nº 1, da respectiva Lei;14ª - Todavia, a ocorrência de perturbação de serviços
essenciais em resultado de comportamentos dos trabalhadores não abrangidos pelos
efeitos da greve, pode constituir pressuposto da requisição civil, se for
considerada “perturbação particularmente grave” nos termos do artigo 1º, nº 1,
do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;15ª - O Sindicato que declare uma
greve e os trabalhadores podem ser responsabilizados, nos termos gerais (civil,
disciplinar ou criminalmente), pelas consequências que resultarem da omissão de
prestação de serviços
mínimos.
Texto
Integral
Texto
Integral
Texto
Integral:
Senhora Ministra da Saúde,Excelência:
IDignou-se Vossa Excelência enviar
à Procuradoria-Geral um parecer elaborado a pedido do Ministério ([1]) sobre questões suscitadas a propósito da greve dos médicos
decretada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), solicitando que o
Conselho Consultivo se pronuncie com urgência ”sobre as conclusões constantes do
parecer anexo”.Cumpre, assim, emitir parecer, com os condicionalismos impostos pela
urgência.
II1. As questões suscitadas a propósito da greve dos médicos decretada
pelo SIM foram enunciadas pelo seguinte modo:“1. A greve dos médicos nos termos
decretados pelo SIM está dentro dos limites da lei da greve?”“2. Os médicos podem interromper o trabalho e retomá-lo as
vezes e pelo tempo que quiserem – por dia ou dias e até por horas – durante o
período coberto pelo pré-aviso decretado pelo SIM?”“3. Quem tem competência para definir os serviços
mínimos?”“4. Qual o nível e extensão dos
serviços mínimos?”“5. Não designando o
sindicato os médicos necessários para assegurar os serviços mínimos, poderão os
serviços (hospitalares) proceder a essa designação e injustificar as faltas dos
que, tendo sido designados, não compareçam para os prestar?”“6. Justifica-se, do ponto de vista legal, a requisição
civil?”“7. É o Sindicato e são os médicos
responsáveis pelo não cumprimento dos serviços mínimos?”2. Não foram enviados com o pedido
de parecer elementos que documentem ou directamente revelem a natureza, os
termos e a específica conformação da “greve dos médicos decretada pelo
SIM”.Na
sequência de solicitação formulada, o Ministério enviou cópia do pré-aviso do
SIM e de diversa documentação emanada deste Sindicato e do conhecimento do
Ministério.O texto do pré-aviso é o seguinte:
“Pré-aviso de greve (2ª
fase)Nos
termos do artigo 58º da Constituição da República Portuguesa e ao abrigo dos
artigos 2º, nºs. 1 e 2, 8 e 12º, nº 1, todos da Lei nº 65/77, de 26/08, o
Sindicato Independente dos Médicos - SIM, declara uma GREVE NACIONAL DE MÉDICOS,
sob a forma de paralisação total e com ausência dos locais de trabalho, nos
seguintes termos:Serviços AbrangidosTodos os
serviços de saúde dependentes do Ministério da Saúde (designadamente hospitais e
centros de saúde), das Finanças, da Educação, do Emprego e Segurança Social, da
Justiça, da Defesa Nacional e das Secretarias Regionais dos Assuntos Sociais das
Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, bem como em geral quaisquer entidades
públicas, ou privadas, nomeadamente Misericórdias que tenham médicos ao seu
serviço, independentemente do grau, função ou vínculo.Dado que o Governo não acautelou
os direitos dos médicos, nomeadamente em Unidade de Saúde com gestão privada, o
SIM decide alargar o âmbito deste pré-aviso a todas as Unidades de Saúde
Privadas ou Públicas com gestão privada.Período de Exercício do Direito de GreveOs médicos abrangidos pelo
Pré-Aviso, paralisarão a sua actividade assistencial entre as 0 horas do dia 21
de Setembro de 1998 e as 24 horas do dia 31 de Dezembro de 1998.O SIM decreta GREVE
NACIONAL dos MÉDICOS, dado que:Motivos da Greve1 - (...)2 - (...)3 - (...)4 - (...)5 -
(...)6 - (...)7 - (...)Serviços Mínimos Indispensáveis à
Satisfação de Necessidades Sociais ImpreteríveisOs serviços mínimos são
assegurados nos serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde a
seguir indicados:Em todos os Estabelecimentos
Hospitalares ou de natureza hospitalar e Centros de Saúde com atendimento
permanente que funcionem continuamente durante 24 horas por dia e nos 7 dias da
semana.São
ainda considerados serviços mínimos os prestados:Nos serviços de hemodiálise aos
doentes urémicos e nos serviços de tratamento do foro oncológico (quimioterapia,
radiações e respectiva ligação sob vigilância do sistema
informático).Os serviços mínimos serão assegurados pelo mesmo número de médicos
que trabalham aos domingos nos serviços e estabelecimentos de saúde referidos
anteriormente.Os médicos participantes em
concursos médicos, e aqueles que integram os júris respectivos não serão
abrangidos pelo pré-aviso de greve.Norma da GreveTodos os médicos podem aderir livremente à GREVE quer sejam ou
não sindicalizados, quer sejam contratados ou do Quadro, quer sejam Directores
de Serviço, Directores Clínicos ou Directores de Centro de
Saúde.1 -
Qualquer tentativa de violar este direito deve ser comunicada de imediato ao
Delegado Sindical, à Delegação Regional ou à Sede do SIM, que accionará os
mecanismos legais e judiciais adequados, não devendo o médico em causa
envolver-se em qualquer processo negocial individual.2 - Os médicos em greve não devem
comparecer ao serviço, assinar as folhas de ponto, escrever greve ou avisar se
fazem greve.3 - Os médicos escalados para os serviços mínimos ou em curso, não
fazem greve e assinam a folha de ponto, como normalmente.4 - Chama-se a atenção dos
Colegas, que asseguram os serviços mínimos, que durante a greve devem estar
particularmente atentos que o previsível aumento de afluxo de doentes aos
serviços de urgência agravará, inevitavelmente, as já de si precárias condições
de observação e de tratamento dos doentes.5 - Qualquer tentativa, por parte
do Ministério da Saúde ou órgãos de gestão, de modificação dos serviços mínimos
indispensáveis, não deverá ser acatada se não previamente acordada entre o
Ministério da Saúde e o SIM, conforme determina a Lei da Greve.6 - (...).”3. O parecer elaborado a pedido do
Ministério da Saúde e que acompanhou o pedido de Parecer contém, por seu lado,
algumas referências actuais sobre os termos da referida greve (a “greve
self-service” – breve memória descritiva), que se reproduzem:“Com data de 10 de Setembro
de 1998, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) enviou às entidades
competentes, designadamente ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Trabalho e
da Solidariedade, um “Pré-aviso de greve (2ª fase)”, através do qual dá
conhecimento da decisão de recurso a uma “greve nacional dos médicos” com início
às 0 horas do dia 21 de Setembro de 1998 e termo às 24 horas do dia 31 de
Dezembro de 1998. O citado pré-aviso indica ainda “os serviços abrangidos”, “os
motivos da greve”, “os serviços mínimos indispensáveis à satisfação de
necessidades sociais impreteríveis” e “as normas da greve”. “Esta greve declarada pelo
SIM segue-se a uma outra, com a duração de 11 dias, que teve lugar entre o dia
14 de Agosto e o dia 4 de Setembro do mesmo ano, razão pela qual o SIM adita,
entre parêntesis, a expressão 2ª fase à expressão pré-aviso no documento de
notificação da greve.A greve em curso de realização foi, entretanto, designada pelos
próprios responsáveis sindicais como “greve self-service”, assim considerada por
permitir a “qualquer médico, individualmente ou em grupo, fazer greve a todo o
momento e pelo tempo que desejar, sem aviso prévio” ([2]).
III1. A greve constitui um direito dos trabalhadores constitucionalmente
tutelado como um dos “direitos, liberdades e garantias”.A consagração constitucional do
direito à greve vem inscrita no artigo 57º, nºs 1, 2 e 3, da Constituição
([3]): é garantido o direito à
greve, competindo aos trabalhadores “definir o âmbito dos interesses a defender
através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”.A caracterização constitucional do
direito de greve como um dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores
significa, designadamente, que deve ser considerado como direito subjectivo
negativo, “não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer
greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhe termo”, com eficácia externa
imediata, em relação a entidades privadas, não constituindo o exercício do
direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as
mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito, e “com
eficácia externa, no sentido de directa aplicabilidade, não podendo o exercício
desse direito depender da existência de qualquer lei concretizadora” ([4]).Garantindo em termos fundamentais o direito, a Constituição não
contém, no entanto, um conceito de greve.Entre a densificação sociológica
do respectivo conteúdo com apelo a noções sócio-laborais correntes, e a estrita
caracterização jurídica dos elementos constitutivos (juridicização específica do
conceito), poderá caber um complexo de actuações materiais dos trabalhadores
cuja pertinência ao conceito de greve tem sido questionada por sectores da
doutrina nacional ([5])A noção de greve – e é este um
elemento permanente do conceito – supõe uma actuação colectiva e concertada dos
trabalhadores na prossecução de objectivos comuns. O conteúdo e o
desenvolvimento consequencial da actuação colectiva e concertada dos
trabalhadores, na amplitude e nas formas e modos de desenvolvimento, são
referidos essencialmente à paralisação do trabalho ([6]).Neste conceito clássico, greve é “a abstenção da prestação de
trabalho, por um grupo de trabalhadores, como instrumento de pressão para
realizar objectivos comuns” ([7]).Abstenção da prestação de
trabalho como omissão do comportamento contratualmente devido, manifestada como
fenómeno colectivo no sentido de solidário, pré-acordado ou concertado, como
instrumento e actuação de força para realizar objectivos comuns.Esta noção, dir-se-ia
“clássica” de greve (abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho
com a finalidade de pressionar a entidade patronal à satisfação de um objectivo
comum dos trabalhadores), está, contudo, aquém da amplitude conceitual permitida
pela formulação constitucional da consagração do direito à greve e pela retoma
da amplitude dessa formulação no artigo 1º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto (Lei
da Greve).Por isso se tem entendido que o tratamento jurídico-positivo de
exercício do direito de greve estabelecido por este diploma não é incompatível
com todas as modalidades de conduta conflitual colectiva dos trabalhadores não
estritamente coincidentes com o aludido conceito “clássico”. Reconhecendo-se,
embora, um nexo de adequação entre o regime jurídico definido pela Lei nº 65/77
e o conceito “típico” de greve, não poderão ser afastados desse regime situações
próximas e não estritamente coincidentes com o modelo conceitual clássico,
porventura como referente fundamental.O melhor entendimento será o que
“atenda à progressiva diversificação dos tipos de conduta conflitual e tome como
referência básica aquilo que, à luz da história social, contradistingue a greve
de outras modalidades de coação directa: a recusa da prestação de trabalho
enquanto contratualmente devida. Conduta essencialmente omissiva […], que se não
confunde com os comportamentos activos tão característicos de sabotagem, como da
greve de zelo (em que se substitui a conduta devida por uma outra, aparentemente
idêntica). Recusa da prestação contratualmente devida, diferente, por isso, do
boicote na suas várias formas, ou de desobediência colectiva” ([8]).Devem, pois, considerar-se cobertos pelo direito de greve,
constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos
que evidenciem o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho
devida, sejam quais forem a duração, o escalonamento temporal e o número e a
inserção funcional dos participantes.Esse lado de abordagem do conceito
de greve liga-se ao modo de
actuação, à forma externa e concreta em que se
manifesta o comportamento colectivo, concertado e solidário dos
trabalhadores.2. No domínio das manifestações externas da greve – as formas de greve
– podem ser consideradas, e têm sido objecto de atenção da doutrina e de
tentativas de enquadramento tipológico, diversificadas exteriorizações do
fenómeno, resultado da longa evolução histórico-sociológica, desenvolvendo-se
quase sempre à margem de leis enquadradoras ([9]).“Mais do que no campo dos objectivos, avulta a dificuldade em tratar
juridicamenteos fenómenos sociais, produto da dinâmica das lutas laborais e das
correlações de forças entre os diversos agentes em conflito, variando, por isso,
em função das circunstâncias históricas e sociológicas e de país para país
([10]).O conceito de greve clássica, como
se referiu, cobre a paralisação concertada e total do trabalho, normalmente
precedida de um plano preparado com certa antecedência, em que os promotores de
greve avaliam previamente as condições ideiais para o desencadeamento, incluindo
a data e a duração previsível da greve. Concomitantemente, providenciam sobre a
organização de serviços de segurança, constituição de piquetes de greve e
medidas tendentes a evitar que as empresas lancem mão do recurso de fazer
substituir os grevistas por outros trabalhadores. Enfim, pressupõe mais ou menos
resolvida a questão dos subsídios a definir aos grevistas durante a greve,
através da constituição de fundos para o efeito ou da utilização deles no âmbito
da organização sindical (pagamento, socorro de greve, etc.).A suspensão ou interrupção
do trabalho com abandono dos postos de trabalho constitui o facto característico
da greve tradicional ou clássica.Fora desta noção fundamental,
considera-se depois a greve de braços caídos, que consiste na suspensão do
trabalho mas sem abandono dos lugares de trabalho, originariamente para evitar
que a entidade patronal substituísse os grevistas por trabalhadores adventícios;
a este tipo pode pertencer, também, embora possa caracterizar uma figura dotada
de certa autonomia, a greve simbólica ou demonstrativa.Nas greves curtas e repetidas (“debrayages”) “os trabalhadores cessam o trabalho antes da
hora prevista ou tomam os seus postos com atraso em relação ao horário em vigor;
ou as paragens de trabalho têm lugar mantendo-se os trabalhadores nos seus
locais de trabalho.”“Dentro deste tipo se inclui a greve intermitente, em que a
suspensão do trabalho se processa a intervalos, variáveis conforme as
circunstâncias.”“As greves de
rendimento (‘grèves perlées’) caracterizam-se
por não haver cessação de trabalho, mas redução no seu ritmo e eficácia ou na
cadência da produção. Visam normalmente uma baixa de produção, que varia em
função do tempo de duração. Também são conhecidas por greves de
lentidão.”“As greves
rotativas (‘grèves tournantes’) verificam-se
quando o trabalho se suspende sucessivamente em cada parte ou secção da empresa.
Aparentam-se com as greves interminentes, mas sincronizadas por forma a que haja
sempre uma secção da empresa que esteja paralisada. Também definidas como greves
de execução categorial ou sucessiva.”“As greves de zelo manifestam-se na
execução do trabalho com excessiva minúncia ou com escrupulosa observância dos
regulamentos.”“São as greves típicas dos funcionários, em que, ao contrário de uma
diminuição de actividade, há uma recrudescência desta, com minuciosa observância
de todas as formalidades administrativas e um súbito excesso de aplicação,
provocando atrasos e lentidões na máquina administrativa.Inversamente, as greves administrativas
constituem um processo típico de certos funcionários, que continuam a
desempenhar o essencial das suas funções burocráticas mas se recusam a preencher
os papéis e documentos destinados aos particulares.Há, também, as greves de não colaboração
que se verificam quando os trabalhadores recusam executar tudo quanto não é
estritamente estabelecido pelos regulamentos, ou seja, aquela colaboração e
iniciativa pessoal que são normais e nomeadamente as chamadas prestações
acessórias.As greves às
avessas, por seu turno, consistem em
trabalhar contra ou sem a vontade da entidade patronal.As greves das horas suplementares são
aquelas em que os trabalhadores protestam contra a amplitude de trabalho
suplementar, seja contra a longa duração deste, seja contra a insuficiência da
sua remuneração.Enfim, as greves com
ocupação, em que os trabalhadores grevistas
permanecem no interior da empresa ou oficina ou dos serviços, a fim de evitar o
seu encerramento ou deterioração ou degradações do material ou do
equipamento.Mais frequentemente, o seu objectivo é defender a estabilidade dos
empregos ou para protestar contra ameaças de lock--out ou de suspensão
temporária de certas actividades de que dependem aqueles empregos.
Acessoriamente, constituem um meio poderoso de pressão sobre a entidade
empregadora.” ([11]).A sociologia das relações de
trabalho e dos conflitos laborais permitirá, certamente, surpreender na
multiplicidade de lutas laborais outras formas, tipos ou práticas de greve,
combinando em maior ou menor medida elementos dos vários tipos que a doutrina
tem descrito.3. Numa outra perspectiva, o conceito de greve tem de ser analisado
perante as finalidades projectadas pelos trabalhadores (os objectivos da greve)
e o âmbito e os limites dos interesses a defender.A posição ampla sobre o âmbito
da greve e natureza dos interesses a defender pelos trabalhadores está sufragada
por G. CANOTILHO e V. MOREIRA nos seguintes termos ([12]):“Programa normativo-contitucional
da greve [...] não se situa apenas dentro dos meios de luta na contratação
colectiva e daí a correcta autonomização constitucional do direito de greve em
relação à contratação colectiva (rejeição do “modelo” de greve “contratual”); o
direito de greve não é dirigido apenas à obtenção de vantagens que estejam na
disponibilidade de entidades patronais, podendo estender-se a domínios em que se
reportam interesses completamente distintos, não tendo qualquer fundamento um
modelo exclusivamente “laboral” de greve; o princípio da auto-regulamentação de
interesses e da liberdade de luta dos trabalhadores abre ao cidadão trabalhador
a possibilidade de intervir na dinâmica social, defendendo os seus interesses
perante os outros grupos e o Estado, independentemente da caracterização
material desses como “contratuais” ou “laborais.”Em outra expressão ([13]), o âmbito dos interesses
a defender através da greve significa a plena eficácia da greve como instrumento
ao serviço de todos os interesses próprios dos trabalhadores. Nesse âmbito,
cabem greves em caso de conflitos jurídicos, greves de solidariedade, greves de
protesto e de reinvidicação pela emissão ou omissão de normas, ou para exigir da
autoridade pública uma ou outra medida sócio-económica.Semelhante construção do conceito
de greve na vertente do respectivo âmbito, finalidade e objectivos, tem sido
formulada na doutrina deste Conselho Consultivo ([14]).Reconhecendo expressamente que a
Constituição, programaticamente avançada na protecção dos interesses dos
trabalhadores, induz o intérprete a um particular cuidado no domínio das
limitações do direito de greve, adianta-se que do ponto de vista dos objectivos,
e desvinculada a greve da pura defesa dos interesses profissionais dos
trabalhadores, há uma larga zona de interesses cuja prossecução legitima a
greve, para a qual apenas se vislumbram os limites que decorrem da protecção a
valores preponderantes da colectividade, relativamente aos quais têm de ceder os
interesses sectoriais de classe.4. Na multiplicidade de formas
conflituais utilizadas pelos trabalhadores na defesa dos seus direitos e
interesses, entendidos estes como a amplitude assinalada, e comum ou
sociologicamente consideradas como greves, podem configurar-se alguma
ou outra modalidade cujos elementos estruturantes, o modo, as consequências e os
fins expressa ou implicitamente prosseguidos as afaste do conceito normativo da greve.Mesmo quando se perfilhe ou
aceite uma conformação ampla da noção na sua dimensão normativa - logo ao
próprio nível fundamental da Constituição, há, com efeito, limites que são ou
podem ser assinalados ao próprio conceito de greve: paralisação ou cessação concertada do
trabalho, manifestando os trabalhadores a intenção de suspender provisoriamente o contrato de
trabalho.“Nesta medida, ficam
automaticamente excluídas do conceito as greves de lentidão ou ao
ralenti, bem como as greves de zelo ou às avessas (já que, nestas formas, não
há cessação ou paralisação do trabalho).Do mesmo modo, ainda com algumas
dúvidas, as greves administrativas e as greves de não colaboração, pois também
aí se não desenha com nitidez, aquele elemento essencial do conceito de greve
que é a cessação ou paralisação do trabalho.Aqui, porém, a enorme variedade de
formas que a experiência tem relevado torna difícil a teorização e a análise, já
que ora são acompanhadas por uma certa paralisação, parcial, do trabalho, ora se
apresentam como a execução de certas tarefas e a inexecução de outras, mas sem
que possa detectar-se, aí, com nitidez, um dado momento em que a actividade
laboral se tem por interrompida.Quanto às greves rotativas e
sectoriais (grève tournante, sciopero a
scachiera), na medida em que se envolvem
cessação de trabalho, sem dúvida que merecem o qualificativo de
greves.A
hostilidade com que a doutrina e a jurisprudência estrangeiras encara estas
greves fundamenta-se noutros motivos, geralmente pelos efeitos danosos por elas
produzidos, quase sempre pretendidos pelos grevistas, e que se traduzem na
desorganização (concertada) da produção.Invoca-se, também, o dano injusto
e desproporcionado, para o dador de trabalho, que não deve ser obrigado a
suportar os custos da produção deficiente e das perdas e deteriorações nas
matérias-primas, sem ao menos lhe ser concedida a contrapartida da recusa ao
pagamento do salário, como acontece na greve clássica, em que há abstenção total
do trabalho e, por isso, suspensão do contrato.O mesmo se diga relativamente às
paralisações curtas e repetidas, às greves intermitentes (sciopero a singhiozzo) , e a
outras formas semelhantes, desde que obedeçam a um plano concertado de
desorganização da produção, pois, nesses casos, a defesa dos interesses dos
trabalhadores não legitima prejuízos injustos e desproporcionados para o dador
de trabalho e até para terceiros (em último grau, para a
colectividade).A ilegitimidade de greves desse tipo é aceite em direito comparado,
com fundamento no carácter abusivo que revestem e em atenção à nocividade que
representam, maxime quando desencadeadas com intenção de sabotagem ou de boicotagem
económicas.” ([15])Com efeito há, desde logo, os
limites que resultam da proibição do uso abusivo do direito à greve como de todo
e qualquer direito. Depois, há os limites que resultam de não poder prosseguir
objectivos que colidam com os interesses fundamentais da colectividade e dos
cidadãos, sem excluir os interesses políticos do próprio Estado.Pode dizer-se, em
conclusão, que as formas de que se reveste o exercício deste direito são
ílicitas quando não possam qualificar-se como greve, cujo conceito pressupõe,
como elemento nuclear, a efectiva cessação ou paralisação concertada do
trabalho, ou quando possam poduzir danos injustos e desproporcionados para o
dador do trabalho, para terceiro ou para a própria colectividade, nomeadamente
quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da
economia ou de perturbação externa e desproporcionada no funcionamento de
serviços fundamentais ([16]).5. O artigo 57º da Constituição,
como a Lei da Greve, não contêm uma definição de greve.A ausência de definição legal do
conceito de greve ([17]), não significa que a
Constituição e a lei dispensem, ou não pressuponham, uma noção normativamente
delimitada, que poderá mesmo, em alguns momentos ou elementos, não ser
inteiramente coincidente com o sentido do nomen na linguagem
espontânea.Mas, do mesmo modo, não pode deixar de se atender na construção da
definição, à relação entre o nomen que as disposições legais
utilizam e a metalinguagem das noções ou ideias generalizadas ou convicções
geralmente admitidas.A densificação da noção operada por meio da elaboração doutrinal e
com os referentes colhidos em vários modelos comparados, que têm subjacente uma
fenomenologia rica, bem sedimentada e experimentada, permite confortar o sentido
que foi sendo apontado: o conceito normativo de greve no sistema jurídico
nacional - uma dimensão de acentuada amplitude próxima de assinalável
coincidência com o sentido sociológico da noção - permite abranger uma série de
tipologias de comportamentos colectivos dos trabalhadores diversos da chamada
noção clássica de greve.Mas, não obstante, alguns elementos permanecem como essenciais ao
conceito normativo e, consequentemente, à legitimidade de integração dos
comportamentos na categoria de greve, ou ao menos, na categoria de greves
legítima ou lícitas: o modo de actuação, isto é, o comportamento colectivo na
sua forma externa e concreta de manifestação há-de traduzir, como se referiu, um
denominador comum estrutural de recusa
colectiva e concertada da prestação de
trabalho devida; o comportamento exteriorizado dos trabalhadores em qualquer
acção de greve há-de ser colectivo, concertado e solidário.Mas não só.A complexidade do processo de greve, que pelas implicações e
consequências co-naturais constitui uma manifestação extrema de conflitualidade
laboral, e representando o exercício de um direito fundamental, situa-se numa
dimensão axiológica que exige o respeito de princípios essenciais de lealdade,
probidade e boa fé ([18]).Constituindo a greve, por
natureza,
um comportamento abstencionista concertado e colectivo na sua dimensão
processual, global e externa, exprime-se internamente (ou intrinsecamente)
através de comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis,
que devem desenvolver-se, em tudo quanto o processo de greve admita de autonomia
individual, no respeito por princípios essenciais ao sistema constitucional de
valores no exercício de direitos como é, por excelência, o princípio da proporcionalidade.Poderá, assim, delimitar-se o conceito de greve na dimensão normativamente prevista na Constituição e na lei: comportamento colectivo dos
trabalhadores, consistente na recusa
concertada da prestação de trabalho
(abstenção ao trabalho) que se revela numa perspectiva processual global e
externa, como movimento solidário em vista de realização
de objectivos comuns.A actuação em que não se revelarem estes elementos conformadores
essenciais
ou nucleares, não podendo ser considerada na dimensão normativa, não poderá
participar, por isso, dos pressupostos e garantias do exercício do direito, não
obstante a nomenclatura com que venha designada.6. Acentua-se por vezes que o
direito à greve surge constitucionalmente garantido como direito de todos os
trabalhadores, incluindo da função pública.Neste sentido dispõe o artigo 12º
da Lei nº 65/77:
“Artigo 12ºFunção pública1 - É garantido o exercício do direito à greve na função
pública.2 - Sem prejuízo do disposto no
número anterior, o exercício do direito à greve na função pública será regulado
no respectivo estatuto ou diploma especial”.A normação prevista no nº 2 - até
à data não editada - parece pressupor a existência de particularidades das
tarefas públicas e dos interesses colectivos que lhes estão subjacentes, a
exigirem um regime adaptado, embora respeitador do núcleo essencial do direito à
greve.Na
falta dessa específica regulação vêm, todavia, sendo consideradas aplicáveis à
função pública as disposições da Lei da Greve, com as necessárias
adaptações.Da discussão parlamentar acerca desta lei resulta, aliás
”inequivocamente que se pretendeu garantir de imediato o direito de greve e a
legitimidade do seu exercício pelos trabalhadores da função pública, mesmo sem a
publicação de qualquer diploma especial.” ([19])
IV1. O exercício do direito de greve, exprimindo-se intrinsecamente
através de comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis,
comporta, como elemento essencial, uma dimensão processual.A greve - na génese, na dinâmica de exercício, na complexidade
estrutural maior ou menor que envolve conforme a dimensão do universo pessoal e
a extensão espacial - pressupõe uma dimensão processual que a lei geralmente
regula.O
exercício do direito pressupõe, pois, uma organização e assume geralmente uma
concepção orgânica ([20]).É o que dispõe o artigo 2º da Lei
nº 65/77, de 26 de Agosto, sob a epígrafe “competência para declarar a
greve”:“1.
O recurso à greve é decidido pelas associações sindicais.2. Sem prejuízo do direito
reconhecido às associações sindicais no número anterior, as assembleias de
trabalhadores poderão decidir do recurso à greve, por voto secreto, desde que na
respectiva empresa a maioria dos trabalhadores não esteja representada por
associações sindicais e que a assembleia seja expressamente convocada para o
efeito por 20% ou duzentos trabalhadores.3. As assembleias referidas no
número anterior deliberarão validamente desde que participe na votação a maioria
dos trabalhadores da empresa e que a declaração de greve seja aprovada pela
maioria absoluta dos votantes.”O sistema previsto na lei é,
assim, um sistema de quase monopólio sindical, que tem sido justificado pelo
valor da função benéfica dos sindicatos no enquadramento dos movimentos
colectivos, canalizando organizadamente os procedimentos e impedindo o
surgimento de explosões grosseiras e violentas; neste aspecto, a sociologia das
chamadas “greves selvagens” e a prevenção dos graves danos (porventura sem
contrapartidas para os trabalhadores) que lhe estão geralmente associados, terá
estado muito presente na opção - que é claramente uma opção política - do
legislador ([21]).A concepção orgânica da greve
manifesta-se, também, em momentos essenciais do processo, para além de
competência para decidir do recurso à greve e para desencadear a acção
colectiva.Assim, a
representação dos trabalhadores em greve
compete, em regra, à associação ou associações sindicais; fora da exclusividade
sindical apenas estão os casos em que as assembleias de trabalhadores podem
decidir o recurso à greve, cabendo, neste caso, a representação dos
trabalhadores a uma comissão de greve eleita para o efeito - artigo 3º, nº 1, da
Lei nº 65/77.Momentos relevantes da concepção orgânica da greve são, por seu lado,
a possibilidade (legal) atribuída às organizações sindicais para a organização
de piquetes de greve (artigo 4º), e a obrigação de assegurarem durante a greve
nas empresas que se destinem a satisfação de necessidades sociais impreteríveis
a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação
daquelas necessidades, e de prestarem os serviços necessários à segurança e
manutenção do equipamento e instalações - artigo 8º, nº 1, e 3º da Lei nº
65/77.2. A função organizatória e de gestão pressuposta na concepção orgânica
de greve manifesta-se também, de modo relevante, na obrigação imposta no artigo
5º da Lei nº 65/77.“As entidades com legitimidade para decidirem do recurso à greve,
antes de a iniciarem, têm de fazer por meios idóneos, nomeadamente por escrito
ou através dos meios de comunicação social, um pré-aviso, com o prazo mínimo de
cinco dias, dirigido à entidade empregadora ou à associação patronal e ao
Ministério do Emprego e da Segurança Social” - nº 1, sendo este prazo, para os
casos de empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de
necessidades sociais impreteríveis, de dez dias - nº 2º ([22]).A obrigação de pré-aviso assume um
significado relevante no procedimento de exercício da greve. Não se apresenta
como mera formalidade, mas constitui indiscutívelmente uma formalidade essencial do
processo de greve (da regularidade do processo de greve), cuja inobservância
produz consequências jurídicas relevantes - desde logo as expressamente fixadas
na lei. O artigo 11º da Lei nº 65/77 dispõe que “a greve declarada com
inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores
grevistas no regime de faltas injustificadas” ([23]). A sujeição dos
trabalhadores grevistas ao regime das faltas injustificadas, com as
consequências negativas que envolve, designadamente no plano disciplinar,
significa que as irregularidades do processo - e, entre estas, o não respeito
pelas exigências pressupostas no cumprimento da obrigação de pré-aviso - afectam
o próprio exercício do direito, tornando o seu exercício ilegítimo e a greve
ilícita.A
disciplina do pré-aviso foi uma das matérias mais polémicas da discussão travada
na Assembleia da República, demonstrando os debates ser este um domínio em que a
opção legislativa foi determinada decisivamente por considerações de natureza
política ([24]).A exigência de pré-aviso é, em
termos comparados, fundamentalmente uma técnica muito ligada às greves nos
serviços essenciais, e assinalam-se-lhe motivos e finalidades em que confluem
diversos interesses em que estão presentes valores próprios de uma certa ideia
de razoabilidade, boa-fé e proporcionalidade: o conhecimento pelas entidades
empregadoras com um mínimo de dilação, permitindo uma ponderação e avaliação
prospectiva dos danos inerentes ao processo, potenciando a disponibilidade (ou a
pressão) para soluções negociadas; preparar as respostas adequadas e possíveis
no respeito de lei; prover às soluções exigidas ou aconselhadas para minimizar
razoável e proporcionalmente os danos económicos; pelo lado dos trabalhadores, o
pré-aviso e a dilação pode constituir um eficaz mecanismo de pressão na defesa
dos seus interesses; os poderes públicos podem também, no período de dilação,
intervir como lhe permitam as suas competências de ordenação para encontrar
mecanismos de diálogo que permitam solucionar, ou ao menos amortecer o conflito;
finalmente, o interesse do público - e este é um elemento relevante quando
estejam em causa serviços essenciais - em ter conhecimento da perturbação no
funcionamento do serviço de que carece impreterivelmente a fim de prevenir ou
reduzir ao mínimo a perturbação externa e as consequências directas de tal
perturbação ([25]).Embora a lei não contenha qualquer referência específica, a natureza
e as finalidades da exigência de pré-aviso impõem que este tenha um conteúdo
mínimo essencial: a declaração de greve deve indicar a data e a hora de início
de greve e a sua duração – certa ou ilimitada, e a delimitação do âmbito dos
sectores a abranger; o pré–aviso deve conter todas as indicações necessárias,
segundo o princípio da boa-fé, para assegurar os objectivos que estão
pressupostos na imposição desta formalidade do processo de greve ([26]).O pré-aviso pretende, assim,
evitar as designadas greves surpresa, que produzem um impacto negativo na
opinião pública e apresentam consequências desproporcionadas na afectação dos
interesses dos empregadores ou, no caso de serviços essenciais, também na
multiplicidade dos necessários utilizadores de tais serviços.A lei, impondo a obrigação
de pré-aviso nos estritos termos em que o faz, com a cominação de efeitos
penalizadores para os trabalhadores em caso de incumprimento, assume de forma
bem marcada a opção pelas exigências de boa-fé, equilíbrio e proporcionalidade
nos danos e consequências, de ‘fair balance’ que devem estar presentes no
exercício do direito de greve.Pode, por isso, afirmar-se que as
greves sem pré-aviso, ou fora das condições definidas no pré-aviso – as greves
surpresa – não são lícitas em face da Lei nº 65/77, de 26 de
Agosto.3. A concepção orgânica de greve na Lei nº 65/77, de 26 de Agosto,
revela-se, também, como se salientou, na estrutura e na organização da greve,
bem como no conjunto de acções que se podem designar como gestão da
greve.A
competência para declarar uma greve pressupõe o desenvolvimento e a actuação de
um conjunto de actividades de acompanhamento necessário, quer impostas pela
representação dos trabalhadores enquanto aderentes, quer na organização e
enquadramento da disciplina da greve e organização eventual de piquetes, ou,
finalmente, na relevante obrigação
positiva de prestação de serviços mínimos
indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ou das
actividades necessárias à segurança e manutenção dos equipamentos e
instalações.A gestão da greve, ou, mais precisamente, o cumprimento das
obrigações das associações sindicais ou das comissões de greve, e, por mediação
destas, dos trabalhadores em greve, exige ou pressupõe uma organização e
estruturação que seja compatível com o respeito por tais obrigações, tendo em
consideração nomeadamente a amplitude e a complexidade do universo laboral,
pessoal e a extensão espacial para os quais a greve foi
decretada.A declaração de uma greve, a estrutura da greve e o plano de acção
respectiva não podem deixar, face à lei, de ser conjugados com a necessidade de
gestão e coordenação sindical. Por isso, um plano ab initio intensivo ou extensivo,
pela duração fixada ou pelo universo e âmbito, poderá conter, em si, o risco de
insusceptibilidade de coordenação sindical e potencialidade para inquinar,
subsequentemente, a capacidade de cumprimento das obrigações supostas pela lei
na gestão da greve.Em tais circunstâncias, a dinâmica da greve pode comportar sinais ou
sintomas de desvio à legalidade de conformação do exercício legítimo do direito;
em tais casos, a insusceptibilidade subsequente de coordenação
sindical ou de respeito por algumas das imposições inerentes à gestão sindical
da greve, terá como consequência a ilegalidade subsequente.4. O direito de greve,
constitucionalmente referido à titularidade dos trabalhadores, assume, no
entanto, uma natureza e um conteúdo que se exterioriza numa dupla dimensão.O modo como o exercício do direito de greve se encontra
processualmente regulado – a referida concepção orgânica da greve - e o próprio
conceito de greve sugerem a confluência necessária de uma dimensão individual e uma
dimensão colectiva inseparáveis: “por um lado o trabalhador enquanto membro de uma
categoria portadora de interesses colectivos pode abster-se de trabalhar em
conjunto com outros”, sem sujeição a qualquer sanção, “tendo em vista o carácter
colectivo e
concertado
da paralisação; por outro lado, sob o ponto de vista individual, o “trabalhador
tem o direito de, aderindo a uma paralisação colectiva, interromper a prestação
de trabalho, sem que possa ser contratualmente responsabilizado, antes
determinando, mediante uma opção pessoal, o desencadeamento do mecanismo
jurídico de suspensão do vínculo” ([27]).É o que dispõe o artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto:
“a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as
relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à
retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e
assiduidade”.A greve apresenta-se, pois, como uma realidade bi-fronte ([28]).A economia do parecer dispensa
excursões pelas subtilezas da teoria fina e da vexata discussão sobre a
construção conceitual unitária ou complexiva ([29]).
Basta a verificação de que, qualquer que seja a construção, estão sempre
presentes no direito e no seu exercício uma dimensão colectiva e uma dimensão
individual: o trabalhador em greve, pela actuação colectiva e concertada,
participa na realização de um direito que processualmente não se concebe fora
desta dimensão colectiva, mas do mesmo modo, sob o ponto de vista individual,
realiza uma opção exclusivamente
pessoal, aderindo ou não aderindo a uma forma
de greve, ou tendo aderido, cessar a sua adesão.A decisão dos trabalhadores quanto
ao exercício do direito é eminentemente pessoal (aqui a dimensão individual);
não é, porém, autónoma quanto aos fins (dimensão colectiva), já que a actuação
tem de ser colectiva e concertada e não uma mera soma de actuações individuais
justapostas.A relevante dimensão individual tem, porém, que ser manifestada e
integrada na dimensão colectiva, porque o comportamento abstencionista,
concertado e colectivo na sua dimensão e expresssão processual e externa, se
exprime mediante comportamentos individuais, voluntários, determinados e
responsáveis ([30]).A expressão intrínseca através de
comportamentos individuais, “posto que individual é a prestação de trabalho”,
supõe, porém, - disse-se já – uma dimensão axiológica que exige o respeito por
princípios essenciais de lealdade, probidade e boa fé. Exigência de boa-fé é,
neste aspecto, por conseguinte, o conhecimento do âmbito e do sentido do
comportamento abstencionista ou da indisponibilidade para o trabalho
relativamente a cada trabalhador.Em hipóteses típicas a expressão
do comportamento revela-se por si: a adesão à greve e a verificação efectiva do
exercício do direito por parte dos trabalhadores resulta da própria abstenção ao
trabalho e é material e directamente determinável ([31]).Mas, como elemento relevante da
dimensão individual do processo de greve, a “adesão do trabalhador,
qualificável como “acto jurídico unilateral”, expresso ou tácito, que tem o
“empregador como destinatário, devendo por ele, ser cognoscível” ([32]), deve ser de sentido e
significado inequívocos. “Declaração receptícia” que, quando não resulte da pura
e simples abstenção de trabalhar, exigirá, por imperativos de probalidade,
lealdade e boa fé, uma declaração de sentido mais explícito ([33]).
V1. A greve decretada pelo
SIM, nos termos de procedimento previsto na Lei nº 65/77, de 26 de Agosto,
designada no pré-aviso como “Greve Nacional dos Médicos”, está aí expressamente
configurada segundo a forma de paralisação
total e com ausência dos locais de trabalho,
num período directamente delimitado – primeiramente entre as 0 horas do dia 21
de Setembro de 1998 e as 24 horas do dia 31 de Dezembro de 1998, e depois
mantida até ao dia 1 de Janeiro do ano 2000 ([34]).Neste período, o pré-aviso comunica que os “médicos abrangidos”
“paralisarão a sua actividade assistencial”.O pré-aviso estabelece igualmente
um plano de greve, que designa por “normas de greve”. Entre essas normas, o SIM
faz comunicar no pré-aviso que “os médicos em greve não devem comparecer ao
serviço”.O
pré-aviso do SIM contém, assim, todos os elementos que são considerados
essenciais – mesmo nas posições mais exigentes – no cumprimento da formalidade
do processo de greve prevista no artigo 5º da Lei nº 65/77: duração da greve,
motivos da greve, programa ou plano da greve.Deste modo, desencadeado
legitimamente o processo com o cumprimento da formalidade essencial do
pré-aviso, e respeitado o prazo de dilação da lei (no caso, 10 dias por dizer
respeito a serviços essenciais), os trabalhadores poderiam exercer livremente o
seu direito de aderir à greve
declarada (o exercício da dimensão individual
do direito de greve), nos termos do plano traçado pela associação sindical: uma
paralisação total, com ausência dos locais de trabalho no período fixado no
pré-aviso.A paralisação da actividade, com ausência dos locais de trabalho – e
a ausência revelará normalmente, por si, o sentido de comportamento
abstencionista – significará (significaria) adesão à greve declarada nos termos
do respectivo plano, conhecido, público e devidamente
comunicado.2. Se, porém, o comportamento dos trabalhadores não se manifestou deste
modo, isto é, se o comportamento se revelou de modo ou por formas diversas do
previsto no plano da greve declarada, existirá desconformidade essencial com um
dos pressupostos de regularidade do exercício do direito de greve. Nessa
circunstância de desconformidade, nem a greve declarada teria conteúdo, porque o
plano não foi preenchido, nem os diversos e diferentes comportamentos (como quer
que se configurassem ou pudessem qualificar) seriam legítimos como exercício do
direito de greve – como produtores dos efeitos que a lei liga às greves lícitas
– uma vez que estariam fora da delimitação essencial do pré-aviso.As cautelas da
condicionalidade na apreciação resultam da circunstância de não terem sido
transmitidos elementos que permitam configurar, de modo seguro e efectivo, os
termos em que tem sido executado (ou não tem sido executado) o plano de greve a
que se refere o pré-aviso do SIM ([35]).Aceite-se, contudo, como hipótese de trabalho, que a coberto da greve
declarada pelo SIM nos referidos termos, os trabalhadores (médicos), por
serviço, especialidade ou estabelecimento têm “feito greve”, “a qualquer
momento, a qualquer dia e a qualquer hora, individualmente ou em grupo, sem
qualquer outra formalidade ou pré-aviso, pelo tempo de
quiserem”.Semelhantes comportamentos, se se verificaram ou se vierem a
verificar-se, e independentemente de outras considerações ou abordagens que
merecem no plano normativo da greve, não se
apresentam em conformidade e não respeitam o plano de greve declarada no
pré-aviso do SIM: paralisação total, com
ausência dos locais de trabalho no período fixado.As actuações hipotizadas são, com
efeito, em absoluto contrárias ao programa da greve declarada, revelando e
exteriorizando, não uma paralisação total e concertada do trabalho, mas uma
gestão individual de comportamentos contrária à gestão colectiva que está inerente e é
expressa na formulação do pré-aviso.Deste modo, mesmo que pudessem
ainda ser consideradas na densificação normativa do conceito de greve ([36]), não teriam sido
conformadas pelo processo definido na lei quanto à declaração de greve, com as
consequências determinadas pelo artigo 11º da Lei nº 65/77.3. A singularidade dos
comportamentos que vêm referidos, a terem estes ocorrido da forma assinalada,
parece, porém, afastá-los do quadro mínimo
imposto necessariamente na noção
juridicamente relevante de greve.Esse mínimo denominador contém, como se
salientou, elementos de concertação (actuações plurais, em comum, solidárias, na
realização de objectivos comuns) e de abstenção da prestação de trabalho, com a
vontade inerente de suspender o contrato durante a greve – elemento conatural e
expressamente consequenciado na disciplina jurídico-positiva da greve – artigo
7º, nº 1, da Lei nº 65/77.Actuações isoladas, mesmo se pluriocasionais, desligadas do
plano de greve traçado no documento processualmente relevante, contrariam pela
sua própria individualização a impositiva perspectivação colectiva e concertada.
Na pulverização de actuações perde-se a ideia de colectivo numa
contraditoriedade natural - da natureza das coisas - com a actuação concertada
com o mesmo conteúdo e ao mesmo tempo.Por isso, a realidade empírica
descrita, amparada ainda sob a designação metalinguística de greve, não tem
suporte nem correspondência no conceito normativo; os comportamentos referidos
não poderão pretender beneficiar dos efeitos jurídicos que a lei liga ao
exercício do direito de greve.Dir-se-á, contudo, que,
abstendo-se do trabalho pelo tempo que entenderem e nas condições que decidirem
(que cada qual decidir), os trabalhadores estão a actuar a dimensão individual
do direito de greve e na plena liberdade de aderir ou não aderir – e de,
aderindo, cessarem a adesão a todo o momento.As coisas não são, porém, assim
tão lineares, numa simples conformação material desligada da composição
axiológica dos interesses conflituantes.A decisão do trabalhador na
actuação da dimensão individual de direito (liberdade de acção – direito
potestativo, não importa ao caso afinar a composição conceptual) tem de ser
livre e determinada, mas tomada segundo as exigências de probidade e boa fé
presentes no exercício de qualquer direito.Mas, como é de singular evidência,
as exigências de boa fé são incompatíveis com uma hipotética gestão quotidiana da oportunidade no exercício do direito de greve. A boa fé e a probidade são valores
que se não coadunam com a fragmentação do exercício de direito que se revelaria
se o trabalhador, durante o período fixado no pré-aviso, pudesse aderir (e
deixar de aderir) a uma greve declarada, nos termos que entendesse, as vezes que
quisesse e pelos períodos que lhe aprouvesse. Tal modo de actuação, supondo que
ainda pudesse ser considerado exercício do direito, revelar-se-ia manifestamente
contrário aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim social desse direito, em
termos de configurar uma situação de abuso de direito – artigo 334º do Código
Civil.Para
além de que – e são considerações ainda situadas neste mesmo plano de valoração
– uma actuação, ou actuações assim configuradas revelariam uma acentuada
desporporção entre o risco dos trabalhadores (nas consequências, ou menores
consequências nas perdas remuneratórias) e os danos provocados – tanto na
(des)organização dos serviços, como para os próprios utentes de serviços
essenciais. Pela imprevisibilidade do an e do quando do comportamento, os
trabalhadores impediriam a prevenção organizatória, como os utentes, pela
surpresa de tal abstenção, suportariam danos sem relação de proporcionalidade
com as consequências (também negativas) que uma greve necessariamente também
comporta para os trabalhadores.Isto pelo lado dos
trabalhadores.Mas, também pela parte da associação sindical que declarou a greve e
detém a responsabilidade pela gestão e coordenação, os comportamentos referidos
– se admitidos ou aceites pela associação sindical – colocá-la-iam numa posição
de insustentável desrespeito pelo cumprimento dos deveres que a lei lhe impõe na
gestão e coordenação da greve.Desde logo, não poderia cumprir as
obrigações que derivam do artigo 8º da Lei nº 65/77 - responsabilidade pelo
cumprimento (rectius, pela coordenação do cumprimento) dos serviços mínimos. Se a decisão
de greve for deixada, fragmentariamente, à discricionaridade total dos
trabalhadores (a qualquer momento, em qualquer estabelecimento ou serviço, por
qualquer período: uma hora, duas horas, um dia), a associção sindical fica sem
possibilidade de, se for o caso ou quando seja caso, designar os trabalhadores
adstritos à prestação de serviços mínimos, se a necessidade de tal prestação se
revelar.4. As considerações que antecedem permitem responder às duas primeiras
questões formuladas na consulta: “se a greve dos médicos decretada pelo SIM está
dentro dos limites da lei da greve” e “se os médicos podem interromper o
trabalho e retomá-lo às vezes e pelo tempo que quiserem – por dia ou dias ou até
por horas - durante o período coberto pelo pré-aviso decretado pelo
SIM”.A
“greve dos médicos decretada pelo SIM”, a que se refere o pré-aviso de 10 de
Setembro de 1998, constitui, nos precisos
termos enunciados nesse documento essencial do processo da greve, uma paralisação
total (paralisação de actividade
assistêncial), com ausência dos locais de
trabalho, entre o dia 4 de Setembro e o dia
31 de Dezembro, (sublinhado agora).Nesta modalidade, constitui mesmo
uma greve que se insere no conceito típico, estando inteiramente dentro dos
limites da lei da greve, se fosse ou tiver sido (ou quando tenha sido)
desenvolvida nos termos que o sindicato enuncia (e anuncia) no
pré-aviso.Porém, - decorre também do que se disse, - os médicos não podem, no
âmbito de uma greve declarada nos termos do pré-aviso referido, interromper o
trabalho e retomá-lo pelas vezes e pelo tempo que quiserem, perturbando o
funcionamento dos serviços e impedindo a prevenção na organização dos serviços.
Semelhante actuação contraria directa e abertamente os termos do pré-aviso e a
“norma da greve” que este documento contém, e desencadeia as consequências
previstas no artigo 11º da Lei nº 65/77, de 20 de Agosto.Além de que, adjuvantemente, uma
actuação como a que se refere, revela uma gestão individual e fragmentária de
comportamentos a que, por isso, faltam os elementos essencialmente
caracterizadores do conceito normativo da greve - a natureza concertada e
colectiva
da paralisação do trabalho.
VI1. Consagrado como direito
fundamental, o direito à greve não é, porém, um direito de carácter absoluto que
se sobreponha, enquanto tal, a todos os demais.Qualquer direito fundamental tem
os seus limites, que se revelam com acuidade em caso de conflito com outros
constitucionalmente previstos, obrigando à sua harmonização e conciliação
prática.Recorde-se o paradigma capital de limites fundamentais ao direito de
greve substanciado precisamente no nº 3 do artigo 57º da lei
básica:“A
lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à
segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços
mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades
impreteríveis.”A Lei nº 65/77 já preceituava no seu artigo 8º, nºs 1 e 3, a
necessidade da prestação, não obstante a greve, dos serviços aludidos ([37]) ([38]).Decretada a greve nas empresas ou
estabelecimentos que se destinem a satisfazer necessidades sociais
impreteríveis, impende sobre as associações sindicais e os trabalhadores - sobre
aquelas, no plano organizatório - a obrigação de assegurar a prestação dos
serviços mínimos indispensáveis à satisfação dessas necessidades e bem assim dos
serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e
instalações.Interessa esclarecer o significado desses elementos, com destaque
para o conteúdo dos serviços mínimos que está colocado na
consulta.Anote-se, em primeiro lugar, que a obrigação de serviços mínimos só
existe nas empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de
necessidades sociais impreteríveis.Por outro lado, os serviços que
devem ser prestados pelos trabalhadores em greve nessas empresas ou
estabelecimentos não são, em princípio, os serviços normalmente prestados fora
da greve para a satisfação daquelas necessidades; de contrário, volver-se-iam os
serviços mínimos, por via de regra, em serviços máximos, passe a
expressão.De todo o modo, em consequência da imposição constitucional e legal
de serviços mínimos nas mesmas empresas ou estabelecimentos, a paralisação do
trabalho característica de greve não é total.Nestas condições, é manifesto que
a amplitude da paralisação laboral, teleologicamente orientada para a consecução
de reivindicações laborais, ou seja, o núcleo essencial da greve, se encontra
originalmente condicionado.Desde logo, pela natureza da empresa ou estabelecimento em que
a greve é declarada.Naquelas empresas ou estabelecimentos que não se destinam à
satisfação de necessidades sociais impreteríveis a paralisação é total, não o
sendo, porém nas demais, justamente pela exigência, juridicamente inelutável, de
prestação dos serviços mínimos.E daí o segundo factor influente
na amplitude da paralisação do trabalho e do conteúdo da greve.O conceito constitucional e
legal de “serviços mínimos” é fluído e indeterminado, pelo que as variações de
amplitude envolvidas na sua concretização implicam por necessidade variações
inversamente proporcionais do conteúdo da greve.Em suma, a definição e
concretização dos serviços mínimos pode redundar numa restrição ou compressão do
núcleo essencial do direito à greve.Se, todavia, importa conciliar o
exercício do direito de greve com a protecção de interesses colectivos
essenciais e impreteríveis, da aplicação dos textos constitucional e legal de
forma alguma pode resultar a inutilização prática daquele
direito.“Se, de facto, não se quis imolar quaisquer direito fundamentais ao
direito de greve, muito menos se quis sacrificar este àqueles: visou-se apenas
atingir o necessário ponto de equilíbrio entre um e outros.” ([39])2. Sendo o conceito de “serviços mínimos” fluido e indeterminado, e
exigindo, por isso, definição de concretização, a lei não indica porém, expressa
e directamente, a competência para fixar dos serviços mínimos.A ausência de fixação
directa na lei ([40]) tem provocado em
diversas ocasiões um labor interpretativo de ordem sistemática deste Conselho na
determinação da competência para a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços
mínimos ([41]).Com a conclusão - sucessivamente
reiterada - de que tal competência pertence ao Governo ([42]).Tem-se, com efeito ponderado que
“a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis
releva os interesses fundamentais da colectividade, depende em cada caso da
consideração de circunstâncias específicas, segundo juízos de oportunidade e
compete ao Governo” –, argumentando-se com a ideia de que a decisão sobre o
conteúdo dos serviços mínimos pode transformar-se em factor de conflito entre as
partes, e não deveria, por isso, ser deixada na disponibilidade de nenhumas
delas, “mas submetida à decisão de uma entidade, em princípio,
imparcial”.Assim, estando em causa “valores implicando considerações de ordem
pública, apareceria o Governo, até por razões constitucionais de defesa da
legalidade democrática e de tomada das providências necessárias à satisfação das
necessidades colectivas - então o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 202º da
Constituição, hoje do artigo 199º - como a entidade adequada”.Argumentou-se, também, com
o nº 4º do artigo 8º da Lei da Greve, a qual permite o Governo determinar a
requisição ou mobilização se os serviços mínimos não estiverem a ser
assegurados, o que teria implícita a competência prévia para a definição do
âmbito e nível daqueles serviços mínimos.”A formulação do Conselho quanto às
questões de competência para a fixação dos serviços mínimo suscitou objecções em
alguma doutrina ([43]). Ponderando objecções, o
Conselho reafirmou recentemente a sua posição nos termos seguintes ([44]): “Não deixará de se
admitir que a decisão de considerar certo departamento como prestador de
serviços essenciais e a consequente fixação de serviços mínimos, tomada pelos
órgãos de direcção de um serviço directamente dependente do Governo, ou mesmo de
um serviço personalizado, de um instituto público ou empresa pública, é
susceptível de revestir a aparência de menos imparcialidade.Dará, em menor grau, o
flanco à crítica a decisão tomada pelo próprio Governo.De qualquer modo, não se vê razão
para abandonar a posição que vem sendo seguida por este Conselho, nos termos da
qual é ao Governo que compete, em última instância, tomar as providências
necessárias à satisfação das necessidades colectivas, bem como à defesa da
legalidade democrática, tal como advém das alíneas f) e g) do artigo 199º da
Constituição.“É certo que o novo nº 3 do artigo 57º remete para a Lei a definição
das condições de prestação desses serviços mínimos, o que não se encontra
cabalmente conseguido com o dispositivo actual.”E acrescenta-se “que [...] não
será despiciendo assinalar que a Administração, ao prosseguir o interesse
público, deve fazê-lo no respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos. Resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição que os
órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e
devem actuar nas suas funções com observância dos princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade.Por outro lado, a participação dos
cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disseram respeito é um princípio
também com inscrição constitucional – nº 5 do artigo 267º.Ademais, as decisões
tomadas pelo Governo não deixam de estar sujeitas à possibilidade de controlo
jurisdicional.O que quer dizer que embora seja o Governo a usar do poder de fixar
quais sejam os serviços essenciais e a determinar a medida dos serviços mínimos,
não deve fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve,
ainda quando haja trabalhadores disponíveis, não aderentes à greve, já que a
situação pode alterar--se.”“Isto independentemente do poder-dever que assiste ao Governo
de determinar a requisição civil dos trabalhadores necessários ao seu
cumprimento, de acordo com disposto no nº 4 do artigo 8º da Lei nº 65/77, que se
colocará numa fase seguinte.”3. Suscitou-se no pedido de consulta também a questão de saber
qual o nível e a extensão dos “serviços mínimos”.Este Conselho teve já ensejo de
abordar directamente a questão no Parecer nº 52/98. Considerando-se porventura
“embaraçosa” a tarefa de circunscrever com precisão os limites dos “serviços
mínimos” indispensáveis à realização das necessidades sociais impreteríveis,
escreveu-se então:“Serviços mínimos em geral, na doutrina do Conselho, “serão todos
aqueles que se mostrem necessários e adequados para que a empresa ou o
estabelecimento ponha à disposição dos utentes aquilo que, como produto da sua
actividade, eles tenham necessidade de utilizar ou aproveitar imediatamente por
modo a não deixar de satisfazer, com irremediável prejuízo, uma necessidade
primária (X1 ).A lei aponta para “um conjunto de
tarefas que ganharam o nível mínimo de actividade indispensável a um
funcionamento que não é possível interromper”.O que não poderá é determinar-se
aprioristicamente “ a qualidade e a quantidade das prestações
mínimas”.Porque o direito de greve é também um direito fundamental, “haverá
que fazer um juízo de adequação (-) que parta da premissa de que a limitação
deve ser o menos gravosa possível.”
De qualquer modo deve fixar-se o “nível
indispensável para que um serviço preste a sua actividade e dê satisfação
iniludível aos direitos ou bens com os quais pode colidir.” (X2 )Sendo certo, porém em princípio, […] que “manter os serviços mínimos
não poderá (salvo excepcionalidade técnica) entender-se como funcionamento
normal, já que, por natureza, os sacrifícios e inconvenientes estão
inexoravelmente ligados ao exercício do direito de greve.”Admite-se que nos “casos
extremos em que não seja possível uma redução a certo limite de nível de
produção, a satisfação, mesmo dos “standard” mínimos, só poderá ocorrer através
da manutenção da normalidade de produção” (X3).Por outro lado, “estando em causa sector ou sectores
particularizados, com atribuições específicas e legalmente delimitadas, a
definição dos serviços mínimos, tendo por finalidade assegurar aos membros da
comunidade o livre exercício dos direitos e liberdades constitucionalmente
protegidos, pautar-se-á pela matriz de referência necessária das respectivas
atribuições” (X4).O Conselho vem, no entanto,
advertindo não se poder ir além da enunciação destes critérios interpretativos e
chegar à individualização em geral, quer das necessidades a satisfazer, quer dos
serviços mínimos indispensáveis à sua satisfação (X5).Por um lado, a “multiplicidade dessas necessidades e a forma
multifacetada como se apresentam obstam à sua catalogação prévia sem graves
riscos de omissão (-), além de que a premência da sua satisfação dependerá, em
grande parte dos casos, das circunstâncias concretas em que se
apresentam.”Por outro, “a especificação dos serviços impostos pela satisfação
imediata dessas necessidades depende da consideração das exigências concretas de
cada situação que, em larga medida, serão condicionantes da adequação do serviço
a prestar em concreto, não deixando de figurar, entre essas mesmas
circunstâncias, como elementos relevantes, por exemplo, o próprio evoluir do
processo grevista que as determine, designadamente a sua extensão e a sua
duração, e a existência de actividades sucedâneas.”Neste condicionalismo, os serviços
mínimos a considerar são os que, “em função das circunstâncias concretas de cada
caso, forem adequados para que a empresa, estabelecimento ou serviço onde a
greve decorre e no âmbito da sua acção não deixe de prestar aos membros da
comunidade aquilo que, sendo essencial para a vida individual ou colectiva,
careça de imediata utilização ou aproveitamento para que não ocorra irremediável
prejuízo.”Trata-se, portanto, de formular “um juízo de oportunidade que pode
conduzir a resultados divergentes dentro do mesmo sector ou até em relação a
diferentes greves numa mesma empresa.”A “amplitude, desses serviços
mínimos é, também ela, naturalmente, muito variável”, revestindo-se “a sua
definição em concreto de muita relatividade .”4. Os procedimentos para
determinar quantos e quais os trabalhadores que devem ficar adstritos à
prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades
impreteríveis, são, como resulta da lei, da responsabilidade das associações
sindicais ([45]).De harmonia com o nº 8º, nº 1, da
Lei nº 65/77, a obrigação de assegurar os serviços mínimos é cometida
directamente às associações sindicais e aos trabalhadores em greve - os serviços
só podem ser prestados pelos trabalhadores, competindo às associações sindicais
a sua organização.A obrigação de prestação de serviços mínimos deve ser cumprida pelos
trabalhadores em greve (os serviços só podem ser prestados por trabalhadores),
mas as exigências de organização dirigem-se às associações sindicais. Todavia, a
execução dos serviços mínimos não coloca os trabalhadores fora do processo de
greve; a obrigação não é executada no plano de contrato do trabalho - que, nos
termos do artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77 se suspende durante a greve - e não
tem a fonte na relação laboral.Na prestação de serviços mínimos
os trabalhadores em greve não se colocam na disponibilidade do empregador;
mantêm perante este a indisponibilidade inerente à situação, ao estado de greve,
e cumprem fora do contrato de trabalho uma obrigação que é derivada directamente
da lei.No
decurso do processo de greve, a representação e a coordenação dos trabalhadores
em greve é assegurada, nos termos do artigo 3º, da Lei nº 65/77, pela associação
ou associações sindicais que hajam decretado a greve, ou por uma comissão
expressamente eleita, nos casos em que a greve tenha sido decretada por uma
assembleia de trabalhadores.À associação, ou, se for o caso, à comissão de greve, compete
a representação dos trabalhadores, e também a gestão da greve: v.g. na
organização de piquetes (artigo 4º), ou na designação dos trabalhadores
afectados à prestação de serviços mínimos.Expressamente referidas na lei
(também) como sujeitos passivos de obrigação de prestação serviços mínimos, e
uma vez definido o âmbito e a extensão destes, compete às associações sindicais,
ou à comissão de greve, como gestoras de processo, designar os trabalhadores
em greve
que sejam considerados necessários para o cumprimento eficaz da respectiva
obrigação ([46]).Competindo, assim, às associações
sindicais - ou à comissão de greve - a gestão de greve e a designação dos
trabalhadores adstritos à prestação de serviços mínimos, também lhe competirá,
instrumentalmente, definir e decidir sobre os procedimentos adequados a tal
designação.A designação de trabalhadores em
greve para prestarem serviços mínimos não
poderá, pois, ser determinada pela entidade empregadora.A lei não lhe confere tal
competência, e esta não resulta dos poderes de direcção e dos deveres de
subordinação inerentes ao contrato (ou à relação de emprego), porquanto durante
a greve, e por força da lei (artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77), estão suspensas
as relações emergentes do contrato de trabalho, desvinculando os trabalhadores dos deveres de subordinação e
assiduidade ([47]).Assim, no caso objecto de
consulta, se os médicos estiverem legitimamente em situação de greve, os
serviços não podem substituir-se à associação sindical na designação para
prestarem serviços mínimos, e como a greve suspende os deveres de subordinação e
assiduidade, os serviços não poderão injustificar as faltas dos médicos que, em
tais condições, tivessem sido designados para prestar serviços
mínimos.
VII1. Questiona-se também se, de ponto de vista legal, se justifica a
requisição civil.O regime legal da requisição civil, definido no Decreto–Lei nº
637/74, de 20 de Novembro, visou a “necessidade de assegurar o regular
funcionamento de certas actividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou
contínua acarretaria perturbações graves da vida social, económica e até
política em parte do território, num sector da vida nacional ou numa fracção da
população ([48]).A requisição civil compreende -
dispõe o artigo 1º, nº 1 - o conjunto de medidas determinadas pelo Governo
necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o
regular funcionamento dos serviços essenciais de interesse público ou de
sectores vitais da economia nacional.E o nº 2 da mesma disposição
determina que “a requisição civil tem um carácter excepcional, podendo ter por
objecto a prestação de serviços, individual ou colectiva, a cedência de bens
móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços
públicos e as empresas públicas, de economia mista ou privadas.”O artigo 3º enumera os
serviços e empresas sujeitas à requisição, entre os quais (alínea m)), a
prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos.”A requisição civil (de
bens, serviços e empresas) constitui um meio que o Governo pode utilizar para
assegurar o funcionamento de serviços essenciais (continuidade dos serviços) em
circunstâncias particularmente
graves (v.g., a ocorrência de uma catástrofe
natural).2. A lei da greve prevê no artigo 8º, nº 4, que, “no caso de
incumprimento das obrigações previstas nos nºs. 1 e 3, pode o Governo determinar
a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável.”A requisição civil, cuja
admissibilidade esta norma prevê em circunstâncias graves de conflitos laborais,
está condicionada à verificação de dois requisitos - que a empresa ou
estabelecimento (ou serviços) se destine à satisfação de necessidades sociais
impreteríveis e que as associações sindicais e os trabalhadores em greve não
estejam a cumprir voluntariamente a obrigação de prestação de serviços
mínimos.As
circunstâncias previstas na lei da greve como pressuposto da admissibilidade da
requisição civil (instituto de carácter marcadamente excepcional) constituem, no
rigor das coisas, uma explicitação ou concretização ex vi legis do pressuposto
verdadeiramente qualificador (“circunstâncias particularmente graves”) previsto
no artigo 1º , nº 1 do referido Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de
Novembro.Nos casos de greve, a falta de prestação de serviços mínimos pelas
associações sindicais e pelos trabalhadores em greve, constitui (pode
constituir), assim, nos termos da lei, pressuposto de admissibilidade da
requisição civil.A admissibilidade da medida, enquanto considerada no âmbito da aplicação do artigo 8º, nº 4, da
Lei nº 65/77, pressupõe uma situação, um
estado de greve susceptível de produzir os efeitos que a lei confere à greve
lícita: suspensão de contrato de trabalho e, por isso, com a insusceptibilidade
de actuar os poderes de direcção próprios do contrato, com as consequências que
uma violação grave de contrato poderia determinar.Por isso, se o comportamento dos
trabalhadores não puder ser considerado (ou não for considerado) exercício
legítimo de direito de greve, porque os termos da greve se não enquadram na
delimitação contida no plano de greve constante de pré-aviso, ou não revestem os
elementos nucleares do conceito normativo de greve, não se configura,
enquanto tal, qualquer obrigação de prestação de serviços mínimos . Nessas
circunstâncias, a greve não produz efeito suspensivo no contrato, continuando os
trabalhadores subordinados ao poder de direcção do empregador; consequentemente,
este poderá determinar a retoma da normalidade do trabalho. A greve ilícita não
confere ao trabalhador protecção contra o incumprimento
contratual.A desobediência dos trabalhadores - para além das consequências que
possa ter em termos disciplinares - poderá , é certo, provocar perturbações
sérias na continuidade dos serviços essenciais, materialmente equiparadas ao
incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos.Neste caso, se as
circunstâncias se revelarem particularmente graves nas consequências que
produzam na continuidade de serviços essenciais, poderá, legalmente, ser
invocado o fundamento geral de requisição civil (artigo 1º, nº 1, do Decreto–Lei
nº 637/74, de 20 de Novembro, mas não o pressuposto específico do artigo 8º, nº
4, da Lei nº 65/77.
VIII1. Pergunta-se ainda se o Sindicato e os médicos são responsáveis pelo
não cumprimento dos serviços mínimos.A responsabilidade das associações
sindicais e dos trabalhadores no plano individual suscita problemas delicados e
tem sido objecto de acesa discussão no direito de greve da Europa Ocidental
([49]).A lei nada dispõe especificamente
a este respeito, deixando as soluções, como em geral nesta matéria, ao cuidado
da jurisprudência e da doutrina.A questão parece pressupor uma
situação de greve a que possam a ser atribuídos os efeitos previstos na lei -
uma greve ‘lícita’ (termo que se utiliza por comodidade de
expressão).Nestes casos, apenas se dispõe da referência directa do artigo 11º da
Lei nº 65/77: a greve ilícita - a greve que não é declarada de acordo com a lei
de greve ou, acrescente-se, por paridade de razão, a greve que é desenvolvida ou
executada com violação de disposições imperativas da lei, faz incorrer os
trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas ([50]).A associação sindical, como
gestora e coordenadora da greve e co-responsável da obrigação de serviços
mínimos, se não organizar os procedimentos necessários à designação dos
trabalhadores para o cumprimento de tal obrigação, pratica um acto ilícito,
susceptível de gerar responsabilidade civil, nos termos gerais ([51]).Por seu lado, os médicos que não
cumpram os serviços mínimos – estando adstritos ao cumprimento e se tiverem sido
designados para os satisfazerem - podem ser passíveis de responsabilidade civil
e, mesmo, penal, se se verificarem os respectivos pressupostos.2. Não se enquadrando, porém, a
actuação dita ‘grevista’ no quadro de legitimidade definida pela lei da greve
(p., ex., se contrariar os termos do pré-aviso, ou se se configurar como
comportamento a que faltam os elementos essenciais do conceito de greve), os
profissionais que se abstiverem da prática de actos próprios da função estão
sujeitos, como se referiu, ao regime disciplinar que lhes seja próprio. Não
podendo, em tais circunstâncias, colher os efeitos da suspensão do contrato e da
(temporária) desvinculação dos deveres de subordinação, a cessação do trabalho
sujeita os médicos à apreciação da sua conduta no domínio do regime disciplinar
([52]).Mas, para além desta consequência,
e no plano do dever de assistência às pessoas dela carecidas, a cessação do
trabalho e a omissão de actos próprios da função pode envolver responsabilidade
criminal, e civil por acto ilícito, se se verificarem os pressupostos
respectivos ([53]) ([54]).
IXAs considerações desenvolvidas
no parecer sobre as diversas questões suscitadas, e as soluções que foram
encontradas, permitem verificar que, não obstante a autonomia de construção
metodológica e a não coincidência inteira das vias de argumentação, as
conclusões obtidas são substancialmente coincidentes com as conclusões a que se
chegou no documento enviado pelo Ministério, referido na nota
(1).
XEm face do exposto, formulam-se as
seguintes conclusões:
1ª - O direito de greve, reconhecido como direito fundamental pelo
artigo 57º da Constituição, é garantido aos trabalhadores da função
pública;2ª
- Não havendo ainda sido editada a legislação relativa ao exercício do direito
de greve na função pública, prevista no nº 2 do artigo 12º da Lei nº 65/77, de
26 Agosto, aplicam-se as normas gerais deste diploma com as necessárias
adaptações;3ª - O pré-aviso, previsto no artigo 5º, da Lei nº 65/77, de 26 de
Agosto, constitui uma formalidade essencial do processo de greve, que se destina
a dar conhecimento à entidade empregadora e, nos casos de serviços essenciais,
ao público em geral, da delimitação do âmbito da greve, os sectores a abranger
e, pelo menos, a data e hora do início da greve.4ª - Não é lícita, fazendo
incorrer os trabalhadores nas consequências previstas no artigo 11º, da Lei nº
65/77, de 26 de Agosto, uma greve que seja executada e desenvolvida em condições
diversas e com um plano de greve diferente do que consta do
pré-aviso;5ª - A noção de greve normativamente relevante, nos termos do artigo
57º da Constituição e do artigo 1º da Lei nº 65/77, supõe, como elementos
essenciais, uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução
de objectivos comuns;6ª - A greve declarada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM),
avaliada nos termos constantes do pré-aviso de 10 de Setembro de 1998,
(paralisação total, com ausência dos locais de trabalho), respeita os requisitos
referidos na conclusão anterior;7ª - Porém, o modo como é descrito
o desenvolvimento da greve (interrupção e retoma do trabalho pelos médicos,
sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria directamente os termos
do pré-aviso e sujeita os médicos às consequências determinadas no artigo 11º,
ex vi do
artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto;8º - De todo o modo, uma actuação
levada a cabo nas condições referidas na conclusão anterior (interrupção do
trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria
a noção de greve constante da conclusão 5ª, e levando a consequências
imprevisíveis na organização dos serviços e podendo provocar danos
desproporcionados para os utentes, é ilegal;9ª - O direito de greve, enquanto
direito fundamental, sofre os limites resultantes da necessária conciliação com
outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no artigo 57º, nº
3, da Constituição e nos nºs. 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77: as associações
sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços
mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais
impreteríveis;10ª - A definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos
indispensáveis, relevando de interesses fundamentais da colectividade, está
condicionada por critérios de adequação e proporcionalidade e compete ao
Governo;11ª - O conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de
ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial
do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e
adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de
irremediável prejuízo;12ª - Os serviços afectados pela greve não se podem substituir às
associações sindicais quando estas não cumprirem a obrigação de designar os
trabalhadores que devem ficar, em cada caso, adstritos à prestação de serviços
mínimos;13ª - A condição de admissibilidade da requisição civil prevista no
artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77, pressupõe que a falta de prestação de serviços
mínimos se verifique no âmbito de uma greve com os efeitos previstos no artigo
7º, nº 1, da respectiva Lei;14ª - Todavia, a ocorrência de perturbação de serviços
essenciais em resultado de comportamentos dos trabalhadores não abrangidos pelos
efeitos da greve, pode constituir pressuposto da requisição civil, se for
considerada “perturbação particularmente grave” nos termos do artigo 1º, nº 1,
do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;15ª - O Sindicato que declare uma
greve e os trabalhadores podem ser responsabilizados, nos termos gerais (civil,
disciplinar ou criminalmente), pelas consequências que resultarem da omissão de
prestação de serviços mínimos.VOTO
(Eduardo de
Melo Lucas Coelho) - Vencido nos termos que as condições de urgência não
permitem senão sumariar.1. Quanto as conclusões 6ª, 7ª e 8ª, por haver razões para considerar
que a greve foi declarada e constituída ab
origine pelo SIM como greve
«self-service».Elas relacionam-se com as
comunicações públicas do SIM neste sentido, postas em relevo no parecer de GOMES
CANOTILHO/JORGE LEITE constante do processo (cfr., nomeadamente, os pontos A. 1.
e B.7.), o que lhes permitiu formular as conclusões 3. 4. e 5., com saliência
para a afirmação seguinte: “a acção de protesto desencadeada pelo SIM situa-se
fora do círculo de acções constitucional e legalmente protegidas como greve, não
se configurando sequer, do ponto de vista legal, como greve”.Tal visão das coisas reflectir-se-ia, praticamente, de forma não
despicienda, por exemplo na questão da responsabilidade dos médicos aderentes à
«greve», posto que, dessa óptica, estes ter-se-iam limitado a fazer a «greve» em
conformidade com os ditames - «self-service» - emanados pelo
Sindicato.2. Vencido
igualmente quanto à conclusão 10ª, nos termos de idênticos votos formulados nos
pareceres nºs. 100/89, 18/98 e 52/98, os quais, com as necessárias adaptações,
dou por reproduzidos.___________________[1]) Parecer dos Professor J.J. Gomes
Canotilho e Doutor Jorge
Leite.[2]) O parecer enviado pelo
Ministério, referido na nota anterior, analisa detalhadamente as questões
colocadas, nomeadamente a caracterização da chamada greve
‘self-service’.Formulou 31 conclusões, firmando
posição no sentido da ilegalidade da referida actuação. [3]) Na redacção da Lei Constitucional nº 1/97. A revisão de 1997
acrescentou o nº 3 (passando o anterior nº 3 a nº 4) e a disposição corresponde
ao artigo 58º na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, que reuniu os artigos
59º e 60º da primitiva redacção.O nº 3 acrescentado
pela revisão de 97 dispõe: “A lei define as condições de prestação, durante a
greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e
instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à
satisfação de necessidades sociais impreteríveis.”[4]) Cfr. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 2ª ed., Coimbra, 1984, 1º vol.,
p. 313. Segue-se, neste ponto, a abordagem introdutória ao conceito de greve dos
pareceres deste Conselho nº 54/87, de 22 de Outubro de 1987 e 100/89, de 5 de
Abril de 1990, publicado no Diário da
República, II Série, de 29-11-90.[5]) Cfr., v.g., Bernardo Lobo
Xavier, Direito de
Greve, Lisboa, 1984, pp. 55 e
seguintes.[6]) Gomes
Canotilho e Vital
Moreira, in Constituição
- Anotada, cit., p. 314, admitem a extensão deste segundo elemento “a qualquer
outra forma típica de incumprimento de prestação de trabalho”, já que o preceito
constitucional “não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou
seus modos de desenvolvimento”, desde que não se traduzam em dano de direito ou
bens constitucionalmente protegidos de outrem.[7]) Cfr. Bernardo Lobo
Xavier, Direito de Greve, cit., pp. 55 e 56, com várias referências a formulações diversas
retiradas da doutrina estrangeira.[8]) Cfr., v.g.,
Monteiro Fernandes,
Direito de Greve, Nota e Comentários à Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, 1982, pág.
18 e 19 e Direito do Trabalho, 10ª edição, pág. 821.[9]) Cfr., v.g.,
Pareceres deste Conselho nº 123-B/76, de 3 de Março de 1977, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, págs. 57 e segs.; nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981,
publicado no Boletim do Ministério da
Justiça, nº 316, pág. 82 e no Diário da República, 2ª Série, nº 111, de
28 de Maio de 1982; cfr., na doutrina, entre outras referências, Bernardo Lobo Xavier, cit., pág. 55 e
segs.; Helene Sinay et
Jean Claude Javillier,
Droit du Travail,
La Grève, tomo 6, 2ª ,
pág. 34-44.[10]) Acompanha-se textualmente o
Parecer do Conselho nº 123-B/76, cit.[11]) Do Parecer nº
123-B/76 cit.[12]) Cfr. Constituição da República, Anotada, Vol.
II, p. 315-316.[13]) Cf. Bernardo Xavier, “A licitude dos objectos da greve
(A propósito do artigo 59º, nº 2, da
Constituição)”, estudo publicado na, Revista de Direito e Economia, ano V, nº
2, Julho, Outubro de 1979, pp. 267 e seguintes, designadamente pp. 304 e
305.[14]) Parecer nº 123-B/76 cit.,
Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, designadamente pp. 92-94.[15]) Cfr. Parecer nº 123-B/76, cit., que se seguiu de perto[16]) Como, v.g., expressamente prevê em Espanha o artigo 7º, 2º, do
Real-Decreto nº 171/1977, de 4 de Março: “Las Huelgas rotatorias, las efectuadas
por los trabajadores que presten servicios em sectores estratégicos con la
finalidad de interrumpir el proceso productivo, las de celo o regulamento y, en
general, cualquer forma de alteración colectiva en el régimen de trabajo
distinta a la huelga, se consideran actos ilicitos o abusivos.”Cfr. Javier Matia Prim, El Abuso del Derecho de
Huelga, ed. CES, 1996, págs. 25 e segs.[17]) Ao contrário, por exemplo, do Decreto-Lei nº 392/74, de 27 de
Agosto.[18]) Cfrs. Pareceres deste Conselho
nº 52/98, de 17 de Agosto de 1998, publicado no Diário da República, II Série, nº 229/98,
de 3 de Outubro, e 22/89, de 29-3-89, homologado mas não publicado.[19]) Cfr., Parecer nº 41/86, de 19 de Março de 1982.[20]) Cfr., v.g., Bernardo
Xavier, op.
cit., pág. 154, e Hélène
Sinay e Jean-Claude
Javillier, op.
cit., pág. 45 e segs.[21]) Cfr. a seriação dos argumentos a favor e contra o monopólio
sindical de greve em Sinay e
Javillier, cit., pág. 45/48. [22]) Na redacção de Lei nº 30/92, de 20 de Outubro. A
constitucionalidade da norma foi suscitada em fiscalização preventiva, e
apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 289/92, no Diário da República, II Série, de 19 de
Setembro de 1992. O Tribunal concluiu pela constitucionalidade do preceito,
entendendo que a ampliação dos prazos não corresponderia a uma restrição
substancial do direito de greve, mas a uma conformação do modo concreto do seu
exercício que não poderia ser considerada excessiva ou irrazoável.[23]) Cfr., v.g., o Parecer deste Conselho nº 156/81, de 3 de Dezembro de
1981, publicado no Diário da
República , II Série, de 28 de Maio de
1982.[24]) Na primitiva redacção do artigo
5º, os prazos eram, respectivamente, de 48 horas e 5 dias. O Parecer do Conselho
nº 48/78, de 29 de Junho, publicado no Boletim do
Ministério da Justiça, nº 283, resumiu a discussão
nos seguintes termos:“Salienta-se. desde logo, que
enquanto os projectos de lei do P.C.P. e da U.D.P. não continham referências a
qualquer pré-aviso a proposta de lei do governo mencionava um pré-aviso de 48
horas (artigo 4º).Vejamos, porém, mais em pormenor,
o que se passou, nesta matéria na Assembleia da República.O Partido Social-Democrata apresentou para o pré-aviso o prazo de 4
dias e o Centro Democrático Social o de 5 dias, tendo o Senhor Deputado Azevedo
e Vasconcelos (C.D.S.) considerado manifestamente insuficiente o prazo de 48
horas constante da proposta do governo (Diário da República, nº 122, pág.
4179).O Partido Comunista Português, pelas vozes dos
seus Deputados Carlos de Brito e Jorge Leite. manifestou oposição, em geral, ao
pré-aviso, considerando-o extremamente lesivo dos interesses dos trabalhadores
na medida em que praticamente impossibilita as greves de curta duração (Diário
da Assembleia da República, nº 123, págs. 4257 e 4259).Também o Senhor Deputado Acácio Barreiros (U.D.P.) discordou da
obrigatoriedade de pré-aviso (Diário da Assembleia da República, nº 123, págs.
4227) e os Deputados Independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira
propuseram mesmo a eliminação do artigo 5º que respeitava ao pré-aviso (2º
Suplemento ao Diário da Assembleia da República, nº 123, de 30 de Junho de 1977;
cfr. Diário da Assembleia da República, nº 123, pág. 4226).”O texto da substituição apresentada pela Comissão de Trabalho, e que
constituía a primeira versão do artigo 5º, foi aprovado com 116 votos a favor do
P.S. e do P.C.P.[25]) Cfr., v.g., Bernardo Lobo Xavier, op. cit. págs. 159-162, e António Baylos Grau, “Derecho de Huelga y Servicios Esenciales,
ed. Tecnos, págs. 147 e segs.[26]) Cfr. v..g.,
Bernardo Xavier,
op. cit., pág. 161 e
Sinay-Javillier,
op. cit., pág. 410 e o
Parecer deste Conselho nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981.[27]) A formulação é de Monteiro
Fernandes, op.
cit., pág. 817 e segs.[28]) Seguindo alguma doutrina, o direito de greve apresenta uma dupla
fisionomia – quanto ao conteúdo, um direito
potestativo, e quanto ao interesse tutelado, um
direito subjectivo colectivo. Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit.,
pág. 818, nota (2), citando a síntese de Santoro-Passarelli.[29]) Bernardo Lobo Xavier, op. cit.,
pág. 248 e segs., v.g., ensaia construir dogmaticamente o direito como um
direito de dimensão processual, como concretização de um direito fundamental ao
conflito.[30]) Cfr. v.g. Pareceres nº 22/89 e
52/98, cit., que neste ponto se acompanha de perto.[31]) Nem sempre, porém, será assim: a ausência ao trabalho em dia de
greve pode resultar, v.g., de doença, sem que o trabalhador tenha formado a sua
vontade no sentido da adesão.[32]) Cfr., v.g.
Menezes Cordeiro,
Direito do Trabalho,
1991, pág. 386.[33]) Cfr., v.g. Menezes Cordeiro, idem, pág. 389, e Pareceres nº 22/89 e
52/98, cit.[34]) Cfr. comunicado do Conselho
Nacional do SIM de 15 de Dezembro de 1998.No aspecto
estritamente formal, o
comunicado da associação sindical expressando a prorrogação de greve, desde que
devidamente divulgado, constitui um meio idóneo e satisfaz, nos limites do seu
objecto, as condições exigidas pelo artigo 5º da Lei de Greve – cfr. v.g.
Parecer nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, cit.[35]) Não se dispõem a este respeito de outros elementos no processo que
não sejam os recolhidos no parecer enviado com o pedido de consulta, e, segundo
se refere, através de declarações de dirigentes do SIM na comunicação social ou
retirados do contexto da análise de comentadores na imprensa. É apenas de tais
elementos que resulta a qualificação, que vem fazendo caminho, de “greve
self-service”. Que será “assim considerada por permitir a qualquer médico,
individualmente ou em grupo, fazer greve a todo o momento e pelo tempo que
desejar, sem aviso prévio” – cfr. parecer enviado, pág. 2.Cfr. contudo, a expressa formulação da segunda questão suscitada na
consulta.[36]) Refira-se, a este propósito, em
sistemas próximo, a ilicitude de greves intermitentes, ou com objectivo de
desorganizar o plano de produção ou o funcionamento dos serviços, com mínimo
prejuízo remuneratório para os trabalhadores: v.g. as greves sucessivas por
curtos períodos. Uma greve por curtos períodos sucessivos, foi, porém
considerada lícita no Parecer nº 156/81, cit.Cfr.,
v.g., Javier Matia Prim,
op. cit.,[37]) Acompanham-se neste ponto os Pareceres deste Conselho nº 100/89, e
52/98, cit, seguindo-se de perto a síntese de formulação da doutrina do Conselho
do Parecer nº 52/98.[38]) Dispõe:
“Artigo 8ºObrigações durante a greve1- Nas
empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades
sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores
obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos
indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.2- Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se
empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades
sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes
sectores:a) Correios e
telecomunicações;b) Serviços médicos, hospitalares e
medicamentosos;c)Salubridade pública, incluindo a
realização de funerais;d) Serviços de energia e
minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;e)
Abastecimento de águas;f) Bombeiros;g) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares
deterioráveis.3- As associações sindicais e os
trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços
necessários à segurança e manutenção do equipamento e
instalações.4- No caso de não cumprimento do
disposto neste artigo, o Governo poderá determinar a requisição ou mobilização,
nos termos da lei aplicável.”Redacção com as
alterações introduzidas nas alíneas c) e d) do nº 2 pela Lei nº 30/92, de 20 de
Outubro, e bem assim, as consequências da declaração de inconstitucionalidade de
que foi objecto - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96, de 4 de
Julho de 1996, publicado no Diário da
República, I Série A, nº 241, de 16 de Outubro de
1996. [39]) Tópico recordado no Parecer nº
86/82, de 8 de Julho de 1982, publicado no Diário da
República, II Série, nº 131, de 8 de Julho de
1983.[40]) Que revelará, mesmo, e após a
revisão constitucional de 1997 e a nova redacção do artigo 57º, nº 3, da
Constituição, uma omissão quanto à injunção constitucional.[41]) Cfr., v.g., Pareceres nºs 22/89, 100/89, 18/98 e
52/98.[42]) A Lei nº 30/92, de 20 de
Outubro, pretendeu solucionar expressamente o problema, definindo, na redacção
que introduziu nos nºs 4 a 7 do artigo 8º da Lei nº 65/77, um procedimento
complexo de conciliação entre os interesses fundamentais da comunidade e os
interesses dos trabalhadores. A declaração de inconstitucionalidade,
por razões meramente formais, inviabilizou a solução - Acórdão do Tribunal Constitucional nº
868/96, cit. nota (38).[43]) V.g., João José Abrantes, Estudos de Direito de Trabalho, Lisboa,
1992, pág. 142.[44]) Pareceres nºs 18/98 e 52/98,
cit.X1) Parecer nº
86/82.X2) Parecer nº 18/98.X3) “No sentido exposto, o Parecer nº 22/89 (nº8). No Parecer nº 18/98
chegou, neste plano, a concluir-se que os serviços mínimos a desempenhar
correspondiam aos serviços normais de todo o sector em greve - os tribunais de turno, considerados
nessa tónica como uma modalidade de serviços mínimos da Administração da
Justiça.”X4) Parecer nº 23/89.X5) Pareceres nºs 86/82 e 22/89.[45]) De idêntico modo se passam as coisas quanto aos serviços
necessários à manutenção do equipamento e instalações - artigo 8º, nº 3, da Lei
nº 65/77.[46]) Acompanhou-se o Parecer nº
100/89, retomado no Parecer nº 52/98. [47]) A Lei nº 30/92,
de 20 de Outubro, pretendeu criar uma solução directa para, de modo imediato e
sem recurso a procedimentos de excepção (como v.g. a requisição), ultrapassar o
incumprimento pelas associações sindicais de obrigação da designação dos
trabalhadores.O nº 8 do artigo 8º, na redacção da
referida lei, dispunha, com efeito, que “os representantes dos trabalhadores a
que se refere o artigo 3º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à
prestação dos serviços referidos nos nºs. 1 e 3, até quarenta e oito horas antes
do início do período de greve e, se o não fizerem, deve a entidade empregadora
proceder a essa designação”.A declaração de
inconstitucionalidade pelo referido acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96
inviabilizou a solução.[48]) Do curto preâmbulo do
diploma.[49]) Cfr., v.g., as referências de
Bernardo Lobo Xavier,
“A greve no Direito da Europa
Ocidental, in “Revista de Direito e Estudos
Sociais”, Ano XXXVIII, 1996, pág. 45. [50]) Os efeitos das
faltas injustificadas na função pública estão previstos no artigo 71º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 429/88, de 30 de Dezembro: as faltas injustificadas, para além
das consequências disciplinares a que possam dar lugar, determinam sempre a
perda das remunerações correspondentes aos dias de ausência, não contam para
efeitos de antiguidade e descontam nas férias, no ano civil seguinte, na
proporção de um dia de férias por cada falta (artigo 12º, nº 2). [51]) Artigo 483º, nº 1, do Código Civil: “Aquele que, com dolo ou mera
culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação.” [52]) O Decreto-Lei nº
373/79, de 8 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Médico nos serviços
públicos, dispõe no artigo 7º, nº 1, que aos médicos cabe o dever de cumprir as
obrigações e funções que lhe competem e que hajam sido legalmente estabelecidas
(alínea a)) e observar os horários estabelecidos para o regime de trabalho a que
se encontrem sujeitos – alínea b).O artigo 8º, nº 1,
determina, por sua vez, que a violação dos deveres enunciados, faz incorrer o
médico em responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, consoante os casos.
[53]) Cfr. Parecer deste Conselho nº
91/82, de 9 de Julho de 1982. [54]) “Philippe Terneyre "La grève dans les
services publics", Collection Droit Public, Paris 1991, pp.134 e sgs. e
Lucien Rapp, "Les
conséquences de la grève dans les services publics: réflexions sur l'usager", in
‘Revue française de droit public’, 1988, pp. 837 e segs., dão conta da situação
de responsabilidade que pode ser exigida ao Estado, colectividades territoriais,
estabelecimentos e empresas públicas, se não tomaram as medidas necessárias, por
exemplo, ao funcionamento dos serviços mínimos. Também contra os próprios
sindicatos têm sido propostas acções de indemnização pelos utentes de serviços.
A jurisprudência, quanto a estes, só os tem responsabilizado se participaram
efectivamente em acções constitutivas de infracções penais ou em factos que não
possam ser ligados ao exercício normal do direito de greve. Uma vez que os
prejuízos, por efeito de uma greve, indirectamente suportados por terceiros, não
serão indemnizáveis, já os que se referiram serão enquadráveis nas regras gerais
da responsabilidade civil.” – Cfr., a este propósito, o parecer 18/98, de 30 de
Março de 1998, cit.

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